ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

PARECER n. 00899/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 00055.001527/2016-91.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA/SECRETARIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL - MINFRA/SAC; MINISTÉRIO DA ECONOMIA/SECRETARIA ESPECIAL DE DESESTATIZAÇÃO, DESINVESTIMENTO E MERCADOS/SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - ME/SEDDM/SCGPU/SPU-RS); FRAPORT DO BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE E MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE-RS.

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. AVIAÇÃO CIVIL. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA. SÍTIO AEROPORTUÁRIO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. RECOMENDAÇÃO DE PROVIDÊNCIA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE
DIREITO PÚBLICO.  BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. BENS IMÓVEIS DE DOMÍNIO DA UNIÃO. INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA E AERONÁUTICA CIVIL. SÍTIO AEROPORTUÁRIO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. RECOMENDAÇÃO DE PROVIDÊNCIA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
I. 4ª Rodada de Concessões Aeroportuárias. Leilão de concessão do Aeroporto Internacional Salgado Filho (SBPA). Contrato de Concessão 001/ANAC/2017 celebrado entre a AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) e FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE
II. Gestão e administração do bem imóvel transferida à concessionária aeroportuária. Regime jurídico dos contratos administrativos. Princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica.
III. Contrato de Cessão de Uso Gratuita, com encargo, celebrado entre a UNIÃO (SPU-RS) e o Município de Porto Alegre-RS, tendo por objeto área de 1.748,90 m². Área integrante do Sítio Aeroportuário transferido à concessionária FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE.
IV. Defeito do negócio jurídico. Declaração de vontade emanada de erro substancial ou essencial quanto à qualidade da pessoa a quem se refira a declaração. Nulidade relativa. Anulabilidade. Artigo 138, c/c o artigo 139, inciso II, do Código Civil.
V. No exercício do poder de autotutela dos seus atos, a Administração deve anulá-los, de ofício quando eivados de ilegalidade. Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal (STF).
VI. PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU. Fundamentos fáticos e jurídicos. Recomendações expedidas. Convergência de entendimento.
VII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida(s) nesta manifestação jurídica.

 

 

I - RELATÓRIO

 

Após a(s) recomendação(ões) sugerida(s) na COTA n. 00116/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 27 de outubro de 2022 (Sequência "7" do SUPER SAPIENS) o processo foi enviado novamente à e-CJU/PATRIMÔNIO mediante abertura de tarefa no SUPER SAPIENS em 31 de outubro de 2022, conforme sugestão de encaminhamento contida no item 48, letra b., do PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU, de 21 de setembro de 2022 (Sequência "3" do SUPER SAPIENS), elaborado pela Coordenação-Geral Jurídica de Transportes Terrestres e Aeroviário da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Infraestrutura.

 

A recomendação de providência sugerida na aludida manifestação jurídica consiste na análise e manifestação quanto à validade do Contrato de Cessão de Uso Gratuita, com encargo, celebrado 14 de janeiro de 2020, entre a UNIÃO, na qualidade de outorgante cedente, representada pela  SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (SPU-RS) e o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS, na qualidade de outorgado cessionário (Sequência 30 do SUPER SAPIENS - fls. 15/17), tendo por objeto área de 1.748,90 (Mil metros, setecentos e quarenta e oito decímetros e noventa centímetros quadrados), por um prazo de 20 (vinte) anos, correspondendo o encargo na instalação de casa de bombas, parte do Projeto Executivo de Ampliação do Sistema de Drenagem e Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Arroio da Areia.

 

 

II– PRELIMINARMENTE FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.  

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

A Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) formulou consulta jurídica à Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Infraestrutura (CONJUR/MINFRA), órgão setorial da Advocacia-Geral da União (AGU), a fim de que fosse analisada a juridicidade do Contrato de Cessão de Uso Gratuita, com encargo, celebrado entre a UNIÃO por intermédio da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS) e o Município de Porto Alegre em 14 de janeiro de 2020, tendo por objeto uma área de 1.748,90 m², por um prazo de 20 (vinte) anos (Sequência 30 do SUPER SAPIENS - fls. 15/17).

 

O PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU, de 21 de setembro de 2022 (Sequência "3" do SUPER SAPIENS), esta assim ementado:

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO. INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA CIVIL. SERVIÇO PÚBLICO. AFETAÇÃO. SÍTIO AEROPORTUÁRIO. ATRIBUIÇÃO PARA GESTÃO PATRIMONIAL. PARECER 065/2014/DECOR/CGU/AGU. CONTRATO DE CESSÃO DE USO, COM ENCARGO, CELEBRADO ENTRE A SPU/RS E O MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO. POSSÍVEL DEFEITO DO NEGÓCIO JURÍDICO POR ERRO DE FATO. ANULAÇÃO.
I - Consoante os termos do Parecer nº 065/2014/DECOR/CGU/AGU, a competência para administrar os bens situados em zonas de aeródromos públicos civis é, atualmente, do Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil, mesmo que ainda não lhe tenham sido formalmente destinados no âmbito interno da União.
II - A infraestrutura aeroportuária civil está afetada a um serviço público cuja titularidade pertence à União, sendo certo que a gestão patrimonial dos bens que integram os sítios aeroportuários civis pertence, precipuamente, ao Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil.
III - Uma vez concretizada a delegação negocial do serviço público, mediante o regime de concessão, a administração da integralidade dos bens do sítio aeroportuário passa a pertencer ao próprio concessionário, observadas as premissas estabelecidas no contrato de concessão.
IV - Em que pese a SPU ser legalmente competente para administrar o patrimônio imobiliário federal, a afetação que recai sobre o serviço público de infraestrutura aeroportuária desloca a atribuição para a gestão de tais bens para os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Aviação Civil.
V - O Contrato de cessão de uso, com encargo, celebrado entre a SPU/RS e o município de Porto Alegre foi concretizado com base em premissa que possui notório erro de fato, ocasionando possível defeito do negócio jurídico, nos termos dos artigos 138 e seguintes do Código Civil.
V - Sugestão de encaminhamento dos autos à: (i) Secretaria Nacional de Aviação Civil, para ciência da presente manifestação; (ii) Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul, para análise e manifestação no que concerne à validade do Contrato de Cessão de Uso. Havendo conflito substancial nos posicionamentos jurídicos desta Consultoria Jurídica e da CJU/RS, recomenda-se o posterior encaminhamento do assunto à Consultoria-Geral da União, a fim de que a divergência possa ser oportunamente dirimida.

