ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00794/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.136864/2022-86
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ
ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO
EMENTA: Utilização e construção irregulares no Complexo Marina da Glória. Regularização como melhor opção para o atendimento do interesse público atual. Rescisão do Contrato de Cessão de Uso Gratuito, sob regime de aforamento, firmado com o Município do Rio de Janeiro, em 22/03/1984. Onerosidade imposta pela regra do art. 18, § 5º da Lei nº 9.636/1993. PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU (NUP 04967.001083/2006-91). Possibilidade de regularização por meio da celebração de novo Contrato de Cessão de Uso Onerosa com o Município do Rio de Janeiro, em que prevista a retroatividade das retribuições no tempo (Acórdão TCU nº 842/2018 - Plenário e PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU). Vinculação, no caso, da parte terrestre à aquática. Impossibilidade de regularização, pela União, da utilização levada a cabo por empresa privada (princípios licitatório e da legalidade, impessoalidade e moralidade). Nulidade do Auto de Infração lavrado sem a observância do devido processo legal. Poder/Dever de adoção de medidas que impeçam mariores lesões ao erário. Esclarecimentos e Recomendações. Aplicacação da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
I – Relatório.
Por meio do OFÍCIO SEI Nº 226598/2022/ME (SEI 27316891), a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro – SPU/RJ encaminha a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337), em que formulados os seguintes questionamentos, com vistas à regularização da utilização da Marina da Glória (RIP 600101158750) pelo Município do Rio de Janeiro:
46. Diante da exposição e relatos acima, tendo sido esclarecida e definida a estratégia da União que melhor representa a consecução do interesse público para o caso concreto em questão, em razão das suas inúmeras peculiaridades e complexidades, requer-se orientações junto à Consultoria Jurídica da União Especializada - E-CJU, órgão consultivo da Consultoria-Geral da União, para proferir manifestação jurídica em sede de consultoria, a fim de elucidar os seguintes questionamentos:
a) definido o interesse público pela regularização da utilização do imóvel denominado Marina da Glória (parte em terra), é possível firmar instrumento de cessão de uso onerosa, sob o regime de aforamento (ou outro regime admitido em lei), entre União e Município do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 18, I, §5º, Lei n. 9.636/98, com cobrança de valores retroativos do município pela utilização do bem com exploração de atividades econômicas? Havendo gravação de área(s) que contemplem o livre acesso e a livre circulação de pessoas, o instrumento de cessão será necessariamente em condições especiais, podendo-se, ainda assim, nele gravar os critérios e valores de retribuição em pecúnia?
b) é possível que a(s) nova(s) pactuação(ões) apontada(s) na alínea anterior seja(m) efetivada(s) por meio de rerratificação do contrato de cessão sob o regime de aforamento gratuito já existente entre a União e o Município do Rio de Janeiro, datado de 22/03/1984 e rerratificado em 15/02/2016, tendo como consequências a nominação correta do instrumento, o estabelecimento de novas cláusulas de utilização mediante retribuição em pecúnia, inclusive previsão de cobrança retroativa, ou há necessidade de instrumento autônomo consubstanciado por novo contrato de cessão onerosa ou em condições especiais, sob regime de aforamento (ou outro regime admitido em lei), envolvendo a área em terra, clausulando tais condições?
c) definido o interesse público pela regularização da utilização do espaço físico em águas públicas da União da parte em águas contíguas ao imóvel denominado Marina da Glória (dársena), é possível firmar instrumento de cessão onerosa de espaço físico em águas públicas diretamente com o Município do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 18, I, §5º, Lei n. 9.636/98? Tendo em vista a contiguidade das águas públicas ao imóvel em terras (aforado), tal relação poderia ser estabelecida diretamente com a BR Marinas S/A ou outra concessionária municipal, com fundamento no art. 18, II, §§ 5º e 7º, da Lei nº 9.636/1998? Em quaisquer dos casos, incidiria a cobrança de valores retroativos pela utilização das águas públicas e definição dos valores doravante segundo critérios técnicos (já estabelecidos em portarias da SPU)? Em sendo possível, haveria possibilidade de clausular tais condições num mesmo instrumento, conforme indagação da alínea anterior ou haveria necessidade de instrumento autônomo?
d) quais seriam os marcos temporais para o início das cobranças dos valores retroativos referidos nas alíneas anteriores? Noutras palavras, quais seriam os limites temporais inerentes à prescrição e decadência para cobrança dos valores retroativos, tanto para a parte em águas públicas quanto para a parte em terra - marinha e acrescidos?
e) para a elaboração dos cálculos das retribuições em pecúnia, o valor das benfeitorias, edificações e acessões irreversíveis realizadas no local, ainda que não autorizadas previamente pela SPU, deve ser considerado?
f) considerando-se a vantajosidade econômica para a União, seria lícito (ou juridicamente admissível) que a concessionária municipal, pessoa jurídica de direito privado, BR Marinas S/A, requerente da utilização do espaço físico em águas públicas e recorrente do AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896 no âmbito do processo n. 04967.000791/2016-10, caso houvesse transação nesse sentido entre as partes, comparecesse como interveniente no(s) contrato(s) a ser firmado(s) entre União e Município do Rio de Janeiro, para fins exclusivos de assunção da dívida do ente municipal pelos valores retroativos da retribuição pela utilização das áreas em terra e em águas, devidamente atualizados, para pagamento pactuado, não superior a 24 (vinte e quatro) meses depois da celebração do pacto de cessão com onerosidade, tendo em vista que, autorizada pelo Município, reconhecidamente desenvolve atividades de exploração econômica no local ao menos desde 2016?
g) em sendo possível regularizar, nos moldes propostos, a utilização do imóvel denominado Marina da Glória, quanto ao AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896, suspenso por força do Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União (SEI 26304586), processo n. 04967.000791/201/6-10, existiria fundamento jurídico suficiente para a sua anulação, conforme Parecer n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU?
h) Em razão do §5º, do art. 18, Lei n. 9.636/98, no tocante à forma de exploração de atividades econômicas no local, considerando que a municipalidade possui atribuição para firmar seus próprios contratos com a iniciativa privada, observada a legislação pertinente à licitação e contratos públicos, a SPU possui atribuição para questionar administrativamente o(s) contrato(s) firmado(s) pelo município em sede de concessão municipal?
47. Por cautela, formula-se questões complementares, uma vez que se a resposta ao questionamento constante da alínea "a" for negativa, as alíneas "b", "c", "d", "e", "f" e "g" restarão prejudicadas. Somente nesta hipótese deverá o órgão consultivo manifestar-se acerca dos questionamentos seguintes:
i) na hipótese de entender não ser possível a regularização da área pela via da cessão com onerosidade ao município, quais seriam os instrumentos jurídicos cabíveis para a destinação da área, levando-se em conta a existência de benfeitorias, edificações e acessões irreversíveis, de natureza necessária ou não, realizadas no local, ainda que não autorizadas previamente pela SPU? E se autorizadas pelo município? O atual ocupante poderia suscitar o direito a embargos de retenção por benfeitoria e indenização da União? O mesmo regime se aplicaria aos equipamentos em águas públicas?
j) na hipótese de entender pela impossibilidade de regularização nos moldes propostos, o AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896, suspenso por força do Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União (SEI 26304586) no processo n. 04967.000791/2016-10, é passível de manutenção? Há necessidade de adequação ou revisão? Quais seriam os argumentos de ordem jurídica para responder as impugnações de mesma ordem apresentada pela recorrente (SEI 23387390)? Poderia a SPU/RJ aplicar novo auto de infração? Quais seriam os fundamentos jurídicos que embasariam eventual novo auto?
k) haveria como consequência lógica das medidas apontadas na alínea anterior a necessidade de promoção de medidas mais drásticas no decorrer do tempo, por imposição da legislação (a exemplo das constantes do Decreto 2.398), tais como a majoração de multas, a demolição de benfeitorias e edificações e a reintegração de posse da área?
48. Do mesmo modo, apresenta-se quesitos complementares se a resposta ao questionamento constante da alínea "h" entender que a SPU possui atribuição para apresentar impugnações à concessão pública levada a efeito pelo município do Rio de Janeiro. Somente nesta hipótese deverá o órgão consultivo manifestar-se acerca dos questionamentos seguintes:
l) quais seriam as medidas administrativas que a SPU deveria adotar? Haveria necessidade de adoção de medidas judiciais por parte da União? Tais medidas deveriam ser adotadas pela Procuradoria-Geral da União (conforme recomendação constante do Parecer n. 0021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI n. 21653852)? Poderia ser estabelecido prazo contratual obrigando a atual ocupante a deixar as instalações? Poderia a SPU/União exigir que o município do Rio de Janeiro realize nova licitação?
O procedimento foi instruído com link de acesso do processo no SEI (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2233308&infra_hash=3cb0849f658e094dc8c9579bcbadd033 – seq. 03), o qual contém a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (26735337) e cópia dos seguintes documentos extraídos de outros processos, mas correlatos ao presente:
- SEI 2730567: Processo nº 10768.035485/93-99 (cópia das 498 páginas iniciais), que contém documentos relativos às tratativas para a celebração do contrato com o Município do Rio de Janeiro, e também:
a) Decreto Federal nº 83.661, de 02 de julho de 1979, em que autorizada a cessão (p. 87/89);
b) Certidão contendo o inteiro teor do Contrato de Cessão sob regime de aforamento firmado com o Município em 22/03/1984 (p. 139/142);
c) Ofício datado de 31/08/1993, em que o Município comunica à SPU sua intenção de concessão da área para a iniciativa privada (p. 153);
d) Fotos e relatório datado de 13/10/93, referente a vistoria realizada pela SPU (p. 157/169);
e) Ofício datado de 24/05/1994, em que a SPU solicita ao Município informações sobre “o resultado da Concorrência para a exploração das atuais instalações da Marina da Glória” e respectiva resposta acerca da suspensão por prazo indeterminado do processo de licitação (p. 229/233);
f) Petições por meio das quais a Associação de Usuários da Marina da Glória – ASSUMA leva ao conhecimento da SPU supostas irregularidades praticadas pelo Município em relação ao contrato de cessão da Marina da Glória, datadas de 30/08/1994 (p. 248), 12/03/1995 (p. 294/456) e 21/02/1997 (p. 462/483);
g) Informação relativa a formação de processo destacado em 01/95, instruída com ofício em que informada a continuidade de licitação pelo Municipio (p. 287/289);
h) Parecer da PFN datado de 02/04/1997, em que apontada necessidade de notificação do Município para manifestação quanto as irregularidades apontadas pela ASSUMA (p. 484/488);
i) Ofício DPU/GAB/RJ nº 56, de 04 de fevereiro de 1999, dirigido ao Prefeito Municipal do Rio de Janeiro, solitando “informações a respeito das razões que determinaram a modificação do projeto original de construção do complexo náutico situado na Marina da Glória e a partir de quando e a que título foi iniciada a exploração comercial e de serviços e sua transferência para a RIOTUR” (p. 497/498);
- SEI 27313385: Auto de Infração 07/2007, lavrado contra a empresa EBTE, em 26/03/2007, em face da realização de “obra de construção sobre espelho d’água sem contrato”, no valor de R$ 254.866,50;
- SEI 27313434: Auto de Infração 11/2009, lavrado contra o Município do Rio de Janeiro, em 09/07/2009, no valor de R$ 677.158,47, que faz referência ao processo nº 10768.035485/93;
- SEI 27313495: Auto de Infração 12/2009, lavrado contra o Município do Rio de Janeiro, em 09/07/2009, no valor de R$ 156.17,92, por “construção de aterro em bens de uso comum do povo (mar)”, que faz referência ao processo nº 10768.035485/93;
- SEI 27313606: Despacho Saneador exarado no processo nº 04967.011791/2016-10, em 11/07/2022, pela Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, que anulou o Despacho Decisório 1106/2022/ME, de cujo inteiro teor se colhe:
Posteriormente, após a adequação formal da instrução processual acima determinada, deverá a SPU/RJ instar o órgão consultivo da Advocacia-Geral da União a se manifestar quanto aos aspectos jurídicos atinentes ao caso concreto, em nova consulta devidamente formulada, com quesitação específica, a ser encaminhada oportunamente pela SPU/RJ, de modo que a autoridade local disponha de elementos, subsídios e orientação jurídica que lhe permitam apreciar as questões suscitadas em sede de defesa pelo interessado (processo SEI n. 10951.101338/2022-14), e em vista das petições lançadas nos processos administrativos 19739.111451/2022-99 e 10154.119471/2022-12, para proferir decisão administrativa devidamente motivada, ainda em primeira instância, consoante dever legal imposto pelo art. 48, Lei n. 9.784/99.
- SEI 27313710: Despacho Decisório 1106/2022/ME, exarado no processo nº 19739.111451/2022-99;
- SEI 27313782: Auto de Infração 01/2022, lavrado contra a empresa BR MARINAS GLÓRIA S.A, no valor de R$ 19.467682,72 (considerada uma área de 187.568 m²), por “ocupação em terrenos e em espelho d´água pertencente à Unão, aréa de uso comum do povo, sem regurarização perante a SPU/RJ”;
- SEI 27313813: Contrato de Cessão Sob Regime de Aforamento Gratuito celebrado em 22/03/1984 com o Município do Rio de Janeiro;
- SEI 27314005: Ofício GBP n° 495, de 29 de junho de 1977, do qual se extrai a informação da intenção do Município de promover a exploração da Marina da Glória pela Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro – RIOTUR S.A;
- SEI 27314103: Ofício OF/COMUDES/032/93, de 31/08/1993, por meio do qual a Prefeitura do Rio de Janeiro formaliza seu desejo de concessão à inciativa privada da área objeto da cessão;
- SEI 27314213: Ofício COMUDES/003/95, de 17/01/1995, por meio do qual a Prefeitura do Rio de Janeiro comunica a continuidade de procedimento licitatório para exploração e gestão administrativa das instalações da Marina da Glória;
- SEI 27314325: Sentença da 4ª Vara de Fazenda Pública exarada em ação de reintegraçao de posse ajuizada pela RIOTUR em face da ASSUMA, que versa sobre sala ocupada por esta na Marina da Glória;
- SEI 27314373: Comunicado datado de 24/11/1998, da empresa Marina da Glória Ltda, endereçado ao então Delegado do Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro, que faz referência à licitação vencida pela empresa EBTE, apresenta projeto de ampliação e revitalização do complexo Marina-Rio, e solicita a cessão de uso de espaço náutico;
- SEI 27314466: Termo Rerratificação do Contrato de Cessão de Uso celebrado com o Município do Rio de Janeiro, datado de 15/02/2016, que limitou-se a reduzir a área objeto do aforamento anterior de 104.183,169 m² para 86.992,752m², e raficou as cláusulas e condições do contrato anterior;
- SEI 27314517: Projeto de Revitalização da Marina da Glória, contendo “Memorial Descritivo da Obras Sobre Especho D’agua”, em que consta a identificação do Município do Rio de Janeiro como Cessionário, e da BR MARINAS GLÓRIA S/A como concessionária, e a indicação do início das obras em 05/2015;
- SEI 27314568: PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de minha autoria, exarado no processo nº 04967.011791/2016-10;
- SEI 27315044: Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, de 10/02/2022, que encaminha à empresa BR MARINAS GLÓRIA S.A o Auto de Infração lavrado no mesmo ano, apontando o critério utilizado para definição da área considerada para a fixação da multa devida;
- SEI 27315113: Nota Técnica SEI nº 8168/2022/ME, exarada no processo nº 04967.011791/2016-10 em 03/03/2022, que lista 5 ações judiciais atinentes à Marina da Glória;
- SEI 27315178: Cota n° 00138/2022/DPC/CGPAM/PGU/AGU, exarada no processo nº 04967.011791/2016-10, em resposta ao PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, por meio da qual a Procuradoria-Geral da União limita-se a esclarecer a já manifestação do DPP/PGU e encaminhar o processo para manifestação do COREPAM-2;
- SEI 27315263: Defesa apresentada pela BR MARINAS GLÓRIA S.A, em 19/02/2022, em resposta à Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, em que sustentada a nulidade do Auto de Infração e a inaplicabilidade das sanções a ela impostas;
- SEI 27316187: Requerimento de cancelamento da multa mensal aplicada por meio do Auto de Infração nº 01/2022, apresentado pela BR MARINAS GLÓRIA S.A, em 08/03/2022;
- SEI 27316259: Ofício SEI Nº 197551/2022/ME, de mero encaminhamento;
- SEI 27316336: Nota n. 00214/2022/PGFN/AGU, exarada no processo nº 04967.011791/2016-10, em resposta ao PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU;
- SEI 27316400 e 27316486: Cota n. 00077/2021/DPC/CGPAM/PGU/AGU e Nota n. 00281/2021/PGUAGU, já analisadas no PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU.
Por meio da COTA n. 00079/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 01/09/2022 (seq. 04), acolhida pelo DESPACHO n. 00085/2022/COORD/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (seq. 05), foi solicitada a prorrogação do prazo para manifestação, e o acesso aos seguintes processos, todos correlatos ao presente (vide seq. 06):
- NUP 10951.101338/2022-14: contém a Defesa apresentada pela BR MARINAS, em 19/02/2022, em resposta à Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, e os documentos 01 a 18 a ela Anexos (vide sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2280113&infra_hash=7ebaa9ae91c8fae0604203060ef53479);
- NUP 19739.111451/2022-99: contém petição apresentada pela BR MARINAS em 08/03/2022, solicitando o cancelamento da multa mensal a ela aplicada (SEI 23017183) e o DESPACHO DECISÓRIO Nº 1106/2022/ME, de 21/03/2022 (SEI 23389914);
- NUP 10154.114426/2022-63: contém pedido de reconsideração apresentado pela BR MARINAS em 22/03/2022, solicitando a revisão do DESPACHO DECISÓRIO Nº 1106/2022/ME e o cancelamento do AI nº 01/2022;
- NUP 10154.119471/2022-12: contém petição apresentada pela BR MARINAS em 18/04/2022, reiterando o pedido de cancelamento do AI nº 01/2022 (faz referência ao processo nº 10154.114426/2022-63) e chamando atenção para a Nota Técnica SEI nº 14392/2022/ME (SEI 23846403 do processo 04967.011791/2016-10);
- NUP10768.035485/93-99: processo aberto para tratar Contrato de Cessão sob regime de aforamento firmado com o Município em 22/03/1984, contendo 08 volumes digitalizados e 05 processos a ele anexados (NUPs 04967.012548/2010-15, 04967.211806/2015-59, 04967.014772/2005-84, 04967.001162/2017-54 e 04967.002865/2014-57), com fim da tramitação física em 24/07/2015 (SEI 21019694) de cujo inteiro teor se destacam documentos que indicam que o Termo de Rerratificação do Contrato de Cessão de Uso celebrado com o Município do Rio de Janeiro pode não ter sido assinado ante de 2018 (vide SEI 21019725 e 21019731), e o seguinte Despacho, de 20/12/2018, correspondente ao último ato de conteúdo decisório no processo:
Este processo está relacionado ao processo nº 04967.011791/2016-10, em que após a devolução da área da Marina da Gloria pela Prefeitura do Rio Janeiro, foi nos informado que o espaço é hoje ocupado pela empresa BR Marinas e deverá seguir os trâmites de Licitação Pública. Assim, após a decisão o mesmo deve ser encaminhado a CGDIN - UC.
- NUP 04967.011791/2016-10: processo originalmente aberto em razão de requerimento da BR MARINAS, datado de 20/12/2016, de cessão de espaços físicos em águas públicas, em que exarado o PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI 21653852), e subsequentemente a ele, dentre outros, os seguintes atos, alguns deles anexados ao processo que ora se analisa, NUP 19739.136864/2022-86 (vide https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2280102&infra_hash=53719e24de6a2df10a5a2baf726cb39e):
SEI 21663939 – Relatório de Fiscalização Individual datado de 16/12/2021, do qual se destaca a informação de que a foto realizada via sistema "Google de fotos" o foi com base "nas áreas indicadas pelos representantes da Empresa que realmente estão ocupando";
SEI 22278938 – OFÍCIO SEI Nº 37978/2022/ME, de 10/02/2022, emitido em resposta a Despacho da SPU/RJ (SEI 22070025), por meio do qual o Secretário Adjunto da SPU, Martim Cavalcanti, se manifesta sobre a recomendação o conteúdo do PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU e aponta a seguinte orientação do Órgão Central:
. Deve ser feita a fiscalização o mais rápido possível com o objetivo de efetuar a cobrança administrativa dos valores devidos pela ocupação irregular do imóvel em referência e do espaço aquático contíguo, pela empresa BR MARINAS DA GLÓRIA S/A;
. A SPU-RJ deve estudar, elaborar e propor a solução sobre o destino da Marina da Glória que, do ponto de vista da conveniência e oportunidade, mais bem atende ao interesse público;
. A SPU-RJ deve adotar toda e qualquer medida possível para evitar maiores lesões ao erário e ao interesse público, sem prejuízo da abertura dos necessários inquéritos para apurar eventuais faltas.
SEI 22292048 – Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, de 10/02/2022, que encaminha à empresa BR MARINAS GLÓRIA S.A o Auto de Infração lavrado no mesmo ano;
SEI 22293896 – Auto de Infração nº 01/2022, não datado;
SEI 22293896 – Cota n. 00138/2022/DPC/CGPAM/PGU/AGU, de 14/02/2022;
SEI 22834390 – Nota Técnica SEI nº 8168/2022/ME, de 03/03/2022;
SEI 22834541, 23070486 e 23366589 – Ofício SEI Nº 58692/2022/ME, de 03/2022, endereçado à PRU2ª Região, em que solicitadas informações sobre 5 feitos judiciais arrolados (2011.02.01.003115.0.1, 0024597.98.1999.4.02.5101, 0059982-10.1999.4.02.5101, 0007034-37.2012.4.02.5101 e 0044567-93.2013.4.02.5101) e “a existência de outros, referentes ao Complexo Marina da Glória”, e respectivas respostas, que não fazem alusão a qualquer outro processo que cuide da Marina da Glória;
SEI 22865377 – Despacho de SPU/RJ, de 03/2022, direcionado à Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, em que solicitadas orientações sobre a desconstituição do Contrato de Aforamento sem ônus da Marina da Glória e a celebração de novo Contrato, de Cessão de Uso em Condições Especiais;
SEI 23387386 e 23387390 – Defesa apresentada pela BR MARINAS GLÓRIA S.A, em 19/02/2022, e Requerimento de cancelamento da multa mensal aplicada por meio do Auto de Infração nº 01/2022;
SEI 23419720 e 23419837 – NOTA n. 00214/2022/PGFN/AGU e respectivo Despacho de aprovação, ambos de 03/2022, de cujo inteiro teor se destaca a referência ao Parecer nº 105/2010/DECOR/CGU/AGU, ao PARECER n. 00057/2022/PGFN/AGU (NUP: 19739.101453/2022-70), ao PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015- 53) e à NOTA n. 00321/2020/WWGS/CPU/PGACPNP/PGFN/AGU (NUP: 00405.014141/2018-94);
SEI 23846403 – Nota Técnica SEI nº 14392/2022/ME, de 08/04/2022, contendo questionável proposição de solução administrativa para regularização da Marina da Glória;
SEI 23857309 – Ofício FP/SUBEX/SUPPA nº 020/2022, da Prefeitura do Rio de Janeiro, em que solicitado o esclarecimento das atividades a que se destina a Marina da Glória;
SEI 25476300 e 25915790 – Despacho Decisório 1106/2022/ME e Nota Técnica em que apresentados elementos de convencimento;
SEI 25976675 – Nota Técnica SEI nº 29332/2022/ME, de 28/06/2022, que faz referência à reunião realizada em 01/06/2022, propõe nova solução para o caso Marina da Glória (desconstiuição do Contrato atual e celebração de Constrato de Cessão de Uso em Condições Especiais) e o encaminhamento de consulta ao órgão de assessoramento jurídico;
SEI 26304586 – Despacho Saneador da Sra. Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, datado de 11/07/2022, que anulou o Despacho Decisório 1106/2022/ME, e determinou a adoção de providências administrativas diversas;
SEI 26520063 – Notificação SEI nº 1/2022/COORD/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, de 19/07/2022, que comunica à BR MARINAS GLÓRIA S.A. a anulação do Despacho Decisório 1106/2022/ME, e a suspensão dos efeitos do Auto de Infração 01/2022;
SEI 28348191 – Petição apresentada pela BR MARINAS em 27/09/2022, em que informada a prolação de decisões, pelo Ministo Relator Francisco Falcão, no ambito do REsp nº 1.792.618-RJ e do REsp nº 1.653-298-RJ, e que conclui com as afirmações de que “neste momento, a concessão de uso da Marina da Glória é absolutamente válida e eficaz”, “qualquer tentativa de promover a sua retirada da gestão da área ou mesmo de lhe aplicar sanções até que haja o trânsito em julgado configura um ato totalmente precipitado e ilícito”, e de que “se o contrato de concessão está (e segue) produzindo efeitos, não há ocupação irregular, sendo manifestamente insubsistente o Auto de Infração”.
Por meio da COTA n. 00082/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 06/09/2022 (seq. 09), acolhida pelo DESPACHO n. 00086/2022/COORD/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (seq. 10), foi solicitado o acesso aos seguintes processos (e de quaisquer outros relacionados ao caso Marina da Glória), também correlatos ao presente (vide seq. 07):
- NUP 4967.004931/2019-38: anexado ao processo 04967.011791/2016-10, contém petição apresentada pela BR MARINAS em 07/05/2019, em atenção à Nota Técnica nº 27098/2018-MP, que traz também argumentos sobre sua tese de que “a área molhada integra o aforamento”, inexigível a licitação e necessária a observância do princípio da confiança legítima e a oitiva do Município do Rio de Janeiro, além de observações sobre a forma como entende correta o cálculo do preço público para cessão do espaço;
- NUP 10154.114539/2020-05: anexado ao processo 04967.011791/2016-10, contém petição apresentada pela BR MARINAS em 19/02/2020, em atenção à Nota Técnica nº 5499/2019-MP, em que reitera os argumentos trazidos em seu requerimento autuado sob o NUP 4967.004931/2019-38;
- NUP 10154.167608/2020-75: anexado ao processo 04967.011791/2016-10, contém petição apresentada pela BR MARINAS em 31/08/2020, em atenção a Despacho proferido em 21/08/2020, no processso 04967.011791/2016-10, em que requerida a submissão de todos os seus requerimentos à apreciação do órgão de assessoramento jurídico (SEI 9199049);
- NUP 10154.130706/2020-57: contém petição apresentada pela BR MARINAS em 15/04/2021, acerca do conteúdo da Nota Técnica SEI nº 12017/2020/ME (SEI 7296456 do NUP 04967.011791/2016-10), em que alega a inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa na condução do processo nº 04967.011791/2016-10, fazendo referência a petição prévia não analisada pela SPU (NUP nº 04967.004931/2019-38);
- NUP 10154.177585/2021-98: contém petição apresentada pela BR MARINAS em 23/12/2021, requerendo a chamada do processo nº 04967.011791/2016-10 à ordem e o resguardo do devido processo legal;
- NUP 10951.100500/2021-98: segundo a SPU, o processo está “instruído com apenas 2 documentos, que foram transferidos para o processo 04967.011791/2016-10, em 25/01/21. Correspondem aos Docs nros 13207623 (Petição - BR Marinas) e 13207624 (Decisão TRF 2ª Região)”.
