ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00893/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.151653/2022-73
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO PIAUÍ - SPU/PI
ASSUNTOS: INSCRICAO DE OCUPACAO
EMENTA: PATRIMONIO IMOBILIARIO DA UNIAO. INSCRICAO DE OCUPACAO. CONSULTA. COMPROVACAO DO EFETIVO APROVEITAMENTO.
Trata-se de processo eletrônico oriundo da Superintendência do Patrimônio da União no PIAUI/PI que tem como objeto a consulta consubstanciada na Nota Técnica SEI nº 46764/2022/ME, abaixo transcrita:
"Nota Técnica SEI nº 46764/2022/ME
Assunto: CONSULTAR LEGALIDADE DE CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA E ÁGUA PARA FINS DE REGULARIZAÇÃO DE DOMINIALIDADE DE IMÓVEL DA UNIÃO
SUMÁRIO EXECUTIVO
Trata do questionamento feito pela SPU-PI, mediante a comprovação de contas de energia elétrica e água anteriores ao ano de 2014, apresentadas nos requerimentos de regularização de imóvel da União, para celebrar os procedimentos administrativos da inscrição de ocupação.
ANÁLISE
A Inscrição de Ocupação é prevista na Lei nº 9.636, de 1998, e no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, é um ato administrativo precário que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante. A inscrição de ocupação não gera direito real sobre o imóvel, sendo apenas para o reconhecimento de uma situação de fato, podendo, porém, gerar indenização nos casos em que houver benfeitorias construídas de boa-fé, mas sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
No âmbito da Secretaria do Patrimônio da União, os procedimentos administrativos para a inscrição de ocupação em terrenos e imóveis da União são disciplinados pela IN/SPU nº 04, de 14/08/2018, sendo que a destinação desses bens a terceiros está sujeita, também, à análise da conveniência e oportunidade.
Nesse sentido, cumpre mencionar que a inscrição de ocupação somente ocorrerá quando o Interessado comprovar os seguintes requisitos legais e normativos de acordo com os artigos da IN/SPU nº 04:
(...)
Dos Requisitos
Art. 6º A inscrição de ocupação somente ocorrerá quando forem preenchidos os seguintes requisitos legais e normativos:
I - comprovação do efetivo aproveitamento;
II - interessado comprovar que a ocupação do imóvel ocorreu até a data prevista no inc. I do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998; e
III - que o imóvel não esteja inserido nas vedações do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998, e do art. 12 desta IN.
(...)
Da Caracterização do Efetivo Aproveitamento
Art. 7º Considera-se efetivo aproveitamento, para efeitos de inscrição de ocupação no caso de imóveis urbanos:
I - a utilização de área pública como residência ou local de atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços, e o exercício de posse nas áreas contíguas ao terreno ocupado pelas construções correspondentes, até o limite de duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente, observada a legislação vigente sobre o parcelamento do solo, e nos termos do art. 2º, inc. I, "a" do Decreto nº 3.725, de 2001;
II - as faixas de terrenos de marinha e de terrenos marginais que não possam constituir unidades autônomas utilizadas pelos proprietários de imóveis lindeiros, excluídas aquelas áreas ocupadas por comunidades tradicionais;
III - a detenção de imóvel da União fundada em título de propriedade registrado no Cartório de Registro de Imóveis sob a suposição de se tratar de bem particular; ou
IV - a detenção de imóvel que, embora não edificado, esteja na posse de particular com base em título registrado em Cartório outorgado pelo Estado ou Município na suposição de que se tratassem de terrenos alodiais.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso I do caput, poderão ser inscritas as áreas de acesso necessárias e indispensáveis ao terreno que se encontre totalmente encravado, bem como as áreas remanescentes que não puderem constituir unidades autônomas, incorporando-se à inscrição principal.
(...)
Art. 10. Para fins da verificação do efetivo aproveitamento de imóvel urbano, o interessado deverá apresentar documentação comprobatória de:
I - utilização do terreno da União para fins habitacionais;
II - prestação de serviços, de atividades comerciais, industriais ou de infraestrutura atendendo aos requisitos da legislação, observada a pertinência de utilização da área em conformidade com sua
vocação e atendido o interesse público; ou
III - melhoramentos edificados e incorporados permanentemente ao solo pelo homem, que não possam ser retirados sem causar desvalorização à propriedade da União ou contrariar interesse público devidamente justificado.
(...)