 

 

O PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU (Sequência "3" do SUPER SAPIENS), firmou as seguintes conclusões:

 

a) consoante os termos do Parecer nº 065/2014/DECOR/CGU/AGU, a competência para administrar os bens situados em zonas de aeródromos públicos civis é, atualmente, do Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil, mesmo que ainda não lhe tenham sido formalmente destinados no âmbito interno da União;

 

b) a infraestrutura aeroportuária civil está afetada a um serviço público cuja titularidade pertence à União, sendo certo que a gestão patrimonial dos bens que integram os sítios aeroportuários civis pertence, precipuamente, ao Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil;

 

c) uma vez concretizada a delegação negocial do serviço público, mediante o regime de concessão, a administração da integralidade dos bens do sítio aeroportuário passa a pertencer ao próprio concessionário, observadas as premissas estabelecidas no contrato de concessão;

 

d) em que pese a SPU ser legalmente competente para gerir o patrimônio imobiliário federal, a afetação que recai sobre o serviço público de infraestrutura aeroportuária desloca a atribuição para a gestão de tais bens para os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Aviação Civil;

 

e) Contrato de cessão de uso, com encargo, celebrado entre a SPU/RS e o município de Porto Alegre foi concretizado com base em premissa que possui notório erro de fato, ocasionando possível defeito do negócio jurídico, nos termos dos artigos 138 e seguintes do Código Civil. Trata-se de instrumento, portanto, passível de anulação pela Administração Pública; e

 

f) os presentes autos devem ser encaminhados à: (i) Secretaria Nacional de Aviação Civil, para ciência da presente manifestação; (ii) Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul, para análise e manifestação no que concerne à validade do Contrato de Cessão de Uso. Havendo conflito substancial nos posicionamentos jurídicos desta Consultoria Jurídica e da CJU/RS, recomenda-se o posterior encaminhamento do assunto à Consultoria-Geral da União, a fim de que a divergência possa ser oportunamente dirimida.

 

 

Segundo PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU o Aeroporto Internacional Salgado Filho (SBPA), localizado no Município de Porto Alegre-RS, foi selecionado para a 4ª Rodada de Concessões Aeroportuárias. À época, a Concessionária FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE venceu o certame realizado na BMF&FBOVESPA em 16/03/2017.

 

A concessão à iniciativa privada foi implementada mediante a celebração do Contrato de Concessão 001/ANAC/2017 entre a AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) e a FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE, subsidiária da FRAPORT AG FRANKFURT AIRPORT SERVICES WORLDWIDE, responsável pela gestão aeroportuária desde 2 de janeiro de 2018, com prazo de vigência de 25 (vinte e cinco) anos, objetivando a para ampliação, manutenção e exploração do Aeroporto de Porto Alegre/Salgado Filho.

 

Por força do Contrato de Concessão, a FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE recebeu a posse legítima do Complexo Aeroportuário, bem imóvel de domínio da União submetido a regime jurídico especial nos termos do artigo 99, inciso II, do Código Civil de 2002, instituído pela Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

 

Para melhor ilustrar a questão referente ao recebimento da posse do Complexo Aeroportuário pela concessionária, reputo relevante transcrever os seguintes fragmentos do PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU:

 

(...)

 

"11. A formalização do contrato de concessão, na prática, representa a transferência (delegação) à concessionária da exploração do aeroporto e de todos os seus bens vinculados (móveis e imóveis). (os destaques não constam do original)

 

12. Conforme consignado pela SAC em sua Nota Técnica, com a celebração do Contrato de Concessão, a responsabilidade pelas áreas que compõem o complexo aeroportuário foi transferida à concessionária. Nesse sentido, dispõe o Contrato:

 

Seção I – Da Área
2.3. O Complexo Aeroportuário será transferido à Concessionária, no estado em que se encontra, concomitantemente à celebração do presente Contrato.
2.4. As áreas que forem desapropriadas após a celebração do presente Contrato terão sua posse transferida à Concessionária mediante um aditivo ao Termo de Aceitação Definitiva e de Permissão de Uso de Ativos, observado ainda os dispostos nos itens 3.1.40 e 3.2.13.
2.5. Eventuais desocupações de áreas localizadas no sítio aeroportuário, em posse ou detenção de terceiros, prévias ou posteriores à celebração do Contrato, serão de integral responsabilidade da Concessionária.
2.6. Serão, ainda, de integral responsabilidade da Concessionária, a remoção de quaisquer bens para a liberação de áreas do sítio aeroportuário.