Por meio da COTA n. 00085/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 09/09/2022 (seq. 12), acolhida pelo DESPACHO n. 00088/2022/COORD/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (seq. 13), foi solicitado o acesso aos seguintes processos (e de quaisquer outros relacionados ao caso Marina da Glória), também correlatos ao presente (seq. 014):
- NUP 04905.200981/2015.45: contém documentos referentes ao processo judicial nº 0059982-10.1999,4.02.5101, da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro (a ele anexado o NUP 10154.102708/2019-12);
- NUP 04967.209360/2015.01: contém Ofício nº 14477/2015, por meio do qual o Ministério Público Federal encaminha cópia de Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com a BR MARINAS em 10/2015, com interveniência da SPU, versando sobre a reconstrução de rampa de acesso gratuito e irrestrito ao mar na Marina da Glória;
- NUP 10154.178114/2020-16: procedimento aberto a partir do Ofício nº 15982/2019/MPF/PR/RJ/JM, reiterado por vários Ofícios, o último datado de 30/05/2022 (SEI 25271760), referente ao Inquérito Civil PR-RJ nº 1.30.001.004944/2019-70 e à suposta ocupação de terreno da União (Matrícula nº 24046.2-BA, do 7º Ofício de Registro de Imóveis da Cidade do Rio de Janeiro) pela BR MARINAS, de cujo inteiro teor se destaca: a) a resposta apresentada pela SPU/RJ apenas em 05/07/2022 (SEI 26133774); b) o Ofício PR-RJ/GMGBA nº 248/2022, de 19/08/2022 (SEI 27422960), por meio do qual solicitada cópia do processo administrativo nº 04967.011791/2016-10, e respectiva resposta, data de 08/09/2022, informando que “o assunto a que se refere o Processo n° 04967.011791/2016-10, permanece em análise jurídica na Consultoria Jurídica da União no Estado do RJ - CJU/RJ, visando a destinação da área denominada como Complexo da Marina da Glória, ao Município do Rio de Janeiro, em regime de Cessão de Uso em Condições Especiais” (SEI 27850763);
- NUP 10154.137425/2021.14: procedimento aberto para tratar dos estudos desenvolvidos pela Secretaria do Patrimônio da União para “estabelecimento de parceria técnico-científica para proposição de procedimentos metodológicos para a avaliação de valores para o uso e a ocupação de áreas da União em espaços físicos em águas públicas (espelhos d‘água)”, que faz referência a Termo de Execução Descentralizada Nº 10/2020, firmado com a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, por meio do seu Laboratório de Transportes e Logística – LabTran, e do qual se infere a existência de ações voltadas à Marina da Glória;
- NUP 04967.201602/2015.18: contém documentos referentes à Rerratificação do Contrato de Aforamento celebrado com o Município com vistas à redução da área cedida (a ele anexado o NUP 04967.210591/2015-59);
- NUP 10154.125589/2022.71: procedimento aberto para tratar de cessão à Polícia Federal de quebra mar inserido no Complexo Marina da Glória (faz referência ao NUP 10154.119083/2019-28);
Finalmente, após reunião realizada no dia 20/09/2022 com representantes da PRU2 e da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, foi solicitado, por e-mail, a instrução dos autos com certos elementos considerados importantes para a análise do caso Marina da Glória, cuja referência será feita oportunamente.
É o relatório.
II- Fundamentação.
II.1. Esclarecimentos Iniciais.
II.1.1. Limites da Manifestação.
Como consabido, a manifestação jurídica consultiva tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. A função da Consultoria Jurídica da União é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar que o exame dos autos processuais se restringe aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, parte-se da premissa de que a autoridade competente se municiou dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
Nesse sentido, vale consignar que o Enunciado nº 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU, recomenda que “o Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade”.
Por fim, em relação à atuação desta Consultoria Jurídica, assinala-se que, embora as observações e recomendações expostas não possuam caráter vinculativo, constituem importante instrumento em prol da segurança da autoridade assessorada, a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações, ressaltando-se, todavia, que o seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Autoridade Administrativa.
No que toca especificamente à manifestação em referência, em atenção ao Enunciado nº 31 do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU[1], buscou-se reunir o maior número de elementos e informações disponíveis (foi analisado o conteúdo de um total de 26 NUPs!), e, considerando-se todo o histórico colhido e o interesse público definido, optou-se por, em um primeiro momento, tecer considerações e recomendações gerais sobre os atos a serem praticados para a solução de todo o imbróglio jurídico em torno da ocupação e exploração da Marina da Glória. Ao final, contudo, serão respondidos os questionamentos formulados por meio do OFÍCIO SEI Nº 226598/2022/ME.
Observe-se, por oportuno, que muitas das proposições jurídicas postas no presente opinativo decorrem da adoção de tese já firmada pela competente consultoria jurídica do atual Ministério da Economia (antigo Ministério do Planejamento), a cuja observância está jungida esta e-CJU/PATRIMÔNIO, conforme determinação constante do PARECER n. 00022/2021/DECOR/CGU/AGU (NUP 10980.007929/86-16), verbis:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. DOAÇÃO COM ENCARGO DE IMÓVEIS SOB ADMINISTRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS. LIMITE DA COMPETÊNCIA DAS CONSULTORIAS JURÍDICAS DA UNIÃO EM MATÉRIA FINALÍSTICA DOS MINISTÉRIOS.
I - Controvérsia relacionada à competência para proceder à doação de bem imóvel sob administração militar.
II – As consultorias jurídicas da União nos Estados - CJUs devem aplicar nos autos dos processos que estiverem sob sua análise, relativamente à matéria finalística do Ministério, o entendimento da consultoria jurídica competente (art. 8º-F, §§1º e 2º, da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, c/c art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993).
III - Eventual ressalva de entendimento, se for o caso, deve ser feita em manifestação apartada, visando à revisão do entendimento que entende equivocado, oportunidade em que poderá ser demandada, de forma fundamentada, eventual providência acauteladora (art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 1993, c/c art. 45 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999).
(...)
A propósito, é necessário registrar que, a despeito do trabalho hercúleo desenvolvido na tentativa de conhecimento dos entendimentos da PGFN e da antiga CONJUR/MP, as conhecidas dificuldades de pesquisa no SAPIENS, a falha base de dados disponibilizada pela PGFN (com indexação que, destaque-se, demanda aprimoramentos) e limitações humanas e temporais, por óbvio, impossibilitam a certeza quanto a existência de tese contrária a eventuais considerações tecidas neste parecer.
Isto posto, convém consignar que, não obstante os esforços de conhecimento da existência, teor e andamento de ações judiciais que envolvem a Marina da Glória (apurada a existência de ações não apontadas no Ofício SEI Nº 58692/2022/ME – vide ações judiciais referidas no 3º e 4º Termos Aditivos ao Contrato de Concessão celebrado entre o Município do Rio de Janeiro e a BR MARINAS), dada a estruturação da AGU, cuja atuação se dá por dois ramos distintos (Consultivo e Contencioso), necessária a consulta específica ao órgão de contencioso da AGU para a verificação do assunto, se assim se considerar o caso.
II.1.2. Recomendações sobre a Autuação de Procedimentos e Formulação de Consultas.
Em primeiro lugar, é imperioso apontar as dificuldades para a célere e efetiva consultoria jurídica trazidas pela reiterada abertura de diferentes NUPs para tratar do mesmo caso (por ora, apurada a abertura de mais de 20 NUPS!), pela não observância da regras de autuação de procedimentos adminitrativos, pela instrução deficiente dos autos, e pela descoordenada e equivocada atuação por parte da SPU/RJ.
Essa questão, especificamente no que toca ao caso Marina da Glória, já foi, inclusive, pontuada em manifestações do próprio órgão central da SPU, como se colhe da Nota Técnica nº 567/2014 – CGADL/DESDE/SPU-MP (que, realce-se, limitou-se a tratar 2 NUPs!), verbis:
4. Dois processos foram constituídos para tratar da mesma área, a saber:
4.1. Processo Administrativo nº 10768.035485/93-99 (aberto originalmente sob o nº 10768.019122/07): trata da cessão de uso pelo regime de aforamento de uma área de acrescido de marinha com 105.890 m², ao Município do Rio de Janeiro para a construção do Complexo Marina-Rio — atual Marina da Glória — no prazo de dois anos, contados a partir da assinatura do contrato, sob pena de anulação da cessão. Esse será tratado, a partir de agora, na presente análise, como 1º Processo;
4.2 Processo Administrativo nº 04967.014772/2005-84, que trata de cessão de uso em condições especiais de uma área com 31.525,98m², constituída por 03 (três) áreas distintas de 9.659,67m², 19.137,82m² e 2.728,49m², concernente ao uso de espaço físico sobre águas públicas e terreno acrescido de marinha, destinadas a ampliação e revitalização do Complexo, visando os Jogos Pan-americanos Rio 2007. Esse será tratado, a partir de agora, na presente análise, como 2º Processo.
5. Em ambos os processos está demonstrado que o empreendimento enfrentou problemas decorrentes de equívocos na gestão das áreas públicas, que implicaram em embargos e Autos de Infração.
(…)
8. A despeito dos dois processos se referirem ao mesmo empreendimento, e terem sido objeto de diversas demandas judiciais, suas tramitações correram em separado e tiveram tratamento distinto, com informações desencontradas e contraditórias, ou seja, os processos “não conversaram entre si”. Somente em novembro de 2013 eles foram apensados, atendendo recomendação da Coordenação-Geral de Controle de Utilização do Patrimônio - CGCUP, do Órgão Central.
9. Há que se destacar, ainda, a dificuldade encontrada na análise dos autos em razão de falhas procedimentais, tais como a ausência de algumas laudas, outras que apresentam até 3 números distintos em vigor, como, dentre outras, a fl. 361, que apresenta, também, os números 411 e 516, ou mesmo as fls. 369 a 430, também renumeradas por duas outras vezes, o que gera grande confusão na análise, além de propiciar a renumeração errada. Constatou-se, também, a inserção de folhas sem a devida numeração, vindas sabe-se lá de onde (caso das fls. 552-A e 552-B, que receberam esta numeração por este analista). Assim, apesar dessas incorreções, optamos por não renumerar as laudas, para não agravar a confusão já existente.
10. Há, também, situações de terem sido arquivadas cópias de documentos recebidos, sem que os originais estejam presentes em qualquer dos dois processos, ou de respostas a demandas formuladas à SPU/RJ, sem que os respectivos pedidos estejam arquivados nos autos ou, ainda, de documentos pertencentes a um dos processos terem sido arquivados no outro, o que exigiu que a análise se desse nos dois processos concomitantemente.
Desde logo, recomenda-se a verificação da conveniência e oportunidade de apensação (ou, conforme o caso, anexação) dos processos que envolvem o terreno da “Marina da Glória”, e extrema cautela na eventual abertura de novos NUPs.
A propósito, é interessante observar que atualmente em vigor a Portaria Interministerial nº 1677, de 2015 que regula “os procedimentos gerais para o desenvolvimentodas atividades de protocolo no âmbito dos órgãos e entidades da AdministraçãoPública Federal”, e assim dispõe:
2.10 - Juntada
Juntada é a união de processo(s) a processo ou de documento(s) avulso(s) a processo, realizando-se por anexação ou apensação.
A juntada de processo(s) a processo somente poderá ser executada pela unidade protocolizadora, enquanto que a juntada de documento(s) avulso(s) a processo poderá ser executada pela unidadea dministrativa onde o processo estiver sendo instruído.
Nos processos digitais, a juntada poderá ser registrada por usuário autorizado diretamente no sistema informatizado, desde que oprocedimento seja monitorado pela unidade protocolizadora. Os procedimentos de juntada são efetivados automaticamente pelo sistema informatizado após o registro da operação.
2.10.1 - Juntada por anexação
A juntada por anexação visa à continuidade da ação administrativa e ocorre em caráter definitivo. Após o procedimento de juntada por anexação, seja de documento(s) avulso(s) a processo, seja de processo(s) a processo, é vedada a retirada de documento(s) do processo, ressalvadas as hipóteses de desentranhamento e desmembramento.
2.10.1.1- Juntada por anexação de documento(s) avulso(s) aprocesso
Esta juntada se caracteriza pela inclusão de documento(s) avulso(s) a processo, desde que referentes a um mesmo interessado e assunto, sendo que o(s) documento(s) avulso(s) anexado(s) passa(m) a compor o processo.
No caso de processo não digital, deve-se obedecer sequencialmentea numeração das folhas. Quanto ao processo digital, deve-se garantir o sequenciamento sem falhas dos documentos que o integram.
(…)
2.10.1.2 - Juntada por anexação de processo(s) a processo
Esta juntada se caracteriza pela união de um ou mais processos(processos acessórios) a outro processo (processo principal), desde que referentes a um mesmo interessado e assunto, prevalecendoo número do processo mais antigo, ou seja, o processo principal.
A anexação de processo(s) a processo(s) não digital(is) somente poderá ser executada pela unidade protocolizadora. Nos processos digitais, essa anexação poderá ser realizada diretamente no sistema informatizado por usuário autorizado, de maneira que se possa garantir o monitoramento desta operação pela unidade protocolizadora.
(…)
2.10.2 - Juntada por apensação de processo(s) a processo
A juntada por apensação de processo(s) a processo ocorre em caráter temporário e tem como objetivo o estudo, a instrução e a uniformidade de tratamento em matérias semelhantes, pertencentes a um mesmo interessado ou não. Cada processo conserva sua identidade e independência.
Esta juntada se caracteriza pela junção de um ou mais processos (processos acessórios) a outro processo (processo principal). Neste procedimento, considera-se como processo principal o que contiver o pedido da juntada por apensação, observando-se que este não será, necessariamente, o processo mais antigo.
Sempre que ocorre uma juntada por apensação, os processos passam a tramitar juntos e o acréscimo de novas folhas deverá ocorrer somente no processo principal.
A apensação de processo(s) não digital(is) somente poderá ser executada pela unidade protocolizadora. Nos processos digitais, a apensação poderá ser realizada diretamente no sistema informatizado por usuário autorizado, de maneira que se possa garantir o monitoramento desta operação pela unidade protocolizadora.
Nos processos digitais, é possível associar ou vincular dois ou mais processos com matérias semelhantes de maneira que o trâmite de cada um siga independentemente e o acréscimo de novos documentos possa ser realizado em todos eles. No entanto, este procedimento não se caracteriza por juntada. Quando se optar pela realização de uma juntada por apensação, os processos necessariamente passarão a tramitar juntos.
(…)
2.10.2.2 - Quanto aos processos digitais:
a) apensar o(s) processo(s) acessório(s) ao processo principal ,por meio de sistema informatizado; e
b) verificar no sistema informatizado se o(s) processo(s)acessório(s) foi(ram) corretamente apensado(s) ao processo principal.
Observações:
1) A fim de apoiar a autenticidade do processo digital, o procedimento de juntada por apensação deverá ser finalizado pelo sistema informatizado, por meio das seguintes ações:
(…)
NUP do processo principal.
2) O acréscimo de novos documentos deverá ocorrer no processo principal.
3) O NUP do(s) processo(s) apensado(s) deve ser exibido junto com as informações de identificação do processo principal.
Isto posto, e considerada a abertura de novo NUP para a formulação da presente consulta, consigna-se que, a despeito de costumeira prática por parte da SPU, NÃO ORIENTAMOS constituir novo processo com cópia dos documentos considerados importantes do “processo principal” para analise pelo órgão de assessoramento jurídico[2]. Afinal, é comum que a instrução processual seja deficiente, o que – como no presente caso – demandará a solicitaçao de sua complementação, e importará suspensão do prazo de manifestação jurídica. Ademais, a remissão a documentos fica mais confusa e exige análise conjunta de processos, com evidente prejuízo para a economia processual.
Por outro lado, RECOMENDA-SE que as consultas eventualmente formuladas sejam instruídas, no mínimo, com identificação do RIP do imóvel a que se refere, informação quanto a existência ou não de matrícula aberta no Cartório competente (o desejável é a instrução, desde logo, com certidão de inteiro teor da matrícula atualizada), bem como indicação de TODOS os processos que versem sobre o mesmo imóvel e disponibilização, ao menos, de link de acesso aos NUPs eventualmente referidos na consulta.
No presente caso, por exemplo, a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337) faz referência a 5 outros processos, sem, contudo, se atentar para a necessidade de disponibilização de acesso aos mesmos. Cita-se:
1. Trata-se o presente expediente de consulta a ser encaminhada à Consultoria Jurídica da União Especializada - E-CJU, acerca da utilização, pelo Município do Rio de Janeiro, por meio de contrato, de áreas da União - terrenos de marinha, acrescidos e espaço em águas públicas, localizadas na Enseada da Glória, Parque do Flamengo, naquela cidade, consubstanciada pelo imóvel denominado Marina da Glória, que compõe espaço público integrante do patrimônio da União.
2. Em 01/06/2022 foi realizada videoconferência com a Procuradoria Regional da União - PRU 2ª Região, Procuradoria-Geral Federal - AGU/PGFN, Consultoria Jurídica da União no RJ - CJU/RJ, Consultoria Jurídica da União Especializada - E-CJU, Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro - SPU/RJ e Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União - SCGPU, em que foram aventadas possibilidades com vistas à regularização da utilização do espaço, adequada à realidade fática existente no local, o que culmina com a presente consulta a ser encaminhada à Consultoria Jurídica da União Especializada - E-CJU.
3. A linha principal da proposta, em apertada síntese, pressupõe a adequação, bilateral e consensuada, do contrato de cessão sob o regime de aforamento gratuito firmado entre a União e o Município do Rio de Janeiro, datado de 22/03/1984 (e rerratificado em 15/02/2016) e o consequente estabelecimento de novas cláusulas de utilização, consubstanciado por contrato de cessão necessariamente onerosa (ou em condições especiais), sob regime de aforamento (ou outro regime admitido na legislação), envolvendo tanto a área em terra (que é objeto do aforamento gratuito a ser rescindido) como o espelho d’água adjacente e contíguo ao imóvel.
4. Cumpre registrar que, no processo SEI n. 04967.011791/2016-10, chamando-se o feito à ordem, foi proferido Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União (SEI 26304586), que determinou: (i) a anulação do Despacho Decisório n. 1106 (SEI n.25476300); (ii) a perda de objeto do recurso administrativo apresentado no processo administrativo n. 10154.114426/2022-63; (iii) a suspensão dos efeitos do Auto de Infração n. 01/2022 (SEI n. 22293896) com o consequente sobrestamento das petições lançadas nos processos administrativos n. 19739.111451/2022-99 e n. 10154.119471/2022-12.
5. No mesmo despacho saneador, determinou-se que, após a adequação formal da instrução processual, deveria a SPU/RJ instar o órgão consultivo da Advocacia-Geral da União a se manifestar quanto aos aspectos jurídicos atinentes ao caso concreto, em nova consulta devidamente formulada, com quesitação específica, para que a autoridade local dispusesse de elementos, subsídios e orientação jurídica que lhe permitissem apreciar as questões suscitadas no processo SEI n. 10951.101338/2022-14, de modo a encaminhar proposta de solução consensual visando à regularização da utilização à luz da Lei n. 9.636/98 e demais dispositivos da legislação patrimonial esparsa, objetivando-se se a regular utilização das áreas da União pelo ente municipal em adequação à situação fática vivenciada no imóvel.
(…)
38. Nessa linha, embora a presente consulta decorra parcialmente para elucidar dúvidas jurídicas decorrentes dos questionamentos da defesa e do recurso administrativos apresentados pela BR Marinas S/A. no processo administrativo n. 04967.011791/2016-10 e, portanto, para embasar eventual resposta da SPU quando do julgamento administrativo de tais peças ou mesmo da declaração de prejudicialidade da defesa/recurso (a depender do êxito da proposta de destinação ora em tele), o propósito fundamental desta consulta é a validação jurídica dos rumos procedimentais e da escolha do(s) instrumento(s) de destinação adequados para o resguardo do interesse público, seja para se manter a municipalidade como foreira, porém em condições especiais, seja estabelecendo-se novo contrato de cessão onerosa, mas impondo-se ao município a onerosidade pelo uso do imóvel da União.
Observe-se, por oportuno, que a presente consulta poderia ter sido formulada no bojo do processo nº 04967.011791/2016-10, e que os NUPS nº 10154.114426/2022-63, 19739.111451/2022-99, 10154.119471/2022-12 e 10951.101338/2022-14, que se limitam a trazer petições avulsas apresentada pela BR MARINAS deveriam, na verdade, ser juntados por anexação ao aludido processo nº 04967.011791/2016-10 (medida que importaria grande economia processual).
Visto isso, é necessário consginar que, da leitura do parágrafo 5 da Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME e do Despacho Saneador exarado no processo nº 04967.011791/2016-10, verifica-se que o objetivo da presente consulta é também orientar a SPU/RJ quanto ao acolhimento ou não da defesa apresentada pela BR MARINAS (NUP 10951.101338/2022-14), bem como das petições autadas sob os NUPs 19739.111451/2022-99 e 10154.119471/2022-12. É o que se passa a analisar.
II.2. Nulidade do Auto de Infração nº 01/2022 e Defesa apresenta pela BR MARINAS.
Em resposta à Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, a BR MARINAS GLÓRIA S.A apresentou Defesa (SEI 27315263), de cujo inteiro teor se destaca:
II - VÍCIOS PROCEDIMENTAIS INSANÁVEIS QUE MACULAM O AUTO DE INFRAÇÃO E O PRESENTE PROCESSO
(…)
25. A tramitação transcorreu como se a versão dos fatos e do direito aplicável sustentada pela BR Marinas – requerente original que deflagrou o procedimento administrativo, diga-se – fosse irrelevante; ou como se a administrada não fizesse jus a sequer ter suas petições apreciadas e respondidas, embora seja evidente sua condição não de interessada, mas de diretamente afetada pelas deliberações tomadas neste feito. Em poucas palavras: a condução deste procedimento é a antítese do devido processo legal, com todas as vênias.
26. A perplexidade é ainda maior quando se tem em vista que o presente processo foi instaurado a partir de um pedido legítimo de cessão do espelho d’água por parte da própria BR Marinas (com aval e recomendação do Município do Rio de Janeiro). Pedido esse que acabou sujeito a uma evolução impensável, pois o que era um requerimento da Concessionária, aparentemente, foi transformado em um processo sancionador contra ela própria, no qual a empresa, sem bem entender as razões, foi obrigada a acompanhar calada a juntada de pareceres e a tomada de decisões com conclusões gravíssimas que lhe afetavam, à revelia de qualquer direito de defesa prévia e das próprias normas procedimentais autovinculantes da SPU.
27. Ou seja, um requerimento tempestivo (dado que subsequente ao término da primeira cessão que visava às Olimpíadas e Paraolimpíadas) e de boa-fé, destinado a garantir a manutenção da regularidade da ocupação da área (absolutamente intrínseca à exploração do complexo da marina), inclusive mediante pagamento, acabou por não ter sido analisado em tempo razoável. E, pior, ainda foi, ao que tudo indica, transmudado em um procedimento de punição, para tratar como negligente e irregular o Administrado que, em primeiro lugar, exercera o direito de petição para tomar a iniciativa de garantia da regularidade e legalidade da ocupação, mediante devido processo administrativo público e formal.
28. Ainda que se pudesse cogitar de uma convolação dessa natureza (quod non), o mínimo esperado era que se oportunizasse à parte interessada o direito de se manifestar previamente, antes de se ver surpreendida em um Auto de Infração que lhe aplica multa exorbitante e desproporcional, além de indicar riscos reais de sanções ainda mais graves (como a determinação de desocupação). A violação a princípios e garantias constitucionais e legais é flagrante.
II.1. Manifesta violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Violação ao art. 18 da IN nº 01/2017
(…)
35. Da mesma forma, o Município do Rio de Janeiro – titular do aforamento do imóvel – não foi ouvido antes da formação de convicção da SPU quanto à suposta irregularidade da ocupação do espaço.
36. Fato é, portanto, que, a SPU pretende impor severas sanções administrativas à BR Marinas (i) a partir de um procedimento administrativo deflagrado pela própria Concessionária para outra finalidade; (ii) sem ouvir previamente a empresa e o Município do Rio de Janeiro, nem mesmo quando o art. 18 da IN nº 01/2017 da própria SPU assim impunha; (iii) com base em relatório de fiscalização em que foi declarada “incerteza” quanto à ocorrência de infração; (iv) sem que jamais tenha sido informado nos autos que quais “decisões e orientações da alta administração da SCGPU” teriam embasado o despacho do Coordenador da SPU-RJ, quando ocorreram e quem teria se arvorado na condição de porta-voz da Alta Administração; e (v) sem que tenha havido uma decisão fundamentada quanto às supostas irregularidades. Tudo deixando de lado uma série de garantias procedimentais conferidas aos acusados na esfera administrativa, tais como apresentação de alegações e realização de provas.
(…)
38. Nem se diga que não há nulidade sem prejuízo. Houve prejuízos evidentes. Diversas circunstâncias concretas comprovam a gravidade e as consequências práticas deletérias de não se ter ouvido previamente a BR Marinas e o Município. Como se verá em mais detalhes adiante, uma das premissas jurídicas principais que foram invocadas pela AGU e pela PGFN para defender a impossibilidade de cessão do espelho d´água para a BR Marinas era a de que o acórdão proferido pelo TRF2 no bojo da citada Ação Popular de 1999 já estaria produzindo efeitos, de modo que o contrato de concessão de uso firmado entre MRJ e BR Marinas (e que serviu de supedâneo para o pedido de cessão da Dársena) seria inválido. No entanto, essas manifestações ignoraram por completo o teor de outra decisão do próprio TRF2 tomada em sede de execução provisória movida pelos autores populares, em que se concluiu que o acórdão não era autoexecutável e demandava atos concretos determinados pelo Poder Judiciário (e não medidas administrativas). Mais do que isso, a 8ª Turma Especializada do TRF2 definiu que cabia ao MM. Juízo da 11ª Vara Federal decidir se era ou não possível a execução nos termos perquiridos pelos autores da ação, sendo certo que a execução não foi retomada até hoje.
