ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU

 

PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU

 

NUP: 00688.000717/2019-98

INTERESSADO: DECOR

ASSUNTO: MARCO TEMPORAL A SER UTILIZADO PARA A APLICAÇÃO DOS REGIMES LICITATÓRIOS QUE SERÃO REVOGADOS PELA LEI N. 14.133, DE 2021. DEMAIS ASPECTOS (EXEGESE DO ART. 191, PARÁGRAFO ÚNICO).

 

EMENTA: LEI 14.133/2021. REVOGAÇÃO DOS REGIMES LICITATÓRIOS (LEI Nº 8.666/93, LEI Nº 10.520/02 E ARTS. 1º A 47-A DA LEI Nº 12.462/11). MARCO TEMPORAL A SER UTILIZADO PARA A APLICAÇÃO DOS REGIMES LICITATÓRIOS QUE SERÃO REVOGADOS. DEMAIS ASPECTOS. EXEGESE DO ART. 191, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 14.133/21.
I - A expressão legal "opção por licitar ou contratar", para fins de definição do ato jurídico estabelecido como referência para aplicação da ultratividade da legislação anterior, deve ser a manifestação pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011).
II - Desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa, a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 14.262/2011
III - Uma vez que a Lei nº 14.133/2021 firmou a ultratividade de aplicação do regime contratual da Lei nº 8.666/93 aos contratos firmados antes de sua entrada em vigor (art. 190 da NLLCA) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior seja feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191 da NLLCA), as regras de alteração dos contratos administrativos previstas nesta legislação anterior, mesmo após a sua revogação, poderão ser aplicadas no respectivo contrato durante toda a sua vigência.
IV - Os contratos sob o regime jurídico da  Lei nº 8.666/93, que tenham sido firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 (art. 190 da NLLCA) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior tenha sido feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191 da NLLCA), terão seu regime de vigência definido pela Lei nº 8.666/93, aplicação que envolve não apenas os prazos de vigência ordinariamente definidos, mas também suas prorrogações, em sentido estrito ou em sentido amplo (renovação).

 

 

 

DO RELATÓRIO

 

Trata-se de processo distribuído pela Exma Coordenadora da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Advocacia-Geral da União, conforme Despacho nº 00007/2022/CNLCA/CGU/AGU, tendo em vista a reunião de trabalho da CNLCA, de 16 de maio de 2022 (Termo de Reunião nº 00001/2022/DECOR/CGU/AGU), para que o presente signatário elabore parecer  acerca “do marco temporal a ser utilizado na aplicação dos regimes licitatórios que serão revogados pela Lei n. 14.133, de 2021 (exegese do art.191, parágrafo único)”.

Por meio do Despacho n. 00007/2022/CNLCA/CGU/AGU (Seq. 76), os autos foram encaminhados para análise e manifestação com a seguinte orientação:

 

 [...], parece-nos importante definir claramente o momento em que se considera feita essa opção, se seria na instauração do processo, na elaboração do termo de referência ou na publicação do edital, apenas para citar algumas das possibilidades.
5. Em outras palavras, esta Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos deliberou pela necessidade de interpretar o art. 191, parágrafo único, da Lei n. 14.133, de 2021, de modo a precisar o marco temporal trazido pelo dispositivo, e, assim, uniformizar a aplicação da norma no âmbito da Administração Pública.
6. Com esse intuito, promovo, nesta data, a distribuição dos autos para análise e elaboração de parecer. 

 

Dessa forma, a presente manifestação jurídica visa analisar os aspectos que envolvem a exegese do art. 191, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021, buscando definir orientação acerca do marco temporal a ser utilizado para a aplicação dos regimes licitatórios que serão revogados pela Lei nº 14.133/2021 e, assim, uniformizar a aplicação da norma no âmbito da Administração Pública.

Importante registrar que esta análise envolve a compreensão sobre qual o limite para a aplicação dos regimes licitatórios anteriores, que serão revogados dois anos após a publicação oficial da Lei nº 14.133/2021, bem como a aplicação desta compreensão em relação a questões correlatas, como a continuidade dos contratos firmados e as contratações decorrentes de atas de registro de preços.

Nesta feita, após uma rápida introdução sobre o assunto, tentaremos levantar propostas de orientação jurídica sobre as questões em análise.

É o relatório.

 

DA ANÁLISE JURÍDICA

 

A Lei nº 14.133/2021 (NLLCA), ao tratar sobre sua vigência e aplicação, trouxe norma interessante que, em relação ao regime licitatório, prevê sua vigência imediata e define que a revogação da legislação "substituída" (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e parte da Lei nº 12.462/2011) se dará apenas dois anos após sua publicação (da NLLCA).

Isso é o que claramente se depreende da leitura dos seus artigos 193 e 194, senão vejamos:

 

Art. 193. Revogam-se:
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.
Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Definiu-se, então, uma revogação diferida ou postergada da legislação antiga. Com tal disposição, permitiu o legislador um período de convivência normativa entre a Lei nº 14.133/2021 e a legislação que ela irá revogar, sendo tal efeito jurídico (revogação) postergado para dois anos após a publicação da NLLCA.

Obviamente, convivendo juridicamente os dois regimes licitatórios (o novo e o antigo) é presumível a possibilidade da aplicação de ambos. Para tal questão, a disposição dos artigos 193 e 194 deve ser complementada com a regras do caput do artigo 191.

 
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.

 

Como bem explica Rafael Sérgio Oliveira, a Lei nº 14.133/2021 "traz um período de transição, prevendo um intervalo de convivência de 2 (dois) anos entre o novo regime e o sistema tradicional". E continua o autor:

 
Isto é, embora a Lei nº 14.133/2021 já esteja em vigor, continuam vigorando também os diplomas relativos ao que denominamos de regime tradicional, que são a Lei nº8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002 e a Lei nº 12.462/2011. Estas últimas só estarão revogadas em 1º de abril de 2023, data em que se encerram os 2 (dois) anos a que se refere o inciso II do art. 193 da Nova Lei (CAMARÃO, Tatiana; FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 612).

 

Da leitura do texto legal, infere-se que tanto para a licitação quanto para as contratações diretas, a Administração, no decurso desse prazo de até 2 (dois) anos após a publicação oficial da Lei nº 14.133/2021, poderá adotar as Leis anteriores (Lei nº 8.666/93 - Lei geral de licitações -, Lei nº 10.520/2002 - Lei do pregão - e Lei nº 12.462/2011 - RDC) ou a NLLCA (Lei nº 14.133/2021), não sendo permitida a aplicação híbrida ou combinada dos regimes anteriores e o novo regime, conforme destacamos anteriormente:

 