 

13. Ademais, o Plano de Exploração Aeroportuária - Anexo 2 ao Contrato de Concessão - detalha e especifica o objeto da concessão, com a delimitação das áreas componentes do complexo aeroportuário e a situação jurídica das matrículas

 

14. Nessa toada, o item 4 do PEA evidencia que o imóvel de Matrícula74.801 compõe o sítio aeroportuário e sua propriedade pertence à União:

 

4. Complexo Aeroportuário
4.1 A situação jurídica do Complexo Aeroportuário é a seguinte:
4.1.1 A exploração aeroportuária objeto da presente concessão recai sobre a área civil do Aeroporto Internacional Salgado Filho / Porto Alegre – SBPA, composta pelas áreas descritas a seguir, que constituem universalidades, nos termos do art. 38 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986:
4.1.1.1 Área de propriedade da União, de posse da Infraero, medindo 2.120.838,03m2, objeto das matrículas nº 54.358, 54.359, 54.360, 54.361 e 70.148 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS e das matrículas nº 52.627, 52.628, 52.629, 52.630, 52.631 e 74.801 do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre/RS, identificadas na Planta nº PA.01/003.33/009276/00, anexa;

 

 

15. Constata-se que a área, pertencente à União, estava na posse da Infraero, Empresa Pública Federal que explorava o Aeroporto anteriormente à concessão. Após a concretização da delegação negocial, todas as áreas que compõem o sítio aeroportuário foram transferidas para a gestão da concessionária.

 

16. Insta memorar que os bens que constituem o aeroporto constituem universalidades equiparadas a bem público federal, consoante o art. 38 do CBA:

 

Art. 38. Os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica, embora não tenha a União a propriedade de todos os imóveis em que se situam.

 

 

17. Após análise documental e espacial do sítio aeroportuário, a SAC (SEI 5965202) concluiu que a área cedida pela SPU ao município de Porto Alegre integra, inequivocamente, o sítio aeroportuário transferido à concessionária, desde 2018, por intermédio do Contrato de Concessão. Confira-se:

 

3.4. Desta forma,  considerando as delimitações da área aeroportuária de acordo com a Planta nº PA.01/003.33/009276/00 (SEI nº 5640898), que integra o contrato de concessão aeroportuária como um de seus anexos, e ratificando com as imagens de satélite apresentadas, é correto afirmar que o objeto da cessão municipal compõe as áreas internas do sítio aeroportuário, visto que, ao aplicar as descrições contidas na legenda da planta supramencionada, da Figura 1, constata-se que este local está dentro dos limites reais (cercados) do sítio aeroportuário, pertencente ao grupo de matrículas que as áreas encontram-se "regularizadas". E assim, a comprovação da propriedade da União e, principalmente, de se tratar de área parcialmente integrante do sítio aeroportuário é inequívoca.

 

 

18. Ao ser questionada sobre a celebração do Termo de Cessão de Uso, a SPU/RS, por meio do Ofício SEI Nº 171501/2022/ME (SEI 5718815), de 6 de junho de 2022, apresentou os seguintes esclarecimentos:

 

1 – Que buscou regularizar uma situação fática de longa data (posse e uso do espaço como casa de bombas pelo Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre desde os anos de 1970) e apoiar a ampliação do Sistema de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Arroio da Areia, empreendimento essencial à garantia da adequada drenagem pluvial na região (inclusive do sítio aeroportuário).
2 – Que a disponibilidade do imóvel (e a competência da SPU-RS para sua destinação) foi constatada a partir da manifestação da INFRAERO (25155486), que informou não ter havido a transferência da área à concessionária Fraport Brasil S.A., e direcionou o ocupante interessado à SPU-RS, para que se procedesse à destinação pretendida.
3 – Que tal pronunciamento, alinha-se ao entendimento consignado na Nota Técnica nº. 43/2022/DEOUP/SAC (referido no expediente SBPA-SAC-REG-220506-001), no sentido de que "só é área da concessão a área da União que estiver em posse da Infraero", uma vez que a área ora reclamada permanece, por décadas, sob posse da autarquia municipal.
4 – Que entende que a instrução processual da destinação seguiu o trâmite regular, sendo a proposição submetida às autoridades competentes, portadora de interesse público inequívoco e dotada de Parecer favorável do Órgão de Assessoramento Jurídico pertinente.


 

19. É possível extrair, do expediente da SPU/RS, duas informações relevantes para a análise jurídica da matéria: (i) nada obstante ter existido vínculo contratual anterior entre a Infraero e o município de Porto Alegre, a cessão da área do sítio aeroportuário estava sem qualquer respaldo contratual; (ii) a SPU/RS baseou-se em informação inverídica para motivar a celebração do Termo de Cessão de Uso, qual seja, "não ter havido a transferência da área à concessionária Fraport Brasil S.A.".

 

20. Ainda convém relatar que, segundo a SAC consignou em sua Nota Técnica (item 7.1), "não se tem conhecimento da existência de questionamentos da SPU/RS previamente dirigidos a esta Pasta e/ou à Anac para tratar do presente assunto, ainda que ciente de que o aeroporto em estudo encontra-se sob exploração da iniciativa privada em decorrência de um processo de concessão conduzido no âmbito do Governo Federal"."

 

 

Como bem salientado no PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU o Termo de Cessão de Uso celebrado entre a INFRAERO e o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE-RS estava com a vigência expirada desde 2014. Por esta razão, quando o sítio aeroportuário foi transferido à concessionária FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE em 2018, a utilização da área pelo Município não estava regularizada em razão da inexistência de qualquer respaldo contratual. Neste aspecto, incumbiria à concessionária decidir a destinação do imóvel, podendo optar, eventualmente, por manter o Município como cessionário da área mediante a celebração de novo instrumento contratual, ou dar outra destinação distinta, desde que observados os parâmetros do Plano de Exploração Aeroportuária.