(…)
II.2. Violação devido processo legal também sob o ângulo da desconsideração do direito de petição (art. 5º, XXXIV, CRFB)
(…)
43. De fato, a BR Marinas, mesmo sem ter sido intimada a se manifestar, tentou, diversas vezes, ser ouvida nos autos. Nos últimos anos, apresentou 6 petições com diversos pontos jurídicos e fáticos de enorme relevância à análise do caso (cfr. Processos nº 04967.004931/2019-38, 10154.114539/2020-05, 10154.130706/2020-57, 10154.167608/2020-75; 10951.100500/2021-98 e 10154.177585/2021-98), inclusive destacando que o processo estava tramitando à sua revelia. Tais petições, contudo, foram incompreensivelmente desconsideradas por completo durante a tramitação do processo. Não foi dada uma palavra sobre elas. Aliás, de acordo com o SEI do Ministério da Economia, algumas ainda estão “pendentes de análise” (cf. Imagem abaixo):
(…)
46. Eis, portanto, mais uma causa de nulidade de todo o procedimento administrativo, consistente no negligenciamento das diversas petições apresentadas pela BR Marinas. A começar pela própria petição inaugural deste procedimento administrativo (datada de 2016), que, na falta de análise e decisão em tempo oportuno, acarretou uma posterior alegação de suposta irregularidade e desaguou na inusitada – rectius, ilegal – convolação do procedimento em algo totalmente distinto do seu objeto original.
II.3. Violação ao dever de motivação dos atos e decisões administrativas
(…)
52. Fica comprovado, assim, que não há decisão final que tenha concluído pelo cometimento de infração por parte da BR Marinas, notadamente porque o próprio relatório de fiscalização indicou haver incerteza quanto à irregularidade da utilização da área. E, também, porque não houve encerramento regular da fase de consulta jurídica, como registrado nos autos pelo próprio Diretor Substituto do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da AGU, em sua supracitada Cota n. 00138/2022/DPC/CGPAM/PGU/AGU.
53. Nada obstante, foi lavrado Auto de Infração por supostas irregularidades com a indicação de multa (mensal) milionária. E isso, frise-se, sem que seu cálculo tenha sido minimante discriminado e explicado. Para piorar: a área supostamente ocupada de forma irregular foi calculada com base em fotos tiradas do Google Maps, que evidentemente pecam quanto à fidedignidade da área real ocupada, sob a alegação de que a urgência demandaria esse tipo de instrução. Ora, qual a urgência em um processo que tramita há mais de 5 anos? Como é possível que a Administração Pública pretenda aplicar uma multa dessa magnitude sem instruir minimamente a justificativa para o cálculo? Aliás, como é possível a aplicação de multa pela utilização da área sem se considerar que o Município é o titular da área e autoriza a empresa a administrar a área?
(…)
55. Aliás, é preciso destacar que, se a BR Marinas for instada a desocupar a área, isso implicará em descumprimento do contrato de concessão de uso que mantém com o Município do Rio de Janeiro, o que também poderá lhe ensejar aplicações de sanções, além de que haverá uma descontinuidade na prestação do serviço de relevantíssimo interesse público que presta, ocasionando graves prejuízos aos usuários e visitantes da Marina da Glória.
(…)
De fato, apesar dos inúmeros peticionamentos (que deram origem à abertura de NUPs diversos, já citados), tem-se que o processo nº 04967.011791/2016-10 correu à revelia da BR MARINAS, sem a devida decisão sobre o seu requerimento datado de 20/12/2016 e/ou notificação sobre o conteúdo das diversas manifestações jurídicas exaradas nos autos, só sendo-lhe oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa quando da Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, de 10/02/2022, que lhe encaminhou o Auto de Infração 01/2022, em que prevista multa mensal de R$ 19.467.682,72!
Por essa razão e em homenagem ao princípio do devido processo legal, recomenda-se que no processo nº 04967.011791/2016-10 seja exarado despacho de anulação do Auto de Infração 01/2022 e dos atos a ele subsequentes (cfr. arts. 2º e 53 da Lei nº 9.784/1999), e, ato contínuo, decisão acerca do indeferimento do requerimento da BR MARINAS que deu azo à abertura do referido NUP (com fundamento nas considerações postas neste tópico e no subsequente).
Esclareça-se desde logo que dita anulação NÃO REPRESENTA reconhecimento das teses apresentadas pela BR MARINAS em sua Defesa e/ou Petições Avulsas quanto ao mérito do Auto de Infração 01/2022 e a suposta regularidade da atual utilização da Marina da Glória.
Registre-se, outrossim, haja vista as críticas lançadas pela BR MARINAS aos órgãos responsáveis pela consultoria jurídica da SPU, que, à época em que exaradas a NOTA n. 00702/2021/PGFN/AGU e o PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, a informação que se tinha era a de que “a avença existente entre o Município do Rio de Janeiro, cessionário do espaço físico em terra, e a empresa BR Marina daGlória S.A. foi desconstituída por decisão judicial”. Com efeito, e como não poderia deixar de ser – haja vista a estruturação bipartida da AGU em órgãos de contecioso e consultivo (vide arts. 9 e 11 da Lei Complementar nº 73/1993) – não se tinha conhecimento do inteiro teor da execução provisória nº 0022532-37.2016.4.02.51012 e do conteúdo e impacto das decições nela proferidas sobre o quanto decidido nos autos da Ação Ação Popular nº 0059982-10.1999.4.02.5101.
Quanto a esse ponto, é necessário consignar que, embora não ideal, a comunicação entre os órgãos consultivo e contencioso da AGU, dada a própria dimensão da instituição, é por vezes falha, lenta e burocrática. Justamente por essa razão e pela percepção de que o caso Marina da Glória demandava um tratamento estratégico, e a atuação uniforme e coordenada pelos órgãos central e de ponta da SPU, e pelos órgãos consultivo e contencioso da AGU, é que o PARECER n. 00021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU propôs todos os encaminhamentos nele constantes.
À época, não se cogitou que o processo nº 04967.011791/2016-10 seguiria o rumo que acabou por tomar… De todo modo, embora, de fato, a lavratura do Auto de Infração 01/2022 tenha se dado sem a prévia observância do devido processo legal, também é fato que finalmente foi dada atenção à necessidade “de imediata adoção, pelos agentes competentes, de toda e qualquer medida possível para evitar maiores lesões ao erário e ao interesse público”, e, nesse ponto, meritória a iniciativa de todos os envolvidos.
A esses esclarecimentos, incumbe-nos acrescer que realmente não parece exitir decisão judicial desconstituindo o Contrato de Cessão por Aforamento entre a União e o Município do Rio de Janeiro, celebrado em 22/03/1984. Isso, contudo, não impediria o reconhecimento administrativo de sua invalidade por desvio de finalidade, pelas razões muito bem apontadas no OFÍCIO SEI Nº 346070/2021/ME, datado de 28/12/2021, endereçado à Superintendência Executiva de Patrimônio Imobiliário da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (vide SEI 21357990, do proceso nº 04967.011791/2016-10). Cita-se:
Senhor Superintendente
Cumprimentando-o cordialmente, sirvo-me do presente para informar que o Município do Rio de Janeiro, é titular do aforamento do imóvel designado pelo RIP 600101158750, correspondente à área da Marina da Glória em razão do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento datado de 22/03/1984 (21019512), lavrado por força do Decreto nº. ° 83.661 de 02/07/1979 (https://bit.ly/31Q6ATN), no Livro nº 13-A ESPECIAL, que tinha a finalidade de construir um Complexo turístico denominado Marina-Rio.
O citado espaço público, com finalidade de atender à população de um modo geral, está sendo gerido como se propriedade privada fosse, situação que conflita com o espírito do Contrato supramencionado, desvirtuando a ideia de Marina pública, com livre circulação.
Cumpre-nos informar que quando a Cessão tiver como finalidade a execução de empreendimento com fim lucrativo será onerosa. Nos demais casos, poderá ser gratuita se a Legislação Patrimonial permitir. A cessão ainda poderá ser realizada em condições especiais, quando contemplar as duas formas mencionadas ou oferecer condições favoráveis ao cessionário, na forma da lei.
Assim sendo, em decorrência de indício de desvio de finalidade com a inobservância do Princípio da Supremacia do Interesse Público, bem como das diretrizes da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União direcionadas às Regionais, nos parece que o Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento não merece prosperar, da forma atual.
Objetivando a manutenção das boas práticas administrativas, e prezando pela harmonia que deve existir entre as diferentes esferas da Administração Pública, em proveito do interesse público, solicito verificar a possibilidade de agendamento de reunião entre essa Superintendência e a SPU-RJ, com a participação da PGM.
Sem mais para o momento, aproveitamos para renovar os nossos protestos de estima e consideração.
Dita invalidação, contudo, caso efetivamente necessária (o que, adianta-se, não nos parece o caso), deverá observar o devido processo legal e as seguintes prescrições da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942, na redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010):
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento)
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
(…)
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
(…)
A aplicabilidade das faculdades previstas nos arts. 26 e 27 da LINDB ao caso concreto será objeto de análise oportuna. Por ora, considerado o objeto do presente tópico e haja vista argumentações trazidas pela BR MARINAS em sua defesa, registra-se que:
a) a regra do art. 18 da Instrução Normativa SPU nº 01/2017 (que disciplinava “a atividade defiscalização dos imóveis da União”) era expressamente excepcionada pelo seu § 3º[3]. De todo modo, aludida IN foi revogada pela Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020, sendo imperiosa a utilização do regramento em vigor quando das eventuais autuações pela equipe de fiscalização da SPU (vide incorreções constantes dos itens 11 e 13 do AI 01/2022 – SEI 27313782);
b) de todo questionável a tese de que, ao celebrar Termo Rerratificação do Contrato de Cessão de Uso com o Município do Rio de Janeiro, datado de 15/02/2016 – que limitou-se a reduzir a área objeto do aforamento anterior de 104.183,169 m² para 86.992,752m² e raficar as cláusulas e condições do contrato anterior, é bom frisar –, “a SPU formalmente convalidou a validade do aforamento para que não houvesse dúvidas sobre a higidez do domínio útil do Município”.
Ora, convalidação, nas abalizadas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos” [4]. Trata-se da prática de um novo ato administrativo que, saneando o vício apresentado por um seu antecessor, legitima os efeitos produzidos por este desde o berço. Em outras palavras, consiste a convalidação em uma atuação positiva da Administração Pública com o deliberado escopo de expurgar os defeitos que inquinavam um ato anterior, o que definitivamente (como, inclusive, não poderia ser) não foi propósito do Termo Rerratificação em referência.
II.3. Necessidade de urgente desconstituição do Contrato de Cessão celebrado com o Município do Rio de Janeiro.
Como já asseverado, de fato não parece exitir decisão judicial desconstituindo o Contrato de Cessão por Aforamento Gratuito celebrado entre a União e o Município do Rio de Janeiro em 22/03/1984. Isso, contudo, não impediria a sua invalidação, e, com menos razão ainda, a sua RESCISÃO. Com efeito, nos termos de legislação em vigor:
Lei nº 9.784/1999
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Lei nº 8.666/1993
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
(…)
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
(…)
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;
II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;
(…)
XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;
(…)
Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:
I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;
(…)
Lei nº 14.133/2021
Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:
(…)
II - extingui-los, unilateralmente, nos casos especificados nesta Lei;
(…)
Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações:
I - não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou de cláusulas contratuais, de especificações, de projetos ou de prazos;
(…)
VIII - razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante;
(…)
Lei nº 9.636/1998
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
(…)
§ 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
Ora, é incontroverso que, pelo menos desde 1993 (vide Relatório de Vistoria realizada pela SPU em 13/10/93 - SEI 2730567), a Marina da Glória já é objeto de exploração econômica pelo Município do Rio de Janeiro.
Não bastasse isso, tem-se que, com a concessão da área à iniciativa privada, operada pelo Município em 1996, esta exploração econômica ganhou novo impulso e passou a conflitar com o interesse público visado quando da cessão original ao Município, de atendimento à população de um modo geral, por meio da construção de uma “Marina pública, com livre circulação” (cfr. OFÍCIO SEI Nº 346070/2021/ME, datado de 28/12/2021 - vide SEI 21357990, do proceso nº 04967.011791/2016-10). Nesse sentido, a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337):
20. Necessário registrar, no que concerne à efetiva utilização da área pública pertencente à União, que um dos principais fundamentos trazidos pelas impugnações à utilização da área sustenta que, de fato, houve um distanciamento da disposição inicialmente prevista ao bem cedido, cuja destinação originária estava diretamente relacionada à vocação náutica, consoante gravado no primeiro contrato de aforamento celebrado em 1984, com o Município do Rio de Janeiro.
21. A forma de utilização atual da Marina da Gloria é de conhecimento público, sendo notória a utilização da área para prática de atividades comerciais, com limitação de acesso mediante cobrança de ingressos e/ou desenvolvimento de exploração econômica subjacente a eventos, tais como: shows musicais (sendo recorrente a apresentação de artistas de renome nacional), feiras de moda, exposição e venda de veículos automotivos, eventos culturais, cobrança de aluguel de guarderia de barcos e equipamento, cobrança por atracação e utilização de equipamentos etc.
Realce-se que a exploração econômica hoje levada à cabo pela BR MARINAS parece chegar a abranger a cobrança por estacionamento de carros, conforme nos dá conta o Inquérito Civil PR-RJ nº 1.30.001.004944/2019-70 (vide NUP 10154.178114/2020.16), circunstância que merece apuração.
Em sua defesa à Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, a BR MARINAS GLÓRIA S.A assim advoga (SEI 27315263):
73. Outro ponto a se destacar é que uma das grandes preocupações da gestão da Marina da Glória envolve justamente o seu caráter público e a vocação náutica do espaço. Não há, pois, qualquer violação à destinação e à natureza do bem público, sendo que a utilização da área está em plena conformidade com o disposto nos arts. 98 a 103 do Código Civil. Quanto a isso, aliás, os órgãos e entidades públicas federais vêm exercendo forte e relevante fiscalização, nas quais ou bem se concluiu pela inexistência de qualquer irregularidade, ou, eventualmente, pela possibilidade de celebração de instrumentos consensuais com vista a tornar a exploração da área ainda mais aderente aos interesses públicos envolvidos. Alguns exemplos confirmam o ponto:
- TAC da Rampa: no curso de ação civil pública proposta em 2012, o Ministério Público Federal, a BR Marinas e o Município do Rio de Janeiro firmaram Termo de Ajustamento de Conduta para viabilizar a construção de uma rampa pública de acesso irrestrito ao mar. Tal obra foi implementada, com aval tanto do MPF como do IPHAN, existindo há anos acesso livre ao mar pela Marina para qualquer pessoa que queira passar seu barco (Doc. 07). É fundamental destacar que a SPU consta como interveniente-anuente deste TAC, de modo que teve ciência das obras promovidas pela BR Marinas e com elas concordou.
- ICP acessibilidade: no curso das Olimpíadas, o MPF fiscalizou se os equipamentos olímpicos estavam adequados às normas de acessibilidade. No caso da Marina da Glória, após fiscalização in locu da própria Procuradora da República, constatou-se a regularidade da área e o atendimento das normas pertinentes.
- ICPs eventos: durante anos tramitaram no MPF inquéritos civis públicos que discutiram a possibilidade de realização de eventos na Marina da Glória, bem como os critérios que deveriam ser adotados para isso. Tais processos tramitaram por mais de 10 anos, sendo que houve diversas medidas adotadas pelos Procuradores com o objetivo de estudar e analisar o caso, tais como audiência pública e inúmeras reuniões com entidades públicas e privadas. Recentemente, ambos os inquéritos foram arquivados – com decisão final de homologação da 4ª CCR, em razão da não constatação de irregularidades que justificassem a tomada de medidas judiciais (Doc. 08).
- Projetos ambientais: É importante destacar que, em consulta pública organizada pela própria SPU em junho deste ano, os representantes da empresa foram convidados a participar de uma reunião conduzida pelo LabTrans, consultoria ligada à UFSC e contratada pela SPU para orientar o processo de valoração de cessão/ocupação de espelho d’água, onde se discutiu a possibilidade de utilização de critérios e índices de boas práticas ambientais como itens a serem observados para a definição dos respectivos valores. Naquele contexto a BR Marinas encaminhou seu relatório de boas práticas socioambientais para demonstrar que adota uma série de medidas ambientalmente adequadas na gestão da área – colaborando com os estudos desenvolvidos pela SPU. Atualmente a Marina da Glória encaminha para reciclagem de cerca de duas toneladas de resíduos e retira de seu espelho d´água cerca de uma tonelada e meia de lixo flutuante.
- A Marina da Glória é a sede da Confederação de Vela no Rio de Janeiro e conta com inúmeros projetos e eventos relacionados ao esporte.
- Inúmeros são os comodatos para guarda de embarcações de vários órgãos federativos, tais como Marinha, Receita Federal, UERJ, INEA, Guarda Municipal, etc.
- Além disso, qualquer cidadão que queira embarcar ou desembarcar na Marina em sua embarcação pode assim fazê-lo. Cobranças para embarque ou desembarque na estrutura da Marina da Glória mediante pagamento só são realizadas caso alguma atividade comercial esteja sendo exercida.
- A Marina da Glória fica totalmente aberta para acesso pedonal do público em geral 24 horas por dia. A Marina da Glória não é uma marina fechada a qualquer cidadão pode acessá-la. Mesmo na hipótese de realização de eventos, as áreas fechadas nunca ultrapassam mais que 30% da área total concedida.
- O IPHAN, autarquia federal, aprovou o projeto de revitalização da Marina da Glória (Doc. 12), e realiza constante fiscalização da área.
(…)
75. Assim, com todo o respeito, não há que se falar em desvio de finalidade ou de violação ao interesse público. Pelo contrário. Se esta SPU tivesse investigado e oportunizado à BR Marinas o direito de se manifestar, teria rapidamente identificado que a área é vocacionada às suas finalidades náuticas. Trata-se de um espaço aberto, revitalizado e que gera enormes benefícios para os cariocas e turistas. Pretender desconsiderar isso configura não só uma decisão descolada da realidade, como viola, ela própria, os interesses públicos que deveriam ser protegidos pela SPU.
Ora, ainda que se verifique que a presente configuração da exploração da Marina da Glória “gera enormes benefícios para os cariocas e turistas” e não importa “qualquer violação à destinação e à natureza do bem público”, é inconteste que a manutenção do Contrato de Cessão por Aforamento Gratuito celebrado em 1984 com Município do Rio de Janeiro resulta prejuízo ao erário público e contraria o ATUAL interesse público.
Não por outra razão, a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337) assevera:
18. Como se vê, diversas diligências e procedimentos administrativos foram perpetrados em relação ao imóvel correspondente à área da União onde se situa a Marina da Glória, sendo de notória constatação que a situação fática quanto à utilização do imóvel e das contíguas águas públicas da União apontam para o desenvolvimento e execução de empreendimento(s) de fim lucrativo, de modo que se impõe a onerosidade da destinação, mediante celebração de novo instrumento entre a União e o Município do Rio de Janeiro, (…).
19. Deve-se mencionar que se encontram em andamento tratativas entre a União e o Município do Rio de Janeiro, este já ciente quanto à necessidade de se adequar a relação jurídica existente entre os entes relativamente à utilização de imóvel da União, sendo impositivo, por força de lei (art. 18, § 5º, Lei n. 9.636/98) gravar a destinação com onerosidade, sem que se olvide da necessidade de retroatividade das retribuições no tempo, tanto no que respeita aos terrenos de marinha e acrescidos quanto ao espaço físico em águas públicas, em razão da notória utilização para a execução de empreendimento(s) de fim lucrativo, pela cessionária municipal (que, inclusive, remunera o ente municipal pela utilização do espaço).
O exame da possiblidade de celebração de novo contrato de cessão de uso com o Município do Rio de Janeiro e dos seus termos será objeto do tópico seguinte. Desde logo, incumbe-nos consignar a imperiosidade de se gravar a destinação de TODA a área da Marina de Glória (terrestre e aquática) com onerosidade, fato tão evidente que a própria BR MARINAS, quando da formulação de pedido de cessão de espaços físicos em águas públicas na Dársena da Marina da Glória, que deu ensejo à abertura do processo nº 04967.011791/2016-10, não ousou cogitar da gratuidade[5].
De se registrar também que a regularização da utilização da Marina da Glória está jungida à retroatividade das retribuições no tempo. Sobre o tema, digno de referência o seguinte acórdão do Tribunal de Contas da União – TCU, exarado quando do exame de denúncia acerca de irregularidades na exploração de instalação portuária do Cais do Centro pelo Município de Armação de Búzios – RJ, e levado em consideração quando da emissão do PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU (NUP: 04967.001083/2006-91):
ACÓRDÃO Nº 842/2018 – TCU – Plenário
TC 027.731/2017-0
SUMÁRIO
DENÚNCIA. PEDIDO DE CAUTELAR SUSPENSIVA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NA EXPLORAÇÃO DO CAIS DO CENTRO. OITIVAS PRÉVIAS. PARCIAL CONFIRMAÇÃO DAS IRREGULARIDADES. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. INDEFERIMENTO DA CAUTELAR EM FACE DA ATUAL ATUAÇÃO DOS CORRESPONDENTES ÓRGÃOS FEDERAIS. DETERMINAÇÕES. MONITORAMENTO. CIÊNCIA.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de denúncia, com pedido de cautelar suspensiva, sobre possíveis irregularidades na exploração da instalação portuária do Cais do Centro, em área pertencente à União, pelo Município de Armação de Búzios – RJ em prol dos pescadores, turistas ou donos de escunas, além, especialmente, do desembarque de passageiros e turistas provenientes dos navios em cruzeiros;
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Extraordinária Reservada do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. considerar, no mérito, parcialmente procedente a presente denúncia, já conhecida por meio do Acórdão 2500/2017-TCU-Plenário;
9.2. indeferir o pedido de suspensão cautelar formulado pelo ora denunciante;
9.3. determinar que, nos termos do art. 250, II, do RITCU, a Superintendência Regional da Secretaria de Patrimônio da União no Rio de Janeiro (SPU-RJ) adote as seguintes medidas:
9.3.1. promova o acompanhamento sobre o Processo 04967.0010863/2006-91, que trata do pedido de regularização do espelho d’água para o funcionamento do Cais do Centro, a partir do Parecer 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU e da Portaria SPU 190, de 2017, até a efetiva quitação dos débitos retroativos, em face da irregular exploração da atividade portuária pelo Município de Armação dos Búzios – RJ, aplicando, no caso de inadimplência, as penalidades cabíveis, nos termos do art. 6º do Decreto-Lei 2.398, de 21 de dezembro de 1987, além da consequente rescisão do eventual contrato de cessão de uso onerosa, sem prejuízo de atentar para a possível irregularidade pela proximidade entre o Cais do Centro e o Parque Municipal dos Corais, na zona de amortecimento da unidade de conservação;
9.3.2. condicione a assinatura do referido contrato de cessão de uso onerosa, conforme o Processo 04967.0010863/2006-91, à apresentação, em favor do Município de Armação dos Búzios – RJ, do “nada a opor” atualizado pela Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, em conformidade com o art. 9º, inciso V, da Portaria SPU 404, de 2012, além da autorização para a instalação portuária (contrato de adesão) expedida pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário, nos termos do art. 27, III, do Decreto 8.033, de 2013, sem prejuízo da apresentação dos demais documentos necessários, em conformidade com a legislação aplicável;
9.3.3. promova a adequada avaliação sobre o valor mensal ou anual fixado para a referida cessão de uso onerosa da aludida área portuária em favor do Município de Armação dos Búzios – RJ, já que o atual valor mensal corresponderia a apenas R$ 2.199,04 (montante anual: R$ 26.388,45) para a cessão da área de 625,00 m2, devendo apresentar, ao TCU, a necessária justificativa para esse valor com a devida pesquisa de mercado e o correspondente memorial de cálculo, entre outros elementos de convicção;
(…)
RELATÓRIO
Trata-se de denúncia, com pedido de cautelar suspensiva, sobre possíveis irregularidades na exploração da instalação portuária do Cais do Centro, em área pertencente à União, pelo Município de Armação de Búzios – RJ em prol dos pescadores, turistas ou donos de escunas, além, especialmente, do desembarque de passageiros e turistas provenientes dos navios em cruzeiros.
2. Após a análise final do feito, aí incluídas as respostas às oitivas prévias determinadas pelo Acórdão 2500/2017-TCU-Plenário, o auditor federal lançou o seu parecer conclusivo à Peça nº 6, com a anuência do secretário-substituto da Secex-RJ (Peça nº 7) , nos seguintes termos:
(…)
Os indícios de irregularidades apresentados na peça inicial de Denúncia e complementadas, posteriormente, como elementos adicionais, referentes à exploração do Cais do Centro pelo Município de Armação dos Búzios, em que pese a relevância das questões suscitadas pelo denunciante, revelaram-se passíveis de saneamento e regularização.
(…)
O risco de grave lesão ao Erário quanto aos débitos pretéritos restou descaracterizado, pois a cobrança dos débitos atrasados em favor da União poderá ser efetuada por via contratual pelo tempo de uso indevido do Cais do Centro pelo Município de Armação de Búzios,
Ficou caracterizada a possibilidade de ‘periculum in mora in reverso’, haja vista os eventuais danos que poderiam ser causados tanto à economia do Município de Armação de Búzios, quanto ao interesse público, caso fosse adotada, por este Tribunal, a medida cautelar requerida nos autos, com o intuito de impedir a atuação municipal na exploração das atividades do Cais do Centro, por meio da vedação à celebração de contrato de cessão de uso onerosa entre a União e o referido Município.
(…)
VOTO
(…)
10. Incorporo o parecer da unidade técnica a estas razões de decidir.
(…)
16. Em relação à aludida dispensa de licitação, mostra-se adequada a solução adotada pela SPU, em sintonia com o Parecer nº 01518/2017DPC/CGJPU/CONJU-MP/CGU/AGU, de 9 de novembro de 2017, já que, por analogia ao art. 17, § 2º, da Lei nº 8.666, de 1993, pode-se conceder o direito real de uso sobre bens imóveis, com a suscitada dispensa de licitação, quando o uso destinar-se a órgão ou entidade da administração pública, a exemplo do aludido município (Peça 38, fl. 69/74) .
(…)
19. Em relação “às medidas administrativas e/ou judiciais adotadas para a cobrança de indenização e/ou de multa em favor da União, pelo uso indevido de área federal”, a partir da arguição suscitada pelo item 1.7.3.1.1 do Acórdão 2500/2017-TCU-Plenário, a SPU registrou que, em sintonia com a Nota Técnica nº 20678/2017, o Parecer nº 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (Peça nº 38, fls. 69/74) e a Portaria nº 190, de 13 de novembro de 2017, o cessionário assumirá a responsabilidade de pagar o valor retroativo sob a forma de indenização pelo irregular uso da correspondente área portuária em prol da União, após a assinatura do correspondente contrato.
20. Os documentos anexados aos autos demonstram, aliás, que o aludido município já começou a pagar os valores atrasados (R$ 99.931,63) em 60 parcelas mensais; devendo-se destacar, nesse ponto, que o valor mensal fixado pela SPU merece ser melhor avaliado para a consequente explicação ao TCU, já que corresponderia a apenas R$ 2.199,04 mensais (montante anual: R$ 26.388,45) para a cessão de uso da área portuária de 625,00 m2.