Art. 12. São vedadas as inscrições de ocupação que:
I - ocorreram após 10 junho de 2014;
II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer:
a) a integridade das áreas de uso comum do povo;
b) as áreas de segurança nacional, ouvidos os órgãos competentes;
c) as áreas de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais, mediante manifestação formal e circunstanciada de órgãos ou entidades ambientais competentes;
III - estejam em áreas afetadas ou em processo de afetação para a implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou de provisão habitacional, de reservas indígenas, de áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, de rodovias e ferrovias federais, de vias federais de comunicação e de áreas reservadas para construção de estruturas geradoras de energia elétrica, linhas de transmissão, ressalvados os casos especiais autorizados na legislação federal, ouvidos os órgãos competentes;
IV - não seja comprovado o efetivo aproveitamento do imóvel;
V - incidam sobre áreas objeto de demanda judicial em que sejam parte a União ou os entes da administração pública federal indireta até o trânsito em julgado da decisão, ressalvadas a hipótese de o objeto da demanda não impedir a análise da regularização da ocupação pela administração pública e a hipótese de acordo judicial; e
VI - cuja utilização não esteja de acordo com as posturas, zoneamento e legislação locais, mediante manifestação do município quanto ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT)
(...)
Menciona-se também a Lei nº 9.636, de 15/05/1998, como segue alguns artigos:
(...)
Art.7o. A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.
§ 1o É vedada a inscrição de ocupação sem a comprovação do efetivo aproveitamento de que trata o caput deste artigo.
§ 2o A comprovação do efetivo aproveitamento será dispensada nos casos de assentamentos informais definidos pelo Município como área ou zona especial de interesse social, nos termos do seu plano diretor ou outro instrumento legal que garanta a função social da área, exceto na faixa de fronteira ou quando se tratar de imóveis que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
§ 3o A inscrição de ocupação de imóvel dominial da União, a pedido ou de ofício, será formalizada por meio de ato da autoridade local da Secretaria do Patrimônio da União em processo administrativo específico.
§ 4o Será inscrito o ocupante do imóvel, tornando-se este o responsável no cadastro dos bens dominiais da União, para efeito de administração e cobrança de receitas patrimoniais.
§ 5o As ocupações anteriores à inscrição, sempre que identificadas, serão anotadas no cadastro a que se refere o § 4o.
§ 6o Os créditos originados em receitas patrimoniais decorrentes da ocupação de imóvel da União serão lançados após concluído o processo administrativo correspondente, observadas a decadência e a inexigibilidade previstas no art. 47 desta Lei.
§ 7º Para fins de regularização nos registros cadastrais da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão das ocupações ocorridas até 10 de junho de 2014, as transferências de posse na cadeia sucessória do imóvel serão anotadas no cadastro dos bens dominiais da União para o fim de cobrança de receitas patrimoniais dos responsáveis, independentemente do prévio recolhimento do laudêmio.
(...)
Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:
I - ocorreram após 10 de junho de 2014;
(...)
No litoral do Piauí, mas especificamente na cidade Cajueiro da Praia, quase a totalidade dos imóveis desta cidade é de domínio indubitável da União, incluído entre os bens imóveis da União como terreno de Marinha por força da Divisão Judicial da Data Santana, transitada em julgado nos idos de 1943, e homologada pelo excelentíssimo Juiz de Direito da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda em 06 de outubro de 1943, conceituada assim, como Terreno de Marinha.
Diante essa situação, diariamente a SPU-PI recebe vários pedidos de regularização de imóveis considerados Terrenos de Marinha, onde os requerentes anexam diversos documentos comprobatórios para caracterizar a posse, ocupação e do efetivo aproveitamento da área.
Dentre esses documentos anexados no processo de regularização, citamos as contas de energia elétrica e água, onde as ligações são feitas mesmo com um imóvel sem benfeitorias e com consulta prévia das concessionárias para a SPU-PI, com a justificativa de ser um serviço essencial e de utilidade pública, compreendendo no princípio da dignidade humana.
Com essas situações está gerando alguns conflitos através de recursos dos interessados, devido aos indeferimentos feitos pelos técnicos da SPU-PI, por entender que apenas a comprovação da ligação de energia elétrica não configura ocupação e efetivo aproveitamento da área, mas na área deve existir benfeitorias ou construções anteriores a 10 de junho de 2014.
Com isso, nossos questionamentos diante a CJU:
Os comprovantes das contas de luz e água fornecidas pelas concessionárias anteriores a data 10 de junho de 2014 é documento hábil para garantir a regularização do imóvel da União de acordo com a da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 4, DE 14 DE AGOSTO DE 2018, na questão da ocupação e efetivo aproveitamento da área ?