Segundo o artigo 191, até o decurso do prazo de 2 (dois) anos, contado da data de publicação da Lei nº 14.133/21, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos ou de acordo com os antigos regimes jurídicos licitatórios (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011).
Com isso, o legislador estabeleceu um período de dois anos para experimentação das regras da nova legislação.
De certa forma, há precedentes parcialmente similares em nossas legislações anteriores.
A Lei nº 12.462/2011, ao instituir o Regime Diferenciado de Contratações, permitia que sua aplicação fosse definida no instrumento convocatório, o que afastaria a aplicação da lei nº 8.666/93, em relação ao procedimento licitatório.
Já a Lei nº 13.303/2016 (Lei das estatais) definiu que a empresa pública e a sociedade de economia mista teria um prazo de 24 (vinte e quatro) meses para se adaptar à nova legislação. Assim, embora as suas regras licitatórias tenham entrado em vigor na data da publicação da Lei nº 13.303/2021, ela admitiu um prazo de até 24 (vinte e quatro) meses para que as estatais se adaptassem ao novo regime licitatório e contratual.
Em relação ao regramento das estatais, contudo, havia uma diferença. Enquanto na Lei nº 13.303/2016 a estatal poderia, em prazo inferior aos 24 meses, optar pela migração para o novo regime, momento à partir do qual este passaria a ser utilizado em todas as novas licitações, na Lei nº 14.133/2021 esse período de adaptação permitirá o uso alternativo da nova e da velha legislação, durante o lapso temporal em que elas estarão “convivendo”. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 13. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 895)

 

Matheus Carvalho também ressalta a peculiaridade desta regra de convivência normativa, em comparação com a Lei nº 13.303/2016, por admitir "que a escolha pela utilização da nova legislação em um determinado processo licitatório pelo órgão não impede que, em outro certame, seja utilizada a legislação anterior.” (CARVALHO, Matheus. et al. Nova Lei de Licitações comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p. 675)

Assim, pode-se dizer que durante os dois anos posteriores à publicação da Lei nº 14.133/2021, o gestor público pode "optar por" aplicar o regime novo ou o antigo, mesmo que de maneira alternada, mas sem jamais  mesclar os regimes, seja para licitações, seja para as contratações diretas. 

 

“[...] durante os dois anos que se seguem à publicação da nova lei a Administração dispõe de três opções: aplicar o regime novo; aplicar o regime antigo; ou ainda alternar os regimes, ora promovendo licitações sob o regime antigo e ora promovendo licitações sob o regime novo, não sendo possível misturar as duas normas no mesmo procedimento.”
"Essa solução é muito parecida com a regra prevista na Lei nº 13.303/16 que disciplina as estatais, com a diferença que, para essas empresas não existia a coexistência dos dois regimes, elas não tinham a opção de utilizar os dois regimes ao mesmo tempo, porque não existia um regime jurídico específico anterior e sim algumas disposições esparsas no ordenamento.” (MARINELA, Fernanda. CUNHA, Rogério S. Manual de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 38)

 

Nesse prumo, para Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a fixação do prazo para revogação diferida dos diplomas tradicionais de licitação teve por objetivo "estabelecer um regime de transição para que os gestores públicos conheçam melhor o novo regime licitatório, qualifiquem as suas equipes e promovam, paulatinamente, as adequações institucionais necessárias para efetividade dos dispositivos da nova Lei de Licitações” (OLIVEIRA, Rafael C. Rezende. Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Prática. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 7).

Esta regra, portanto, permitiu um período de experimentação, de convivência normativa do regime licitatório novo com o antigo, admitindo a aplicabilidade de um ou outro, em cada licitação ou contratação direta.

Contudo, embora seja clara a possibilidade desta convivência normativa, há dúvidas práticas sobre sua aplicação aos processos licitatórios, notadamente em relação ao termo final para a aplicação do regime licitatório anterior, que será revogado pela Lei nº 14.133/2021, bem como sobre qual o regime jurídico a ser aplicado aos processos licitatórios e contratações fundamentados na legislação anterior, iniciados porém não concluídos antes de sua revogação.

Sobre algumas dessas questões, serão dedicadas as próximas linhas deste parecer.

 

 

Art. 191, o significado de "optar por licitar" e o ato jurídico estabelecido como referência para aplicação da ultratividade da legislação anterior

 

Como explicado, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, em seu artigo 193, prevê a revogação da Lei n. 8.666/93, da Lei n. 10.520/2002 (Pregão), e dos arts. 1º a 47-A da Lei n. 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas), após decorridos 2 (dois) anos da sua publicação oficial.

Admitido este período de convivência normativa entre a legislação nova e a antiga, sendo a licitação um processo que envolve um encadeamento de atos, com relevante consumo de tempo, que gera uma contratação que se prolonga por determinado período, o legislador precisou tratar sobre os limites para a aplicação desta convivência normativa. Tal disciplinamento pode ser identificado, sobretudo, no texto do artigo 191 da Lei nº 14.133/2021:

 

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência. [grifos nossos]

 

Tem-se que até o decurso do prazo de 2 (dois) anos, contado da data de publicação da Lei nº 14.133/21, a Administração poderá "optar por licitar ou contratar" diretamente de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos ou de acordo com os antigos regimes jurídicos licitatórios (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011).

Segundo o artigo 191, a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, sendo vedada a aplicação combinada da Lei nº 14.133/21 com as Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011, citadas anteriormente. A alusão à indicação expressa no edital decorre de uma razão óbvia e já constava em regra similar na Lei nº 12.462/2011 (§2º do artigo 1º). Isso porque, existindo dois regimes jurídicos licitatórios aplicáveis, é inafastável que o edital da licitação indique qual deles será aplicado ao certame, para que os fornecedores interessados possam saber qual regramento será aplicável àquela licitação.

Nesse diapasão, conforme disposto no parágrafo único do artigo 191, se a Administração "optar por licitar ou contratar" de acordo com os antigos regimes licitatórios, o contrato respectivo será regido pelas regras neles previstas durante toda a sua vigência, mesmo após a revogação da legislação anterior.

Contudo, existe certa discussão doutrinária acerca de qual o ato jurídico que determina a aplicação da eventual ultratividade da legislação anterior. A "opção por licitar ou contratar" ocorreria na fase preparatória (interna) ou apenas com a divulgação do Edital (fase externa)?

Há quem defenda que a "opção" apenas se daria com a publicação do edital. Outra corrente da doutrina defende que a "opção" é realizada ainda na fase preparatória, através de ato interno, pela autoridade competente, que deve ser considerado para fins de definição do ato jurídico que determina a aplicação da eventual ultratividade da legislação anterior.

Assim, inicialmente, o tema objeto da presente análise envolve especificamente a discussão acerca do ato jurídico que determina a aplicação da eventual ultratividade da legislação anterior, nos termos do artigo 191 da Lei nº 14.133/2021.

É de suma importância que se defina claramente o momento em que se considera feita a "opção por licitar ou contratar", pela NLLCA ou pelo regime licitatório antigo. Isso porque, praticado este ato jurídico ainda durante o prazo de convivência normativa, definir-se-á a ultratividade do regime jurídico revogado para os atos e contratos posteriores a sua revogação.

Trata-se, obviamente, da tentativa de interpretar o dispositivo para identificar o sentido da expressão escolhida pelo legislador.

Pois bem, como já indicado, é possível identificar, ao menos, duas interessantes e legítimas interpretações para a definição deste termo "opção de licitar".

A primeira corrente aponta que a "opção por licitar" se dá apenas com a publicação do edital.