II.4. Regularização da utilização atual da Marina da Glória.
Conforme assentado no PARECER Nº 0021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, para a adequada solução do caso Marina da Glória:
(…) fundamental que o consulente, por meio do órgão competente, esclareça expressa e formalmente, a solução que, do ponto de vista da conveniência e oportunidade, lhe parece que mais bem atende ao interesse público (retorno do bem ao patrimônio da União e realização de licitação por esta para cessão onerosa a particulares, OU nova cessão ao Município, prevendo ou não a possiblidade de exploração econômica e a eventual onerosidade e/ou remuneração da União , desfazimento ou manutenção das obras e benfeitorias realizadas no imóvel , etc).
Por meio da Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337) restou esclarecido:
33. Sendo assim, se houver possibilidade jurídico-legal de se promover a adequação do contrato vigente entre a União e o Município do Rio de Janeiro, de modo a englobar a situação fática verificada na utilização do imóvel, estabelecendo-se a onerosidade da destinação mediante remuneração da União, respeitada a legalidade, com reconhecimento de dívida por parte do foreiro cessionário relativamente à utilização pretérita (cobrança dos valores retroativos), por certo constituirá em solução muito menos gravosa à comunidade local do que se forem adotadas medidas de caráter extremo, a exemplo da retomada da área.
34. A administração pública deve atuar na busca da realização de uma espécie de homogeneização dos interesses, executando políticas públicas também na resolução de casos concretos. No caso em tela, havendo disposição bilateral entre os entes para a resolução consensual que confira segurança jurídica à utilização da Marina da Glória, restará observado o interesse da coletividade, da população local e, portanto, o interesse público. (…)
35. Nesse contexto, mostra-se evidente que os riscos e custos envolvidos com a adoção de medidas extremas, a repercussão dos fatos e os prejuízos à sociedade fluminense decorrente de eventual interrupção das atividades da marina, bem como a possível (e provável) judicialização da questão, seriam consequências gravosas à população local e, portanto, maculariam o próprio cerne do interesse público que, no presente caso, por parte da União, deve-se pautar por adotar as medidas suficientes para conferir ao imóvel efetivo aproveitamento, dentro de suas potencialidades, de modo que a utilização do bem público seja exercida conforme a legislação patrimonial.
36. O interesse público, portanto, no presente caso, reside na adoção da melhor solução por parte do Poder Público (União e Município), com respaldo em lei, que confira adequação à relação jurídico-contratual já existente entre os entes, segundo a notória forma de utilização do imóvel denominado Marina da Glória. A utilização regular do imóvel, portanto, confere segurança jurídica e possibilita a consecução de relevante interesse público voltado ao aproveitamento econômico da mencionada área pública, segundo a sua enorme importância cultural, desportiva, social e turística não só para a cidade, mas também para o país.
A esses apontamentos, poder-se-ia acrescer outros, colocados na videoconferência realizada no dia 01/06/2022, a saber: notórias dificuldades da SPU na gestão do patrimônio da União e probabilidade de a retomada da área, sem a efetiva possibilidade de forte fiscalização e célere destinação, oportunizar atos de vandalismo, invasões e depredação de relevantíssimo espaço público, em flagrante prejuízo para toda a sociedade e ainda maior lesão ao erário (que poderia ser condenado ao eventual ressarcimento dos investimentos porventura realizados de boa fé na área, além dos prejuízos com a provável depredação).
A propósito das soluções aventadas para adequação da relação jurídico-contratual no presente caso, incumbe-nos referir à apontada pela Nota Técnica SEI nº 14392/2022/ME (SEI 23846403), utilizada pela BR MARINAS para defesa de seus interesses (vide NUP 10154.119471/2022-12). Cita-se:
(…) O Município, que é isento do foro anual e do laudêmio com fulcro na Cláusula Quarta do contrato (hígido) firmado com a União em 1984 e ratificada no Termo de Rerratificação de 2016 supracitados, transfere, com base na autorização contida na referida cláusula (transcrição do Decreto e seus artigos que autorizaram celebrar a cessão) para a BR Marinas o domínio útil e, então, a União (SPU) promove a transferência de titularidade celebrando contrato de aforamento com a BR Marinas implicando em pagamento de foro anual pela adquirente por não gozar da imunidade conferida ao Município pelo Decreto -Lei 1876/81. A cobrança dar-se-á com base no valor de metro quadrado da Planta Genérica de Valores (PGV) da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) para a área (parte terrestre) a ser transacionada entre o Município e a BR Marinas .
Nesse sentido, uma vez regularizado o domínio útil da parte terrestre ("seca") em nome da BR Marinas , por ser detentora da parte terrestre contígua ao espelho d´´agua, a União celebra, com inexigibilidade de licitação, contrato ONEROSO da Cessão de Uso do espaço em águas públicas onde está a Dársena com vagas "molhadas" para embarcações descrevendo e constando do contrato o espaço, de fato, utilizado pela empresa, inclusive de piers e "molhe' existentes, com a precificação utilizada atualmente de valor de metro quadrado da parte terrestre mais próxima ou outra que estiver em vigor, eventualmente, por ocasião da lavratura do contrato.
(…)
Ora, com o advento da Lei nº 9.636/1998, a revogação do Decreto-Lei nº 178/1967, e a incontroversa alteração da destinação estabelecida quando da celebração do Contrato firmado em 1984 [6], não nos parece cabível aventar a manutenção do mesmo. A solução é ainda mais questionável diante da perspectiva de se cobrar pela utilização de VALOROSÍSSIMO espaço público, cuja exploração econômica atual obviamente propicia VULTOSOS LUCROS por parte da BR MARINAS (a título de exemplo, considerem-se as receitas auferidas com os numerosos shows e eventos realizados no local!) o singelo pagamento de foro anual “com base no valor de metro quadrado da Planta Genérica de Valores (PGV) da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) para a área (parte terrestre) a ser transacionada entre o Município e a BR Marinas”.
Nesse diapasão, é imperioso asseverar que qualquer tentativa de regularização da utilização atual da Marina da Glória NÃO pode implicar renúncia de receita patrimonial, sob pena de lesão ao erário e possível responsabilização administrativa[7].
Não é demais repisar o quanto determinado pelo TCU à SPU/RJ, quando do julgamento de denúncia acerca de irregularidades na exploração de instalação portuária pelo Município de Armação de Búzios – RJ, determinação essa analogicamente aplicável ao caso dos autos:
(…)
9.3.1. promova o acompanhamento sobre o Processo 04967.0010863/2006-91, que trata do pedido de regularização do espelho d’água para o funcionamento do Cais do Centro, a partir do Parecer 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU e da Portaria SPU 190, de 2017, até a efetiva quitação dos débitos retroativos, em face da irregular exploração da atividade portuária pelo Município de Armação dos Búzios – RJ, aplicando, no caso de inadimplência, as penalidades cabíveis, nos termos do art. 6º do Decreto-Lei 2.398, de 21 de dezembro de 1987, além da consequente rescisão do eventual contrato de cessão de uso onerosa, sem prejuízo de atentar para a possível irregularidade pela proximidade entre o Cais do Centro e o Parque Municipal dos Corais, na zona de amortecimento da unidade de conservação;
(…)
9.3.3. promova a adequada avaliação sobre o valor mensal ou anual fixado para a referida cessão de uso onerosa da aludida área portuária em favor do Município de Armação dos Búzios – RJ, já que o atual valor mensal corresponderia a apenas R$ 2.199,04 (montante anual: R$ 26.388,45) para a cessão da área de 625,00 m2, devendo apresentar, ao TCU, a necessária justificativa para esse valor com a devida pesquisa de mercado e o correspondente memorial de cálculo, entre outros elementos de convicção;
(…)
(Acórdão Nº 842/2018 – TCU – Plenário)
De se notar que o TCU admitiu a regularização da ocupação em tela apenas porque descaracterizado o risco de grave lesão ao erário, em razão do início do pagamento, pelo Município, dos “valores atrasados”, e a perspectiva da celebração de contrato de cessão de uso onerosa, e assunção, pelo cessionário, da “responsabilidade de pagar o valor retroativo sob a forma de indenização pelo irregular uso da correspondente área portuária”. E mais: deixou claro que a retribuição a ser fixada deve ser adequada e devidamente explicitada/justificada.
Também consta do Acórdão TCU nº 842/2018 – Plenário ponderação de que a vedação à celebração de contrato de cessão de uso onerosa entre a União e o Município e à exploração econômica do espaço poderia causar danos tanto à economia do Município, quanto ao interesse público.
Com fundamento nessa ponderação, no quanto asseverado no presente tópico acerca do interesse público da União, e nas regras dos já citados arts. 26 e 27 da LINB, parece-nos que a solução mais acertada para a utilização atual da Marina de Glória é, além rescisão do contrato atual, a celebração de contrato de cessão de uso onerosa com o Município de Janeiro, que abranja as partes terrestre e aquática, em que previsto o pagamento das retribuições devidas a título retroativo, em substituição à indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/93, sem prejuízo do eventual pagamento da multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1987, cuja aplicabilidade ao presente caso será tratada mais à frente.
Salvo melhor juízo, esta solução é a que melhor se adequa à preconizada pelo PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU (NUP: 04967.001083/2006-91), aplicável mutatis mutandis ao presente caso, e de cuja ementa se colhe:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO JURÍDICO ESTABELECIDO ENTRE A CJU/RJ E A CONJUR/MP. CESSÃO DE USO ONEROSA DE IMÓVEL DA UNIÃO (FAIXA DE AREIA E ESPAÇO FÍSICO EM ÁGUAS PÚBLICAS) A MUNICÍPIO PARA O DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE ECONÔMICA (INSTALAÇÃO DE PIER PARA EMBARQUE E DESEMBARQUE DE PASSAGEIROS). HIPÓTESE REGIDA PELO ART. 18, INC. I, E §§, DA LEI N.º 9.636/98, C/C ART. 17, § 2º, DA LEI N.º 8.666/93.
(...)
2 – Quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.
3 – No caso ora analisado, tendo em vista que da instrução processual infere-se que há viabilidade de competição, insustentável revela-se a tese desenvolvida pela CJU/RJ, que pretende fundamentar o ato na inexigibilidade de licitação (art. 25, caput, da Lei n.º 8.666/93).
4 – Assiste razão à CONJUR/MP, que finca o ato no art. 17, parágrafo 2º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, já que a lei, ao facultar à Administração Pública dispensar a licitação para conceder direito real de uso de imóvel quando o uso destinar-se a outro ente Público, parece-nos também permitir a dispensa para a cessão de uso, pois esta, ao transferir apenas a posse direta, está contida naquela, que tem o condão de também transferir o direito de sequela, que motiva a persecução do bem.
5 – Acórdão TCU n.º 842/2018 - Plenário.
6 – Necessidade de serem observadas todas as disposições do art. 26, da Lei n.º 8.666/93
7 – Correlato à cessão de uso do imóvel da União, está a autorização para a instalação do pier de embarque e desembarque de passageiros. Conforme esclareceu a PF/ANTAQ, "o procedimento para obtenção da outorga administrativa para exploração de instalação portuária dá-se independente e paralelamente ao procedimento administrativo para outorga do ato próprio para regularização do uso de eventual patrimônio público sobre o qual se instala o empreendimento" (NOTA n. 00129/2018/NCA/PFANTAQ/PGF/AGU (seq. 49).
8 – O ato de autorização para a instalação do pier é disciplinado pelas lei n.º 12.815/2013, Decreto n.º 8.033/2013, Decreto nº 9.048/2017, e sobre ele não houve divergências de entendimentos jurídicos nestes autos.
9 – Assim sendo, a cessão de uso de imóvel litorâneo da União a Município para o desenvolvimento de atividade de natureza econômica - instalação de pier de embarque e desembarque de passageiros pode ser fundamentada no art. 18, inciso I e §§, da Lei nº 9.636/1998, c/c art. 17, § 2º, inc. I, da Lei n.º 8.666/93, desde que observados todos os apontamentos tecidos neste opinativo, sob condição resolutiva atrelado à obtenção da autorização a que se refere ao art. 8 da Lei nº 12.815 e a adstrição ao item 20 do Acórdão nº 842/2018 do Tribunal de Contas da União.
Assinale-se, por oportuno, que o funcionamento da Marina da Glória abrange não apenas a parte terrestre, mas também a aquática. Como propugnado pela própria BR MARINAS, em petição atuada sob o NUP 4967.004931/2019-38 (anexado ao processo 04967.011791/2016-10):
20. Que se sublinhe o óbvio: não poderia ser diferente. É evidente que o funcionamento da Marina da Glória, assim como de qualquer marina, abarca uma determinada área molhada. É dizer: o uso da atual Concessionária da Marina da Glória do espaço onde estão instaladas as estruturas náuticas da Marina é, não apenas natural, como inerente e necessário para sua gestão, e por conseguinte, para o devido cumprimento do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento, bem como o Contrato de Concessão de uso da área.
21. Foi assim que a Marina da Glória, sob a gestão do Município do Rio de Janeiro e da Concessionária, sediou inúmeras provas náuticas dos Jogos Pan-Americanos de 2007, bemo como dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Com a área seca e a molhada.
(…).
Ora, é justamente a contiguidade e vinculação da àrea molhada à área terrestre que tem fundamentado inúmeras cessões de uso de espaço físico em águas públicas por inexigibildiade de licitação (vide Enunciado nº 11 da Comissão Permanente de Patrimônio da Consultoria-Geral da União – NUP 00400.002156/2013-45). Pretender desvincular essas duas áreas é, com a devida vênia, ilógico, e poderia gerar questionamentos quanto ao interesse público, consideradas as já apontadas dificuldades de gestão.
Quanto a esse ponto, assevera-se que seria ainda mais questionável a tentativa de celebração, pela União, de contrato de cessão de uso (ainda que apenas da parte aquática) com a BR MARINAS, cuja concessão pelo Município já foi inclusive objeto de invalidação judicial. Deveras, ainda que se confirmasse a tese apresentada pela BR MARINAS, no item III.2 de sua Defesa (SEI 27315263), ou mesmo consideradas as decisões no bojo do REsp nº 1.792.618-RJ e do REsp nº 1.653-298-RJ, noticiadas no processo nº 04967.011791/2016-10 (vide SEI 28348191 e seguintes), fato é que a qualquer momento esse cenário pode mudar, o que vai de encontro à segurança jurídica que deve ser buscada pela Administração.
Não bastasse isso, tem-se que, mesmo que se repute válido o Contrato de Concessão celebrado entre o Município do Rio de Janeiro e a BR MARINAS, dito contrato está sujeito a um prazo, cuja prorrogação para 01/11/2036, operada pelo 1º Termo Aditivo é, inclusive, bastante questionável (vide SEI 5027164 e 5027198 do NUP 04967.011791/2016-10, atentando-se para a conveniente ausência da página 05 do Contrato que conteria o prazo de vigência inicial).
Assinale-se, por oportuno, que feita a cessão onerosa ao Município do Rio de Janeiro, de fato, não nos parece ser obrigação da União questionar o contrato de concessão firmado pelo Município com particular, ainda que com evetual inobservância da Lei de Licitações e Contratos. Salvo melhor juízo, essa seria uma atribuição dos órgãos de controle competentes.
Lado outro, reafirma-se que, do ponto de vista da União, e da necessária segurança jurídica a ser por ela perseguida, a solução mais acertada para a utilização atual da Marina de Glória é, além rescisão do Contrato de 1984, a celebração de Contrato de Cessão de Uso Onerosa com o Município de Janeiro, que abranja as partes terrestre e aquática, em que previsto o pagamento das retribuições devidas a título retroativo, em substituição à indenização do p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/93, sem prejuízo do eventual pagamento da multa prevista no art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1987.
Como já assinalado, essa solução é a que parece mais bem atender o interesse público explicitado pela Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337), foi admitida pelo TCU (vide Acórdão nº 842/2018 – Plenário) e, ainda, vai ao encontro das seguintes disposições da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942, na redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010):
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Não bastasse isso, tem-se que, no âmbito da Consultoria Jurídica de Patrimônio Imobiliário da União do atual Ministério da Economia (antigo MPOG) foi firmado entendimento no sentido da viabilidade jurídica da regularização da utilização indevida de imóvel da União, por meio da celebração de contrato de cessão de uso onerosa do imóvel, em que prevista a cobrança retroativa dos valores devidos no período já utilizado, em lugar da aplicação da multa do p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998.
Nesse sentido, o PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), expressamente citado no Acórdão TCU nº 842/2018 – Plenário, e cujo entendimento foi reafirmado quando do NOTA n. 01308/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.001109/2017-88). Cita-se:
PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53)
8. Inicialmente, tendo em vista que a consulta envolve a regularização da utilização indevida de imóvel da União por meio de cessão de uso de imóvel acrescida da cobrança por período de utilização, ao invés da aplicação da multa prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei nº 9.636/98, cumpre transcrever trechos do PARECER MP/CONJUR/MAA/Nº 1045-5.4.2/2010 e do PARECER Nº 0182-5.4.2/2012/AMF/CONJUR-MP/CGU/AGU, os quais fixaram o entendimento da Consultoria-Geral Jurídica do Patrimônio Imobiliário da União deste Ministério acerca da viabilidade jurídica de efetivação de tal mecanismo.
NOTA n. 01308/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.001109/2017-88)
5. Como se extrai do trecho transcrito acima, esta Consultoria Jurídica entende que na hipótese de o órgão patrimonial optar por firmar contrato de cessão de uso onerosa com o interessado que se encontra utilizando a área da União de forma indevida antes da celebração da destinação requerida, não será cabível a aplicação da indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei no 9.636/98, mas sim a cobrança pelo uso retroativo, nos termos expostos no PARECER/MP/CONJUR/MAA/No1045-5.4.2/2010, no PARECER No 0182 - 5.4.2/2012/AMF/CONJUR-MP/CGU/AGU e no Parecer 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU.
Esclareça-se, por oportuno, que tanto o PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, quanto os pareceres por ele citados (PARECER MP/CONJUR/MAA/Nº 1045-5.4.2/2010 e PARECER Nº 082-5.4.2/2012/AMF/CONJUR-MP/CGU/AGU) referem-se a situações de regularização da utilização indevida de imóvel da União por Município, situação que atrai a aplicação da regra do art. 18, I da Lei nº 9.636/1998 c/c art. art. 17, § 2º, I, da Lei n.º 8.666/1993, verbis:
Lei nº 9.636/1998
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
Lei nº 8.666/1993
Art. 17.
(…)
2º A Administração também poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação, quando o uso destinar-se: (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
Salvo melhor juízo, por força do art. 37, caput e XXI da Constituição, que explicitam a necessidade de observância dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, bem como do dever licitátório, e ante a inexistencia de ressalvas na Lei nº 8.666/1993 e/ou legislação correlata, não é possível cogitar a regularização da utilização indevida de imóvel da União por empresa privada, ainda que titular de contrato de concessão firmado com o Município.
Pois bem. Demonstrada a possibilidade de regularização da utilização atual da Marina da Glória por meio da celebração de contrato de cessão de uso onerosa com o Município do Rio de Janeiro, força é convir pela aplicação das orientações constantes do Parecer Referencial n. 00057/2022/PGFN/AGU, assim sintetizadas:
a) a cessão de uso onerosa fundar-se-á nas regras do art. 18, inciso I e §§ 5º e 7º da Lei nº 9.636/98, verbis:
Art. 18 A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
(…)
§ 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
(…)
§ 7º Além das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput e no § 2o deste artigo, o espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes e de outros bens do domínio da União, contíguos a imóveis da União afetados ao regime de aforamento ou ocupação, poderão ser objeto de cessão de uso. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009) (Vide ADIN 4970)
b) a licitação é dispensada, aplicando-se também às cessões de uso a regra do art. 17, § 2º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993, incluído pela Lei nº 11.196/2005 (ou do art. 76, § 3º, inciso I, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), quando o cessionário é “outro órgão ou entidade da Administração Pública”. Isso porque, como a norma dispensa o certame para a concessão de “título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis”, entende-se que se estende a intrumento menos gravoso aos interesses da União (vide Acórdão TCU nº 842/2018 – Plenário e PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU);
c) necessário que o documento de dispensa assinado pelo Sr. Superintendente do Patrimônio da União no Estado do Rio de Janeiro seja devidamente ratificado pela chefia da SPU, além de publicado na imprensa oficial no prazo previsto em lei, previamente à assinatura do contrato;
d) definda a área objeto da cessão (no presente caso, um primeiro passo seria analisar a área objeto do contrato de concessão firmado entre o Município e a BR Marinas), e o valor do imóvel, deve-se submeter o processo à deliberação das instâncias competentes (v. Portaria SEDDM/ME nº 9.239, de 20 de outubro de 2022, e/ou ato normativo ulterior) e verificar a necessidade de edição de portaria autorizativa da cessão pela Sra. Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (v. Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022 e/ou atos normativos cerrelatos e ulteriores). Caso se pretenda permitir a locação ou arrendamento pelo cessionário, deve-se inserir cláusula expressa no ato autorizativo. Também deve constar do ato autorizativo cláusula que convalide a ocupação pretérita e preveja a retribuição pelo uso do imóvel nesse período.
e) após concluir pela modalidade onerosa de cessão, cabe ao órgão técnico patrimonial fixar o valor da contraprestação devida, como consequência lógica da atribuição de fixar o valor locativo e venal dos bens imóveis da União (art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946), com observância dos atos normativos pertinentes, notadamente a recém editada Instrução Normativa SPU/ME nº 67, de 20 de setembro de 2022;
f) no que respeita à cessão de uso de espaços físicos em águas públicas, deve-se verificar a categoria em que enquadrada a cessão (destinações destinações relativas aos "portos e das instalações portuárias" X destinações relativas aos demais empreendimentos em águas públicas) e o regramento aplicável (Portaria SPU nº 7.145, de 13 de julho de 2018 X Portaria SPU nº 5.692, de 23 de junho de 2022, ou ato normativo ulterior);
g) na regularização de espaço público já utilizado, deve-se atentar para a obrigatoriedade de cobrança retroativa pelo eventual uso indevido da área da União antes da celebração do contrato de cessão de uso onerosa, com observância das recomendações constantes do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJURMP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), o qual bem elucida que não se está a promover “uma cobrança retroativa da indenização, mas sim da retribuição pelo utilização do imóvel através da cessão de uso que, embora assinada hoje, produz efeitos pretéritos”;
h) o art. 21 da Lei nº 9.636, de 1998, estabelece o prazo máximo de 20 anos para vigência da cessão, admitindo, porém, a fixação de prazo superior, quando for necessário para viabilidade econômica do empreendimento, o que depende de demonstração nos autos pela área técnica;
Quanto à orientação constante da alínea “f” supra, convém registrar que o tópico II.2.3 do PARECER REFERENCIAL n. 00057/2022/PGFN/AGU deve ser objeto de atualização em razão da edição de Portaria SPU/ME nº 5.629, de 23 de junho de 2022, que revogou a Portaria SPU nº 404/2012.
Realçe-se que, verificado o enquadramento da Marina da Glória na categoria “instalações portuárias”[8], aplicável a condicionante constante do já citado PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU (obtenção da autorização a que se refere ao art. 8 da Lei nº 12.815/2013) e os regramentos da Portaria SPU nº 7.145, de 13 de julho de 2018 (vide especialmente arts. 49 e 58).
Visto isso, incumbe-nos analisar a modalidade de “cessão de uso em condições especiais”, objeto do item II.2.2 do PARECER REFERENCIAL n. 00057/2022/PGFN/AGU, verbis:
II.2.2 - DA CESSÂO DE USO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS
41. O caput do artigo 18 da Lei nº 9.636, de 1998, acima transcrito, dispõe que os bens imóveis da União podem ser cedidos "em condições especiais".
42. A referência a "condições especiais" já existia na legislação que regulava o assunto anteriormente, a saber, o ora revogado artigo 125 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, bem como em outros dispositivos do mesmo diploma, aludindo ao estabelecimento de "condições especiais" na locação (art. 64, § 1º, e art. 96) e no aforamento (art. 100, § 4º).
43. Assim, pode-se concluir que a legislação visou a conferir maior flexibilidade ao gestor no estabelecimento da contrapartida imposta ao cessionário, razão pela qual a então CONJUR-MP e está Procuradoria tem entendido que se trata de modalidade de cessão que tem por contrapartida obrigação de fazer [8].
44. Não se pode confundir, portanto, as obrigações próprias da cessão de uso, sob qualquer modalidade, notadamente o cumprimento da finalidade e o uso adequado do imóvel, com a noção de contrapartida, a qual deve ser um bem jurídico específico e útil para a União.
45. É que, nos termos do artigo 18, § 3º, toda cessão de uso deve prever " a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista".
46. A finalidade na cessão de uso, sob qualquer regime, mostra-se similar ao encargo na doação, consistindo na exigência de utilização do imóvel para uma destinação de interesse público específico, sob pena de reversão do bem. A finalidade, portanto, não pode ser confundida com a contrapartida, o que transformaria toda cessão gratuita em cessão com contrapartida.
47. O novel artigo 18, § 10, da Lei nº 9.636, de 1998, explicitou a possibilidade de a cessão ter como contrapartida a obrigação de construir ou reformar imóveis da União, ainda que diferentes daqueles objetos da cessão:
"§ 10. A cessão de que trata este artigo poderá estabelecer como contrapartida a obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da União, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto da cessão. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)"
48. As contrapartidas apontadas pelo dispositivo são meramente exemplificativas e devem ser compreendidas como possíveis "condições especiais" a serem fixadas pela União, dirimindo dúvidas que eventualmente pudessem ser levantadas acerca da possibilidade de que as benfeitorias fossem realizadas em bens imóveis distintos daquele objeto da cessão.
49. Considerando-se que a cessão de uso em condições especiais possui caráter oneroso, na medida em que se pactua uma contrapartida em proveito da União, mostra-se necessário que a obrigação pactuada possa ser objetivamente mensurada e equivalha, no mínimo, ao valor que seria devido em caso de cessão com pagamento em dinheiro.
(…)
53. Ademais, outra situação que a prática tem denominado de cessão de uso em condições especiais é aquela em que ocorre o uso misto do imóvel, com trecho destinado a empreendimento econômico e trecho destinado a finalidade não econômica, conforme descrito no artigo 34, § 6º, da Instrução Normativa SPU nº 5, de 28 de dezembro de 2018:
"Art. 34. Para determinação do valor da cessão de uso onerosa em áreas de uso comum do povo da União, com fins de implantação e exploração de empreendimentos de interesse econômico ou particular, será considerada a equação:
[...] §6º As cessões que possibilitarem o uso misto, caracterizado pelo uso do imóvel, em parte pelo uso econômico ou privado e, em outra parte possibilite o acesso e uso, franco e irrestrito da população em geral ou para uso de entes públicos em atividades não econômicas, serão caracterizadas como em condições especiais, descontando-se no cálculo do preço, a área reservada ao uso público;"
Segundo a Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337), “os instrumentos de destinação que, em tese, atenderiam as condições e as peculiaridades do caso concreto, seria a cessão gravada com onerosidade, mediante retribuição em pecúnia e, eventualmente, em obrigação de fazer”.
