ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL RESIDUAL
COORDENAÇÃO
E-MAIL: ECJURESIDUAL@AGU.GOV.BR
DESPACHO n. 00075/2022/COORD/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU
NUP: 64303.008719/2022-81
INTERESSADOS: COMANDO DO GRUPAMENTO DE UNIDADES ESCOLA - 9ª BRIGADA DE INFANTARIA MOTORIZADA
ASSUNTOS: SERVIÇO VOLUNTÁRIO
Cuida-se de solicitação de uniformização, de iniciativa do signatário do PARECER n. 00848/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (seq.4), a teor do seu item 37, visto que encontrou pronunciamento divergente, constante do PARECER n. 00841/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU, proferido nos autos do NUP 64430.010377/2022-11[1].
Em sua ementa, o advogado assim resume a questão:
DIREITO ADMINISTRATIVO E DO TRABALHO. SERVIÇO VOLUNTÁRIO. Legislação Aplicável: Lei nº 9.608, de 1998, e Decreto nº 9.906, de 09 de julho de 2019. Finalidade e abrangência do parecer jurídico. Regularidade Formal do Processo. Análise quanto à compatibilidade do objeto com os objetivos da Lei 9.608, de 1998. Recomendação de submissão da matéria a incidente de uniformização de entendimentos. Parecer pelo não prosseguimento do feito.
Após analisar o caso submetido à análise, conclui pela impossibilidade de prosseguimento, forte nos seguintes argumentos (§ § 31 a 36):
31. Como dito linhas atrás, somente comporta ser enquadrada como serviço voluntário a atividade prestada com benemerência, para atendimento de uma causa de interesse geral, que não se confunde com os interesses do tomador dos serviços.
32. Dito isto, há que se reconhecer que as atividades descritas acima não evidenciam interesse geral, mas exclusivo do órgão assessorado, não podendo, assim, ser prestadas sob o manto do serviço voluntário.
33. Sobre o tema, há que se ter presente que o inciso I, do parágrafo único, do art. 5º do Decreto 9.906, de 2019, estabelece que o Governo Federal promoverá parcerias com a sociedade civil, a fim de possibilitar a utilização de espaços físicos públicos para a prática de atividades voluntárias que visem à promoção do bem-estar social e à melhoria da qualidade de vida das pessoas.
34. Sendo assim, se a Administração pretendesse se utilizar, por exemplo, dos serviços de um médico, psicólogo ou dentista, para atendimento da comunidade carente da região, estes poderiam tranquilamente ser prestados como serviço voluntário, pois restariam atendidos os princípios da cidadania, fraternidade, solidariedade e dignidade da pessoa humana e caracterizado o interesse público geral.
35. Alerta-se o órgão que a utilização indevida do instituto do voluntariado faz emergir típico contrato de trabalho, cujo reconhecimento pode vir a ser postulado em juízo, podendo resultar na obrigação de indenizar o prestador dos serviços, inclusive por eventuais danos morais, acaso comprovados.
36. Atente-se, no particular, que vigora na Justiça do Trabalho o Princípio da Primazia da Realidade, de sorte que pouco importará a roupagem com a qual se apresente instrumentalizada a contratação, pois o que prevalecerá será a realidade dos fatos a ela atinentes.
Já na manifestação precedente, PARECER n. 00841/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (seq.4 do NUP 64430.010377/2022-11), não obstante as atividades voluntárias destinarem-se expressamente à "contratação de profissionais de nível superior, tecnólogo ou técnico, de ambos os sexos, para a prestação de serviço voluntário, de acordo com o disposto na lei nº 9608, de 18 de fevereiro de 1998, alterada pela Lei.13.297, de 16 de junho de 2016, para a convocação e profissionais na área de interesse da 2ª Companhia de Infantaria (2ª Cia lnf)" (verbis do §19), não houve o apontamento de qualquer impedimento para a destinação dos serviços voluntários, como ora feito no Parecer acima transcrito, em especial o § 31.
Embora haja outros pontos contextualizados pelo precedente, não apresentam divergências passíveis de serem analisadas, ao menos neste momento, a exemplo da possibilidade de militares da ativa realizarem serviços voluntários.
Como bem destacado no Parecer nº 848/2022, ora em exame, no § 24, as ações do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado devem observar alguns princípios, a saber: cidadania; fraternidade; solidariedade; dignidade da pessoa humana; complementaridade e transparência (art.3º, Decreto nº 9.906/2019).