Nessa linha, é possível identificar a doutrina de Marçal Justen Filho, segundo o qual:

 
As licitações em curso subordinam-se à disciplina da lei vigente à data da publicação do edital. Esse edital se configura como um ato jurídico perfeito e acabado, cujos efeitos se prolongam no tempo. A edição de nova lei não pode afetar o conteúdo das regras previstas no edital. Aliás, a disciplina do edital não comporta alteração nem mesmo em vista das alternativas previstas na legislação anterior (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1768)

 

Esse norte interpretativo é identificado também nas lições de Rafael Sérgio Oliveira, em obra que conta com a participação de diversos renomados juristas:

 

Um ponto que merece definição é o relativo ao ato que encarna a concretização da licitação ou da contratação direta para fins de verificação do limite temporal de aplicação do regime tradicional. Na qualidade de procedimento administrativo, a adjudicação de um contrato público, seja por licitação ou por contratação direta, envolve uma série de atos, que vão desde a abertura do procedimento até a adjudicação e a homologação. Com isso, cabe questionar qual seria o ato a ser praticado até 1º de abril de 2023, para que se considere ainda aplicáveis as normas do regime de contratação tradicional.
Em nossa avaliação, esse limite é a divulgação do edital (art. 54), no caso da licitação, e a divulgação do ato que autoriza a contratação direta ou do contrato que dela decorre (Parágrafo único do art. 72), nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade.
Desse modo, no caso de uma licitação, se o edital do certame for publicado no PNCP até 1º de abril de 2023, essa disputa poderá continuar a seguir as regras do regime tradicional e o decorrente contrato será guiado pelas normas da Lei nº 8.666/1993 (CAMARÃO, Tatiana; FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 614).

 

Tal interpretação, além de legítima, tem inspiração em precedente do TCU que, em relação à Lei nº 13.303/2016, entendeu que a referência para a aplicação do regime anterior deveria ser a publicação do edital. Vale a transcrição de trecho do Acórdão:

 
17. A essência da discussão está no fato de o legislador não ter explicitado se esse início do procedimento licitatório se refere à sua efetiva publicação ou ao começo do planejamento da licitação, em sua fase interna/preparatória. No presente caso, os estudos para as obras se iniciaram em 2014(...).
18. Entendo não haver dúvida em relação ao momento a ser considerado como de início do procedimento, isso porque não se pode ampliar a interpretação de concessão dada pelo legislador para uma transição de normativos. Com isso, a melhor interpretação é a de que a transição vale para licitações que tiveram seu edital “publicado” entre a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro.
19. E os motivos para essa interpretação são simples. Em primeiro lugar, não seria razoável supor que o legislador fornecesse tempo indeterminado para a utilização da lei antiga, pois, caso prevalecesse a tese encampada pela equipe técnica do Metrô, qualquer objeto que tivesse seus estudos iniciados anteriormente à data de publicação da Lei 13.303, 1º/7/2016, poderia ser licitado por uma empresa estatal com base na Lei 8.666/93, mesmo que decorrido um prazo elevado. Seria ampliar em demasia uma flexibilidade pensada pelo legislador para harmonizar a transição dos comandos de uma lei nova.
20. Em segundo, o prazo de dois anos definido para a mencionada transição foi suficiente para que todos os procedimentos de adaptação tivessem sido incorporados pelas estatais, seja em relação à definição de seus regulamentos internos, seja no tocante aos ajustes dos estudos desenvolvidos na fase interna. Não seria razoável a alegação de que houve surpresa para a equipe técnica por comandos exigidos em uma nova lei ou de que haveria custos de ajustes para um suposto “inédito” normativo, decorridos 24 meses de sua publicação.
21. Em terceiro, é da data de publicação do edital que as empresas concorrentes têm ciência do objeto a ser licitado e, automaticamente, começam a investir recursos na preparação de suas propostas. A preservação dos comandos contidos em lei anterior visou manter o equilíbrio econômico nos contratos firmados pela Administração com particulares no interregno transitório. Passado esse período, natural que as empresas submetidas à nova lei já tivessem adaptado todos os seus procedimentos (TCU. Acórdão nº 2.279/2019, o Plenário).

 

Em sentido diverso do defendido pela primeira corrente, há uma segunda corrente doutrinária, também relevante, a qual defende que a "opção por licitar ou contratar" é identificada ainda na fase de planejamento (fase interna) do processo licitatório. 

Nessa linha doutrinária, por exemplo, posiciona-se a doutrina de Joel de Menezes Niebuhr. O autor, em uma compreensão utilitarista e identificando as consequências das hipóteses interpretativas, aponta para o raciocínio de que o início da fase preparatória, com a expressa escolha de adoção do regime antigo, autoriza a ultratividade deste regime, nos termos do artigo 191 da Lei nº 14.133/2021:

 
….dúvida surge quando da revogação do regime antigo, no prazo de dois anos. O ponto é que, nesse momento, é de projetar que muitas licitações realizadas sob o regime antigo ainda estejam em curso, não tenham sido concluídas.
A Lei n. 14.133/2021 não é clara sobre o assunto, mas o caput do seu artigo 191 prescreve que, dentro dos dois anos, é permitido licitar pelo regime antigo. Na sequência, o parágrafo único do mesmo artigo prescreve que, nessas situações, "o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência"
Ora, como o parágrafo único do artigo 191 da Lei n. 14.133/2021 autoriza licitar sob o regime antigo dentro do biênio, é razoável entender que as licitações que tenham sido iniciadas possam ser concluídas e os respectivos contratos assinados, ainda que vencido o biênio e o regime antigo revogado. O argumento-chave é que a autorização para licitar pelo regime antigo dentro do biênio dada pelo parágrafo único do artigo 191 traz implícita a autorização para concluir a licitação e assinar o contrato que lhe seja decorrente.
Essa interpretação é a que melhor se harmoniza à segurança jurídica. Na hipótese contrária, as licitações sob o regime antigo em curso e não concluídas no biênio ficariam pelo meio do caminho, teriam que ser desfeitas e a Administração perderia todo o trabalho realizado. Teria que começar tudo de novo, sob o novo regime.
O importante, sob essa premissa, é que as licitações tenham sido iniciadas dentro do prazo de dois anos a contar da publicação da Lei n. 14.133/2021. Se iniciadas sob o regime antigo, como autoriza o parágrafo único do artigo 191 da Lei n. 14.133/2021, seguem o regime antigo até o seu final, pouco importa que o prazo de dois anos venha a ser exaurir no meio do caminho.
Sendo assim, a dúvida que surge é sobre o momento em que se inicia uma licitação. Há, pelos menos, duas possibilidades de interpretação. Pode-se compreender que a licitação se inicia com a abertura do processo administrativo referente à sua etapa preparatória ou que a licitação se inicia apenas com a publicação do edital.
A questão é relevante, tem repercussão prática, porque pode ser que a etapa preparatória seja aberta e avance sob o regime antigo dentro do biênio e o edital não seja publicado a tempo. É preciso saber se esse edital, que foi preparado durante o biênio sob o regime antigo, pode ser publicado pelo regime antigo mesmo depois que ele tenha sido revogado, findo o biênio. Em caso negativo, a fase preparatória teria que ser refeita ou, na melhor hipótese, revisada e adequada ao regime novo.
Repita-se que a questão é saber quando que se considera que se inicia uma licitação.
De acordo com o artigo 17 da Lei n. 14.133/2021, o processo licitatório inicia-se na etapa preparatória, referido no seu inciso I, seguido pela divulgação do edital, conforme inciso II do mesmo artigo. Noutros termos, quando aberto o processo administrativo para a preparação da licitação, considera se que foi iniciada a licitação. A publicação do edital dá início a fase externa da licitação, não à licitação no seu todo- iniciada anteriormente com a etapa preparatória.
Sendo assim, a conclusão é de que as licitações cujas etapas preparatórias tenham sido iniciadas no biênio sob o regime antigo, ainda que os editais não tenham sido publicados, podem prosseguir sob o seu regime inicial mesmo depois do encerramento do biênio (NIEBUHR, Joel de menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5ªedição. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 60 e 61).