Não consignada na referida Nota Técnica qual seria a qual a “obrigação de fazer” a ser imposta, no caso concreto, ao Município do Rio de Janeiro. No entanto, não vislumbramos óbices à adoção desta opção, DESDE QUE expressamente definida e objetivamente mensurada a contrapartida, correpondendo ela, no mínimo, “ao valor que seria devido em caso de cessão com pagamento em dinheiro” (cfr. parágrafo 49 do PARECER REFERENCIAL n. 00057/2022/PGFN/AGU).
Observe-se que, para a caracterização do “uso misto do imóvel”, apto a atrair a adoção da “cessão de uso em condições especiais”, DEVE-SE discriminar a área reservada ao uso público, que, realce-se, deve ser gratuito e irrestrito. Nesse sentido, os seguintes regramentos editados no âmbito da SPU:
Portaria SPU nº 7.145/2018
Art. 10º A destinação de áreas da União constituídas por espaços físicos em águas públicas federais necessárias à instalação portuária localizada fora de porto organizado se dará, exclusivamente, por cessão de uso, nos termos dos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.636, de 1998, no que couber.
(…)
§ 3º As áreas necessárias às instalações portuárias públicas ou mistas serão objeto de cessão de uso em condições especiais, descontando, para fins de cálculo do valor da cessão a ser cobrado pela Secretaria do Patrimônio da União, a área reservada ao uso público.
(…)
Portaria SPU/ME nº 5.629, de 23 de junho de 2022
Art. 3º Para fins desta Portaria, as estruturas náuticas são classificadas da seguinte forma:
I - de uso comunitário ou social;
II - de uso restrito; e
III - de uso misto.
(…)
§ 3º As estruturas náuticas de uso misto são aquelas que possibilitam acesso e uso comunitário, gratuito e irrestrito para circulação de pessoas, atracação ou ancoragem de embarcações em apenas parte do empreendimento.
Art. 4º A cessão de espaços físicos em águas públicas não dispensa o atendimento às normas federais, estaduais, municipais e distritais relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental e à autorização de uso dos recursos naturais na implantação e operação das estruturas náuticas.
(…)
§ 3º As estruturas náuticas de uso misto serão objeto de cessão em condições especiais, excluindo, para fins de cálculo do preço da contrapartida à União, a área reservada ao uso comunitário.
(…)
Instrução Normativa SPU/ME nº 67, de 20 de setembro de 2022
CAPÍTULO III
DOS PARÂMETROS TÉCNICOS DE AVALIAÇÃO PARA COBRANÇA PELA UTILIZAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS DA UNIÃO
Seção I
Dos Espaços Físicos em Águas públicas
Art. 67. As estruturas náuticas de uso restrito ou de uso misto onde houver cobrança para circulação de pessoas, atracação ou ancoragem de embarcações, terão o valor do preço anual pelo uso do espaço físico em águas públicas federais calculado através da aplicação de percentual de 2% sobre o valor da receita bruta auferida pela exploração econômica da área de espelho d água.
(…)
§ 3º Nos casos de aplicação da cobrança calculada na forma deste artigo, fica o cessionário autorizado a estabelecer restrições ao acesso e ao uso das áreas de píeres, marinas, atracadouros, embarcadouros, cais e molhes, acrescido da área de fundeio de embarcações correspondente a uma distância de vinte metros adjacentes às estruturas náuticas utilizadas, respeitados os limites de empreendimentos vizinhos.
(…)
Seção II
Dos Espaços Físicos em Terras Públicas da União
Art. 70. Para determinação do valor da cessão de uso onerosa em terras de domínio da União, com fins de implantação e exploração de empreendimentos de interesse econômico ou particular, será considerada a equação:
(…)
§ 6º As cessões que possibilitarem o uso misto, caracterizado pelo uso do imóvel, em parte pelo uso econômico ou privado e, em outra parte possibilite o acesso e uso, franco e irrestrito da população em geral ou para uso de entes públicos em atividades não econômicas, serão caracterizadas como em condições especiais, descontando-se no cálculo do preço, a área reservada ao uso público.
Assinale-se também que, salvo melhor juízo, o simples acesso gratuito e irrestrito ao mar, por meio de rampa – reconstruída pela BR Marinas em observância a Termo de Ajustamento de Conduta (vide NUP 04967.209360/2015.01) –, não nos parece suficiente para justificar a celebração de cessão de uso em condições especiais, decorrendo do simples cumprimento da regra do art. 10 da Lei nº 7.661/1988, segundo o qual:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
II.5. Multa do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, cumulação com a indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 e Considerações Complementares.
O art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, na redação dada pela Lei nº 9.636/1998, limitava-se a prever que:
Art. 6° A realização de aterros para a formação de acrescidos de marinha ou nas margens de lagos, rios e ilhas fluviais e lacustres de propriedade da União, sem prévia autorização do órgão competente do Poder Executivo, importará:
I - na remoção do aterro e demolição das eventuais benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado;
II - na automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a 5 (cinco) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), para cada 1m² (um metro quadrado) das áreas aterradas ou construídas, que será cobrada em dobro, após 30 (trinta) dias da notificação, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o aterro e demolido a construção.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo aplicam-se a edificações em praias marítimas e oceânicas, bem assim nas praias formadas em lagos, rios e ilhas fluviais e lacustres de propriedade da União.
Por meio da Lei nº 13.139, de 26 de junho de 2015, este dispositivo foi bastante modificado, para estabelecer que:
Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União.
I - (Revogado);
II - (Revogado).
§ 1º Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo.
§ 2º O responsável pelo imóvel deverá zelar pelo seu uso em conformidade com o ato que autorizou sua utilização ou com a natureza do bem, sob pena de incorrer em infração administrativa.
§ 3º Será considerado infrator aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, incorrer na prática das hipóteses previstas no caput.
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa;
III - desocupação do imóvel;
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização.
§ 5º A multa será no valor de R$ 73,94 (setenta e três reais e noventa e quatro centavos) para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas ou em que forem realizadas obras, cercas ou instalados equipamentos.
§ 6º O valor de que trata o § 5º será atualizado em 1º de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 7º Verificada a ocorrência de infração, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aplicará multa e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização.
§ 8º (VETADO).
§ 9º A multa de que trata o inciso II do § 4º deste artigo será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir.
§ 10. A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998.
§ 11. Após a notificação para desocupar o imóvel, a Superintendência do Patrimônio da União verificará o atendimento da notificação e, em caso de desatendimento, ingressará com pedido judicial de reintegração de posse no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 12. Os custos em decorrência de demolição e remoção, bem como os respectivos encargos de qualquer natureza, serão suportados integralmente pelo infrator ou cobrados dele a posteriori, quando efetuados pela União.
§ 13. Ato do Secretário do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão disciplinará a aplicação do disposto neste artigo, sendo a tramitação de eventual recurso administrativo limitada a 2 (duas) instâncias.
Como se lê, diferentemente das outras sanções previstas no § 4º do citado art. 6º, a aplicação da sanção de multa não nos parece sujeita à discricionariedade, sendo um ato vinculado.
Pois bem. A Instrução Normativa SPU/ME nº 23, de 18 de março de 2020, que revogou a IN SPU nº 01/2017, houve por bem assim dispor:
CAPÍTULO II
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES
Seção I
DAS INFRAÇÕES
Art. 10. Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que consista em:
I - violação do adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União;
II - realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo;
III - descaracterização dos bens imóveis da União sem prévia autorização; e
IV - descumprimento de cláusulas previstas nos contratos de destinação patrimonial e no termo de adesão da gestão de praias.
§1º Será considerado infrator, aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, por ação ou omissão, incorrer na prática das hipóteses previstas neste artigo.
§2º A infração prevista no inciso II do caput não se materializa se o imóvel for objeto de destinação regular outorgada pela União, fato que, por outro turno, não dispensa o responsável de observar os demais normativos vigentes e nem de obter as autorizações eventualmente cabíveis junto aos órgãos e entidades competentes.
Seção II
DAS SANÇÕES
Art. 11. Sem prejuízo da responsabilidade civil e penal e da indenização prevista no art. 10, da Lei nº 9.636, de 1.998, as infrações contra o patrimônio da União são punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa nos termos da legislação patrimonial em vigor;
III - desocupação do imóvel;
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização; e
V -cancelamento contratual e revogação do termo de gestão de praias.
§ 1º As sanções previstas neste artigo:
I - alcançam os herdeiros e sucessores do infrator, nos limites das forças da herança;
II - poderão ser cominadas isolada, alternativa ou cumulativamente.
§ 2º A aplicação da sanção não prejudica eventual cancelamento ou revogação da destinação outorgada, se for o caso.
§ 3º Na hipótese de não ser possível identificar, de imediato, o responsável pelo aterro, cercas, muros, construção, obra e equipamentos instalados, ou outras benfeitorias de que trata o inciso IV, do caput, o direito de regresso subsistirá até a ocorrência da prescrição.
§ 4º As sanções de remoção, demolição, desocupação e embargo criam obrigações propter rem.
§ 5º No tocante à sucessão em vida do bem imóvel fiscalizado, a multa só poderá ser cobrada daquele que era seu titular no momento da prática da infração, uma vez que tal sanção pecuniária tem caráter de pessoalidade.
(…)
Seção V
DA MULTA
Art. 17. A multa por infração contra o patrimônio da União será aplicada nas hipóteses previstas no art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987.
§ 1º A multa será cobrada por metro quadrado das áreas em que houver a realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais.
§ 2º O valor da multa, estabelecido conforme o § 5º do art. 6º do Decreto-Lei n° 2.398, de 1987, será atualizado em 1º de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União.
§ 3º Verificada a ocorrência de infração, o fiscal da SPU aplicará multa, contendo informações de autoria, materialidade e valor da infração, e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização.
§ 4º A multa de que trata o caput será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir.
§ 5º Caberá ao autuado demonstrar à Secretaria do Patrimônio da União que o cometimento da infração foi cessado, cabendo ao órgão a análise e a deliberação sobre continuidade da cobrança da multa.
§ 6º A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei no 9.636, de 1998, nos casos de ocorrências em imóveis dominiais.
§ 7º Não será aplicada a multa quando se verificar a mera posse ou ocupação ilícita da área, sem que nela tenha sido realizado irregularmente qualquer aterro, construção, obra, cercas, instalação de equipamentos ou outras benfeitorias, hipótese em que incidirá o disposto no parágrafo único, do art. 12º, sem prejuízo da aplicação do Capítulo III, desta IN.
§ 8º Quando cabível, a multa deverá ser cumulada em caso de embargo, ou em determinação para remoção e demolição.
§ 9º A multa que trata o caput poderá ser substituída pela cobrança retroativa nas hipóteses de regularização por cessão de uso onerosa.
(…)
CAPÍTULO IV
DO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO
(…)
Seção VI
DA DEFESA
(…)
Art. 36
(…)
§ 5º Havendo interesse da Administração em regularizar a construção indevidamente realizada, a mesma não precisará ser demolida ou removida, devendo-se observar:
I - a multa deve ser cumulada até o momento em que for juntada ao processo decisão específica e fundamentada da autoridade administrativa do art. 37 da IN no sentido que a estrutura será mantida;
II - após decisão que trata o inciso anterior a multa deverá ser cessada;
III - o pagamento da multa cumulada neste período é requisito para a regularização; e
IV - se o processo resultar pelo indeferimento do pleito de regularização, a equipe de fiscalização deverá avaliar a aplicação do auto de infração por meio de nova vistoria ao imóvel, caso seja aplicável.
(…)
O § 9º do art. 17 da Instrução Normativa SPU/ME nº 23/2020 acima transcrita reproduz faculdade já prevista no art. 56 da Portaria SPU nº 7.145/2018[9], de substituição, da multa do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987 pela “cobrança retroativa nas hipóteses de regularização por cessão de uso onerosa”.
Como visto no tópico II.4 supra, por meio do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53) restou consolidado o entendimento de que viável a regularização da utilização indevida de imóvel da União, por meio de cessão de uso onerosa em que prevista a cobrança da ocupação retroativa, situação que afastaria então a aplicação da indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei nº 9.636/1998, verbis:
Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
No aludido PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53) consta também o entendimento de que:
9. Note-se que o mesmo raciocínio, possibilidade de regularização com pagamento pela utilização retroativa, aplica-se aos chamados bens de uso comum do povo, afastando-se a aplicação da multa prevista no art. 6º, II, do Decreto-Lei nº 2398/87.
Sabe-se que o PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU não analisou a nova redação dada ao art. 6º de Decreto-Lei nº 2.398/1987 pela Lei nº 13.139/2015, que à época estava em período de vacatio legis. No entanto, por meio do PARECER n. 00735/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.001354/2017-95), restou fixado, a propósito da multa prevista no § 4º do citado art. 6º, que:
39. Assim, esta Consultoria Jurídica entende que havendo possibilidade de regularização da construção indevida realizada (e interesse da Administração em faze-lo), a mesma não precisará ser demolida ou removida, aplicando-se a lógica trabalhada PARECER n. 01124/2015/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU, qualquer que seja a natureza do bem. Isto é, deixa-se de aplicar a multa e regulariza-se a situação em nome do infrator mediante cobrança retroativa pela cessão onerosa.
40. Porém, se o caso não for passível de regularização em nome do infrator, parece-nos que a multa deve ser mantida, ainda que a União não imponha a demolição ou remoção da estrutura irregular. Isso porque, a depender da situação concreta, pode ser que a União tenha interesse em manter a estrutura construída promovendo-se a destinação para terceiro. Tal solução foi aventada no PARECER n. 00066/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, do qual extraímos o seguinte trecho:
(…)
41. Nesses casos, como não se pode cobrar do terceiro pelo uso passado (já que ele não se utilizava do bem), parece-nos ser razoável manter a cobrança da multa em face do infrator. Entendimento contrário chancelaria a utilização gratuita (e não penalizada) de imóvel da União, o que é vedado pelo art. 1º do Decreto-Lei no 1.561, de 13 de julho de 1977. Trata-se de uma hipótese específica e excepcional em que a multa poderá conviver com a regularização da estrutura.
42. Porém, para que não seja criada uma situação esdrúxula de o infrator suportar mensalmente a multa até que a União ultime a destinação, entendemos que, no momento em que for juntada ao processo decisão específica e fundamentada da autoridade administrativa no sentido de que a estrutura será mantida para destinação a terceiro, a multa deve cessar. Sugerimos que a SPU avalie a conveniência de se publicar ato normativo regulamentando essa questão.
43. À título exemplificativo, vislumbro tal possibilidade no caso de particular invadir uma área da União e construir algo ou fazer uma plantação de forma indevida, mas que seja do interesse da União. Veja-se que pode não haver como destinar a área para tal particular sem a realização de prévio procedimento licitatório, por ausência de previsão legal em tal sentido. Não obstante, um órgão da Administração direta ou ente da indireta de quaisquer das esferas da Administração Pública, que se enquadre em uma das hipóteses de dispensa de licitação previstas na legislação aplicável, pode ter interesse em dar continuidade ao projeto iniciado pelo particular.
A esse posicionamento, nada a obstar. Tem-se, entrentanto, que conforme expresso no § 10 do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, a multa de que trata o art. 6º, § 4º, II “será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998”.
Dito regramento foi repetido no § 6º do art. 17 da já citada Instrução Normativa SPU/ME nº 23/2020, que, todavia, limita a cumulação “nos casos de ocorrências em imóveis dominiais” (sic)[10], limitação essa que parece ter origem na interpretação de que a indenização do p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 se restringe à ocupação de bens domianicais, a qual, sem embargo, não encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ (vide REsp 1.432.486/RJ).
Pois bem. Salvo melhor juízo e considerado o caso Marina da Glória, parece-nos que:
a) dada a impossibilidade de regularização da ocupação levada a cabo pela BR MARINAS, a princípio, está ela sujeita à autuação por ocupação irregular da Marina da Glória e construção e instalação de equipamentos sem prévia autorização da SPU, e ao consequente pagamento da indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998, cumulada com o da multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1998 (multa esta de incidência mensal e devida até decisão específica e fundamentada no sentido de que a estrutura será mantida para destinação a terceiro, e cujo pagamento “é requisito para a regularização”com o Munícípio – v. art. 36, § 5º, III da IN SPU nº 23/2020);
b) a possibilidade de regularização da atual ocupação da Marina da Glória por meio da celebração de contrato de cessão de uso onerosa (e/ou em condições especiais) com o Município do Rio de Janeiro, em que prevista a retribuição retroativa pela ocupação as áreas a serem especificadas, tem o condão de afastar a indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 OU a multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1998, NÃO AMBAS.
Esclareça-se, por oportuno que nos termos do PARECER n. 01070/2018/EMS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.002376/2018-53):
13. Pois bem. De fato, a Lei nº 9.636/1998 ressalvou, expressamente, que a aplicação da referida indenização não impede a adoção "das demais sanções cabíveis", o que é de especial importância diante da previsão do artigo 6º do Decreto-Lei no 2.398/1987 no sentido de que "toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União" configura infração administrativa, passível de multa, o que inclui a construção de benfeitorias sem autorização. Confira-se:
(…)
14. É preciso destacar, contudo, que, embora na prática tais sanções possa, de fato, incidir cumulativamente na generalidade das situações, os fatos geradores são absolutamente distintos. De um lado, tem-se a construção irregular em área da União e, de outro, a ocupação irregular do imóvel, razão pela qual não se pode falar em bis in idem.
15. Aliás, pode-se imaginar, a título de exemplo, a situação em que a construção foi feita de modo regular, com a devida autorização, mas a ocupação, por qualquer motivo, tornou-se irregular posteriormente, hipótese na qual não incidirá a multa do artigo 6º do DL no 2.398/1987, mas apenas a indenização do artigo 10, parágrafo único, da Lei no 9.636/1998.
Nesse sentido, convém registrar que, acaso o Município do Rio de Janeiro opte por não efetivar a regularização da atual ocupação da Marina da Glória, por meio da celebração de contrato de cessão de uso onerosa (e/ou em condições especiais) com previsão de pagamento de retribuição retroativa pela ocupação, estará sujeito não apenas à multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1998, como também ao pagamento da indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998.
Assinale-se que conforme já decidido no âmbito do STJ, a circunstância de a ocupação ter-se constituído originalmente regular, não afasta sua ulterior “ilegalidade, nem fragiliza ou afasta os mecanismos que o legislador instituiu para salvaguardar os bens públicos”. É conferir:
ADMINISTRATIVO. JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. BEM PÚBLICO. DECRETO-LEI 9.760/46 PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. BEM TOMBADO. ARTS. 11 E 17 DO DECRETO-LEI 25/1937. OCUPAÇÃO POR PARTICULARES. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DE RETENÇÃO. DESCABIMENTO. ARTS. 100, 102, 1.196, 1.219 E 1.255 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
1. Fundado em 1808 por Dom João VI, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro é um dos tesouros do patrimônio natural, histórico, cultural e paisagístico do Brasil, de fama internacional, tendo sido um dos primeiros bens tombados, ainda em 1937, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob o pálio do então recém-promulgado Decreto-Lei 25/1937.
2. Os remanescentes 140 hectares, que atualmente formam o Jardim Botânico, são de propriedade da União, o que, independentemente das extraordinárias qualidades naturais e culturais, já obriga que qualquer utilização, uso ou exploração privada seja sempre de caráter excepcional, por tempo certo e cabalmente motivada no interesse público.
3. Não obstante leis de sentido e conteúdo induvidosos, que salvaguardam a titularidade dos bens confiados ao controle e gestão do Estado, a história fundiária do Brasil, tanto no campo como na cidade, está, infelizmente até os dias atuais, baseada na indevida apropriação privada dos espaços públicos, com freqüência às claras e, mais grave, até com estímulo censurável, tanto por ação como por leniência, de servidores públicos, precisamente aqueles que deveriam zelar, de maneira intransigente, pela integridade e longevidade do patrimônio nacional.
4. Além de rasgar a Constituição e humilhar o Estado de Direito, substituindo-o, com emprego de força ou manobras jurídicas, pela "lei da selva", a privatização ilegal de espaços públicos, notadamente de bens tombados ou especialmente protegidos, dilapida o patrimônio da sociedade e compromete o seu gozo pelas gerações futuras.
5. Consoante o Código Civil (de 2002), "Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião" (art. 102) e os "de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação" (é o caso do Jardim Botânico), nos termos do art. 100.
Mais incisiva ainda a legislação do patrimônio histórico e artístico nacional, quando dispõe que "As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades" (art. 11, do Decreto-Lei 25/1937, grifo acrescentado).
6. A ocupação, a exploração e o uso de bem público - sobretudo os de interesse ambiental-cultural e, com maior razão, aqueles tombados - só se admitem se contarem com expresso, inequívoco, válido e atual assentimento do Poder Público, exigência inafastável tanto pelo Administrador como pelo Juiz, a qual se mantém incólume, independentemente da ancianidade, finalidade (residencial, comercial ou agrícola) ou grau de interferência nos atributos que justificam sua proteção.
7. Datar a ocupação, construção ou exploração de longo tempo, ou a circunstância de ter-se, na origem, constituído regularmente e só depois se transformado em indevida, não purifica sua ilegalidade, nem fragiliza ou afasta os mecanismos que o legislador instituiu para salvaguardar os bens públicos. Irregular é tanto a ocupação, exploração e uso que um dia foram regulares, mas deixaram de sê-lo, como os que, por nunca terem sido, não podem agora vir a sê-lo.
8. No que tange ao Jardim Botânico do Rio, nova ou velha a ocupação, a realidade é uma só: o bem é público, tombado, e qualquer uso, construção ou exploração nos seus domínios demanda rigoroso procedimento administrativo, o que não foi, in casu, observado.
9. Na falta de autorização expressa, inequívoca, válida e atual do titular do domínio, a ocupação de área pública é mera detenção ilícita ("grilagem", na expressão popular), que não gera - nem pode gerar, a menos que se queira, contrariando a mens legis, estimular tais atos condenáveis - direitos, entre eles o de retenção, garantidos somente ao possuidor de boa-fé pelo Código Civil. Precedentes do STJ.
10. Os imóveis pertencentes à União Federal são regidos pelo Decreto-Lei 9.760/46, que em seu art. 71 dispõe que, na falta de assentimento (expresso, inequívoco, válido e atual) da autoridade legitimamente incumbida na sua guarda e zelo, o ocupante poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil de 1916.
11. A apropriação, ao arrepio da lei, de terras e imóveis públicos (mais ainda de bem tombado desde 1937), além de acarretar o dever de imediata desocupação da área, dá ensejo à aplicação das sanções administrativas e penais previstas na legislação, bem como à obrigação de reparar eventuais danos causados.
12. Aplica-se às benfeitorias e acessões em área ou imóvel público a lei especial que rege a matéria, e não o Código Civil, daí caber indenização tão-só se houver prévia notificação do proprietário (art. 90 do Decreto-lei 9.760/46).
13. Simples detenção precária não dá ensejo a indenização por acessões e benfeitorias, nem mesmo as ditas necessárias, definidas como "as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore" (Código Civil, art. 96, § 3°). Situação difícil de imaginar em construções que deverão ser demolidas, por imprestabilidade ou incompatibilidade com as finalidades do Jardim Botânico (visitação pública e conservação da flora), a antítese do fim de "conservar o bem ou evitar que se deteriore".
14. Para fazer jus a indenização por acessões e benfeitorias, ao administrado incumbe o ônus de provar: a) a regularidade e a boa-fé da ocupação, exploração ou uso do bem, lastreadas em assentimento expresso, inequívoco, válido e atual; b) o caráter necessário das benfeitorias e das acessões; c) a notificação, escorreita na forma e no conteúdo, do órgão acerca da realização dessas acessões e benfeitorias.
15. Eventual indenização, em nome das acessões e benfeitorias que o ocupante ilegal tenha realizado, deve ser buscada após a desocupação do imóvel, momento e instância em que o Poder Público também terá a oportunidade, a preço de mercado, de cobrar-lhe pelo período em que, irregularmente, ocupou ou explorou o imóvel e por despesas de demolição, assim como pelos danos que tenha causado ao próprio bem, à coletividade e a outros valores legalmente protegidos.
16. Inexiste boa-fé contra expressa determinação legal. Ao revés, entende-se agir de má-fé o particular que, sem título expresso, inequívoco, válido e atual ocupa imóvel público, mesmo depois de notificação para abandoná-lo, situação típica de esbulho permanente, em que cabível a imediata reintegração judicial.
17. Na ocupação, uso ou exploração de bem público, a boa-fé é impresumível, requisitando prova cabal a cargo de quem a alega. Incompatível com a boa-fé agir com o reiterado ânimo de se furtar e até de burlar a letra e o espírito da lei, com sucessivas reformas e ampliações de construção em imóvel público, por isso mesmo feitas à sua conta e risco.
18. Na gestão e controle dos bens públicos impera o princípio da indisponibilidade, o que significa dizer que eventual inércia ou conivência do servidor público de plantão (inclusive com o recebimento de "aluguel") não tem o condão de, pela porta dos fundos da omissão e do consentimento tácito, autorizar aquilo que, pela porta da frente, seria ilegal, caracterizando, em vez disso, ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992), que como tal deve ser tratado e reprimido.
19. A grave crise habitacional que continua a afetar o Brasil não será resolvida, nem seria inteligente que se resolvesse, com o aniquilamento do patrimônio histórico-cultural nacional. Ricos e pobres, cultos e analfabetos, somos todos sócios na titularidade do que sobrou de tangível e intangível da nossa arte e história como Nação. Daí que mutilá-lo ou destruí-lo a pretexto de dar casa e abrigo a uns poucos corresponde a deixar milhões de outros sem teto e, ao mesmo tempo, sem a memória e a herança do passado para narrar e passar a seus descendentes.
20. Recurso Especial não provido.
(REsp 808708/RJ – 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 18/08/2009)
E mais: de forma muito apropriada, a jurisprudência do STJ fixou-se no sentido de que a indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 prescinde da má fé do ocupante, e de que a ele não são facultados remédios processais para garantir a sua mera detenção, ou reclamar a retenção e/ou indenização por construções, acessões, benfeitorias e obras realizada sem a devida autorização. Cita-se:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PRAIA E ZONA COSTEIRA. ARRAIAL DO CABO. ART. 10 DA LEI 7.661/1988. BEM DA UNIÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E DEMOLITÓRIA. ESBULHO. QUIOSQUE. ARTIGOS 64 E 71, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI 9.760/1946. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA AMBIENTAL PELO MUNICÍPIO. ART. 4° DA LEI 9.636/1998. DANO AO MEIO AMBIENTE.