 

A atribuição  para a gestão patrimonial de imóveis afetados à infraestrutura aeroportuária civil foi objeto do PARECER n. 065/2014/DECOR/CGU/AGU (NUP: 00688.0001112/2014-18 - Sequência 2)  no qual foi assentado o entendimento de que a competência para administrar os bens situados em zonas de aeródromos públicos civil é atribuição da Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC), atualmente subordinada ao Ministério da Infraestrutura (MINFRA). A manifestação jurídica em referência está asssim EMENTADA

 

EMENTA: DIREITO AERONÁUTICO INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA CIVIL BENS IMÓVEIS MILITARES COMPETÊNCIA PARA ADMINISTRAÇÃO COMANDO DA AERONÁUTICA SECRETARIA DE AVIAÇÃO CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
1. A partir da vigência do art. 24-D da Lei nº 10.683/2003, a competência para administrar os bens situados em zonas de aeródromos públicos civis é da SAC-PR, mesmo que ainda não lhe tenham sido formalmente destinados no âmbito interno da União.
2. Os atos normativos infralegais editados com base na legislação anterior não mais possuem sustentáculo e perderam sua vigência, independentemente de qualquer situação meramente administrativa.
3.     Os bens militares com utilização momentânea civil, mas com previsão objetiva de uso militar posterior, em momento algum deixaram de possuir natureza castrense. Logo, é possível a utilização destes bens na concessão para exploração de infraestrutura aeroportuária civil, sob as diretrizes da SAC-PR e fiscalização da ANAC, até que seja retomado o uso militar.

 

 

O PARECER n. 065/2014/DECOR/CGU/AGU firmou a(s) seguinte(s) conclusão(ões):

 

(...)

 

"24. Diante de todo o exposto conclui-se que:
 
a)    A partir da vigência do art. 24-D da Lei nº 10.683/2003, a competência para administrar os bens situados em zonas de aeródromos públicos civis é da SAC-PR, mesmo que ainda não lhe tenham sido formalmente destinados no âmbito interno da União. Diante da ausência de transferência formal do acervo patrimonial junto à SPU e a fim de implementar as exigências legais, evitando futuros questionamentos no que tange à legitimidade dos atos perpetrados, recomendada a efetivação desta transferência o mais brevemente possível; (os destaques não constam do original)

 

b)    Os bens militares com utilização momentânea civil, mas com previsão objetiva de uso militar posterior, em momento algum deixaram de possuir natureza castrense. Mas nesses casos, é possível a utilização destes bens na concessão para exploração de infraestrutura aeroportuária civil, sob as diretrizes e administração da Secretaria de Aviação Civil - SAC, até que seja retomado o uso militar."

 

 

O arcabouço legal-normativo mais recente, representado pela Lei Federal nº 13.844, de 18 de junho de 2019 e Decreto Federal nº 10.788, de 6 de setembro de 2021,  mantiveram sob a responsabilidade do Ministério da Infraestrutura (MINFRA) por meio da Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) a competência para gestão da aviação civil e infraestrutura aeroportuária e de aeronáutica civil, verbis:

 

a) Lei Federal 10.344, de 18 de junho de 2019
(Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios)

 

"CAPÍTULO II
DOS MINISTÉRIOS

 

(...)

 

Seção IX
Do Ministério da Infraestrutura

 

Art. 35. Constituem áreas de competência do Ministério da Infraestrutura:

 

(...)

 

X - aviação civil e infraestruturas aeroportuária e de aeronáutica civil, em articulação, no que couber, com o Ministério da Defesa."

 

 

b) Decreto Federal 10.788, de 6 de setembro de 2021
(Aprova a Estrutura Regimental do Ministério da Infraestrutura)

 

"ANEXO I
ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA

 

CAPÍTULO II
DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

 

(...)

 

Seção II
Dos órgãos específicos singulares

 

Art. 16. À Secretaria Nacional de Aviação Civil compete:

 

(...)

 

Parágrafo único. As competências atribuídas no caput compreendem:

 

I - executar direta ou indiretamente ações e programas de construção, ampliação, reforma e modernização da infraestrutura aeroportuária e aeronáutica civil;

 

(...)

 

IV - supervisionar o controle patrimonial dos imóveis da União afetados à infraestrutura aeroportuária civil, exceto aqueles relacionados às atividades de controle do espaço aéreo; e" (grifou-se)

 

 

Conforme destacado no PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU (item 32), no regime de concessão, a partir da concretização da delegação negocial do serviço público, a administração da integralidade do sítio aeroportuário passa a ser atribuição do próprio concessionário, observadas as condições previstas contratualmente. Para endossar tal premissa, citou posicionamento firmado pelo Departamento de Outorgas e Patrimônio da Secretaria de Aviação Civil (DEOUP/SAC) na NOTA TÉCNICA 75/2022/DEOUP/SAC (Sequência "31") o qual reputo relevante transcrever:

 

"7.12. Entretanto, o que se observou no presente caso foi que a SPU/RS instituiu-se, deliberadamente, de competência para dar destinação à área componente do complexo aeroportuário, infringindo toda a legislação aplicada ao caso e o entendimento consolidado no âmbito da Advocacia Geral da União, assim normativos específicos e, ainda, as cláusulas do Contrato de Concessão[1], no Capítulo III – Dos Direitos e Deveres, Seção I – Da Concessionária, Subseção I – Dos Deveres Gerais, das condicionantes para a manutenção e cumprimento dos direitos e deveres assumidos pelos signatários no Contrato de Concessão:

 

3.1.7. assumir integralmente os Contratos que envolvam a cessão de espaços no Complexo Aeroportuário, conforme as condições contratadas, mediante sub-rogação integral dos seus direitos e deveres;
3.1.7.1. a partir da Data de Eficácia do Contrato de Concessão, a celebração de novos contratos, bem como a renovação e/ou aditamento de contratos existentes entre a Infraero e terceiros para contratação de serviços ou autorização de atividades comerciais, deverão ser encaminhados para aprovação da Concessionária."