 

Vale acrescentar que o próprio texto da Lei nº 14.133/2021, em sua divisão, insere a fase preparatória (assim como a divulgação do edital) como um capítulo do Título II (das licitações).

No mesmo sentido, posicionam-se Fernanda Marinela e Rogério Sanches Cunha:

 

A regra é que essas licitações prossigam com seu regime antigo, não mudam no meio do caminho, seguindo a orientação do art. 191 que prescreve que, dentro de dois anos, é permitido licitar pelo regime antigo. Orientando ainda o seu parágrafo único que, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis antigas o seu respectivo contrato será regido pelas mesmas normas durante toda sua vigência.
Vale ainda lembrar que, apesar do prazo alargado de coexistências das normas, regra velha e nova, no final do período de dois anos nós também teremos muitas licitações sendo realizadas sob o regime antigo, procedimentos que ainda estejam em curso. Nesse ponto a nova lei de licitações não é clara. Considerando a previsão do art. 191 que autoriza licitar sob o regime antigo dentro do biênio, é razoável entender que as licitações que tenham sido iniciadas possam ser concluídas e os respectivos contratos assinados, ainda que vencido o prazo de dois anos e o que o regime antigo já esteja revogado. A ideia é que a autorização para licitar pelo regime antigo dentro do biênio implica na autorização de concluir a licitação e assinar o contrato dela decorrente.
De outro lado, o entendimento contrário a esse, faria com que as licitações sob o regime antigo e não concluídas no biênio ficariam perdidas, teriam que ser refeitas gerando um grande retrabalho para a Administração Pública, além de muito tempo desperdiçado.
Dessa forma, entendo que o importante é que a licitação tenha sido iniciada dentro do prazo de dois, enquanto ainda vigente a regra velha, o que atende melhor o princípio da segurança jurídica.
Portanto, seguindo essa premissa, é relevante esclarecer quando se considera iniciada a licitação e qual a orientação adotada pelos órgãos de controle no país até então, considerando seus efeitos práticos.
É preciso saber se um edital, que foi preparado durante o biênio sob o regime antigo, pode ser publicado pelo regime antigo, mesmo depois que ele tenha sido revogado, findo o biênio. Em caso negativo, a fase preparatória teria que ser refeita e adequada ao novo regime.
Para a primeira questão, durante alguns anos havia polêmica sobre o início do procedimento licitatório. Alguns autores defendiam que o início acontece com a fase preparatória na instauração do procedimento licitatório, entretanto, parte da doutrina defendia que a primeira etapa da licitação era a publicação do edital. Penso que "tudo começa do começo", com a instauração do procedimento realizando a fase preparatória, também chamada de fase interna, sendo que a publicação do edital instaura a fase externa da licitação, não a licitação no seu todo. Nesse sentido também dispõe a nova lei de licitações no seu art. 17, inciso l'.
Dessa forma, a conclusão é que as licitações em que as fases preparatórias tenham sido iniciadas nos dois próximos anos sob o regime antigo, ainda que os editais não tenham sido publicados, podem prosseguir sob o regime inicial mesmo depois do encerramento do biénio. Permitindo assim que editais sejam publicados sob o regime antigo mesmo depois da sua revogação. (MARINELA, Fernanda. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Licitações e Contratos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. 880.  p.40-43)
 

Pessoalmente, filiamo-nos a esta segunda corrente interpretativa, compreendendo que a expressão legal "opção por licitar", para identificação do ato jurídico definidor como referência para aplicação da ultratividade, deve ser representada pela manifestação de agente público competente, ainda na fase preparatória, que opte pela instrução do processo de licitação ou de contratação direta  sob o regime licitatório anterior (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011).

Nesse prumo, há algumas ponderações necessárias, desfavoráveis à primeira corrente.

A primeira é que o precedente do TCU que tratou sobre o tema o fez no bojo de uma análise de caso concreto. No Acórdão nº 2.279/2019, o Plenário do TCU, analisando uma situação pontual, entendeu que a melhor interpretação para definir o ato jurídico que determina a aplicação da eventual ultratividade da legislação anterior (para a específica estatal) seria para licitações que tiveram seu edital “publicado” entre a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018 (o que ocorresse primeiro).

Na ocasião, tendo entendido que seria desproporcional determinar a anulação do certame em função de todos os custos incorridos, o TCU compreendeu oportuno dar ciência à estatal da necessidade de aplicação da Lei nº 13.303/2016 nos procedimentos licitatórios publicados após o prazo limite para aplicação da Lei nº 13.303/2016 (1º/7/2018), mesmo que a fase interna tivesse sido iniciada anteriormente (BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações e contratos nas empresas estatais. 2ª edição. Salvador: Juspodivm, 2020).

Como destaca Niebuhr (NIEBUHR, Joel de menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5ªedição. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 62 e 63), o entendimento do TCU foi firmado de forma casuística, ao analisar certo abuso praticado por uma estatal que postergou a aplicação do regime licitatório da Lei nº 8.666/93 para uma licitação, por muitos meses após o fim do período de convivência normativa admitido pela Lei das estatais.

Ademais, importa observar que a interpretação do TCU para aquele caso concreto usou como base normativa o §3º do artigo 91 da Lei nº 13.303/2016, Lei diversa que adota termo diferente para definir o ato jurídico que determina a aplicação da eventual ultratividade:

 
Art. 91.  A empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei.
§ 1o  A sociedade de economia mista que tiver capital fechado na data de entrada em vigor desta Lei poderá, observado o prazo estabelecido no caput, ser transformada em empresa pública, mediante resgate, pela empresa, da totalidade das ações de titularidade de acionistas privados, com base no valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembleia-geral.
§ 2o  (VETADO).
§ 3o  Permanecem regidos pela legislação anterior procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo previsto no caput. (grifo nosso)
 

Enquanto a Lei nº 13.303/2016 definiu o "início" da licitação como fato jurídico definidor (tendo o TCU entendido que este início se dá com a publicação do edital), a Lei nº 14.133/2021 faz alusão à "opção por licitar", expressão que, até por pressuposto lógico, indica ato que precede a publicação do edital.

Embora relevante o Acórdão do Egrégio TCU, ele não deve ser usado como uma interpretação definitiva para a hipótese aqui em análise, pois, além de tratar-se ali de uma análise casuística, envolve texto normativo (Lei) diferente do aqui analisado.

Além disso, convém frisar, diante da proximidade do fim do prazo de convivência, que em princípio ocorrerá no início de abril de 2023, a definição da publicação do edital como ato jurídico definidor da aplicação da ultratividade exigirá que as novas pretensões contratuais sejam perseguidas em processos iniciados exclusivamente com o regime jurídico da NLLCA, ainda em 2022, o que, na prática, tolhe e reduz o prazo de "opção" admitido pelo legislador.

Isso porque, como a tramitação da fase preparatória dos processos licitatórios consome vários meses, antes da publicação do edital, a iniciação de um processo, ainda que no início de 2023, dificilmente conseguiria alcançar a publicação do edital até o fim do prazo de convivência normativa (início de abril de 2023), notadamente diante dos risco de contingências que podem dificultar a conclusão do processamento em sua etapa preparatória.