Sobre os imóveis ocupados após 10 de junho de 2014, qual o critério a ser adotado pela SPU/PI, tendo em vista, que água e energia elétrica englobam em serviço essencial e de utilidade pública, compreendendo no princípio da dignidade humana de acordo com a Constituição Federal, com isso qual seria medida legal diante os pedidos para ligação da energia elétrica e água nessa situação?
O indeferimento ao pedido é a medida adequada?
Sendo assim, com os devidos entendimentos, é necessário o envio dos questionamentos para a CJU pois compete a prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, sendo que, em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, é reservada a esfera e responsabilidade discricionária do administrador público legalmente competente, em questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, salvo hipóteses que impliquem um aprofundamento da análise, fundamentada e motivada, sob a ótica dos princípios administrativos da moralidade, economicidade, razoabilidade e eficiência dentre outros.
CONCLUSÃO
3- Diante do exposto, sugiro o encaminhamento do processo à Consultoria Jurídica da União no Piauí.
À Consideração Superior,
Parnaíba-PI, 17 de outubro de 2022.
Documento assinado eletronicamente
MARCOS VINICIUS SOARES SENNA
ENGENHEIRO AGRÔNOMO/SEGURANÇA DO TRABALHO
Matrícula SIAPE 1299011
De acordo. Encaminhe-se os autos à Consultoria Jurídica da União.
Documento assinado eletronicamente
MARCELO BARBOSA DE MORAIS
Grifos nossos
Os autos foram encaminhados para este NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO, Órgão consultivo integrante da estrutura da Advocacia-Geral da União competente para assessorar a Superintendência do Patrimônio da União no Piauí/PI, com fulcro na Lei Complementar nº 73, de 1993, artigo 8-F da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, e Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020, encontrando-se instruído com os documentos lançados no sistema SEI, cujo acesso foi autorizado pelo Órgão assessorado para possibilitar a presente análise:
28746052 Nota Técnica 46764
28830159 Anexo IN 04 SPU
29058737 Ofício 278377
29090621 Anexo Email enviado AGU
29091005 Ofício 279389
29131104 Ofício n. 00600/2022/CJU-PI/CGU/AGU
29143913 E-mail
COMPETÊNCIA PARA O ASSESSORAMENTO JURÍDICO À SPU/PI
A Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.844 de 2019, promoveu significativa modificação na organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, repercutindo diretamente na competência das Consultoria Jurídicas da União nos Estados da Advocacia-Geral da União, no que se refere ao assessoramento jurídico em matéria da patrimônio imobiliário.
Por tal motivo, o CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO e o PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL expediram a Portaria Conjunta nº 1, de 29 de janeiro de 2019, por força da qual foram delegadas às Consultorias Jurídicas da União localizadas fora do Distrito Federal as atribuições consultivas relacionadas a órgãos assessorados integrantes da estrutura do Ministério da Economia localizados nos Estados, pelo prazo, prorrogável, de doze meses, consoante transcrição abaixo:
PORTARIA CONJUNTA Nº 1, DE 29 DE JANEIRO DE 2019
Dispõe sobre a delegação temporária de atribuições consultivas aos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União e dá outras providências.
O CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO e o PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no art. 55, § 3º, da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, no art. 39, I, do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010 e no art. 168 do Decreto nº 9.769, de 2 de janeiro de 2019, e considerando o que consta do processo administrativo nº 00688.000192/2019-91, resolvem:
Art. 1º Ficam delegadas às consultorias jurídicas da União localizadas fora do Distrito Federal as atribuições consultivas relacionadas a órgãos assessorados integrantes da estrutura do Ministério da Economia localizados nos Estados, pelo prazo, prorrogável, de doze meses.
Parágrafo único. A delegação ora promovida compreende apenas as atribuições relacionadas aos órgãos assessorados que integraram a estrutura dos extintos Ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e do Trabalho, até o advento da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019.
A delegação temporária de atribuições consultivas prevista na Portaria Conjunta nº 1, de 29 de janeiro de 2019 vem sendo prorrogada sucessivamente, sendo que a última, a PORTARIA CONJUNTA CGU/PGFN Nº 131, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2021, estabelece:
PORTARIA CONJUNTA CGU/PGFN Nº 131, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2021
Dispõe sobre a prorrogação da delegação temporária de atribuições consultivas aos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União.
O CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO e o PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no art. 55, § 3º, da Lei n° 13.844, de 18 de junho de 2019, no art. 43, I, do Anexo I do Decreto n° 10.608, de 25 de janeiro de 2021 e no art. 179 do Anexo I do Decreto n°9.745, de 8 de abril de 2019, resolvem:
Art. 1º Fica prorrogada, a contar de 30 de janeiro de 2022 e pelo prazo de 12 (doze) meses, a delegação às consultorias jurídicas da União localizadas fora do Distrito Federal concernente às atribuições consultivas relacionadas a órgãos assessorados integrantes da estrutura do Ministério da Economia localizados nos Estados, de que trata o artigo 1° da Portaria Conjunta n° 1, de 29 de janeiro de 2019.