 

 

O PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU (item 33) também aduziu que a competência do operador aeroportuário para a destinação das áreas integrantes do sítio aeroportuário esta garantida pela Resolução ANAC 302, de 5 de fevereiro de 2014, que estabelece critérios e procedimentos para a alocação e remuneração de áreas aeroportuárias, conforme manifestação do Departamento de Outorgas e Patrimônio da Secretaria de Aviação Civil (DEOUP/SAC) na NOTA TÉCNICA 75/2022/DEOUP/SAC (Sequência "31") abaixo transcrita:

 

"7.15.3.Necessário esclarecer, mais uma vez, que a destinação de áreas integrantes do sítio aeroportuário é de competência do operador aeroportuário, nos termos da Resolução ANAC nº 302/2014 (https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2014/resolucao-no-302-de-05-02-2014), em que se destaca o que dispõe o art. 13: "A remuneração pela utilização das áreas comerciais é de livre negociação entre o operador do aeródromo e a parte interessada, observado o regime próprio aplicável a estas contratações." E no presente caso, trata-se de uma área que poderia ser comercial, operacional, ou gratuitamente cedido pela concessionária a algum órgão público, de acordo com o interesse, viabilidade e compatibilização com o projeto de desenvolvimento do sítio aeroportuário e suas operações."

 

 

A CONJUR/MINFRA também ponderou que o Contrato de Cessão de Uso Gratuita foi celebrado com base em informação inverídica sobre a responsabilidade pela gestão e administração do imóvel cedido, constatação que se coaduna com os esclarecimentos prestados pela Secretaria de Aviação Civil (SAC) na NOTA TÉCNICA 75/2022/DEOUP/SAC (Sequência "31"),  os quais entendo pertinente transcrever para adequada compreensão:

 

"7.4. Assim, ciente da expiração do prazo de vigência do Termo de Convênio firmado com a Infraero, e em atendimento aos requisitos promovidos pelo agente financiador do Projeto Executivo de Ampliação do Sistema de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Arroio da Areia, o Município solicitou da Infraero a permissão de uso de área para ampliação da casa de bombas Silvio Brum, sob a alegação de que a área ocupada pelo Departamento não fora transferida à concessionária durante o processo de concessão, restando sob propriedade da Infraero, afirmação esta notadamente equivocada, pois: a) a Infraero nunca foi proprietária de áreas integrantes do aeroporto ou lindeiras ao sítio aeroportuário; b) caso a Infraero fosse proprietária da área de interesse municipal, a contratação gratuita ocorrida não teria sido celebrada pela SPU/RS; c) a posse da área de interesse municipal não continuou com a Infraero após a concessão do aeroporto, ao contrário, fora entregue para a concessionária pela União por meio da Anac (Poder Concedente), conforme planta anexa ao contrato de concessão celebrado, na qual se confirma que tal área integra o objeto da concessão, situação esta desconsiderada pela SPU/RS.
7.5. A Infraero, por sua vez, informou à municipalidade que o sítio aeroportuário fora concedido à iniciativa privada por meio do Contrato de Concessão nº 001/ANAC/2017[1], e encontra-se sob a responsabilidade da Fraport Brasil S.A. Em complemento, informou desconhecer o motivo pelo qual a área não foi objeto de transferência à concessionária, dada a alegação equivocada do Município de que a área permaneceria sob responsabilidade da Infraero. E assim, em decorrência de tal interpretação equivocada, a Infraero complementou sua resposta sugerindo ao Município que buscasse a SPU/RS para obter a gestão administrativa da mencionada área.
7.6. Percebe-se assim que, caso a informação municipal fosse verídica e tal área realmente não tivesse sido entregue à concessionária e, sim, excluída do objeto da concessão, faria sentido a recomendação da Infraero de se buscar a SPU/RS para a cessão gratuita da área federal pretendida. Mas, ao contrário, tal área fora formalmente entregue pela União à concessionária/operadora aeroportuária, por intermédio da Anac, que atua como Poder Concedente na concessão da infraestrutura aeroportuária, por força do art. 8º, inc. XXIV da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005."

 

 

Por fim, o PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU ressaltou os seguintes aspectos:

 

(...)

 

"41. Destarte, depreende-se, da instrução dos autos, não proceder a informação fornecida pelo Município, à Infraero e à SPU/RS, no sentido de que o imóvel em evidência não teria sido transferido à concessionária do Aeroporto. 

 

42. Nesse contexto, percebe-se que referida informação equivocada parece ter sido utilizada como motivação administrativa para permitir a celebração do ajuste. Em outras palavras, a celebração do instrumento revelou-se viável justamente em função da aludida informação. Se a SPU/RS tivesse prévio conhecimento acerca da transferência do imóvel à concessionária, certamente não teria firmado a avença.

 

43. Com efeito, a SAC, a ANAC e a concessionária do Aeroporto deveriam ter sido consultadas acerca da situação patrimonial do bem, conforme destacado pela própria SAC no item 7.8 de sua Nota Técnica."

 

 

III.1 - DEFEITO DO NEGÓCIO JURÍDICO. ERRO SUBSTANCIAL OU ESSENCIAL QUANTO À IDENTIDADE/QUALIDADE DA PESSOA A QUEM SE DESTINA A DECLARAÇÃO DE VONTADE (ERROR IN PERSONA).