Ilustremos: presumindo-se uma média de 04 a 05 meses de duração do processo, isso significaria que as demandas "licitáveis" autorizadas para autuação ainda em novembro de 2022, não deveriam mais adotar os regimes licitatórios anteriores, sob pena de assumir-se risco de prejuízo aos cofres públicos, pela perda de toda a instrução processual, em virtude da não publicação do edital ainda no prazo de convivência normativa.

Quando foi confeccionado este parecer, no início de setembro de 2022, no âmbito federal ainda não havia ocorrido a publicação da regulamentação sobre o processo licitatório, do sistema eletrônico para a realização da licitação no regime da NLLCA ou das minutas padronizadas para serem ofertadas aos órgãos públicos; o que é compreensível, diante da grande dificuldade e complexidade para o total atendimento dessas demandas.

Vale frisar que isso vale tanto para os processos licitatórios mais rotineiros como para os mais complexos, como obras de engenharia, que adotem, por exemplo, o critério de julgamento técnica e preço.

Entendemos que em um processo licitatório que envolve um encadeamento de diversos atos, com decisões administrativas definidas e com efeitos jurídicos próprios, ainda durante a etapa de planejamento, plenamente legítimo interpretar que a "opção por licitar" de acordo com o regime licitatório antigo, durante o período de convivência normativa, ocorra antes da publicação do edital.

Assim, por exemplo, durante o período de convivência normativa, ao confeccionar e aprovar o Estudo Técnico Preliminar, o Termo de Referência ou as minutas editalícias, mesmo antes da publicação do edital, já poder-se-á definir a "opção por licitar" com o regime licitatório antigo ou o regime licitatório da NLLCA. A própria autoridade responsável pela instauração inicial do processo pode deter competência para definir o regime licitatório aplicável, realizando a formalização da devida "opção".

Nada obstante, convém frisar que, no âmbito federal, recentemente, a Secretaria de Gestão, órgão central do Sistema de Serviços Gerais (Sisg), emitiu comunicado aos órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, em atenção ao disposto no art. 191 e no inciso II do art. 193 da Lei nº 14.133, de 2021.

Segundo tal comunicado, "o Sistema de Compras do Governo Federal, a contar do dia 31 de março de 2023, estará configurado para recepcionar somente as licitações e contratações diretas à Luz da Lei 14.133, de 2021 (e demais leis específicas), considerando o exaurimento temporal da eficácia jurídica-normativa das Leis nº 8.666, de 1993, nº 10.520, de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 2011".

Assim, segundo a SEGES/ME, os órgãos e entidades do Sisg, inclusive os não-Sisg (aderentes ao Sistema de Compras do Governo Federal) e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios beneficiários de transferências voluntáriasdevem observar as seguintes diretrizes:

 

1º - Processos licitatórios em andamento
 
Os processos licitatórios que tenham os editais publicados até 31 de março de 2023, sob a égide das Leis nº 8.666, de 1993, nº 10.520, de 2002, e dos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 2011, inclusive as licitações para registro de preços (Decreto nº 7.892, de 2013), permanecem pelas por elas regidas, bem como os contratos respectivos e seus aditamentos durante toda a sua vigência, ou outro instrumento hábil, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993.
 
2º - Contratações diretas
 
(i) Dispensas de licitação
Os avisos ou atos de autorização/ratificação de contratação por dispensa de licitação publicados até 31 de março de 2023, sob a égide da Lei nº 8.666, de 1993, permanecem por ela regida, inclusive os contratos respectivos e seus aditamentos durante toda a sua vigência, ou outro instrumento hábil, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993.
(ii) Inexigibilidades de licitação
Os atos de autorização/ratificação da contratação pela autoridade superior publicados até 31 de março de 2023, sob a égide da Lei nº 8.666, de 1993, permanecem por ela regida, inclusive os contratos respectivos e seus aditamentos durante toda a sua vigência, ou outro instrumento hábil, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993.

 

Dessa forma, verifica-se que a contar do dia 31 de março de 2023, o Sistema de Compras do Governo Federal recepcionará somente os processos de licitação e de contratação direta (dispensa ou inexigibilidade de licitação) sob a égide da Lei nº 14.133, de 2021.

Os órgãos e as entidades devem se atentar para o calendário das contratações (art. 11 do Decreto nº 10.947, de 2022), para que o início dos seus processos de licitação ou de contratação direta tenham como parâmetro a regra de transição das leis.

O comunicado emitido pela Sisg apresentou a seguinte tabela com as datas para transição:

 

Rito Descrição

Instrumento

Prazo para inserção no sistema Prazo para publicação no DOU
(1) Licitação Todas as modalidades de licitação previstas nas Leis nº 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, inclusive licitações para registro de preços Edital

 

Até 30 de março de 2023, às 16h

Até 31 de março de 2023
(2) Contratação direta por valor Abrange todas as dispensas e inexigibilidades de licitação cujos valores não ultrapassem os previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93 (vide ON AGU 34/11) Aviso ou ato de autorização / ratificação Até 31 de março de 2023, às 16h Não se aplica
(3) Outras dispensas Todas as dispensas de licitação não abrangidas no item (2) Ato de autorização / ratificação Até 30 de março de 2023, às 16h Até 31 de março de 2023
 (4) Inexigibilidade Todas as inexigibilidades não abrangidas no item (2) Ato de autorização / ratificação Até 30 de março de 2023, às 16h Até 31 de março de 2023

 

 

Verifica-se que, de acordo com o comunicado da Secretaria de Gestão, órgão central do Sistema de Serviços Gerais (Sisg), foi a publicação do edital considerada o ato jurídico definidor como referência para aplicação da ultratividade da legislação anterior aos processos licitatórios iniciados sob o seu regime, mesmo após a sua revogação.

Em outras palavras, a orientação definiu que "a opção por licitar" se dá com a publicação do edital. Como já dito, esta opção é legítima e, embora entendamos não ser a priori a mais adequada, tendo em vista os fundamentos acima já expostos, inegável que a limitação à utilização do sistema, como orientado pela SEGES, envolve mérito administrativo acerca da discricionariedade de aplicação dos regimes durante o período de convivência normativa.

Nessa linha, é legítima a determinação da Secretaria de Gestão, que possui competência para disciplinar orientações, normatizações sobre o tema e vem exercendo um relevante papel de normatização na área e coordenação da implantação da NLLCA no âmbito federal, que, na prática, envolve disciplinamento de natureza administrativo-disciplinar e não propriamente uma interpretação jurídica.

Contudo, em uma compreensão utilitarista, o entendimento de que o momento em que se considera feita a opção por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II, do art. 193, da Lei nº 14.133/2021 (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/02 e arts. 1º ao 47-A da Lei nº 12.462/11) se daria na fase preparatória, parece-nos mais adequado. Se tal "opção" for considerada apenas no momento da publicação do Edital, não seria recomendável a utilização dos regimes licitatórios anteriores mesmo em processos iniciados em dezembro ou até novembro de 2022, tendo em vista o alto risco de que grande parte não estaria apta à publicação do instrumento convocatório até o prazo fatal indicado pela orientação da SEGES/ME, produzindo prejuízos pela perda de tempo, não atendimento de demandas sensíveis e de recursos públicos em processos que precisarão ser integralmente alterados.