(…)
6. Quem ocupa ou usa bem público sem a imprescindível aprovação expressa, inequívoca, atual e válida - ou além dos termos e condições nela previstos - da autoridade competente pratica esbulho, fazendo-o por sua conta e risco e, por isso, submetendo-se a sanções penais (p. ex., art. 20, caput, da Lei 4.947/1966 e art. 161, II, do Código Penal) e a remédios preventivos e reparatórios previstos na legislação, aí incluídas demolição às suas expensas e indenização pela apropriação vedada (= privatização contra legem) do patrimônio coletivo. É exatamente o que prevê o art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998: "Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis".
7. A incidência do art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998 independe de comprovação, pela União, de elemento subjetivo (má-fé) do esbulhador, pois o fundamento para a indenização deriva tão só da causa objetiva de ser ela proprietária do bem, e o ocupante ilegal não. Em outras palavras, indeniza-se simplesmente pela ilicitude da ocupação e pelo desfalque do patrimônio federal. Exclusão a essa regra geral de regime objetivo encontra-se no art. 71, parágrafo único, do Decreto-Lei 9.760/1946, o qual, como norma excepcional ao microssistema ordinário de tutela dos bens públicos federais, deve ser interpretado restritivamente: o ocupante irregular de imóvel da União que, agindo de boa-fé, tiver cultura agrícola efetiva e moradia habitual (tríade de pressupostos cumulativos) não se sujeitará a despejo sumário e perda automática do que haja incorporado ao solo. Essa norma, obviamente, carece de prestabilidade na situação dos autos (praia).
8. Incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro o usurpador de bem público alegar posse ou justo título, pois dispõe de simples ocupação (detenção precaríssima, por ser proibida), circunstância geradora de obrigações múltiplas contra si, mas não de direitos exercitáveis contra a vítima. Tampouco se admite que alegue boa-fé, seja por suposta omissão de agentes do Estado em reprimir o abuso, o que indicaria certa concordância tácita (p. ex., ausência de notificação para desocupação da área ou de ajuizamento de ação), seja por efetuar pagamento, pouco importando o rótulo ou qualificação, a quem não ostenta a aptidão de proprietário.
9. Na mesma linha de raciocínio, no mínimo audacioso o esbulhador buscar converter em boa-fé a sua má-fé presumida (presunção absoluta decorrente da ausência de autorização do proprietário) sob a alegação de contar com "documento" de legitimação direta ou indireta, emitido por autoridade destituída de competência e de domínio, ou que age ao arrepio de exigências legais. Se não amparados em instrumentos típicos de federalismo cooperativo (p. ex., convênios ou contratos nos termos, p. ex., do art. 4° da Lei 9.636/1998), Estados e Municípios ingressam no terreno riscoso da inconstitucionalidade e da ilegalidade, grave usurpação de competência, o que sujeita seus agentes à responsabilização penal, civil e administrativa quando arrogam para si o poder de "disciplinar" ocupação e uso de bens federais, sem prévia anuência expressa, inequívoca, atual e válida da União, beneplácito legitimado apenas se apoiado em manifesto interesse público.
10. Eventual negligência, incúria ou corrupção dos servidores de plantão caracteriza ilícito disciplinar, civil, penal e de improbidade, não servindo para descaracterizar o predicado de indisponibilidade ope legis da coisa pública. Preconizar tal tese equivaleria, em exercício de insensatez jurídica e postura autoritária, a inverter a polaridade do princípio da legalidade, de maneira a aceitar que a volição pessoal contra legem, ativa ou passiva, do administrador atribua-lhe o dom de afastar comandos de império da Constituição e das leis.
11. Mas, mesmo que se estivesse sob o manto de microssistema de conformação subjetiva, presume-se que age de má-fé quem ocupa sem consentimento - e, por vezes, sob protesto - da União, sobretudo para exploração comercial, a faixa arenosa de praia, tal o grau de conhecimento popular e o caráter notório do status público desse bem extraordinário, finito e criticamente ameaçado do patrimônio natural e paisagístico, declarado pelo legislador de uso comum do povo.
12. À luz do art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998, para fins de indenização da União pela perda de bem que compõe seu patrimônio, pouco importa que inexista dano ambiental. Indeniza-se, sem prejuízo de cobrança complementar e autônoma (autonomia que não requer propositura de outra ação), por eventual degradação do meio ambiente e pela perda de benefícios de acessibilidade coletiva prestados pelo bem considerado de uso comum do povo. Importante lembrar que o dano ambiental por privatização de praia comumente se manifesta por meio de ofensa ao patrimônio imaterial associado ao imóvel - a paisagem em particular -, implicando espoliação individual viciosa de serviços ambientais coletivos.
13. A jurisprudência do STJ afasta a má-fé como requisito para viabilizar a indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998 pela ocupação ilícita do bem de uso comum do povo. Precedentes: REsp 1.432.486/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/12/2015, e REsp 855.749/AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 14/6/2007, p. 264. 14. Recurso Especial provido.
(REsp 1730402/RJ – 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 07/06/2018)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ESBULHO DE TERRENO DA UNIÃO. ARTS. 43, 98 A 103 E 1.210 DO CÓDIGO CIVIL. REINTEGRAÇÃO E IMISSÃO NA POSSE. ARTS. 8º E 560 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. IMPRESCRITIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS. ART. 102 DO CÓDIGO CIVIL. REGIME NORMATIVO ESPECIAL DO DOMÍNIO DA UNIÃO. ARTS. 20 E 71, CAPUT, DO DECRETO-LEI 9.760/1946. PAGAMENTO PELA MERA PRIVAÇÃO DA POSSE DE IMÓVEL PÚBLICO. ART. 10, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.636/1998. DANO PRESUMIDO. ART. 6º DO DECRETO-LEI 2.398/1987. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ART. 884, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. DESFORÇO IMEDIATO. IRRELEVÂNCIA POSSESSÓRIA DA INCÚRIA DE AGENTES PÚBLICOS. ART. 1.208 DO CÓDIGO CIVIL. ÔNUS DA PROVA. ART. 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015.
1. Na origem, trata-se de ação movida pela União com pedidos de reintegração e imissão na posse, demolição de construções existentes e pagamento pela ocupação e aproveitamento irregulares de terreno de propriedade da Marinha do Brasil (antigo Sanatório Naval de Nova Friburgo). Atribui-se a invasão inicial a ex-funcionário civil do Comando da Marinha, o qual, posteriormente, transferiu a área a diversas pessoas, entre elas o réu na presente demanda.
DOMÍNIO PÚBLICO: PROPRIEDADE, POSSE E DETENÇÃO PRECARÍSSIMA
2. Ao contrário do que poderia sugerir a história fundiária do Brasil, o domínio público não se encontra em posição jurídica de inferioridade perante o domínio privado, como se equivalesse a algo de segunda classe ou, pior, de nenhuma classe. Longe disso, o legislador, com o objetivo primordial de salvaguardar interesses maiores da coletividade do hoje e do amanhã, encarregou-se de instituir um superdireito de propriedade do Estado, conferindo-lhe qualidades e prerrogativas peculiares, como indisponibilidade (inalienabilidade e imprescritibilidade) e autotutela administrativa, inclusive desforço imediato. Por isso, as garantias estabelecidas nos arts. 1.210 do Código Civil e 560 do Código de Processo Civil/2015 ganham densidade, realce e urgência extremos no campo do patrimônio público, embora normas especiais possam afastar, sempre e exclusivamente para ampliar, o grau de proteção, o regime civilístico e processual ordinário (lex specialis derogat legi generali).
3. Em boa técnica jurídica, ocupação, uso ou aproveitamento irregulares de bem público repelem atributos de posse nova, velha ou de boa-fé, dado ecoarem apenas detenção precaríssima, decorrência da afronta nua e crua a numerosas normas constitucionais e legais. Rechaçada a natureza jurídica de posse, inútil requerer ou produzir prova de ser a ocupação de longa data, visto que o tempo em nada influencia ou altera o regime dessa categoria de coisas, disciplinadas nos arts. 98 e seguintes do Código Civil.
4. Representa despropósito pretender, sob o pálio do art. 43 do Código Civil, transmudar o particular que esbulha imóvel público em vítima de dano causado pelo Estado que, sem liberdade alguma, precisa atuar no exercício legítimo do direito de reavê-lo, administrativa ou judicialmente, de quem o ocupa, usa, aproveita ou explora ilegalmente. Se a apropriação do bem público opera contra legem, intuitivo que gere multiplicidade de obrigações contra o esbulhador, mas não direitos exercitáveis contra a vítima, mormente efeitos possessórios. Postulado nuclear do Estado de Direito é que ninguém adquira direitos passando por cima do Direito e que o ato ilícito, para o infrator, não gere vantagens, só obrigações, ressalvadas hipóteses excepcionais, ética e socialmente justificadas, de enfraquecimento da antijuridicidade, como a prescrição e a boa-fé de terceiro inocente. À luz do art. 8º do Código de Processo Civil/2015, afronta os "fins sociais" do ordenamento, as "exigências do bem comum", a "legalidade" e a "razoabilidade" o juiz assegurar ao usurpador de bem público consectários típicos da posse, habilitando-o a reclamar seja retenção e indenização por construções, acessões, benfeitorias e obras normalmente de nenhuma ou mínima utilidade para o proprietário, seja prerrogativas, sem respaldo legal, derivadas de "cessão de direitos" feita por quem patavina poderia ceder, por carecer de título (si non habuit, ad eum qui accipit nihil transfert).
ESBULHO DE BEM PÚBLICO
5. O legislador atribui ao Administrador inafastável obrigação de agir, dever-poder não discricionário de zelar pelo patrimônio público, cujo descumprimento provoca reações de várias ordens para o funcionário relapso, desidioso, medroso, ímprobo ou corrupto. Entre as medidas de tutela de imóveis públicos, incluem-se: a) despejo sumário e imissão imediata na posse (art. 10, caput, da Lei 9.636/1998 e art. 71, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946); b) "demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado" (art. 6º, § 4º, IV, do Decreto-Lei 22.398/1987); c) perda, "sem direito a qualquer indenização", de eventuais acessões e benfeitorias realizadas (art. 71, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946), exceto as necessárias, desde que com notificação prévia e inequívoca ao Estado; d) ressarcimento-piso tarifado pela mera privação da posse da União (art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998); e) pagamento complementar por benefícios econômicos auferidos, apurados em perícia, sobretudo se houver exploração comercial do bem (vedação de enriquecimento sem causa, art. 884, caput, do Código Civil); f) restauração integral do imóvel ao seu estado original, g) indenização por danos morais coletivos, nomeadamente quando o imóvel estiver afetado a uso comum do povo ou a uso especial; h) cancelamento imediato de anotações imobiliárias existentes (art. 10, caput, da Lei 9.636/1998), inclusive "registro de posse", inoponível à União; i) impossibilidade de alegar direito de retenção.
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA: RESSARCIMENTO PELA OCUPAÇÃO, USO OU APROVEITAMENTO IRREGULAR DE BEM PÚBLICO
6. O legislador se encarregou de arbitrar, em percentual prefixado mínimo, remuneração a ser paga pelo ocupante ilegal, tomando por base o valor de mercado da coisa (art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998). Na perspectiva jurídica, não se cuida nem de pena, nem propriamente de indenização por danos causados ao bem ou ao proprietário, mas de ressarcimento ao Estado - reservado a evitar enriquecimento sem causa - pela mera "privação" do imóvel. Na essência, está-se diante de dever de "restituir o indevidamente auferido" com a ocupação "sem justa causa" do bem. Conforme o art. 884, caput, do Código Civil, caracteriza enriquecimento sem causa ocupar, usar ou aproveitar ilicitamente a totalidade ou parte do patrimônio alheio, comportamento agravado quando envolve privatização e exploração comercial de bens constitucional ou legalmente afetados ao serviço da sociedade e das gerações futuras.
7. O percentual de 10% vem amparado em duas únicas causas objetivas: o domínio público e a ocupação irregular, nada mais. Configuração que se equipara a dano presumido, in re ipsa, alheia quer à má-fé do esbulhador, quer à demonstração matemática, pela União, de lesão concreta e de sua extensão, já que o legislador trouxe a si o arbitramento de percentual razoável, calculado a partir do valor de mercado, real e atualizado, do bem. Em síntese, paga-se exclusivamente pela ilicitude da ocupação e pelo desfalque direto e indireto do patrimônio federal. A tarifação em 10% não obsta que a União busque, em acréscimo, mediante prova pericial, restituição do "indevidamente auferido" (art. 884, caput, do Código Civil), de modo a retirar do infrator tudo - centavo a centavo - o que lucrou com uso e aproveitamento irregulares do imóvel, mormente se para finalidade comercial. Potente mecanismo talhado outrossim para evitar que a ilicitude compense financeiramente, desidratação monetária que constrange incentivos à massificação, banalização e perpetuação de esbulho do patrimônio público.
IRRELEVÂNCIA POSSESSÓRIA DO PAGAMENTO DE TRIBUTOS, DE REGISTROS EM ÓRGÃOS ESTATAIS E DE INCÚRIA DE AGENTES ESTATAIS NA VIGILÂNCIA DE BENS PÚBLICOS
8. Eventual negligência ou corrupção de servidores de plantão na guarda do patrimônio público tipifica ilícito disciplinar, civil, penal e de improbidade, não servindo para descaracterizar ou abalar o predicado de indisponibilidade ope legis da coisa. A ser diferente, inverter-se-ia a polaridade do princípio da legalidade, em sinalização de insensatez jurídica e postura arbitrária de destinatários da norma, correspondente a aceitar que volição pessoal contra legem, comissiva ou omissiva, do administrador exiba o dom de afastar comandos de império da Constituição e das leis.
9. Se mesmo no relacionamento entre particulares, consoante o art. 1.208 do Código Civil, "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância", com maior razão na esfera do domínio coletivo. Óbvio, então, não se aceitar que leniência - inocente ou criminosa - de agentes do Estado converta o bem público em bem privado, ou sirva para outorgar ao ocupante ilídimo o direito de perpetuar esbulho ou procrastinar sua pronta correção.
10. Igualmente destituídos de efeitos possessórios inscrição em Junta Comercial ou cadastros estatais similares e pagamento - pouco importando o rótulo ou qualificação, inclusive o de natureza tributária - a quem não ostenta o título de proprietário. Além disso, eventual desembolso com laudêmio, taxa de ocupação e tributos não impede a Administração de buscar reaver aquilo que integra o patrimônio da sociedade.
11. Repita-se, no universo do domínio público é incabível, como regra geral, discussão de elemento subjetivo. Quando a lei, contudo, dispuser em sentido diverso, incorre a máxima segundo a qual, se o sujeito figurar em posição de incontestável ilicitude, boa-fé e probidade - como proposições de defesa - não se presumem, exigem prova cabal por aquele que delas se aproveita, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1755340/RJ – 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 10/03/2020)
Como se extrai dos julgados supra, É IRRELEVANTE para a solução do presente caso o fato de o Contrato Sob Regime de Aforamento Gratuito celebrado com o Município do Rio de Janeiro em 22/03/1984 ter sido rerratificado em 2016, rerratificação essa que, sublinhe-se, limitou-se a reduzir a área objeto do aforamento anterior de 104.183,169 m² para 86.992,752m².
Quanto a esse ponto, convém registrar, haja vista petição apresentada pela BR MARINAS em 07/05/2019 (vide NUP 4967.004931/2019-38, anexado ao processo 04967.011791/2016-10)[11], que totalmente descabida a tese de que violaria o princípio da confiança legítima a rescisão de contrato celebrado com o Município do Rio de Janeiro em 1984, ou seja, há 38 anos atrás!
Por óbvio, o advento de legislação que torna obrigatória a onerosidade de cessão de uso de bem público – cujo conhecimento é de todos presumido (vide art. 3º da LINDB) e especialmente esperado em relação a uma empresa que conta com um assessoramento jurídico de ponta –, desperta uma CERTEZA (e não apenas “confiança legítima”) quanto a obrigatoriedade de rescisão de contrato celebrado em 1984, e seus consectários legais. Não por outra razão, constaram expressamente do 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão firmado entre o Município do Rio de Janeiro e a BR MARINAS, cláusulas atintentes ao seu eventual afastamento da gestão e exploração da Marina da Glória (vide SEI 5027396 do NUP 04967.011791/2016-10).
Observe-se, por fim, que eventual manifestação isolada (e não decisão, é bom frisar), por parte de qualquer agente administrativo[12], levada ao conhecimento da BR MARINAS simplesmente porque lhe franqueado acesso a processo administrativo, evidentemente não é oponível contra a Administração.
Isto posto e diante dos fatos novos trazidos pela BR MARINAS no processo nº 04967.011791/2016-10 (vide SEI 28348191 e seguintes), assevera-se que, de fato, qualquer tentativa de promover a sua retirada da gestão da área pode ser considerada precipitada e não interessante para o interesse público (vide topico II.4). No entanto, a cobrança da indenização prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998 cumulada com a da multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1987 (sanção que, nos termos expressos do art. 11, § 1º, II da IN SPU/ME nº 23/2020, pode ser cominada isoladamente), não é apenas lícita, como representa o exercício regular de um poder/dever administrativo voltado a se evitar maiores lesões ao erário.
Que fique expresso: a nova autuação a ser efetivada em face da BR MARINAS não tem por embasamento o contéúdo da Ação Popular nº 0059982-10.1999.4.02.5101 (e/ou da Execução Provisória e eventuais processos a ela apensos) e/ou das decisões judiciais proferidas, e sim a incontroversa irregularidade de exploração econômica da Marina da Glória sem o pagamento da remuneração devida à União, e de realização de eventuais construções sem a autorização expressa da SPU.
Pois bem. Haja vista a inexistência de decisão administrativa formal negando o requerimento da BR MARINAS de cessão de espaços físicos em águas públicas, reafirma-se a necessidade de formalização da negativa deste requerimento no bojo do processo nº 04967.011791/2016-10 (vide tópico II.2 supra).
Ora, nos termos do art. 36, § 5º, IV da Instrução Normativa SPU/ME nº 23/2020 “se o processo resultar pelo indeferimento do pleito de regularização, a equipe de fiscalização deverá avaliar a aplicação do auto de infração por meio de nova vistoria ao imóvel, caso seja aplicável”. Disposição semelhante consta da Portaria SPU/ME nº 5.629, de 23 de junho de 2022, segundo a qual:
Art. 18. As estruturas náuticas irregulares, existentes ou em instalação, deverão requerer sua regularização, sob pena de aplicação das penalidades previstas em lei.
§ 1º As obras de estruturas náuticas embargadas deverão permanecer paralisadas até sua regularização.
§ 2º As estruturas náuticas cujo requerimento de regularização for indeferido serão autuadas, multadas e deverão ter suas instalações removidas, à conta de quem as houver efetuado, nos termos do art. 6º, do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987.
Com base nesses comandos e com vistas a evitar lesão ao erário e eventual responsabilização administrativa, recomenda-se que, tão logo indeferido o requerimento da BR MARINAS objeto do processo nº 04967.011791/2016-10, seja lavrado novo Auto de Infração, com fiel observância dos regramentos constantes da Instrução Normativa SPU/ME nº 23, de 18 de março de 2020 (que revogou a IN SPU nº 01/2017), de cujo inteiro teor se destaca:
Art. 29. O auto de infração conterá:
I - o número de ordem;
II - o endereço completo do imóvel;
III - a identificação do responsável, ocupante e/ou daquele presente no momento da fiscalização, colhendo-se o número do CPF ou, na impossibilidade, anotando-se a data de nascimento, a naturalidade, e o nome da mãe, para que possa ser consultado o número do CPF do ocupante junto ao Sistema de Informações da Receita Federal - SIRF;
IV - a descrição da infração administrativa contra o patrimônio da União, conforme disposto no art. 10 desta IN;
V - a fundamentação legal da infração administrativa;
VI - a sanção administrativa aplicada, conforme disposto no art. 11 desta IN;
VII - notificação para a apresentação da defesa, no prazo previsto no inciso II, do art. 34, desta IN; e
VIII - ata e assinatura do servidor responsável pela fiscalização.
Art. 30. A lavratura do auto de infração ensejará a abertura de processo administrativo para cada autuado, contendo relatório individualizado numerado sequencialmente, que será instruído com:
I - auto de infração;
II - localização e caracterização do imóvel, preferencialmente georreferenciados, contendo as dimensões da área ocupada, croquis e, quando possível, o Código de Endereçamento Postal do imóvel;
III - identificação do tipo do imóvel (dominial, especial ou uso comum do povo);
IV - sempre que possível, fotos que retratem as eventuais irregularidades verificadas no imóvel em que realizada a fiscalização, inclusive do entorno da área, demonstrando o impacto causado;
V - finalidade da ocupação; e
VI - identificação da Linha de Preamar Médio - LPM ou Linha Média de Enchentes Ordinárias -LMEO, se for o caso.
Recomenda-se que o Auto de Infração abranja não apenas as estruturas náuticas, mas também a parte terrestre, e que constem como autuados a BR MARINAS e o Município do Rio de Janeiro. Embora não previsto expressamente na IN SPU/ME nº 23/2020, recomenda-se que da notificação da lavratura do AI conste informação quanto ao interesse da SPU em regularizar as construções indevidamente realizadas e a exploração econômica da Marina da Glória, e o alerta quanto a incidência da multa até dita regularização e pagamento dos valores devidos (cfr. art. 36, § 5º, III).
Finalmente, não é demais elucidar, haja vista os equívocos cometidos quando da lavratura do AI 01/2022, que, antes da lavratura de novo Auto de Infração, é indispensável que a SPU/RJ faça um minucioso levantamento das áreas (terrestre e de espelho d´água) efetivamente ocupadas pela BR MARINAS e/ou Município do Rio de Janeiro, e do que efetivamente foi construído sem sua prévia e expressa autorização, observando que não é lógico que a multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1987 incida sobre toda a área identificada no Relatório de Fiscalização Individual datado de 16/12/2021 (vide SEI 21663939 do NUP 04967.011791/2016-10).
A propósito, com vistas a evitar novos equívocos e garantir célere e efetiva atuação por parte da SPU/RJ, e calcados no princípio da eficiência e em boas práticas consultivas (vide BPC nº 20[13]), registra-se que esta parecerista se coloca à disposição para o esclarecimento de eventuais dúvidas e atuação conjunta no devido procedimento administrativo.
II.6. Resposta aos Questionamentos Quesitados.
Feita toda essa digressão reputada essencial para se evitar novos “tropeços” e nortear as futuras atuações administrativas pelos agentes competentes, passa-se à breve resposta aos questionamentos formulados por meio do OFÍCIO SEI Nº 226598/2022/ME.
A) Definido o interesse público pela regularização da utilização do imóvel denominado Marina da Glória (parte em terra), é possível firmar instrumento de cessão de uso onerosa, sob o regime de aforamento (ou outro regime admitido em lei), entre União e Município do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 18, I, § 5º, Lei n. 9.636/98, com cobrança de valores retroativos do município pela utilização do bem com exploração de atividades econômicas? Havendo gravação de área(s) que contemplem o livre acesso e a livre circulação de pessoas, o instrumento de cessão será necessariamente em condições especiais, podendo-se, ainda assim, nele gravar os critérios e valores de retribuição em pecúnia?
Conforme explicitado no tópico II.4 supra, do ponto de vista da União e da necessária segurança jurídica a ser por ela perseguida, a solução mais acertada para a regularização da utilização atual da Marina de Glória é a rescisão do Contrato de 1984, e a celebração de novo Contrato de Cessão de Uso Onerosa com o Município de Janeiro, que abranja as partes terrestre e aquática, em que previsto o pagamento das retribuições devidas a título retroativo, em substituição à indenização do p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/93, sem prejuízo do eventual pagamento da multa do art. 6º, § 4º, II do Decreto-Lei nº 2.398/1987.
Salvo melhor juízo, não seria necessário e/ou recomendável que a cessão de uso se desse sob regime de aforamento. Como asseverado na Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337), a contratação realizada em 1984 sob regime de aforamento o foi com fundamento no Decreto nº 178/1967, revogado pela Lei nº 9.636/1998. Ademais, nos termos do § 2º do art. 64 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, “o aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública”, o que não nos parece o caso.
Realce-se, contudo, que embora o aforamento/enfiteuse seja um instituto em desuso, nos termos do art. 49, § 3º do ADCT pode contituar sendo aplicado “aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”.
Quanto ao questionamento final, remetemos ao parágrafo 73 desta manifestação , em que acentuado que, para a caracterização do “uso misto do imóvel”, apto a atrair a adoção da “cessão de uso em condições especiais”, deve-se discriminar a área reservada ao uso público, que, realce-se, deve ser gratuito e irrestrito (vide art. 10, § 3º da Portaria SPU nº 7.145/2018, arts. 3º e 4º da Portaria SPU/ME nº 5.629/2022 e arts. 67 e 70, § 6º da Instrução Normativa SPU/ME nº 67/2022).
Observe-se, por oportuno, que a cessão de usos em condições especiais também poderá ser utilizada SE expressamente definida e objetivamente mensurada a contrapartida, correpondendo ela, no mínimo, “ao valor que seria devido em caso de cessão com pagamento em dinheiro” (cfr. parágrafo 49 do PARECER REFERENCIAL n. 00057/2022/PGFN/AGU). Quanto ao tema, dignas de referência as seguintes regras fixada na Lei nº 9.636/1998:
Art. 18.
(…)
§ 10. A cessão de que trata este artigo poderá estabelecer como contrapartida a obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da União, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto da cessão. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)
§ 11. A cessão com contrapartida será celebrada sob condição resolutiva até que a obrigação seja integralmente cumprida pelo cessionário. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)
§ 12. Na hipótese de descumprimento pelo cessionário da contrapartida, nas condições e nos prazos estabelecidos, o instrumento jurídico da cessão resolver-se-á sem direito à indenização pelas acessões e benfeitorias nem a qualquer outra indenização ao cessionário, e a posse do imóvel será imediatamente revertida para a União. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)
B) É possível que a(s) nova(s) pactuação(ões) apontada(s) na alínea anterior seja(m) efetivada(s) por meio de rerratificação do contrato de cessão sob o regime de aforamento gratuito já existente entre a União e o Município do Rio de Janeiro, datado de 22/03/1984 e rerratificado em 15/02/2016, tendo como consequências a nominação correta do instrumento, o estabelecimento de novas cláusulas de utilização mediante retribuição em pecúnia, inclusive previsão de cobrança retroativa, ou há necessidade de instrumento autônomo consubstanciado por novo contrato de cessão onerosa ou em condições especiais, sob regime de aforamento (ou outro regime admitido em lei), envolvendo a área em terra, clausulando tais condições?
Em consonância com o tópico II.4, reafirma-se recomendação de rescisão do Contrato de 1984, e celebração de novo Contrato de Cessão de Uso Onerosa com o Município de Janeiro, que abranja as partes terrestre e aquática, em que previsto o pagamento das retribuições devidas a título retroativo.