 

Na esteira do entendimento firmado no PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU e lastreado nos documentos que instruem o processo, vislumbra-se que por ocasião da celebração do Contrato de Cessão de Uso Gratuita, com encargo, a SPU-RS não estava investida na gestão e administração do bem imóvel cedido, pois a área, integrante do Complexo Aeroportuário, havia sido transferida anteriormente à FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE em razão da celebração do Contrato de Concessão 001/ANAC/2017 com a AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) desdobramento do certame licitatório (leilão) de concessão realizado em 16/03/2017.

 

Aspecto importante relacionado ao regime jurídico dos contratos administrativos, é a incidência direta do princípio da boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé prestigia a estabilidade das relações jurídicas constituídas e almeja a pacificação dos vínculos estabelecidos a fim de preservar a ordem, um dos primados do Direito, sem qualquer prejuízo para terceiros, operando de modo a preservar a legítima expectativa, a confiança gerada e o dever de lealdade, o qual atua como um padrão de comportamento a ser seguido, como um modelo de conduta fundado na honestidade, lealdade e cooperação, tendo como uma de suas funções, a integrativa, prevista no artigo 422 do Código Civil. De acordo com tal dispositivo legal, a boa-fé se integra a qualquer relação obrigacional e objetiva proteger a relação jurídica entre os participantes, de forma a impor-lhes mutuamente alguns deveres como a lealdade e a cooperação, os quais, por sua vez, visam em última análise o adimplemento obrigacional.

 

A boa-fé constitui-se em princípio constitucional implícito, deduzido e entendido do sistema de valores adotado pela Carta Magna, particularmente dos postulados constitucionais da dignidade humana (art. 1º, inc. III), da solidariedade social (art. 3º, inc. I), da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI) e, no que concerne particularmente ao Direito Administrativo, da moralidade (art. 37, caput). A própria Lei Geral do Processo Administrativo (Lei Federal nº 9.784/1999) estabelece, em seu art. 2º, inciso IV, que na condução dos processos, serão observados, dentre outros, critérios de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

 

Conforme leciona José dos Santos Carvalho Filho[2] são 2 (dois) os aspectos relacionados com o princípio da segurança jurídica, erigido pela Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, como postulado que deve nortear o processo administrativo federal, verbis:

 

(...)

 

"SEGURANÇA JURÍDICA – A lei catalogou o princípio da segurança jurídica entre os postulados que devem reger o processo administrativo federal.

 

Dois são os aspectos relacionados com o princípio da boa-fé constitui-se em princípio constitucional implícito, deduzido e entendido do sistema de valores adotado pela Carta Magna, particularmente dos postulados constitucionais da dignidade humana (art. 1º, inc. III), da solidariedade social (art. 3º, inc. I), da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI) e, no que concerne particularmente ao Direito Administrativo, da moralidade (art. 37, caput). A própria Lei Geral do Processo Administrativo (Lei Federal nº 9.784/1999) estabelece, em seu art. 2º, inciso IV, que na condução dos processos, serão observados, dentre outros, critérios de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.o em foco.

 

O primeiro decorre da moderna necessidade de permanência dos atos produzidos pelos agentes do estado. Configura­se nela o princípio da estabilidade das relações jurídicas, por meio do qual as normas regentes, uma vez editadas, ganham corpo para serem objeto de conhecimento e de obediência por parte dos indivíduos.

 

Além disso, a segurança jurídica importa a criação da crença coletiva de que os atos do Poder Público ostentam um delineamento de legitimidade, e esse fato há de merecer amparo pelas autoridades públicas. Por tal  motivo, estudiosos referem-se hoje ao princípio da proteção à confiança, exatamente para garantir que a confiança não se dissipe pela constante alteração dos atos públicos e, consequentemente, da disciplina que contemplam.[3]

 

Com efeito, os cidadãos tem o direito a uma relativa continuidade das resoluções provenientes dos órgãos estatais, nas quais depositaram toda a sua confiança. assim, é mais do que justo que suas expectativas estejam voltadas para a permanência de tais resoluções, tendo a perspectiva do respeito e do reconhecimento que a administração lhes devem dispensar. o sobressalto, nesse caso, é ofensivo ao próprio sentimento de confiança que tem que ser protegido a todo custo.[4]

 

 

Diante das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvendo a gestão da concessionária em relação aos bens que integram o sítio aeroportuário, o negócio jurídico padece, aparentemente, de vício de consentimento denominado erro ou ignorância, configurado quando o agente, por falso conhecimento da realidade fática, emite manifestação/declaração de vontade defeituosa, caracterizada por falsa representação da realidade. Em síntese, trata-se de manifestação de vontade em desacordo com a realidade, seja porque o declarante a desconhece (ignorância), seja porque tem representação errônea da realidade (erro).

 

Com efeito, o Código Civil de 2002, instituído pela Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, contempla os defeitos do negócio jurídico, detalhando da seguinte forma o erro substancial também denominado pela doutrina de erro essencial:

 

(...)

 

"LIVRO III
Dos Fatos Jurídicos

 

(...)

 

CAPÍTULO IV
Dos Defeitos do Negócio Jurídico

 

Seção I
Do Erro ou Ignorância

 

 

Para adequada compreensão do conteúdo e abrangência do defeito do negócio jurídico caracterizado pelo erro substancial ou essencial, reputo relevante transcrever o magistério de Sílvio de Salvo Venosa,[5] verbis:

 

(...)

 

"22
DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS - O ERRO

 

22.1. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

 

A vontade é a mola propulsora dos atos e dos negócios jurídicos. Essa vontade deve ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha vida normal na atividade jurídica e no universo negocial. Se essa vontade não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico torna-se suscetível de nulidade ou anulação.