A própria Lei nº 14.133/2021 parece ter adotado esse raciocínio, ao estabelecer, no inciso II do art. 193, o prazo de 2 (dois) anos para revogação dos antigos regimes licitatórios. Tal disposição objetivou que durante esse período de dois anos houvesse uma transição tranquila para o novo regime licitatório, possibilitando a experimentação das regras da nova legislação.

Como já explicado anteriormente, a definição da publicação do edital como ato jurídico definidor da aplicação da ultratividade exigirá que as novas pretensões contratuais sejam perseguidas em processos iniciados ainda em 2022, exclusivamente com o regime jurídico da NLLCA, o que, na prática, tolhe e reduz o prazo de "opção" admitido pelo legislador.

É fundamental compreender que a interpretação que restringe a "opção por licitar" à publicação do edital resultará em diversas licitações iniciadas sob o regime antigo, que não serão concluídas no período de convivência normativa, produzindo retrabalho e ampliação dos custos transacionais e burocráticos de centenas ou quiçá milhares de processos licitatórios.

Diante disso, registramos nossa posição interpretativa no sentido de que a expressão legal "opção por licitar ou contratar", indicada no artigo 191 da Lei nº 14.133/2021, para fins de definição do ato jurídico estabelecido como referência para aplicação da ultratividade da legislação anterior, deve ser a manifestação pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior.

Por fim, convém salientar que esta interpretação não pode legitimar atitudes oportunistas de gestores que indiquem precipitadamente uma opção por licitar de acordo com a legislação anterior, ainda na fase inicial de planejamento, apenas com o condão de preservar a sua utilização daquela legislação por período deveras prolongado, em afronta ao princípio da duração razoável do processo, à responsabilidade pela boa governança e à boa-fé administrativa. 

 

 

Art. 191 e licitações para SRP

 

Na esteira do parágrafo único do artigo 191, caso a Administração opte por licitar de acordo com os antigos regimes licitatórios, o contrato respectivo será regido pelas regras neles previstas durante toda a sua vigência.

Tendo em vista que a licitação, como já dissemos, envolve um encadeamento de atos praticados em sequência, iniciados na fase preparatória e seguindo adiante, por exemplo, pela publicação do edital, apresentação de propostas, documentos de habilitação, recursos, adjudicação e homologação, entre outros, até que o contrato seja efetivamente firmado, parece evidente que ao garantir a ultratividade da legislação anterior, nos termos do caput e parágrafo único do artigo 191, o legislador está protegendo a conclusão deste processo e a pertinente contratação.

Compreender esta regra é extremamente necessário para as licitações que adotem o instrumento (procedimento) auxiliar denominado Sistema de Registro de Preços. No SRP, a licitação não tem como finalidade imediata uma contratação, mas sim a pactuação de um instrumento auxiliar denominado ata de registro de preços, que durante sua vigência pode gerar futuras contratações.

O SRP é um instrumento (procedimento) auxiliar que pode ser utilizado para facilitar a atuação da Administração em relação a futuras prestações de serviços e aquisição gradual de bens. Utilizando esse procedimento, a administração registrará preços e condições ofertadas pelos fornecedores, para que ulteriores necessidades de contratação sejam dirigidas diretamente a eles, de acordo com os preços aferidos e os bens ou serviços registrados.

Na prática, ele é um procedimento que objetiva o registro formal de preços, vinculando o fornecedor para contratações futuras, por um determinado período (vigência da Ata).

Portanto, realizada a licitação para registro de preços em 2022, adotando-se a modalidade pregão (Lei nº 10.520/2002) ou a concorrência (Lei nº 8.666/93), ela terá por resultado a formação de uma ata de registro de preços que pode ter validade de até 12 meses, perdurando até o ano de 2023.

Nesta feita, necessário prever algo que certamente será uma questão prática vivenciada pelos órgãos públicos: realizada a licitação sob o regime da legislação antiga, em 2022, respeitado o prazo de convivência normativa e gerando-se uma ata de registro de preços que perdure até o ano de 2023 ou 2024 (ex: janeiro de 2023 a janeiro de 2024), será possível firmar as contratações decorrentes desta Ata mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/2002?

Entendemos que sim, desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa. Nesta hipótese, a ARP continuará válida, mesmo com a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e de grande parte da Lei nº 12.462/2011.

A doutrina de Fernanda Marinela e Rogério Sanches também aponta para uma resposta positiva, defendendo a possibilidade de uso das atas de registro de preços nas licitações que adotem a legislação antiga, cumprindo a regra de "optar por licitar" ainda durante o período de convivência normativa:

 
"A mesma ideia pode ser aplicada para o registro de preços. Imagine que a licitação para o registro de preços tenha sido iniciada e concluída dentro do prazo de 2 anos. A ata de registro de preços pode tranquilamente ser assinada depois do biênio e dos contratos dela decorrentes da mesma forma. O importante é o regime da licitação, que deve ser aplicado sobre tudo o que decorre e está vinculado a ela, tanto a ata de registro de preços, quanto os respectivos contratos" (MARINELA, Fernanda. Manual de Licitações e Contratos Administrativos / Fernanda Marinela, Rogério Sanches Cunha - São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 40).

 

Pedimos licença para apresentar nosso entendimento, também neste sentido, registrado em obra sobre o assunto:

 

No artigo 191 não há necessidade de prévia assinatura do contrato, mas sim de que a administração tenha, no período de experimentação, optado por licitar de acordo com a legislação anterior (como a Lei n° 8.666/93, por exemplo. Nesta feita, mesmo que a licitação seja concluída apenas após o prazo de experimentação, as contratações decorrentes serão balizadas no regime anterior. E isso ocorrerá mesmo já tendo, naquele período, o regime anterior sido revogado.
Novamente é importante perceber que após a revogação da legislação anterior aplicada na licitação (ex: Lei n° 8.666/93), o fundamento de validade para a aplicação de seu regime à continuidade do certame e futuras contratações decorrentes será o próprio artigo 191 da Lei n° 14.133/2021, que impõe sua aplicação, preservando provisória e topicamente o regime jurídico da legislação anterior.
Esta regra, em nossa opinião, permitirá que os contratos e as atas de registro de preços decorrentes dessa licitação possam ser utilizados segundo o regime anterior e no limite de vigência por ele estabelecido (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 13ª edição. São Paulo: Juspodivm, 2022. p. 897).

 

Realmente, o artigo 191 permite a ultratividade das regras dispostas na Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/2002 para os processos licitatórios e atos subsequentes, desde que a "opção por licitar ou contratar" se dê dentro do prazo de convivência normativa.

Como já tratado anteriormente, esta ultratividade permite que mesmo não concluída a licitação, o regime da legislação antiga persista para a conclusão do certame e a contratação decorrente, desde que a opção por licitar ou contratar ocorra dentro do prazo de convivência normativa.

Não faria sentido admitir que uma licitação para registro de preços, cuja "opção por licitar" com base no regime antigo foi adotada durante o período de convivência normativa pudesse ser continuada até sua conclusão, sem a possibilidade de uso útil de seu resultado (ata de registro de preços) durante toda a sua vigência.

Nesta feita, desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa, a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 14.262/2011.

 

 

Lei nº 14.133/2021 e os contratos administrativos firmados com base na legislação anterior (Lei nº 8.666/93)

 

Como indicado acima, o parágrafo único do art. 191 expressamente dispõe que, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 da Lei nº 14.133/21, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

 

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência

 

O artigo 190 da mesma Lei tem regra também expressa neste sentido, segundo a qual o contrato administrativo firmado antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.