Com a devida vênia, a Rerratificação ao Contato celebrado em 1984, supostamente assinada em 15/02/2016, não foi a opção mais adequada ao princípio da legalidade e ao interesse público, e dá ensejo à defesa de teses equivocadas acerca da convalidação das irregularidades cometidas. Dessarte, absolutamente não orientada nova rerratifação.
A propósito desse questionamento, digna de referência a seguinte manifestação, aplicável, mutatis mutandis, ao presente caso:
PARECER Nº 0142/2022/ NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP 10154.156379/2019-20)
(...)
4. A consulta formulada já foi objeto de apreciação análoga por esta parecerista, que, por meio do PARECER Nº 0130/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP 05002.000228/2003-54), manifestou-se contrariamente à simples celebração de Termo Aditivo.
5. Com efeito, a alteração da destinação da cessão anterior pretendida, importa, de fato, nova cessão de uso, que pressupõe a devida observância de TODOS os trâmites legais e regulamentares, dentre os quais se destaca a prévia deliberação por Grupo Especial de Destinação Supervisionada (GE-DESUP) competente em razão do valor total do imóvel a ser cedido, na forma preconizada pela Portaria SEDDM/ME nº 7.397/2021, verbis:
(…)
III – Conclusão.
7. Isto posto, manifestamo-nos pela devolução dos autos ao consulente, para a adoção das medidas necessárias à alteração pretendida, na forma preconizada pela Portaria SEDDM/ME nº 7.397/2021, em sua versão atualizada.
C) Definido o interesse público pela regularização da utilização do espaço físico em águas públicas da União da parte em águas contíguas ao imóvel denominado Marina da Glória (dársena), é possível firmar instrumento de cessão onerosa de espaço físico em águas públicas diretamente com o Município do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 18, I, §5º, Lei n. 9.636/98?
Tendo em vista a contiguidade das águas públicas ao imóvel em terras (aforado), tal relação poderia ser estabelecida diretamente com a BR Marinas S/A ou outra concessionária municipal, com fundamento no art. 18, II, §§ 5º e 7º, da Lei nº 9.636/1998?
Em quaisquer dos casos, incidiria a cobrança de valores retroativos pela utilização das águas públicas e definição dos valores doravante segundo critérios técnicos (já estabelecidos em portarias da SPU)?
Em sendo possível, haveria possibilidade de clausular tais condições num mesmo instrumento, conforme indagação da alínea anterior ou haveria necessidade de instrumento autônomo?
Como esclarecido no tópico II.4, não só é possível, como É RECOMENDADO que a nova cessão a ser celebrada com o Município do Rio de Janeiro abranja a parte terrestre e o espaço físico em águas públicas a ele contíguo. Com efeito, não nos parece lógico, nem conveniente e oportuno sob o ponto de vista de gestão, desvincular a área seca da molhada, sendo que qualquer pretensão nesse sentido deve ser objeto de detalhada justificativa.
Justamente em face da necessidade de a cessão contemplar as áreas secas e molhadas, e, ainda, a fim de resguardar a União de eventais questionamentos, NÃO nos parece legal a celebração, pela União, de contrato de cessão de uso (ainda que apenas da parte aquática) com a BR MARINAS, cuja concessão pelo Município já foi inclusive objeto de questionamento judicial.
Quanto a esse ponto, elucida-se que nem mesmo as decisões exaradas no bojo do REsp nº 1.792.618-RJ e do REsp nº 1.653-298-RJ, noticiadas no processo nº 04967.011791/2016-10 (vide SEI 28348191 e seguintes) nos parecem aptas a fundamentar eventual cessão de uso pela União à BR MARINAS, ou a regularidade de sua ocupação. Afinal, o que se está a questionar por meio desse parecer é a exploração econômica da Marina da Glória sem a necessária retribuição da União, bem como a realização de construções sem a prévia e expressa autorização da SPU.
Visto isso, cumpre-nos assinalar que a cobrança de valores retroativos é REQUISITO INDISPENSÁVEL para a eventual regularização da utilização atual da Marina da Glória. Nesse sentido, a orientação constante do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), expressamente citado no Acórdão TCU nº 842/2018 – Plenário (que serve de paradigma para o presente caso) e cujo entendimento foi reafirmado quando da NOTA n. 01308/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.001109/2017-88).
Por fim, tem-se que os valores atuais e retroativos pela utilização da Marina da Glória DEVEM SER fixados no novo contrato de cessão de uso onerosa a ser firmado e, por óbvio, devem observar os critérios técnicos já estabelecidos nos atos normativos próprios da SPU.
Não por outra razão, à semelhança do disposto na revogada Portaria SPU nº 11.190/2018 (vide Portaria SPU nº 7.318, de 15 de agosto de 2022, que revogou a Portaria nº 22.950/2021), consta da atual Portaria SPU/ME nº 5.629/2022, que “estabelece normas e procedimentos para a instrução de processos visando à cessão de espaços físicos em águas públicas”, que:
Art. 9º Nos casos de cessão onerosa ou de cessão em condições especiais, o contrato estabelecerá, sem prejuízo de outras condições:
I - valor anual devido pelo uso privativo da área da União;
II - valor relativo à ocupação não autorizada até a data da efetiva regularização com a assinatura do contrato, se for o caso;
III - prazo de carência para início do pagamento e condições para sua quitação, quando for o caso, com vencimento da primeira parcela no último dia útil do mês subsequente ao término da carência;
IV - correção anual do valor contratado, utilizando-se Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou índice que vier a substituí-lo;
V - valor da retribuição à União será pago em parcelas mensais e sucessivas vencíveis no último dia útil de cada mês;
VI - vencimento da primeira parcela ocorrerá no último dia útil do mês subsequente ao da assinatura do contrato ou do aditivo contratual;
VII - previsão dos seguintes acréscimos para as parcelas não pagas até a data do vencimento:
a) multa de mora, calculada à taxa de 0,33% (trinta e três centésimos por cento), por dia de atraso, até o limite de 20% (vinte por cento); e
b) juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, acumulada mensalmente, do primeiro dia do mês posterior ao vencimento até o mês anterior ao efetivo pagamento, acrescida de 1% (um por cento) relativo ao mês do pagamento.
VIII - forma de parcelamento pactuada entre o cessionário e a União, se for o caso;
IX - rescisão contratual no caso de inadimplemento de parcela, total ou parcial, por prazo superior a 90 dias; e
X - revisão a qualquer tempo do valor da retribuição, desde que comprovada a existência de fatores supervenientes que alterem o equilíbrio econômico do contrato, nos termos da legislação vigente.
§ 1º Nos casos de contratos firmados com Municípios, Estados ou Distrito Federal o pagamento da retribuição à União poderá ser feito de acordo com os incisos V e VI do caput ou em parcelas semestrais, com vencimento no último dia útil dos meses de junho e dezembro de cada ano, sendo que o vencimento da primeira parcela ocorrerá no último dia útil dos meses junho ou dezembro subsequentes ao término da carência, quando for o caso.
(…)
D) Quais seriam os marcos temporais para o início das cobranças dos valores retroativos referidos nas alíneas anteriores? Noutras palavras, quais seriam os limites temporais inerentes à prescrição e decadência para cobrança dos valores retroativos, tanto para a parte em águas públicas quanto para a parte em terra - marinha e acrescidos?
A questão foi objeto do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), de cujo inteiro teor se destaca:
16. Registre-se que esta Consultoria Jurídica, por meio do PARECER MP/CONJUR/AMF/Nº 1165-5.3.6/2009, analisou e firmou posicionamento sobre o prazo prescricional e decadencial aplicáveis aos créditos provenientes de contratos de aluguéis de imóveis que eram da RFFSA e passaram a integrar o patrimônio imobiliário da União.
(…)
18. Como destacado no referido parecer, considerando que os créditos em análise são constituídos por meio de contrato, em princípio, não há que se falar em decadência, nem em lançamento propriamente dito. Não obstante, aplicam-se os demais prazos do art. 47 ao contrato de cessão, dentre eles o de inexigibilidade.
19. Assim, na medida em que se aplicam estes prazos, entendemos que a cobrança retroativa possibilitada pela regularização deve ficar limitada aos cinco anos anteriores ao conhecimento da ocupação, e não do contrato, conforme os estritos termos da parte final do § 1º do art. 47 da Lei nº 9.636/98. Por sua vez, o prazo decadencial decental incide somente sobre a parte retroativa da cessão e incia-se com o conhecimento da ocupação irregular pela Secretaria do Patrimônio da União, ou seja, para que o período retroativo possa ser cobrado, não pode ter transcorrido mais de dez anos entre a data do conhecimento do fato e a celebração do contrato de cessão com regularização da ocupação retroativa.
Exemplos:
Inicio da Ocupação |
Ciência da SPU |
Contrato |
Cobrança Retroativa |
2005 |
2010 |
2015 |
2005 a 2015 |
2005 |
2010 |
2019 |
2005 a 2019 |
2005 |
2010 |
2022 |
2012 a 2022 (2005 a 2010 – decadência) |
2002 |
2010 |
2015 |
2005 a 2015 (2002 a 2004 – inexigível) |
Nos termos da Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME:
11. Ato contínuo, foi realizada vistoria pela SPU/RJ em 13/10/1993, (SEI 21019655 – Fls.156/169 – Processo 10768.035485/9399) tendo sido constatadas alterações no complexo, com instalação de equipamentos diversos, tais como: administração da marina, banheiros, minimercado, restaurantes, lojas de acessórios e de equipamentos náuticos.
(…)
15. Foi comunicado, através de correspondência datada de 24/11/98, que a empresa vencedora da licitação - EBTE Empresa Brasileira de Terraplenagem e Engenharia teria criado a empresa Marina da Cidade Ltda, para ser a administradora da Marina da Glória e que o contrato firmado com o Município previa a ampliação e revitalização da marina, no prazo de 03 (três) anos, mediante a apresentação de projeto que incluía novo molhe e novos píeres, a ser aprovado pelo, então, Serviço de Patrimônio da União, tendo sido então encaminhado o mencionado projeto para aprovação, ao tempo em que se requereu também o espaço físico em água públicas, à vista dos ditames da "nova Lei nº 9636/98" (21019667 - Fls. 78 SEI-ME - Processo n° 10768.035485/9399).
16. Por fim, em 15/02/2016, foi firmado instrumento entre a União (por meio da SPU/RJ) e o Município do Rio de Janeiro, que rerratificou o contrato de cessão sob o regime de aforamento firmado em 1984, tendo retificado a área anteriormente aforada, que depois de georreferenciada passou a ser de 86.992,752 m2 (diminuição de 18.097,248 m2), sendo então está a nova área objeto do referido contrato (com anotação Livro n.° 04 - Destinação, Fls. 62/69, conforme processo administrativo n° 10768.035485/93-99). Note-se que se considera como objeto contratual a área "em terra" da Marina da Glória, compreendida por terreno de marinha e acrescido de marinha, com as características e confrontações atuais, com descrição e caracterização constante de sua Cláusula Segunda (SEI n. 5027364).
17. Em documento datado de 20/12/2016, a BR MARINAS GLÓRIA S.A., requereu à SPU/RJ a cessão do espaço físico em águas públicas da União (SEI n. 5026729), (…) requerimento que gerou o processo SEI n. 04967.011791/2016-10, em que, dentre diversos outros atos, decisões e medidas administrativas, foi proferido o mencionado Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União, que chamou o feito à ordem e conferiu supedâneo à presente consulta.
Como se lê, mesmo sabendo do uso da Marina da Glória para exploração de atividades lucrativas desde 13/10/1993, a SPU nada fez; não bastasse isso, em 15/02/2016, optou por rerratificar o contrato de cessão sob regime de aforamento firmado em 1984 com o Município do Rio de Janeiro, para tão somente a alterar área anteriormente aforada.
Considerando-se as orientações postas no PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), no presente caso ter-se-ia a decadência no período de 1993 a 2011 e a possibilidade de cobrança pela construção/utilização irregular no período de 2012 a 2022 (considerando-se a indispensável celebração do novo contrato ainda em 2022). É conferir:
Inicio da Ocupação Irregular |
Ciência da SPU |
Contrato |
Cobrança Retroativa |
Município - ? |
10/1993 AI em 2009 |
2022 |
2012 a 2022 (1993 a 2011 decadência) |
EBTE/Marina da Cidade Ltda - ? (terra e água) |
11/1998 AI em 2007 para água |
- |
- |
BR Marinas (terra e água) |
12/2016 AI em 2022 para água |
- |
- |
Registre-se, por oportuno, que haja vista a impossibilidade de regularização da utilização atual da Marina da Glória com a BR MARINAS, não há que se cogitar de “cobrança retroativa” em relação a ela. À BR MARINAS, em tese aplicáveis a cobrança prevista no p. único do art. 10 da Lei nº 9.636/1998, limitada aos cinco anos anteriores à data do lançamento (cfr. art. 47, § 1º da Lei nº 9.636/1998), cumulada com multa do art. 6º, § 4º II do Decreto-Lei nº 2.398/1987. Sobre o tema, reportamo-nos às considerações constantes do tópico II.5.
De se realçar que o PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53), manifestou-se pela possibilidade de “diluição” do pagamento da retribuição retroativa ao longo de contrato com prazos estabelecidos pelo art. 96 do Decreto-lei nº 9.760/1946 e art. 21 da Lei nº 9.636/1998. Cita-se:
22. O art. 18, § 5º Lei 9.636/1998, não estipula a periodicidade do pagamento, mas apenas impõe a onerosidade. Assim, nada impede que a SPU pulverize no período do contrato o pagamento da retribuição, desde que todo o período seja considerado, inclusive o retroativo, respeitada a inexigibilidade, conforme já trabalhado.
(…)
23. Nesse ponto, recomenda-se que seja editada norma técnica prevendo de forma específica regras pré-estabelecidas gerais para a realização dessa diluição do valor devido pela cessão de uso. Ao nosso sentir, um parâmetro razoável que poderia ser utilizado por esta norma técnica é aquele previsto no art. 6º da Lei nº 13.139/2015 (…).
Nessa esteira, constam expressamente da revogada Portaria SPU nº 11.190/2018 (vide art. 2º, III e VIII) e da Portaria SPU/ME nº 5.629/2022 (vide art. 9º, III e VIII) previsões acerca do “prazo de carência para início do pagamento e condições para sua quitação” e “forma de parcelamento pactuada entre o cessionário e a União, se for o caso”.
E) Para a elaboração dos cálculos das retribuições em pecúnia, o valor das benfeitorias, edificações e acessões irreversíveis realizadas no local, ainda que não autorizadas previamente pela SPU, deve ser considerado?
Sim. Essa a orientação constante do PARECER n. 01070/2018/EMS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.002376/2018-53), de cuja ementa se colhe:
EMENTA: INDENIZAÇÃO. ARTIGO 10, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI No 9.636/1998. CARÁTER COMPENSATÓRIO E SANCIONATÓRIO. BENFEITORIAS. INCORPORAÇÃO IMEDIATA AO PATRIMÔNIO DA UNIÃO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO.
I - A indenização prevista no artigo 10, parágrafo único, da Lei no 9.636/1998 possui caráter compensatório e sancionatório pela ocupação de imóvel da União e deve incidir sobre o valor do bem de propriedade da União.
II - As acessões e benfeitorias construídas em terrenos da União incorporam-se, imediatamente, ao seu patrimônio e devem ser consideradas no cálculo da indenização em referência.
III - A indenização prevista no artigo 10, parágrafo único, da Lei no 9.636/1998 deve ser calculada sobre o valor total do terreno da União, incluídas as benfeitorias, independentemente de quem as construiu.
Não por outra razão, a recém editada Instrução Normativa SPU/ME nº 67, de 20 de setembro de 2022 traz regra expressa nesse sentido, repetindo disposição já constante da Instrução Normativa nº 05, de 2018. Confira-se:
Art. 30. Os valores das benfeitorias deverão ser considerados nas avaliações na medida em que estas sejam parte do instrumento negocial da União, observadas as prescrições legais
§ 1º As benfeitorias que porventura estejam fora do terreno registrado em matrícula poderão ser desconsideradas no momento da avaliação, nos termos do art. 28, § 2º.
(…)
Quanto aos critérios que devem nortear a definição dos valores a serem pagos pelo Município do Rio de Janeiro, como reiterado em diversas manifestações exaradas no âmbito da Consultoria Jurídica do extinto Ministério do Planejamento e da atual PGFN, ressalta-se que se trata de questão de ordem técnica, cuja competência é da Secretaria de Patrimônio da União, conforme regra do art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, verbis:
Art. 67. Cabe privativamente ao S.P.U. a fixação do valor locativo e venal das imóveis de que trata êste Decreto-lei.
Tal fato, contudo, não afasta a ÓBVIA necessidade de observância dos parâmetros fixados em atos normativos editados pela SPU.
Haja vista o lapso temporal a ser considerado (2012 a 2022) e alteração nesse período, pela SPU, dos atos normativos que fixam o parâmetros para o cálculo do preço público devido a título de retribuição à União, cumpre-nos referir à seguinte orientação constante do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.200595/2015-53):
27. Os valores cobrados de forma retroativa em razão da regularização da ocupação por meio da celebração de contrato de cessão podem ser fixados com base nos valores cobrados à época, por exemplo, obviamente com posterior aplicação de correção monetária. No que tange ao parâmetro que será utilizado, ressalta-se que se trata de questão de ordem técnica cuja competência é da Secretaria de Patrimônio da União, conforme disposição do art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760/46.
Dita orientação foi reiterada na NOTA n. 01308/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.001109/2017-88), que, em comentário à interpretação a ser dada ao termo “podem”, constante do parágrafo 27 do PARECER n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU acima citado, esclarece:
8. Na realidade, essa expressão “podem” não foi utilizada com a ideia de abrir um leque de possibilidades à SPU. Ao nosso sentir, esse parâmetro de utilização dos valores cobrados à época, com posterior aplicação monetária, é o sugerido pela CONJUR como regra de identificação dos valores retroativos.
9. Ocorre que, como é natural, podem haver situações em que a SPU não tenha elementos para identificar os valores cobrados à época. Nesses casos, se disséssemos que essa seria a única forma de valoração da cobrança retroativa, estaríamos na prática impossibilitando a regularização jurídica do imóvel, o que não nos parece razoável. Não é demasiado ressaltar que, havendo decisão administrativa (e desde que não haja vedação legal) por regularizar a utilização do imóvel da União mediante cessão onerosa com cobrança retroativa, a opção por assinar ou não o contrato é do particular, que pode aceitar pagar um valor retroativo superior ao que seria fixado se a regra fosse passível de adoção, no lugar de arcar com uma multa e ter que sair do bem.
10. Assim, como já exposto na manifestação mencionada pelo próprio órgão patrimonial, tendo em vista que o artigo 67 do Decreto Lei no 9.760/46 dispõe que: "Cabe privativamente ao S.P.U. a fixação do valor locativo e venal das imóveis de que trata êste Decreto-lei", nesses casos de impossibilidade de aplicação da regra geral, caberia ao órgão patrimonial idealizar uma outra forma de valoração.
11. Em razão do exposto, e respondendo ao questionamento realizado pelo órgão patrimonial, esta Consultoria Jurídica entende que não só é possível como necessária a adoção de uma regra geral para realizar o cálculo dos valores cobrados de forma retroativa em razão da regularização da ocupação indevida por meio da celebração do contrato de cessão de uso onerosa. E, ao nosso sentir, a regra geral que sugerimos seja utilizada pela SPU é aquela proposta no item 27 do Parecer n° 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, a qual, por sinal, coincide com a eleita pela SPU na Nota Técnica no 5304/2017-MP.
12. Caso, por qualquer motivo, essa regra geral não possa ser utilizada pela SPU em determinado caso concreto (e essa impossibilidade deve estar justificada nos autos), caberá ao órgão idealizar uma outra forma de avaliação, no exercício da atribuição prevista no art. 67 do Decreto-Lei no 9.760/46. Isso porque, mesmo que essa avaliação excepcional venha a importar valor maior a ser cobrado, pode ser de interesse do particular a regularização da sua utilização.
13. No mais, como se trata da escolha de um parâmetro padrão que será utilizado por todos os órgãos patrimoniais regionais, sob pena de tratamento distinto para situações semelhantes, recomenda-se que a Secretaria do Patrimônio da União inclua na Instrução Normativa no 02/2017, ou em outro ato normativo de orientação, o parâmetro escolhido.
Mais recentemente, a questão foi objeto do PARECER n. 00483/2022/PGFN/AGU (NUP 19739.133952/2022-26), assim ementado:
I - Consulta formulada sobre a aplicabilidade temporal da Portaria SPU nº 404, de 28 de dezembro de 2012, e da Portaria SPU/ME nº 5.629, de 23 de junho de 2022. Critérios de cobrança de receitas patrimoniais em cessões de uso de espaços físicos em águas públicas.
II - Vigência imediata da norma, respeitado o ato jurídico perfeito. Impossibilidade de aplicação retroativa. Deve ser aplicado o ato normativo vigente ao tempo da utilização dos imóveis da União para fins de definição da forma de cálculo da cobrança das receitas patrimoniais devidas, preservadas as relações contratuais vigentes.
III - Nos casos de usos anteriores não previamente autorizados (art. 9º, II, da Portaria nº 5.629, de 2022), deve-se verificar, do ponto de vista fático e técnico, as áreas efetivamente utilizadas pelos interessados.
Isto posto, convém assinalar que a consideração das benfeitorias para fixação do valor das retribuições devidas à União NÃO IMPORTA dever de indenização a quem as construiu. Nesse ponto, em parte superado o entendimento constante do PARECER n. 01070/2018/EMS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP 04905.002376/2018-53), haja vista a seguinte orientação vinculante exarada no âmbito do DECOR/AGU:
NUP: 00441.000010/2019-74
PARECER n. 00037/2020/DECOR/CGU/AGU, e Despachos de Aprovação, inclusive do Advogado-Geral da União, em 25/05/2020 (seq. 95)
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE IMÓVEL DA UNIÃO E DIREITO À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. BOA-FÉ. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA Nº 619, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ.
I - Análise jurídica sobre eventual direito indenizatório correspondente ao valor empregado em benfeitorias necessárias pelo ocupante irregular de imóvel da União que se alega de boa-fé.
II - O §1º do art. 132 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, deve ser interpretado em consonância com a jurisprudência oriunda do STJ, por intermédio da Súmula nº 619, que considera irrelevante a existência de boa-fé como elemento a ensejar indenização por benfeitorias necessárias realizadas em imóvel público irregularmente ocupado.
Excerto do DESPACHO n. 00352/2020/DECOR/CGU/AGU:
(...)
2. Consolide-se, por conseguinte, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, que "a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias" - Súmula nº 619/STJ.
F) Considerando-se a vantajosidade econômica para a União, seria lícito (ou juridicamente admissível) que a concessionária municipal, pessoa jurídica de direito privado, BR Marinas S/A, requerente da utilização do espaço físico em águas públicas e recorrente do AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896 no âmbito do processo n. 04967.000791/2016-10, caso houvesse transação nesse sentido entre as partes, comparecesse como interveniente no(s) contrato(s) a ser firmado(s) entre União e Município do Rio de Janeiro, para fins exclusivos de assunção da dívida do ente municipal pelos valores retroativos da retribuição pela utilização das áreas em terra e em águas, devidamente atualizados, para pagamento pactuado, não superior a 24 (vinte e quatro) meses depois da celebração do pacto de cessão com onerosidade, tendo em vista que, autorizada pelo Município, reconhecidamente desenvolve atividades de exploração econômica no local ao menos desde 2016?
Salvo melhor juízo, essa hipótese se encontra no âmbito da autonomia de vontade e da conveniência e oportunidade das partes, não se vislumbrando óbices jurídicos à sua concretização, que, como realçado, pode ser economicamente vantajosa para a União.
A propósito, convém reiterar que a regularização da utilização atual da Marina da Glória está jungida ao pagamento das retribuições retroativas tanto da parte seca quanto da molhada, e, a princípio, alcançaria o período de 2012 a 2022.
G) Em sendo possível regularizar, nos moldes propostos, a utilização do imóvel denominado Marina da Glória, quanto ao AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896, suspenso por força do Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União (SEI 26304586), processo n. 04967.000791/2016-10, existiria fundamento jurídico suficiente para a sua anulação, conforme Parecer n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU?
Nos termos assentados no tópico II.1, o Auto de Infração 01/2022 (SEI 27313782) é nulo, por inobservância do princípio do devido processo legal, e, por este fundamento jurídico, necessária a sua anulação no bojo do processo nº 04967.000791/2016-10.
Dita anulação não tem por fundamento jurídico a eventual regularização da atual utilização da Marina da Glória, com base no Parecer n. 00586/2015/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU e no presente opinativo.
Repise-se que eventual regularização, acaso efetivada, só pode se dar com o Município do Rio de Janeiro, ainda que admitida a participação da BR MARINAS como interveniente, para fins exclusivos de assunção de parte da dívida do Município.
Em acréscimo, incumbe-nos fazer referência ao exposto no tópico II.5, e à previsão do art. 36, § 5º, da IN SPU/ME nº 23/2020, verbis:
Art. 36
(…)
§ 5º Havendo interesse da Administração em regularizar a construção indevidamente realizada, a mesma não precisará ser demolida ou removida, devendo-se observar:
I - a multa deve ser cumulada até o momento em que for juntada ao processo decisão específica e fundamentada da autoridade administrativa do art. 37 da IN no sentido que a estrutura será mantida;
II - após decisão que trata o inciso anterior a multa deverá ser cessada;
III - o pagamento da multa cumulada neste período é requisito para a regularização; e
IV - se o processo resultar pelo indeferimento do pleito de regularização, a equipe de fiscalização deverá avaliar a aplicação do auto de infração por meio de nova vistoria ao imóvel, caso seja aplicável.
H) Em razão do §5º, do art. 18, Lei n. 9.636/98, no tocante à forma de exploração de atividades econômicas no local, considerando que a municipalidade possui atribuição para firmar seus próprios contratos com a iniciativa privada, observada a legislação pertinente à licitação e contratos públicos, a SPU possui atribuição para questionar administrativamente o(s) contrato(s) firmado(s) pelo município em sede de concessão municipal?
Salvo melhor juízo, regularizada a utilização atual da Marina da Glória, por meio da rescisão do contrato celebrado com o Município do Rio de Janeiro em 1984 e da formalização de novo contrato de cessão de uso onerosa com o mesmo Município, não interessaria à União questionar eventual concessão municipal, cabendo tal atribuição aos órgãos de controle (MPF e TCU), que, inclusive, já fazem o monitoramento do caso.