Art. 2° Fica revogada a Portaria Conjunta CGU/PGFN nº 99, de 30 de dezembro de 2020.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor em 30 de janeiro de 2022.
ARTHUR CERQUEIRA VALÉRIO
Consultor-Geral da União
RICARDO SORIANO DE ALENCAR
Procurador-Geral da Fazenda Nacional
Deste modo, a competência para o presente assessoramento jurídico tem fundamento na autorização prevista nos referidos atos normativos.
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos das minutas.
Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do feito.
É nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração
Conforme BPC n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU edição de 2016:
"A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento."
Impende consignar que a presente manifestação jurídica limitar-se-á aos documentos franqueados pela SPU/PI por meio da autorização de acesso ao processo em referência, via sistema SEI.
INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO EM IMÓVEL DA UNIAO. LEGISLAÇÃO
Como apontado na Nota Técnica SEI nº 46764/2022/ME, a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, alterou dispositivos dos Decretos-Leis nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, e nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, tendo disciplinado a inscrição da ocupação do seguinte modo:
Art. 7o A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.
§ 1o É vedada a inscrição de ocupação sem a comprovação do efetivo aproveitamento de que trata o caput deste artigo.
§ 2o A comprovação do efetivo aproveitamento será dispensada nos casos de assentamentos informais definidos pelo Município como área ou zona especial de interesse social, nos termos do seu plano diretor ou outro instrumento legal que garanta a função social da área, exceto na faixa de fronteira ou quando se tratar de imóveis que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
§ 3o A inscrição de ocupação de imóvel dominial da União, a pedido ou de ofício, será formalizada por meio de ato da autoridade local da Secretaria do Patrimônio da União em processo administrativo específico.
§ 4o Será inscrito o ocupante do imóvel, tornando-se este o responsável no cadastro dos bens dominiais da União, para efeito de administração e cobrança de receitas patrimoniais.
§ 5o As ocupações anteriores à inscrição, sempre que identificadas, serão anotadas no cadastro a que se refere o § 4o.
§ 6o Os créditos originados em receitas patrimoniais decorrentes da ocupação de imóvel da União serão lançados após concluído o processo administrativo correspondente, observadas a decadência e a inexigibilidade previstas no art. 47 desta Lei.
§ 7º Para fins de regularização nos registros cadastrais da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão das ocupações ocorridas até 10 de junho de 2014, as transferências de posse na cadeia sucessória do imóvel serão anotadas no cadastro dos bens dominiais da União para o fim de cobrança de receitas patrimoniais dos responsáveis, independentemente do prévio recolhimento do laudêmio
Art. 8o Na realização do cadastramento ou recadastramento de ocupantes, serão observados os procedimentos previstos no art. 128 do Decreto-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações desta Lei.
Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:
I - ocorreram após 10 de junho de 2014 ;
II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei.
Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
No plano infralegal, a Instrução Normativa nº 4, de 14 de agosto de 2018, com vigência restaurada pela Portaria SPU/ME nº 9.220, de 2 de agosto de 2021, publicada no DOU nº 145, de 03/08/2021, fixou os procedimentos administrativos para a inscrição de ocupação em terrenos e imóveis da União, definiu procedimentos para a outorga, transferência, revogação e cancelamento, e estabeleceu a definição de efetivo aproveitamento.
No inciso I do artigo 2º, ficou estabelecida a definição de inscrição de ocupação, como ato administrativo precário e resolúvel a qualquer tempo, vejamos:
“CAPÍTULO I
DAS DEFINIÇÕES E OBJETIVOS
Art. 1º.
(....)
Art. 2º Para efeito dessa IN, considera-se:
I - inscrição de ocupação: ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, por meio do qual a União reconhece a utilização de áreas de seu domínio, desde que comprovado o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante e o preenchimento dos demais requisitos legais, não gerando para o inscrito qualquer direito inerente à propriedade.
II - taxa de ocupação: prestação pecuniária anual que o ocupante do bem imóvel da União deve pagar pelo uso do terreno de domínio da União, correspondente a 2% do valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, anualmente atualizado pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU;
(...)
grifo nosso
Mais adiante, nos artigos 5º, 6º e 7º, a norma ocupou-se da forma dar início ao processo, dos requisitos e do conceito de efetivo aproveitamento do terreno:
CAPÍTULO II
DA INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO
(...)