Importante salientar que, mesmo antes da revogação das Leis nº 8.666/92, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011, há contratos firmados com base nesta legislação que vêm convivendo com o regime da Lei nº 14.133/2021. Aliás, diante das dificuldades para a implementação da regulamentação e sistemas eletrônicos necessários, a maioria dos contratos firmados durante o período de convivência normativa tiveram como base a legislação que será revogada.

Mas a norma jurídica a ser extraída do referido dispositivo é, na verdade, o reforço dado pelo legislador à ultratividade do regime jurídico contratual, definido pela legislação antiga, para os contratos firmados, mesmo após a sua revogação.

Esta ultratividade, como ensina a clássica obra de Ferraz Jr., permite que a norma, embora revogada, possua vigor (qualidade imperativa da norma), fazendo com que sua força persista "mesmo quando ela já não mais pertence ao sistema do ordenamento", legitimando que, embora revogada, ela ainda conserve sua força vinculante e possa produzir concretamente efeitos  (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 202/203).

In casu, esta ultratividade da legislação revogada se dá por expressa determinação da Lei nº 14.133/2021, que impõe a aplicação do regime jurídico da legislação revogada ao contrato firmado, prestigiando a segurança jurídica.

Importante perceber que não há opção discricionária a ser tomada, em relação ao regime jurídico aplicável. Assim, se o contrato foi firmado de acordo com o regime jurídico da Lei nº 8.666/93, será este o regime aplicável àquela contratação, mesmo após a revogação desta Lei. Não apenas por ela, mas pela ultratividade definida pela própria Lei nº 14.133/2021.

Como ressalta Sidney Bittencourt, é a própria disciplina do artigo 191 e do artigo 190 da Lei nº 14.133/2021 que afasta a possibilidade de aplicação da Lei n° 14.133/2021 dos contratos celebrados, "mantendo-os sob a égide das leis revogadas" (BITTENCOURT, Sidney. Nova Lei de Licitações passo a passo. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 953-954).

Sendo inconteste que a própria Lei nº 14.133/2021 reafirma a ultratividade de aplicação do regime contratual da Lei nº 8.666/93 aos contratos firmados antes de sua entrada em vigor (art. 190) ou decorrentes de processos cuja "opção de licitar ou contratar" sob o regime licitatório anterior seja feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191), parece induvidoso que as regras de alteração dos contratos administrativos previstas nesta legislação anterior, mesmo após a sua revogação, poderão ser aplicadas.

Assim, caso o interesse público imponha a alteração de um contrato firmado com base na Lei nº 8.666/93, após abril de 2023, será aplicável o regime desta Lei, mesmo estando ela revogada.

Da mesma forma, em relação à vigência, será o regime definido pela Lei nº 8.666/93 aplicável ao respectivo contrato, por expressa previsão dos artigos 190 e 191 da Lei nº 14.133/2021. Esta aplicação envolve não apenas os prazos de vigência ordinariamente definidos, mas também suas prorrogações, em sentido estrito ou em sentido amplo (renovação).

Nesse diapasão, caso um contrato de obra (escopo), firmado legitimamente com base no regime da Lei nº 8.666/93, que atenda as regras de ultratividade definidas pelos artigo 190 e 191 da Lei nº 14.133/2021, tiver sua execução atrasada por algum fato não imputável ao contratado e o interesse público recomendar sua prorrogação em agosto de 2023, por mais um período complementar, esta será possível aplicando-se o regime jurídico da Lei nº 8.666/93.

Da mesma forma, em relação aos serviços contínuos, regulados pelo inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93. Aqueles contratos que atendam as regras de ultratividade definidas pelos artigo 190 e 191 da Lei nº 14.133/2021 poderão ser renovados (prorrogados), nos termos do referido dispositivo da Lei nº 8.666/93.

Essa tem sido a linha interpretação identificada na doutrina.

Nesse prumo, posicionam-se Fernanda Marinela e Rogério Sanches Cunha:

 

Alertando ainda que, caso a Administração Pública faça a escolha pela legislação antiga, a que será objeto de posterior revogação, o contrato administrativo celebrado será regido pelas regras nelas previstas durante toda sua vigência, conforme previsão do art. 191, parágrafo único. A regra é simples, o regime do contrato administrativo é o mesmo regime da licitação, considerando que a minuta do contrato é parte anexa ao edital de licitação e o edital de licitação integra o instrumento de contrato, quando de sua assinatura.
Nesse cenário, pode vir a ocorrer de uma licitação ser concluída antes do termo final de dois anos e demorar-se para assinar o contrato, por qualquer razão, de modo que passe o prazo sem que ele tenha sido adequadamente formalizado. Nesse caso, nada impede que esse contrato seja assinado, todavia ele deverá seguir o regime antigo, mesmo que decorrido, os dois anos, isto é, com a lei antiga já revogada.
Da mesma forma que, caso celebrado o contrato com base na legislação antiga as suas prorrogações poderão acontecer seguindo a mesma norma. Assim vale considerar que, a prorrogação contratual só pode acontecer durante a vigência do contrato, isto é, o contrato não pode atingir, seu termo final e depois ser prorrogado, ele é prorrogado enquanto ainda é valido, não havendo assim solução de continuidade, ele jamais deixou de ser vigente (grifo nosso) (MARINELA, Fernanda. CUNHA, Rogério Sanches.  Manual de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 39-40).

 

Essa linha também foi adotada por Leandro Sarai, em excelente obra produzida pela reunião de notáveis Advogados Públicos, com destacada qualidade e vasta experiência na área de licitações e contratos:

 

Em razão das dúvidas que podem surgir nesse período de convivência entre a lei nova e as leis anteriores, esse dispositivo deixa claro que os contratos decorrentes de procedimentos baseados nestas últimas seguirão regidos por elas, incluindo os períodos de prorrogação. Isso porque a própria possibilidade de prorrogação também é prevista nessas leis. Com isso, evita-se eventual confusão decorrente da mistura de leis, o que foi afastado também pelo caput ao vedar sua aplicação combinada.
(...)
Uma questão que provavelmente pode aparecer na aplicação deste dispositivo está nos contratos de serviços contínuos firmados antes da entrada em vigor desta lei. Em princípio, tais contratos podem ser prorrogados até alcançar o limite de sessenta meses, além dos doze meses excepcionais, tudo nos termos do art. 57, II, e § 4°, da Lei n° 8.666, de 1993. E continuarão a ser regidos totalmente por esta lei. (grifo nosso)
(SARAI, Leandro. Tratado da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14133/21 Comentada por Advogados Públicos / organizador Leandro Sarai - São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. 1.536 p. 1501)

 

Victor Amorim, em obra sobre a Lei nº 14.133/2021, também defende a possibilidade de renovação (prorrogação) dos contratos de serviços contínuos formados com base na Lei nº 8.666/93, mesmo após a sua revogação, explicando que a depender da vigência inicial e da possibilidade de prorrogação dos contratos, mesmo após 1º/4/2023, estar-se-ia diante da ultratividade da Lei n° 8.666/1993, ao regular contratos específicos firmados até 31/3/2023. (AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Licitações e contratos administrativos: teoria e jurisprudência. 4ª edição:Editora do Senado Federal, 2021. p. 36).