O DECOR/CGU/AGU teve oportunidade de se debruçar sobre o tema, e o fez por meio do PARECER n. 00031/2020 (NUP 00400.001078/2019-57), de cuja ementa se destaca os seguintes pontos:
III - Entende-se indevida a utilização de voluntários para atuação direta na atividade fim de pesquisa científica, mas nada impede que atuem no apoio e em complemento à execução das atividades finalísticas. O suporte sistemático a tais atividades acaba por refletir na execução das tarefas realizadas pelos servidores públicos, produzindo uma melhoria contínua na imagem da organização, do próprio servidor e conferindo maior valor agregado ao serviço.
IV - Não se verifica qualquer óbice à utilização de servidores aposentados como voluntários em órgãos ou entidades pública, desde que o exercício se dê em atividades auxiliares e complementares, tais como o assessoramento do servidor público responsável pela pesquisa.
Também a CJU-São José dos Campos teve oportunidade de esmiuçar o tema, em relação direta com sua área finalística de atuação, que é o assessoramento jurídico em tema de Ciência, Tecnologia e Inovação, às diversas Instituições de Ciência e Tecnologia que compõem seu universo de órgãos assessorados, a teor do Parecer nº 47/2022 (anexo ao presente), no qual se reforça a noção a respeito de serem atividades auxiliares e complementares às do órgão no qual venha se dar a realização do serviço voluntário, aquelas a serem prestadas pelo interessados, sendo de se destacar o seguinte trecho de sua ementa:
II. A utilização de serviços voluntários pela ICT da União, segue o desfecho do Parecer nº0031/2020/DECOR/CGU/AGU, e assim, é imprescindível que se demonstre a excepcionalidade e complementariedade dos serviços voluntários, e ainda, que sua pretensão se enquadre corretamente sob o regime jurídico da Lei nº 9.608/1998 e Decreto nº 9.906/2019
Para os estritos e limitados fins aos quais a presente uniformização se destina, nos colocamos de acordo com a posição mais recente, que nos trás o tema para apreciação, no sentido de que não se destinam o regime jurídico do serviço voluntário desenvolvido junto ao Poder Público, as atividades elementares às atuações dos órgãos e entidades nos quais venham a ser prestadas, nem tampouco nas atividades finalísticas de ciência, tecnologia e inovação.
Isto porque concordo que somente comporta ser enquadrada como serviço voluntário a atividade prestada com benemerência, para atendimento de uma causa de interesse geral, que não se confunde com os interesses do tomador dos serviços; bem como em razão dos termos expressos constantes o artigo 1º do Decreto citado:
Art. 1º Fica instituído o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, com as seguintes finalidades:
I - promover o voluntariado de forma articulada entre o Governo, as organizações da sociedade civil e o setor privado; e
II - incentivar o engajamento social e a participação cidadã em ações transformadoras da sociedade.
Me parece claro que inserir pessoas de fora das estruturas públicas (órgãos e entidades), para que realizem meras atividades ordinárias, que beneficiem apenas e exclusivamente as próprias atividades internas de tal órgão, meramente administrativas e que já são realizadas natural e institucionalmente por tal órgão, muito longe de atender ao requisito de que se destinem à ações transformadoras da sociedade, destinam-se aos interesses umbilicais da entidade.
Melhor esclarecendo, o próprio Decreto afirma e delimita o que deve ser considerado por atividade voluntária, bem como seus estritos e claríssimo objetivos, quais sejam:
- tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa, que vise ao benefício e à transformação da sociedade por meio de ações cívicas, de desenvolvimento sustentável, culturais, educacionais, científicas, recreativas, ambientais, de assistência à pessoa ou de promoção e defesa dos direitos humanos e dos animais - artigo 2º do Decreto, segunda parte.
Em outro artigo do mesmo Decreto tal conclusão se reforça, quando no artigo 5º, parágrafo único, se determina que "O Governo federal promoverá parcerias com a sociedade civil, a fim de possibilitar a utilização de espaços físicos: I - públicos para a prática de atividades voluntárias que visem à promoção do bem-estar social e à melhoria da qualidade de vida das pessoas; e II - privados para a prática de atividades públicas, com a participação de voluntários."
Imprescindível que destaquemos mais alguns trechos do Parecer último, que nos submete a questão:
25. Como se observa, o serviço voluntário, enquanto instrumento para o exercício da cidadania, fraternidade e solidariedade, presta-se a dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana.
26. Neste contexto, somente comporta ser rotulado como serviço voluntário aquele prestado com ânimo benevolente, que se traduz na solidariedade com uma determinada causa, de interesse público geral, que não se confunde com os interesses próprios do tomador dos serviços. Ou seja, não pode o referido instituto jurídico ser manipulado para a simples obtenção de mão-de-obra gratuita.