Art. 5º O processo de inscrição de ocupação será iniciado:
I - de ofício pela SPU, nos termos do art. 7º, § 3º da Lei nº 9.636, de 1998;
II - a pedido do interessado, nos termos do art. 7º, § 3º da Lei nº 9.636, de 1998; ou
III - por determinação judicial. Parágrafo único.
(...)
CAPÍTULO III
DOS REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO
Seção I Dos Requisitos
Art. 6º A inscrição de ocupação somente ocorrerá quando forem preenchidos os seguintes requisitos legais e normativos:
I - comprovação do efetivo aproveitamento;
II - interessado comprovar que a ocupação do imóvel ocorreu até a data prevista no inc. I do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998; e
III - que o imóvel não esteja inserido nas vedações do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998, e do art. 12 desta IN.
Seção II
Da Caracterização do Efetivo Aproveitamento
Art. 7º Considera-se efetivo aproveitamento, para efeitos de inscrição de ocupação no caso de imóveis urbanos:
I - a utilização de área pública como residência ou local de atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços, e o exercício de posse nas áreas contíguas ao terreno ocupado pelas construções correspondentes, até o limite de duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente, observada a legislação vigente sobre o parcelamento do solo, e nos termos do art. 2º, inc. I, "a" do Decreto nº 3.725, de 2001;
II - as faixas de terrenos de marinha e de terrenos marginais que não possam constituir unidades autônomas utilizadas pelos proprietários de imóveis lindeiros, excluídas aquelas áreas ocupadas por comunidades tradicionais;
III - a detenção de imóvel da União fundada em título de propriedade registrado no Cartório de Registro de Imóveis sob a suposição de se tratar de bem particular; ou
IV - a detenção de imóvel que, embora não edificado, esteja na posse de particular com base em título registrado em Cartório outorgado pelo Estado ou Município na suposição de que se tratassem de terrenos alodiais.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso I do caput, poderão ser inscritas as áreas de acesso necessárias e indispensáveis ao terreno que se encontre totalmente encravado, bem como as áreas remanescentes que não puderem constituir unidades autônomas, incorporando-se à inscrição principal.”
grifo nosso
Em linhas gerais, esse é o panorama normativo que regula a ocupação.
PRESSUPOSTOS DA ANALISE JURIDICA: NORMATIVO, FACTUAL E DE POLITICA DE DESTINAÇÃO DE IMÓVEIS DA UNIÃO
No intuito de enfrentarmos as questões propostas pela SPU/PI, partiremos de alguns pressupostos:
a) normativo: já delineado no tópico anterior.
b) factual: apresentados pela SPU/PI na Nota Técnica, de onde se retira:
"No litoral do Piauí, mas especificamente na cidade Cajueiro da Praia, quase a totalidade dos imóveis desta cidade é de domínio indubitável da União, incluído entre os bens imóveis da União como terreno de Marinha por força da Divisão Judicial da Data Santana, transitada em julgado nos idos de 1943, e homologada pelo excelentíssimo Juiz de Direito da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda em 06 de outubro de 1943, conceituada assim, como Terreno de Marinha.
Diante essa situação, diariamente a SPU-PI recebe vários pedidos de regularização de imóveis considerados Terrenos de Marinha, onde os requerentes anexam diversos documentos comprobatórios para caracterizar a posse, ocupação e do efetivo aproveitamento da área.
Dentre esses documentos anexados no processo de regularização, citamos as contas de energia elétrica e água, onde as ligações são feitas mesmo com um imóvel sem benfeitorias e com consulta prévia das concessionárias para a SPU-PI, com a justificativa de ser um serviço essencial e de utilidade pública, compreendendo no princípio da dignidade humana.
Com essas situações está gerando alguns conflitos através de recursos dos interessados, devido aos indeferimentos feitos pelos técnicos da SPU-PI, por entender que apenas a comprovação da ligação de energia elétrica não configura ocupação e efetivo aproveitamento da área, mas na área deve existir benfeitorias ou construções anteriores a 10 de junho de 2014."
c) política de destinação de imóveis da União.
No site do Ministério da Economia encontramos as diretrizes sobre a ação de destinação patrimonial a ser desenvolvida no âmbito da Secretaria de Governança de Patrimônio da União e de suas unidades descentralizadas, calcada nos seguintes pontos:
"A ação de destinação patrimonial consiste em transferir os direitos sobre os imóveis da União (edificações, terras, águas e florestas públicas) visando efetivar a função socioambiental desse patrimônio, em harmonia com os programas estratégicos para a nação.