Vê-se que qualificada doutrina aponta para a possibilidade de prorrogação dos contratos administrativos firmados de acordo com as regras de ultratividade normativa definidas pelos artigos 190 e 191 da Lei nº 14.133/2021.

Diante do regime jurídico definido pela Lei nº 8.666/93 para os contratos de serviços contínuos, que permite sua renovação (prorrogação), dentro do prazo de vigência, por novos e sucessivos períodos, até, a priori, o máximo de 60 meses, necessário vislumbrar que, na prática, será factível que contratos sejam firmados em 2022  ou mesmo 2023, sob a égide da Lei nº 8.666/93, podendo ser renovados (prorrogados) caso atendidos os requisitos da legislação revogada, nos anos vindouros (2024, 2025, 2026...), até o máximo de sessenta meses, com a extraordinária prorrogação por mais 12 meses, conforme o §4° do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.

Esta possibilidade, aparentemente extravagante, deve ser compreendida com tranquilidade, sobretudo porque a renovação (prorrogação) de um contrato de serviço contínuo exige, entre outros requisitos, que esta renovação seja vantajosa para a Administração.

Como registram Flávio Amaral Garcia e Rodrigo Zambão, a transição entre regimes licitatórios deve ser "promovida de forma gradual, eficiente e planejada, sem açodamentos ou casuísmos que, certamente, acabariam por acarretar maior insegurança jurídica". (GARCIA, Flávio Amaral; ZAMBÃO, Rodrigo. Dois aspectos importantes da Lei n. 14.133/2021: regulamentação e convivência dos sistemas. Estudos Sobre A Lei 14.133/2021 - Nova Lei De Licitações e Contratos Administrativos/ coordenadores Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Thaís Marçal - São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 145).

Diante do desafio hercúleo de mudança do regime geral de licitações, convém adotar  prudência e calma, permitindo compreensões que retirem um ambiente de pressa, açodamento e urgência, prejudiciais à continuidade de contratações necessárias ao atendimento de atividades públicas sensíveis.

Nessa feita, entendemos que, uma vez que a Lei nº 14.133/2021 firmou a ultratividade de aplicação do regime contratual da Lei nº 8.666/93 aos contratos firmados antes de sua entrada em vigor (art. 190) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior seja feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191), as regras de alteração dos contratos administrativos previstas nesta legislação anterior, mesmo após a sua revogação, poderão ser aplicadas no respectivo contrato durante toda a sua vigência.

No mesmo diapasão,  os contratos sob o regime jurídico da  Lei nº 8.666/93, que tenham sido firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 (art. 190) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior tenha sido feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191), terão seu regime de vigência definido pela legislação anterior (Ex: Lei nº 8.666/93), aplicação que envolve não apenas os prazos de vigência ordinariamente definidos, mas também suas prorrogações, em sentido estrito ou em sentido amplo (renovação).

 

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, tendo em vista as razões acima dispostas, propomos o presente parecer, com as respectivas conclusões:

 

Em relação ao ponto inicial, acerca da interpretação a ser dada à expressão legal "opção por licitar", para fins de definição do ato jurídico compreendido como referência para aplicação da ultratividade preconizada pelo artigo 191 da Lei nº 14.133/2021, embora defendamos maior adequação da interpretação segundo a qual deve ser compreendida como tal a manifestação realizada por agente público competente, ainda na fase preparatória, que opte pela instrução do processo de licitação ou de contratação direta sob o regime licitatório anterior, entendemos que a Secretaria de Gestão do Ministério da Economia tem legitimidade para disciplinar orientações para os órgãos submetidos a sua atuação, restringindo a discricionária opção de escolha dos regimes licitatórios, dentro do período máximo admitido pelo legislador no artigo 191.

Em relação aos demais pontos, objetivando prevenir divergências jurídicas no âmbitos dos órgãos federais, sugerimos que sejam apresentadas para análise desta Câmara e da Consultoria Geral da União três enunciados de Orientações Normativas, quais sejam:

 

Orientação Normativa x: Desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa, a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 14.262/2011.
 
Orientação Normativa xx: Uma vez que a Lei nº 14.133/2021 firmou a ultratividade de aplicação do regime contratual da Lei nº 8.666/93 aos contratos firmados antes de sua entrada em vigor (art. 190 da NLLCA) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior seja feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191 da NLLCA), as regras de alteração dos contratos administrativos previstas nesta legislação anterior, mesmo após a sua revogação, poderão ser aplicadas no respectivo contrato durante toda a sua vigência.
 
Orientação Normativa xxx: Diante da aplicação da regra prevista nos artigos 190 e 191 da Lei nº 14.133/2021, os contratos firmados sob o regime jurídico da legislação anterior  terão seu regime de vigência definido por ela, aplicação que envolve não apenas os prazos de vigência ordinariamente definidos, mas também suas prorrogações, em sentido estrito ou em sentido amplo (renovação).

 

 

São as considerações firmadas nesta manifestação, postas à consideração superior.

 

João Pessoa, 14 de setembro de 2022.

 

 

    (assinado eletronicamente)   

RONNY CHARLES LOPES DE TORRES 

ADVOGADO DA UNIÃO

RELATOR

 

             (assinado eletronicamente)                                        (assinado eletronicamente) 

DIEGO DA FONSECA H. O. DE GUSMÃO                   FABRÍCIO LOPES OLIVEIRA 

              PROCURADOR FEDERAL                                   PROCURADOR FEDERAL 

 

           (assinado eletronicamente)                                            (assinado eletronicamente)      

FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO                     LESLEI L. DOS ANJOS MAGALHÃES

         ADVOGADO DA UNIÃO                                                 ADVOGADO DA UNIÃO     

                                 

           (assinado eletronicamente)                                            (assinado eletronicamente) 

    MANOEL PAZ E SILVA FILHO                                     MARCELA ALI TARIF ROQUE                         ADVOGADO DA UNIÃO                                           PROCURADORA FEDERAL

 

          (assinado eletronicamente)                                             (assinado eletronicamente) MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA                    TAÍS TEODORO RODRIGUES

           ADVOGADA DA UNIÃO                                              ADVOGADA DA UNIÃO   


     

(assinado eletronicamente)

ALINE  VELOSO DOS PASSOS

ADVOGADA DA UNIÃO

COORDENADORA DA CNLCA

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000717201998 e da chave de acesso da73bdc5

 




Documento assinado eletronicamente por TAÍS TEODORO RODRIGUES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): TAÍS TEODORO RODRIGUES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 04-10-2022 10:58. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 10-10-2022 10:14. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por MARCELA ALI TARIF ROQUE, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): MARCELA ALI TARIF ROQUE, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 04-10-2022 09:30. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por MANOEL PAZ E SILVA FILHO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): MANOEL PAZ E SILVA FILHO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 05-10-2022 22:57. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 08-10-2022 16:26. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por LESLEI LESTER DOS ANJOS MAGALHÃES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LESLEI LESTER DOS ANJOS MAGALHÃES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 08-10-2022 10:26. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 01-10-2022 11:04. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por FABRICIO LOPES OLIVEIRA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): FABRICIO LOPES OLIVEIRA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 04-10-2022 17:44. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por ALINE VELOSO DOS PASSOS, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ALINE VELOSO DOS PASSOS, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 04-10-2022 16:00. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 03-10-2022 14:53. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 03-10-2022 14:53. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 978742211 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): FERNANDO FERREIRA BALTAR NETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 10-10-2022 10:14. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.