 

Quando a vontade nem ao menos se manifesta, quando é totalmente tolhida, não se pode falar nem mesmo em existência de negócio jurídico. O negócio jurídico é inexistente ou nulo por lhe faltar requisito fundamental.

 

Quando, porém a vontade é manifestada, mas com vício ou defeito que torna mal dirigida, mas externada, estamos, na maioria das vezes, no campo do ato ou negócio jurídico anulável, isto é, o negócio jurídico terá vida jurídica somente até que, por iniciativa de qualquer prejudicado, seja pedida sua anulação.

 

Nesse tema, o Código Civil de 2002, no capítulo IV, do Livro III, dá a essas falhas de vontade a denominação "Defeitos do Negócio Jurídico". No sistema do Código de 1916, esses defeitos compreendiam os chamados vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e os chamados vícios sociais (simulação e fraude contra credores). O Código regula o erro ou a ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. No atual sistema legal, a simulação situa-se no campo da nulidade do negócio jurídico.

 

Por seu lado, o art. 171 do atual Código expressa que além dos casos expressamente declarados por lei, é anulável o negócio jurídico: "I - por incapacidade relaltiva do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores". O art. 147 do antigo diploma legal dizia ser anulável o ato jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Na verdade, nos casos de ausência absoluta de vontade, defrontmo-nos com um ato nulo, como em tese ocorre com certa modalidade de erro, como veremos, e com a coação absoluta. Por política legislativa, porém, preferiu o Código de 2022, na mesma senda do estatuto anterior, englobar todos esses vícios passíveis de tornar o negócio anulável. Isso não impede, por exemplo, que tratando-se de coação absoluta, o negócio seja tratado como nulo.

 

(...)

 

O primeiro vício de consentimento é o erro, com as mesmas consequências da ignorância. Trata-se de manifestação de vontade em desacordo com a realidade, quer porque o declarante a desconhece (ignorância), que porque tem representação errônea dessa realidade (erro).

 

(...)

 

22.2 ERRO OU IGNORÂNCIA

 

O Código assemelhou e equiparou os efeitos do erro à ignorância. O erro manifesta-se mediante compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A ignorância é um "nada" a respeito de um fato, é o toal desconhecimento.

 

Erro é forma de representação psíquica, porém desacertada, incorreta, contrária à verdade. A ignorância é ausência de conhecimento, falta de noção a respeito de uma assunto; não há na ignorância nem mesmo a representação imperfeita, porque inexiste qualquer representação mental ou conhecimento psíquico. Como vemos, apesar de equiparadas nos efeitos pela lei lei, não há identidade de conceitos para as duas noções. Portanto, o que se diz para o erro, para fins legais, aplica-se à ignorância.

 

O art. 86 do Código antigo dispunha que "são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial". O art. 138 do atual Código, por seu turno, descrevendo circunstancialmente o que erra reclamado pela doutina, dispõe: "São anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio." Essa redação protege melhor o terceio de boa-fé, porque somente permite o anulação se a parte contratante, destinatária da mnaifestação, poderia ter percebido o erro, no caso da pessoa com diligência normal.

 

(...)

 

22.4 ERRO SUBSTANCIAL E ERRO ACIDENTAL

 

A lei exige que o erro, para anular o ato, seja substancial. O erro substancial ou essencial contrapõe-se ao erro acidental ou incidental.

 

Erro essencial é o que tem papel decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que se, conhecesse o verdadeiro estado de coisas, não teria desejado, de modo nenhum, concluir o negócio. Erro substancial ou essencial é, portanto, o que causa ao negócio (causam dans), mas não é necessário que tenha sido a causa única. Pode ter sido concausa ou causa concomitante. Dessa forma, o erro deve ser causa suficiente para a conclusão do negócio, uma das causas."

 

 

No caso concreto, o negócio jurídico materializado no Contrato de Cessão de Uso Gratuita, com encargo, padece de defeito caracterizado no erro quanto à identidade/qualidade da pessoa a quem se destina a declaração de vontade (error in persona), podendo tal modalidade de erro ocorrer em relação ao destinatário da manifestação de vontade como também ao beneficiário.

 

É pacífico o entendimento jurisprudencial segundo o qual, no exercício do poder de autotutela dos seus atos, a Administração deve anulá-los, de ofício, quando eivados de ilegalidade, ou pode revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade, desde que resguardado o direito adquirido, conforme Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Considerando as relevantes razões jurídicas e econômico-financeiras aduzidas, assim como a necessidade de observância e proteção aos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança legítima e da vinculação ao instrumento convocatório do certame licitatório,  corroboro o entendimento firmado no PARECER n. 00576/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU, de 21 de setembro de 2022 (Sequência "3"), em razão da robusta e plausível fundamento jurídica de que se reveste a referida manifestação jurídica.

 

Além do defeito jurídico (erro) que macula o negócio jurídico,  no âmbito administrativo o instrumento contratual celebrado entre a SPU-RS e o Município de Porto Alegre-RS, foi firmado por autoridade incompetente[6] para a prática do ato negocial (negócio jurídico) e por vício quanto ao objeto,[7] em razão da gestão e administração do bem imóvel ter sido transferida à concessionária FRAPORT BRASIL S.A. AEROPORTO DE PORTO ALEGRE por consequência do Contrato de Concessão celebrado com a AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC).

 

Para melhor ilustrar o conceito e alcance do objeto, também denominado por parte da doutrina de conteúdo, um dos elementos estruturais do ato administrativo, reputo pertinente citar o magistério de José dos Santos Carvalho Filho em sua primorosa obra Manual de Direito Administrativo:[8]

 

(...)