Há diferentes instrumentos para realização dessa transferência de direitos, que pode ser feita a agentes públicos ou privados, conforme os casos previstos na legislação. A aplicação do instrumento depende da vocação de cada imóvel para a cidade onde está inserido, e do interesse público na utilização proposta por agentes públicos e privados.
São diretrizes que orientam a ação de destinação de imóveis da União:
1. Priorizar a destinação de imóveis da União para políticas de inclusão social, preservação ambiental e apoio à provisão habitacional para a população de baixa renda;
2. Promover a regularização fundiária nas áreas ocupadas pela população de baixa renda;
3. Promover a gestão compartilhada dos bens imóveis da União nas orlas marítimas e fluviais;
4. Promover a racionalização do uso dos imóveis próprios da União."
Considerando que a SPI/PI destaca em sua manifestação, como visto, que “no litoral do Piauí, mais especificamente na cidade Cajueiro da Praia, quase a totalidade dos imóveis desta cidade é de domínio indubitável da União, incluído entre os bens imóveis da União como terreno de Marinha por força da Divisão Judicial da Data Santana, transitada em julgado nos idos de 1943, e homologada pelo excelentíssimo Juiz de Direito da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda em 06 de outubro de 1943, conceituada assim, como Terreno de Marinha, e que “diante dessa situação, diariamente a SPU-PI recebe vários pedidos de regularização de imóveis considerados Terrenos de Marinha, onde os requerentes anexam diversos documentos comprobatórios para caracterizar a posse, ocupação e do efetivo aproveitamento da área", parece-nos imperativo o estudo mais profundo desse cenário, sob a perspectiva das diretrizes fixadas pelo ME, a fim de que a destinação constitua opção apoiada nas políticas de inclusão social, preservação ambiental, apoio à provisão habitacional para a população de baixa renda, regularização fundiária nas áreas ocupadas pela população de baixa renda, gestão compartilhada dos bens imóveis da União nas orlas marítimas e fluviais e da racionalização do uso dos imóveis próprios da União.
Despida desse acautelamento, a destinação pode caracterizar ato mecânico de transferência de imóvel da União para terceiros com impactos imprevisíveis no uso e ocupação do solo e na vida das pessoas.
Bem por isso, entendemos que a gestão dos imóveis da União no Município de Cajueiro da Praia pode ser feita com a colaboração da Prefeitura, que além de ter a competência para se manifestar quanto ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial, se houver, ou outro instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, conhece as necessidades mais prementes da região.
Somado a isso, o aludido estudo pode evitar mais pendências como as que decorrem da classificação de imóveis de propriedade da União localizados no Município de Cajueiro na forma da divisão judicial ocorrida em 1943, conforme noticia a NOTA n. 00133/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU - NUP: 19739.123146/2021-69.
INSTRUÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. ANALISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. A REALIDADE DOS FATOS
A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, elencando no seu art. 2º os princípios e critérios que o regem:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
grifos nossos
Importante destacar, conforme consta na Lei, que no processo administrativo a autoridade competente possui a prerrogativa de impulsioná-lo de ofício, o que significa dizer, que não está adstrita à vontade do Interessado.
Portanto, é correto afirmar que o processo administrativo tem como um de seus princípios o da verdade real (artigo 2º, inciso XII da Lei nº 9.784, de 1999).
Nessa esteira, o Administrador pode, e até mesmo deve, ir além das provas eventualmente carreadas para o processo pelo Interessado, buscando sintonizar-se com as especificidades do caso concreto ao investigar o que aconteceu no mundo factual.
Bem por isso, o Decreto-lei nº 4.658, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB - preceitua que na esfera administrativa não se decidirá "com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão" :
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas
E do Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019, que regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, extraimos:
CAPÍTULO II
DA DECISÃO
Motivação e decisão
Art. 2º A decisão será motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.
§ 1º A motivação da decisão conterá os seus fundamentos e apresentará a congruência entre as normas e os fatos que a embasaram, de forma argumentativa.
§ 2º A motivação indicará as normas, a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a doutrina que a embasaram.
§ 3º A motivação poderá ser constituída por declaração de concordância com o conteúdo de notas técnicas, pareceres, informações, decisões ou propostas que precederam a decisão.
Grifo nosso
Em suma, o princípio da verdade real deve ser perseguido pelo gestor público, para que as suas decisões sejam proferidas com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se limitando à versão e provas apresentadas pelos Interessados.
No que se refere à instrução do processo, o Capitulo X da Lei nº 9.784, de 1999, prescreve:
CAPÍTULO X
DA INSTRUÇÃO
Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
§ 1o O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo.