Aqui um indispensável alerta, que vem ao encontro do que se pretende, visto que pode ser o ponto de inflexão e separação do que pode e do que não pode ser considerado serviço voluntário legalmente válido: não pode ser utilizado para a simples obtenção de mão-de-obra gratuita ! Desnecessário seria adicionar qualquer elemento, mas importa dizer que as deficiências administrativas, insuficiência de pessoal, carência de recursos humanos, ou qualquer outra dificuldade ou inapetência administrativa institucional, não pode ser suprida, em absoluto, com a utilização de serviços voluntários ! Tal violaria regra constitucional que exige o concurso público, seja ele civil ou militar. Retomando o conteúdo do parecer, com as citações doutrinárias e jurisprudenciais:
27. Neste sentido, a preciosa lição de Maurício Godinho Delgado:
Trabalho voluntário é aquele prestado com ânimo e causa benevolentes.
A benemerência do trabalho voluntário conjuga duas grandes dimensões constitutivas: de caráter subjetivo, centrada no ânimo, e de caráter objetivo, centrada na causa do labor ofertado.
A dimensão subjetiva do trabalho voluntário traduz-se, pois, na índole, na intenção, no ânimo de a pessoa cumprir a prestação laborativa em condições de benevolência. Essencialmente tal ideia importa na graciosidade da oferta do labor, em anteposição às distintas formas de trabalho oneroso que caracterizam o funcionamento da comunidade que cerca o prestador de serviços.
(...)
A dimensão objetiva do trabalho voluntário vincula-se à causa propiciadora e instigadora do labor ofertado. Deve ser também benevolente a causa da existência de tal tipo de prestação de serviços.
Em suma: o que justifica o Direito subtrair, praticamente, qualquer proteção jurídica ao trabalhador nas relações de voluntariado é, sem dúvida, de um lado, a vontade, o ânimo gracioso do prestador, mas também, em igual medida e intensidade, a causa benevolente dos serviços realizados. O serviço voluntário não pode ser instrumento para o sistema econômico potenciar seus ganhos e aprofundar a concentração de renda no plano social. Nesse quadro, é fundamental que a causa benevolente de tais serviços esteja presente, quer no tocante à figura do tomador, quer no tocante aos objetivos e natureza dos próprios serviços - in "Curso de Direito do Trabalho", 19ª ed., LTr, São Paulo,2020, p. 422 (Grifou-se)
28. Na mesma toada, os seguintes julgados:
O serviço voluntário atende a um imperativo de solidariedade social, é direcionado para a realização de um bem comum das pessoas, de ajuda mútua e, assim, não gera direitos para o prestador dos serviços, nem a entidade é obrigada a pagar verbas de natureza trabalhista ou a recolher quaisquer contribuições sociais. (TRT 5ª Região - Proc. Nº 01177-2006-004-05-00-5-RO. RELATORA: GRAÇA LARANJEIRA)
Em que pese o objetivo da Lei n. 9.608/1998, qual seja, o interesse da transferência dos ônus do atendimento às necessidades sociais em sentido amplo, do poder público aos particulares, é indubitável que o trabalho voluntário constitui um importante mecanismo em prol do bem comum, amparado, no princípio da solidariedade previsto no art. 3o, I da CRFB/1988 e no princípio da fraternidade, previsto em nosso preâmbulo constitucional. (TRT 15ª Região - Processo nº 00996-50.2010.5.15.0116 RO Relator: José Antonio Pancotti)
Pelo que se expôs e se pretendeu demonstrar, fica adotado o raciocínio jurídico e as conclusões do PARECER n. 00848/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (seq.4), como posição uniformizadora desta e-CJU Residual, cabendo aos integrantes desta unidade realizarem a análise dos respectivos processos que tratem do tema, sob a ótica e entendimento ora adotado.
Dê-se ciência aos integrantes desta e-CJU Residual, bem como insira-se nas páginas da CGU na internet e na intranet (Sharepoint), entre "uniformização de entendimentos".
Dê-se ciência à CJU de origem do NUP 64430.010377/2022-11, para informar ao órgão assessorado o atual e uniforme entendimento desta e-CJU Residual no tema serviço voluntário[2].
São Paulo, 4 de outubro de 2022.
(assinado eletronicamente)
Jorge Cesar Silveira Baldassare Gonçalves
Advogado da União
Coordenador
jorge.goncalves@agu.gov.br
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 64303008719202281 e da chave de acesso 7a75d357
Notas