Como asseverado pela Nota Técnica SEI nº 34047/2022/ME (SEI 26735337):
37. Deve-se ressaltar que o encaminhamento de solução pela via da regularização da utilização do imóvel, com cobrança de valores retroativos, pressupõe exclusivamente a relação entre União e Município do Rio de Janeiro, não cabendo ao órgão gestor do patrimônio da União imiscuir-se na relação estabelecida entre o município e a BR Marinas S/A (concessão de serviço público municipal), nem tampouco nos potenciais direitos de regresso ou de reequilibrar a equação econômico-financeira titularizados pela municipalidade em face de sua concessionária ou mesmo de realizar nova licitação. São medidas que, oportunamente, cabem exclusivamente à municipalidade, no entendimento da SPU.
(…)
41. No tocante à forma de exploração de atividades econômicas no local, essa responsabilidade deve residir na esfera de competência da municipalidade, que tem atribuição para firmar seus próprios contratos com a iniciativa privada, observada a legislação pertinente à licitação e contratos públicos. Desse modo, sendo patente a existência de concessão pública municipal para exploração da área, não compete à União emitir juízo de valor sobre as contratações levadas a efeito pelo Município, cabendo a tal ente eventual defesa da higidez de seus atos perante os órgãos competentes de controle.
I) Na hipótese de entender não ser possível a regularização da área pela via da cessão com onerosidade ao município, quais seriam os instrumentos jurídicos cabíveis para a destinação da área, levando-se em conta a existência de benfeitorias, edificações e acessões irreversíveis, de natureza necessária ou não, realizadas no local, ainda que não autorizadas previamente pela SPU? E se autorizadas pelo município? O atual ocupante poderia suscitar o direito a embargos de retenção por benfeitoria e indenização da União? O mesmo regime se aplicaria aos equipamentos em águas públicas?
A primeira parte do questionamento resta superada em razão da resposta positiva quanto à possibilidade de regularização da atual utilização da Marina da Glória, por meio de celebração de novo contrato de cessão de uso onerosa com o Município do Rio de Janeiro (vide letra A).
Quanto à segunda parte, tem-se que, como evidenciado nas respostas aos questionamentos de letras C e E, o que nesse momento está em pauta é a exploração econômica da Marina da Glória sem a necessária retribuição da União, bem como a realização de construções/benfeitorias sem a prévia e expressa autorização da SPU. Ditos fatos, que em momento algum parecem ser refutados pela BR MARINAS e/ou o Municipio do Rio de Janeiro é que tornam irregular a utilização atual da Marina da Glória e imperiosa a sua regularização.
Ora, não há sentido cogitar-se de regularização sem antes se fixar a existência de uma ocupação irregular. Por outro lado, fixada a irregularidade da ocupação atual, força é convir pela aplicação do PARECER n. 00037/2020/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo DESPACHO n. 00352/2020/DECOR/CGU/AGU (NUP: 00441.000010/2019-74), que assentou:
(...)
2. Consolide-se, por conseguinte, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, que "a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias" - Súmula nº 619/STJ.
Isto posto, é importante pontuar que, no Acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, proferido no processo nº 0059982-10.1999.4.02.5101 – que, realce-se, não parece ter sido anulado por meio da decisão exarada no RESp 1.792.618-RJ (parece-nos que anulado apenas o acórdão que julgou os embargos de declaração) – restou expressamente consignado que:
AÇÃO POPULAR. MARINA DA GLÓRIA. CONTRATO DE CESSÃO DA ÁREA AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO HÍGIDO. ANULAÇÃO DA LICITAÇÃO E DO CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO DO BEM À EMPRESA PARTICULAR. DESVIO DE FINALIDADE RECONHECIDO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DESPROVIDAS.
(…)
19. Afastado qualquer pleito de indenização às empresas concessionárias, na medida em que na cláusula 1.8. do pacto restou expressamente consignado que "as obras realizadas reverterão em favor do Município, não cabendo ao Contratado o direito a qualquer indenização". Além disso, as empresas auferiram lucro ao explorarem atividades comerciais e administrarem o local ao longo quase vinte anos amparados pelo Contrato Administrativo que ora é desconstituído com efeitos retroativos, nos termos do art. 59 da Lei 8.666/93, razão pela qual já estão recompensados.
(…)
Registre-se, por fim, não se vislumbrar fundamento para tratamento diverso da ocupação irregular da área seca para a ocupação irregular de espaços físicos em águas públicas.
J) Na hipótese de entender pela impossibilidade de regularização nos moldes propostos, o AI n° 1/2022, doc. SEI n. 22293896, suspenso por força do Despacho Saneador pela Sra. Secretária do Patrimônio da União (SEI 26304586) no processo n. 04967.000791/2016-10, é passível de manutenção? Há necessidade de adequação ou revisão? Quais seriam os argumentos de ordem jurídica para responder as impugnações de mesma ordem apresentada pela recorrente (SEI 23387390)? Poderia a SPU/RJ aplicar novo auto de infração? Quais seriam os fundamentos jurídicos que embasariam eventual novo auto?
Nos estritos termos do tópico II.1 desta manifestação, o Auto de Infração 01/2022 (SEI 27313782) deve ser objeto de anulação, por inobservância do princípio do devido processo legal, neste ponto merecendo acolhimento a Defesa apresentada pela BR MARINAS, em 19/02/2022 (SEI 23387386 do NUP 04967.011791/2016-10).
Com base no quanto desenvolvido no tópico II.5, a SPU pode e deve lavrar nova autuação em face da BR MARINAS e do Município do Rio de Janeiro, porquanto, embora admitida a possibilidade da regularização da utilização atual da Marina da Glória, dita possibilidade pode não se concretizar, tal como não se concretizou a celebração de Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais aventado em 2016 (cfr. NUP NUP10768.035485/93-99), sendo totalmente inadmissíveis maiores lesões ao erário[14].
Observe-se, contudo, que a nova autuaçao deve observar as prescrições da atual Instrução Normativa SPU/ME nº 23, de 18 de março de 2020 (que estabelece as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União) e pressupõe ela o levantamento dos seguintes pontos (sem prejuízo de outros porventura idenficados), já levados ao conhecimento da SPU/RJ por e-mail, e minudenciados em reunião realizada no dia 04/10/2022:
a) Cadastro atualizado junto ao SPIUnet de toda a àrea que se convencionou chamar de “Marina da Glória”, que em tese abrangeria uma parte terrestre de 91.034m² e uma de espelho d’água de 95.534m² (vide Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME - SEI 27315044);
b) Ficha SPIUnet atualizada do RIP 6001.0115877-50;
c) Matrículas abertas no Cartório de Registro de Imóveis competente, de quaisquer das áreas objeto da Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME, devidamente atualizadas (chama-se atenção para a matrícula nº 24046-2BA, do 7º Ofício de Registro de Imóveis da Cidade do Rio de Janeiro, documentada no NUP 10154.178114/2020.16);
d) Informações quanto a existência de entrega e/ou cessões de uso de parcelas da área objeto da Notificação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME a órgãos e/ou entidades da Administração Federal Direta e Indireta (chama-se atenção para o NUP 10154.125589/2022.71), ou mesmo para terceiros (chama-se atenção para o item 9.2.2 do Acórdão TCU nº 2.256/2016 – Plenário);
e) Novo Laudo de Vistoria de TODA a área considerada integrante do que se convencionou designar "Marina da Glória" (observando-se especialmente os critérios utilizados na já citada Notificiação SEI nº 26/2022/NUCIP/SPU-RJ/SPU/SEDDM-ME), em que indicadas:
- as áreas efetivamente utilizadas pela BR MARINAS (chama-se atenção para o Anexo 17 do NUP 10951.101338/2022-14 e para os Termos do Contrato de Concessão firmado com o Município do Rio de Janeiro, em especial seu 4º Termo Aditivo) e seus respectivos usos (chama-se atenção para o objeto do Inquérito Civil PR-RJ nº 1.30.001.004944/2019-70 - vide NUP 10154.178114/2020.16);
- as áreas eventualmente utilizadas pela Administração Direta e/ou Indireta;
- as áreas eventualmente utilizadas por terceiros sem a interveniência da BR MARINAS;
- as áreas reservada ao uso público gratuito e irrestrito; e
- as áreas de uso comum do povo e/ou de acesso as mesmas;
- as áreas objeto de construções/benfeitorias sem a expressa autorização da SPU (excluem-se, portanto, as realizadas em atendimento ao Contrato de 1984, e outras eventualmente autorizadas previamente à realização dos Jogos Olímpicos), e os responsáveis pela sua execução não autorizada;
f) Laudo de Avaliação e TODA a área considerada integrante do que se convencionou designar "Marina da Glória", em que identificados os valores individualizados das áreas acima referidas, elaborado com base na atual Instrução Normativa SPU/ME nº 67, de 20 de setembro de 2022.
K) Haveria como consequência lógica das medidas apontadas na alínea anterior a necessidade de promoção de medidas mais drásticas no decorrer do tempo, por imposição da legislação (a exemplo das constantes do Decreto 2.398), tais como a majoração de multas, a demolição de benfeitorias e edificações e a reintegração de posse da área?
A princípio e considerado o interesse público já explicitado (vide tópico II.4), a imposição de medidas mais drásticas, como a demolição de benfeitorias e edificações, e a reintegração de posse, embora em tese possível (com base no disposto no Decreto-Lei nº 2.398/1987), não é recomendada, não devendo ser reputada, neste caso concreto, consequência lógica da lavratura de novo Auto de Infração.
Caso não ultimada a regularização da utilização atual da Marina da Glória por meio da celebração do indispensável Contrato de Cessao de Uso Onerosa, poder-se-á cogitar a reintegração de posse, por meio do ajuizamento de ação própria pelo braço contencioso da AGU.
L) Quais seriam as medidas administrativas que a SPU deveria adotar? Haveria necessidade de adoção de medidas judiciais por parte da União? Tais medidas deveriam ser adotadas pela Procuradoria-Geral da União (conforme recomendação constante do Parecer n. 0021/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI n. 21653852)? Poderia ser estabelecido prazo contratual obrigando a atual ocupante a deixar as instalações? Poderia a SPU/União exigir que o município do Rio de Janeiro realize nova licitação?
As medidas administrativas que devem ser adotada pela SPU podem ser assim sintetizadas:
I) Anulação do AI 01/2022, com base nas considerações constantes do tópico II.2, e intimação de ciência da BR MARINAS, ambos nos autos do processo nº 04967.011791/2016-10;
II) Negativa, também NUP 04967.011791/2016-10, do requerimento original da BR MARINAS que deu ensejo à sua abertura (SEI 5026662), com base nos tópicos II.2 e e II.3 deste parecer, e intimação da mesma para se manifestar quanto ao seu conteúdo, oportunizando-lhe a propugnada participação na construção da solução a ser dada à destinação da Marina da Glória, e a possibilidade de indicação das áreas (terrestre e aquática) por ela utilizadas, e dos respectivos usos;
III) Abertura de novo processo administrativo (a ser apensado ao presente), e expedição de notificação ao Município do Rio de Janeiro, para informação da obrigatoriedade de rescisão do Contrato de Cessão Sob Regime de Aforamento Gratuito com ele celebrado em 22/03/1984 (SEI 27313813), e da viabilidade de regularizaçao da atual utilização da Marina da Glória por meio de Contrato de Cessão de Uso Onerosa (e/ou em Condições Especiais), em que previsto o pagamento retroativo das retribuições mensais devidas pela utilização das partes terrestre e aquática no período de 2012 a 2022. Nessa notificação, recomenda-se oportunizar a manifestação do Muncípio quanto à sua aquiescência com a rescisão e a nova contratação propostas, e os respectivos termos, considerando o quanto asseverado nos tópicos II.2 a II.4 deste parecer;
IV) Verificação do enquadramento da Marina da Glória na categoria “instalações portuárias, fato que atrairia a necessidade de obtenção da autorização a que se refere ao art. 8 da Lei nº 12.815/2013, e a aplicação dos regramentos da Portaria SPU nº 7.145, de 13 de julho de 2018 ;
V) Levantamento dos pontos minudenciados no parágrafo 147, e autação da BR MARINAS e do Município do Rio de Janeiro com base no mesmo e no quanto esclarecido no tópico II.5, observado o princípio do devido processo legal e as prescrições da Instrução Normativa SPU/ME nº 23, de 18 de março de 2020 (ou ato normativo ulterior);
VI) Decisão final quanto ao instrumento a ser utilizado na pretendida regularização da utilização atual da Marina da Glória: cessão de uso onerosa OU cessão de uso onerosa e em condições especiais. Nesse útimo caso, deve ser definida e objetivamente mensurada a contrapartida (v. parágrafo 49 do PARECER REFERENCIAL n. 00057/2022/PGFN/AGU), e/ou discriminada a área reservada ao uso público gratuito e irrestrito;
VII) Definição da área (terrestre e de espelho d’água) a ser abrangida pela eventual cessão de uso (atente-se para as áreas já especificadas no Contrato de Concessão de Uso nº 1713/96 e respectivos Termos Aditivos – NUP 04967.011791/2016-10), do prazo e dos valores das retribuições devidas (vide resposta ao questionamento de letra E, supra);
VIII) Elaboração da Minuta de Contrato, observando as prescrições e modelos dos atos normativos em vigor, devidamente adaptados ao caso concreto;
IX) Submissão do processo de regularização da atual utilização da Marina da Glória à deliberação das instâncias competentes (v. Portaria SEDDM/ME nº 8.678/2022 e Portaria SEDDM/ME Nº 9.239/2022, e/ou atos normativos ulteriores).
Quanto à adoção de medidas judiciais por parte da União, por ora, visumbramos apenas a conveniência de interposição de recurso em face das decisões exaradas no REsp nº 1.792.618-RJ e no REsp nº 1.653-298-RJ (vide SEI 28348191 e seguintes do NUP 04967.011791/2016-10), entendimento, contudo, sujeito ao crivo do órgão de contencioso da AGU.
Nesse ponto, convém reiterar que, não obstante os esforços de conhecimento da existência, teor e andamento de ações judiciais que envolvem a Marina da Glória (apurada a existência de ações não apontadas no Ofício SEI Nº 58692/2022/ME – vide ações judiciais referidas no 3º e 4º Termos Aditivos ao Contrato de Concessão celebrado entre o Município do Rio de Janeiro e a BR MARINAS), dada a estruturação da AGU, cuja atuação se dá por dois ramos distintos (Consultivo e Contencioso), necessária a consulta específica ao órgão de contencioso da AGU para a verificação do assunto, se assim se considerar o caso.
Em um esforço de celeridade, em 20/09/2022, foi realizada reunião com representantes da PRU2, em que apresentada demanda (depois encaminhada por e-mail, via Coordenação-Geral desta e-CJU/Patrimônio) sobre:
a) viabilidade de análise informal da tese levantada pela BR MARINAS no tópico III.2 de sua defesa (p. 30 e seguintes), com o título “Equívoco gravíssimo quanto à eficácia do acórdão proferido na ação popular. O contrato de concessão de uso não foi desfeito. A utilização da área permanece lícita e regular” (vide SEI 27315263), considerados os entendimentos constantes da Cota n. 00077/2021/DPC/CGPAM/PGU/AGU, da Nota n. 00281/2021/PGUAGU e da Cota n° 00138/2022/DPC/CGPAM/PGU/AGU (vide SEI 27316400, 27316486 e 27315178). DEMANDA EM TESE PREJUDICADA PELAS DECISÕES EXARADAS NO REsp nº 1.792.618-RJ e NO REsp nº 1.653-298-RJ.
b) o conteúdo e andamento:
- dos processos apensos à Ação Popular nº 0059982-10.1999.4.02.5101 (em especial da Execução Provisória nº 0022532-37.2016.4.02.51012);
- da Ação Civil Pública nº 0058672-07.2015.4.02.5101 (e eventuais processos apensos);
- dos seguintes processos (e dos eventualmente a eles apensos):
• 1999.51.01.024597-7
• 0015503-14.2008.4.02.5101
• 0044567-93.2013.4.025101
• 0022532-37.2016.4.02.5101
• 0250554-25.2015.8.19.001 (este último em trâmite na Comarca da Capintal do Rio de Janeiro).
Isto posto, resta apenas responder negativamente aos dois últimos questionamentos formulados pela SPU, quanto ao estabelecimento de “prazo contratual obrigando a atual ocupante a deixar as instalações” ou à exigência de “que o município do Rio de Janeiro realize nova licitação”. Com efeito, estas não nos parecem medidas necessárias e/ou mesmo convenientes e oportunas.
III. Conclusão.
Ante todo o exposto, reputam-se respondidos os questionamentos constantes do OFÍCIO SEI Nº 226598/2022/ME (vide tópico II.6), e apresentadas as considerações e recomendações gerais para a solução de todo o imbróglio jurídico em torno da ocupação e exploração da Marina da Glória. Remetam-se os autos à SPU/RJ, para adoção das providências cabíveis, com:
a) observação quanto à necessidade desentranhamento da minuta de Parecer 707/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI 27935644), indevidamente juntada ao no processo SEI nº 19739.136864/2022-86 (questionável, inclusive, o acesso da SPU/R, a esta simples minuta, que veio a ser substituída pelo presente parecer e nunca chegou a ser sequer tramitada);
b) ressalva quanto à necessidade de remessa de expediente específico aos órgãos contenciosos da AGU, para conferência do conteúdo e alcance das ações judiciais sobre a Marina da Glória, e eventual análise de adoção de medidas judiciais por parte da União no presente caso (chama-se atenção para as recentes decisões no âmbito do REsp nº 1.792.618-RJ e do REsp nº 1.653-298-RJ – vide SEI 28348191 e seguintes do NUP 04967.011791/2016-10);
c) recomendação de observância das orientações do tópico II.1.2 em procedimentos futuros; e
d) reforço da necessidade de “abertura dos necessários inquéritos para apurar eventuais faltas” administrativas na condução do caso Marina da Glória (cfr. OFÍCIO SEI Nº 37978/2022/ME, de 10/02/2022 – vide SEI 22278938 do processo nº 04967.011791/2016-10).
Na oportunidade, recomenda-se a remessa de cópia da presente manifestação à Coordenação-Geral de Patrimônio Imobiliário da União da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para ciência e adoção das providências que entender cabíveis (vide parágrafos 13 e 14).
É o parecer, que, haja vista a relevância do caso, submete-se à consideração do Coordenador-Geral desta e-CJU/Patrimônio.
Brasília, 07 de outubro de 2022.
ANA LUIZA MENDONÇA SOARES
ADVOGADA DA UNIÃO
OAB/MG 96.194 - SIAPE 1507513
[1] BPC nº 31
Enunciado
A atividade consultiva deve zelar pela adequada instrução processual, sendo recomendáveis diligências preliminares para esclarecimentos ou complementação da documentação. Tratando-se de questão complexa ou de imprescindível formalização, as solicitações pertinentes se darão com brevidade, mediante Cota que indique, preferencialmente por quesitos, os elementos necessários à análise.
Esgotadas todas as possibilidades de complementação instrutória, fazendo-se iminente o transcurso do prazo ou o risco de perecimento do objeto da demanda ou do interesse público, e havendo viabilidade de manifestação condicional, esta declinará todas as questões condicionantes a serem observadas pelo assessorado.
[2] Na hipótese de se considerar mais conveniente a abertura de novo NUP, recomenda-se a indicação das razões para tanto, de todos os documentos que instruem o NUP, bem como a instrução com os seguintes elementos: identificação do RIP do imóvel, informação quanto a existência ou não de matrícula aberta no Cartório competente, bem como indicação de TODOS os processos que versem sobre o mesmo imóvel e disponibilização, no mínimo, de link de acesso aos NUPs eventualmente referidos na consulta.
[3] Art. 18.
(…)
§ 3º. Verificada a prática de infração contra o patrimônio imobiliário da União e não havendo dúvida acerca da autoria, não será feita a notificação nos termos do caput, devendo o servidor responsável pela fiscalização efetuar a lavratura do auto de infração, nos termos do art. 21, cabendo à Superintendência do Patrimônio da União adotar as providências para imitir sumariamente a União na posse, sempre que estiverem comprometendo a utilização regular da área, neste último caso, salvo quando:
I - houver circunstância que comprometa a segurança pessoal da equipe de fiscalização, devidamente justificada no relatório de vistoria;
II - houver determinação judicial que contrarie este dispositivo.
[4] Curso de Direito Administrativo, 17ª Ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2004, p. 433.
[5] Conforme expresso na defesa apresentada pela BR MARINAS (SEI 27315263):
“6. Foi assim que, em dezembro de 2016, com o expresso apoio e orientação do Município do Rio de Janeiro (cf. Ofício Gab 285/2016, de 19/12/2016, assinado pelo Prefeito Eduardo Paes3 ), a BR Marinas solicitou à SPU a cessão dos espaços físicos em águas públicas pelo prazo restante de sua concessão, isto é, até 1º de novembro de 2036. A empresa requereu a cessão de forma onerosa e, inclusive, propôs-se a discutir com a SPU os critérios de precificação para tanto.”
[6] Já em 2009, quando do exame de “Denúncia sobre irregularidades na ocupação de terrenos na Enseada da Glória, no Estado do Rio de Janeiro, no âmbito do projeto de Revitalização do Complexo Turístico da Marina da Glória”, o TCU emitiu o seguinte juízo e recomendações (Acórdão 2934/2009-TCU-Plenário):
“Além da ação judicial em curso, a GRPU/RJ deve atentar para o que dispõe o art. 18, §3º, da Lei 9636/1998, segundo o qual a cessão “tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato”.
Esta mesma condição constava do art. 126 do Decreto-lei 9760/1946, vigente à época da celebração do contrato de cessão, e do Decreto 83661/1979, que autoriza a cessão do terreno. Cabe à GRPU/RJ, no exercício da competência, fiscalizar e dar cumprimento às disposições legais que regem o contrato celebrado entre a União e o Município do Rio de Janeiro (DL 9760/1946 e Lei 9636/1998).
Houve indevida apropriação de área pública e ao terreno cedido mediante contrato foi dada destinação diversa da estabelecida. A primeira situação pode motivar ação de reintegração e a segunda, a declaração de caducidade da cessão.
Para concretizar essas medidas, em cumprimento ao devido processo legal, é necessário que a GRPU/RJ estabeleça o contraditório, notificando o Município do Rio de Janeiro e as empresas com direitos subjetivos atingidos, para depois tomar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis”.
[7] Nos termos Lei nº 8.112/1990:
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
(…)
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
(…)
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
(…)
[8] Nos termos da Lei nº 12.815/2013:
Art. 8º Serão exploradas mediante autorização, precedida de chamada ou anúncio públicos e, quando for o caso, processo seletivo público, as instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado, compreendendo as seguintes modalidades:
I - terminal de uso privado;
II - estação de transbordo de carga;
III - instalação portuária pública de pequeno porte;
IV - instalação portuária de turismo;
V - (VETADO).
1º A autorização será formalizada por meio de contrato de adesão, que conterá as cláusulas essenciais previstas no caput do art. 5º-C desta Lei, com exceção da cláusula prevista em seu inciso III. (Redação dada pela Lei nº 14.047, de 2020)
§ 2º A autorização de instalação portuária terá prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos sucessivos, desde que:
I - a atividade portuária seja mantida; e
II - o autorizatário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias, na forma do regulamento.
§ 3º A Antaq adotará as medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimento previstos nas autorizações e poderá exigir garantias ou aplicar sanções, inclusive a cassação da autorização.
§ 4º (VETADO).
[9] Art. 56 Na regularização de instalações portuárias existentes ou em implantação, sujeitas à cessão onerosa ou à cessão em condições de que trata o §3º do art. 10, será cobrado do cessionário preço público pela utilização privativa de áreas da União sem a devida autorização da Secretaria do Patrimônio da União, alternativamente à aplicação das multas prevista no art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987 e do art. 10 da Lei nº 9.636, de 1998.
§ 1º O período de retroação da cobrança alcançará os 5 (cinco) anos anteriores a data da notificação pela Superintendência do Patrimônio da União ou do requerimento de regularização, respeitado o prazo decadencial decenal estabelecido no art. 47 da Lei nº 9.636, de 1998.
§ 2º O montante calculado poderá ser pago à vista ou em até 60 (sessenta) parcelas mensais e sucessivas, conforme autoriza o art. 6º da Lei nº 13.139, de 2015, ficando submetidos aos mesmos critérios de atualização e correções por atraso previstos no art. 60.
[10] Conforme art. 99 e seguintes do Código Civil Brasileiro:
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
[11] Cita-se:
24. (…) o conjunto de fatos e posturas da Administração Pública fez surgir aos envolvidos uma confiança legítima de que (i) a área em que estão instaladas as estruturas náuticas da Marina da Glória foi cedida pela União ao Município do Rio de Janeiro por meio do contrato de aforamento; e (ii) tal contrato, com sua obrigações e deveres correlatos, serão corretamente cumpridos.
(…)
26. (…) De forma singela, o princípio da proteção da segurança legítima aponta que o particular, diante de uma determinada atuação do administrador público, não pode ser surpreendido por um comportamento contraditório advindo da própria Administração.
27. E é justamento o que se verifica nesse caso, na media em que eventual licitação da área referente à Dársena da Marina da Glória, bem como o desfazimento do contrato de aforamento configurariam manifesta frustração da confiança despertada na atual concessionária da Marina da Glória e no Município do Rio de Janeiro. E isso tudo em um cenário, como se verá mais adiante, em que a BR Marinas investiu vultosos recursos financeiros próprios para desenvolver e executar projeto de revitalização da área.
[12] Diz-se isso em razão da manifestação de 30/11/2015, do Despacho SPU/RJ de 08/02/2017, do Despacho SPU/RJ de 09/10/2017 e da Nota Técnica SEI nº 14392/2022/ME (vide Docs 05 e 06do NUP 10951.101338/2022-14, e SEI 5031539 e 23846403 do NUP 04967.011791/2016-10), utilizados pela BR MARINAS para a construção das teses por ela defendidas.
[13] BPC nº 20
Enunciado
O Órgão Consultivo deve buscar, mediante o devido registro como assessoramento, promover reuniões prévias com os assessorados para encaminhamento de questões excepcionais ou de maior complexidade jurídica, podendo, no que se refira a aspectos jurídicos, atuarem conjuntamente no procedimento administrativo.
[14] Sobre o tema, digna de referência a seguinte advertência constante PARECER Nº 1631-5.12/2011/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU:
“8. Conquanto decorrente de imperativo legal, o efetivo exercício da competência fiscalizatória é matéria atintente à gestão administrativa, estando, nesse particular, sujeita às avaliações de conveniência e oportunidade sobre a forma de sua execução, posto que a competência em si é indisponível. Daí advém a possibilidade de a SPU estabelecer prazo para que os particulares busquem a regularização de seus empreendimentos, otimizando assim a própria ação fiscalizatória.
9. Entretanto, a linha que separa a gestão administrativa, com a suspensão de autuações, estabelecendo prazo para que os próprios administrados pleiteiem sua regularização, da negligência do exercício da competência fiscalizatória passível inclusive de ser enquadrada com ato de improbidade administrativa (art. 10, X, da Lei 8.429/92) é bastante tênue, devendo a autoridade competente se atentar para isso”.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739136864202286 e da chave de acesso 3c94261a