§ 2o Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes.
Grifo nosso
Como visto, as atividades de instrução do processo visam a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão da autoridade competente, que deve ser justa, coerente com a realidade, e bem fundamentada.
Mais adiante, a Lei oferece outros parâmetros para a instrução do processo administrativo:
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
§ 1o Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.
§ 2o Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.
Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de ofício a omissão, não se eximindo de proferir a decisão.
Art. 40. Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
Grifo nosso
De tudo isso, depreende-se que o envolvimento da Administração na composição do material probatório visa a garantir uma decisão equânime, e nesse intento merece destaque:
a) a prova deve ser admissível no ordenamento pátrio;
b) deve ter relevância para o processo;
c) deve esclarecer ponto controvertido;
d) e ser possível de realização.
A CONSULTA
Com respaldo nas premissas lançadas nos tópicos anteriores, cabe-nos, agora, responder cada um dos questionamentos formulados pela SPU/PI.
Para além da definição do que se considera efetivo aproveitamento, na forma da Instrução Normativa nº 4, de 14 de agosto de 2018, o artigo 10 do mesmo diploma indica quais os documentos comprobatórios da referida realidade.
Assim, não custa revisitar os dispositivos normativos:
Art. 7º Considera-se efetivo aproveitamento, para efeitos de inscrição de ocupação no caso de imóveis urbanos:
I - a utilização de área pública como residência ou local de atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços, e o exercício de posse nas áreas contíguas ao terreno ocupado pelas construções correspondentes, até o limite de duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente, observada a legislação vigente sobre o parcelamento do solo, e nos termos do art. 2º, inc. I, "a" do Decreto nº 3.725, de 2001;
II - as faixas de terrenos de marinha e de terrenos marginais que não possam constituir unidades autônomas utilizadas pelos proprietários de imóveis lindeiros, excluídas aquelas áreas ocupadas por comunidades tradicionais;
III - a detenção de imóvel da União fundada em título de propriedade registrado no Cartório de Registro de Imóveis sob a suposição de se tratar de bem particular; ou
IV - a detenção de imóvel que, embora não edificado, esteja na posse de particular com base em título registrado em Cartório outorgado pelo Estado ou Município na suposição de que se tratassem de terrenos alodiais.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso I do caput, poderão ser inscritas as áreas de acesso necessárias e indispensáveis ao terreno que se encontre totalmente encravado, bem como as áreas remanescentes que não puderem constituir unidades autônomas, incorporando-se à inscrição principal.”
(...)
Art. 10. Para fins da verificação do efetivo aproveitamento de imóvel urbano, o interessado deverá apresentar documentação comprobatória de:
I - utilização do terreno da União para fins habitacionais;
II - prestação de serviços, de atividades comerciais, industriais ou de infraestrutura atendendo aos requisitos da legislação, observada a pertinência de utilização da área em conformidade com sua vocação e atendido o interesse público; ou
III - melhoramentos edificados e incorporados permanentemente ao solo pelo homem, que não possam ser retirados sem causar desvalorização à propriedade da União ou contrariar interesse público devidamente justificado.
grifo nosso
Nesse contexto normativo, cabe propor à SPU/PI que reflita sobre a seguinte indagação: as contas de luz e de água se mostram suficientes para demonstrar a presença de um ou mais requisitos discriminados nos incisos I, II e III?
Após a reflexão, que deve ser feita caso a caso, na hipótese de a SPU/PI considerar que os documentos apresentados não são suficientes para caracterização dessas situações, socorre-lhe a possibilidade de solicitar ao Interessado complementação de provas ou, se julgar pertinente, promover diligências de ofício.
Como se vê, tal tarefa é de cunho eminentemente técnico, e não jurídico, em sintonia com outros pronunciamentos nesse sentido: PARECER n. 00764/2018/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU e PARECER n. 00105/2021/PGFN/AGU NUP: 00495.007418/2019-41 (REF. 5009554-77.2019.4.04.7009).
O que se pode afirmar, em tese, é que a mera apresentação de contas de luz e água pode sim ser insatisfatória para demonstrar o efetivo aproveitamento do terreno da União, para fins de comprovação: habitacional, prestação de serviços, de atividades comerciais, industriais ou de infraestrutura, melhoramentos edificados e incorporados permanentemente ao solo pelo homem.
Se a insuficiência se confirmar, cabe ao Interessado complementar a instrução do processo por solicitação da SPU/PI, sem prejuízo de ser considerada a possibilidade obtenção de dados, informações e provas pela própria Administração como instrumento de elucidação das dúvidas remanescentes.
Nesse campo, é legítimo à SPU/PI recorrer a vistorias; pedido de informação à Prefeitura; pedido de informação às concessionarias de serviço de água e luz; obtenção de dados a partir de plataformas digitais de visualização por satélite de lugares, construções, cidades, paisagens, entre outros elementos.
Lembramos que a Administração não está obrigada a promover a inscrição ocupação.
Por outro lado, tem o dever de providenciar a fiscalização dos seus imóveis para impedir o seu uso irregular, com amparo na Instrução Normativa nº 23, de 18 de março de 2020
b. Sobre os imóveis ocupados após 10 de junho de 2014, qual o critério a ser adotado pela SPU/PI, tendo em vista, que água e energia elétrica englobam em serviço essencial e de utilidade pública, compreendendo no princípio da dignidade humana de acordo com a Constituição Federal, com isso qual seria medida legal diante os pedidos para ligação da energia elétrica e água nessa situação?
No que se refere a essa indagação, a Lei nº 9.636 de 1998 é de clareza solar:
Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:
I - ocorreram após 10 de junho de 2014;
II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei.
Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
grifo nosso
Nesses termos, uma vez constatada a irregularidade da ocupação, por meio de ação fiscalizatória deflagrada pela SPU/PI, cabe a imissão na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas, cobrando-se o pagamento da indenização pela posse ou ocupação ilícita, consoante dispositivos legais antes apontados.
Não obstante a determinação legal que sustenta a imissão sumária na posse, calha rememorar os princípios administrativos que regem a Administração Públicas, previstos na Constituição da República de 1988, a fim de harmonizá-los com a legislação em destaque,
Deste modo, em homenagem ao princípio do contraditório e da ampla defesa, torna-se recomendável a instauração de procedimento visando à notificação do detentor/ocupante da intenção da Administração de retomar a posse do imóvel, abrindo prazo para o exercício do direito de defesa e do contraditório.
Nesse passo, lembramos que a Instrução Normativa nº 23, de 18 de março de 2020 fixou as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União:
Art. 2º Entende-se por fiscalização a atividade desenvolvida pela SPU no exercício de seu poder de polícia, voltada à apuração de infrações administrativas contra o patrimônio imobiliário da União.
§ 1º No exercício do poder de polícia de que trata o caput, a SPU poderá valer-se de vistoria, requisitar força policial federal, solicitar o auxílio de força pública estadual ou a cooperação de força militar federal para os casos que envolvam segurança nacional ou relevante ofensa a valores, instituições ou patrimônio públicos.
§ 2º A fiscalização dar-se-á de ofício ou a pedido de qualquer interessado e terá caráter preventivo ou coercitivo, podendo ser feita em conjunto com outros órgãos ou entidades estaduais, municipais ou federais, conforme o interesse a ser protegido.
§ 3º Entende-se por caráter preventivo as ações proativas, que visem manter a integridade e uso adequado dos bens imóveis da União e por caráter coercitivo as ações que visam restaurar a integridade e a correta utilização dos bens imóveis da União.
Na Seção III - DO PROCEDIMENTO FISCALIZATÓRIO - constam todos os passos a serem observados pelos servidores da SPU/PI na direção dessa missão institucional.
Reiteramos a recomendação no sentido de que a SPU/PI atue de forma coordenada, (podendo haver a colaboração da Prefeitura local), planejada, ampla, e, no que tange à destinação patrimonial, busque a efetivação da função socioambiental do patrimônio da União:
1. Priorizar a destinação de imóveis da União para políticas de inclusão social, preservação ambiental e apoio à provisão habitacional para a população de baixa renda;
2. Promover a regularização fundiária nas áreas ocupadas pela população de baixa renda;
3. Promover a gestão compartilhada dos bens imóveis da União nas orlas marítimas e fluviais;
4. Promover a racionalização do uso dos imóveis próprios da União
Impende ressaltar, por fim, que se houver resistência ao cumprimento da determinação emanada da SPU/PI a respeito de eventual desocupação, a Procuradoria Regional da União competente deve ser acionada para orientar sobre as providências a serem adotadas.
São essas, pois, as considerações que julgamos pertinentes no que se refere à consulta formulada.
É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 21 da Portaria E-CJU/Patrimônio/CGU/AGU n° 1/2020 – Regimento Interno da e-CJU/Patrimônio, publicada no Suplemento B do BSE nº30, de 30 de julho de 2020.
São Paulo, 1º de novembro de 2022.
LUCIANA MARIA JUNQUEIRA TERRA
ADVOGADA DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739151653202273 e da chave de acesso 1260c96d