 

3. ATOS JURÍDICOS E ATOS ADMINISTRATIVOS

 

As noções de ato jurídico e de ato administrativo têm vários pontos comuns. No direito privado, o ato jurídico possui a característica primordial de ser um ato de vontade, com idoneidade de infundir determinados efeitos no mundo jurídico. “Adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, eis, em poucas palavras, em toda a sua extensão e profundidade, o vasto alcance dos atos jurídicos”, como bem registra WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO.[9] Trata-se, pois, de instituto que revela a primazia da vontade.

 

Os elementos estruturais do ato jurídico – o sujeito, o objeto, a forma e a própria vontade – garantem sua presença também no ato administrativo. Ocorre que neste o sujeito e o objeto têm qualificações especiais: o sujeito é sempre um agente investido de prerrogativas públicas, e o objeto há de estar preordenado a determinado fim de interesse público. Mas no fundo será ele um instrumento da vontade para a produção dos mesmos efeitos do ato jurídico.

 

Temos, assim, uma relação de gênero e espécie. Os atos jurídicos são o gênero do qual os atos administrativos são a espécie, o que denota que em ambos são idênticos os elementos estruturais.

 

(...)

 

III. Elementos

 

(...)

 

2. OBJETO

 

2.1. Sentido
Objeto, também denominado por alguns autores de conteúdo, é a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar. Significa, como informa o próprio termo, o objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato, a proposta, enfim, do agente que manifestou a vontade com vistas a determinado alvo.[10]

 

Pode o objeto do ato administrativo consistir na aquisição, no resguardo, na transferência, na modificação, na extinção ou na declaração de direitos, conforme o fim a que a vontade se preordenar. Por exemplo: uma licença para construção tem por objeto permitir que o interessado possa edificar de forma legítima; o objeto de uma multa é punir o transgressor de norma administrativa; na nomeação, o objeto é admitir o indivíduo no serviço público etc.

 

2.2. Requisitos de Validade
Para que o ato administrativo seja válido, seu objeto deve ser lícito. A licitude é, pois, o requisito fundamental de validade do objeto, exigível, como é natural, também para o ato jurídico. O Código Civil em vigor foi mais preciso no que toca a tais requisitos de validade, exigindo que, além de lícito e possível, o objeto deve ser também determinado ou determinável (art. 104, II).

 

Além de lícito, deve o objeto ser possível, ou seja, suscetível de ser realizado. Esse é o requisito da possibilidade. Mas, como oportunamente adverte CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “a impossibilidade há de ser absoluta, que se define quando a prestação for irrealizável por qualquer pessoa, ou insuscetível de determinação”.

 

 

Sobre o objeto do ato administrativoMaria Sylvia Zanella Di Pietro em sua lapidar obra Direito Administrativo[11] preleciona o seguinte:

 

(...)

 

"7 Atos Administrativos

 

(...)

 

7.7 ELEMENTOS

 

(...)

 

7.7.2 Objeto

 

Objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz.

 

Sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato.

 

Para identificar-se esse elemento, basta verificar o que o ato enuncia, prescreve, dispõe.

 

Alguns autores distinguem conteúdo e objeto. É o caso de Régis Fernandes de Oliveira (1978:54) que, baseando-se na lição de Zanobini, diz que o objeto é a coisa, a atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre a qual vai recair o conteúdo do ato. Dá como exemplo a demissão do servidor público, em que o objeto é a relação funcional do servidor com a Administração e sobre a qual recai o conteúdo do ato, ou seja, a demissão. Na desapropriação, o conteúdo do ato é a própria desapropriação e o objeto é o imóvel sobre o qual recai.O importante, no entanto, é deixar claro que, para o ato administrativo, o que interessa é considerar o segundo aspecto, ou seja, a produção de efeitos jurídicos. Quando se parte da ideia de que o ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico e quando se fala, em relação a este, de objeto como um dos seus elementos integrantes, nada impede, antes é aconselhável, que se utilize o mesmo vocábulo no direito administrativo.

 

Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos)". (grifou-se)

 

 

Sob esse prisma, o ato negocial para ser considerado legítimo, necessita, como ocorre com qualquer ato administrativo, estar revestido de todos os requisitos de validade, ou seja, ser praticado por agente público no exercício regular de sua competência, ser produzido segundo a forma imposta em lei, além de se revestir dos requisitos da finalidade, motivo e objeto (conteúdo). Em síntese, o ato negocial, espécie do gênero ato administrativo, é considerado legal caso esteja em consonância com os requisitos exigidos para sua validade.

 

A competência[12] consiste no requisito de validade segundo o qual o ato administrativo praticado se insere no feixe de atribuições legais e regulamentares do agente público que o praticou. A forma significa a observância das formalidades indispensáveis à existência ou regularidade do ato. A finalidade  representa  a pratica o ato por agente investido de competência em consonância com o fim previsto, expressamente ou implicitamente, na regra de competência. O motivo[13] abrange a matéria de fato (fática) e de direito (jurídica) que fundamenta a prática do ato, sendo materialmente e juridicamente adequado ao resultado obtido. Já o objeto [14]equivale a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo almeja implementar, correspondendo ao objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato do agente público preordenado a determinado fim.

 

Quanto à invalidade do negócio jurídico, também denominada nulidade, podem ser identificados 2 (dois) níveis (graus). No grau mais elevado, o negócio jurídico é nulo (invalidade/nulidade absoluta), e no menor grau, anulável (invalidade/nulidade relativa).

 

Para melhor ilustrar as diferenças entre negócios nulos e anuláveis, reputo conveniente transcrever a lição de Fábio Ulhoa Coelho:[15]

 

(...)

 

"12. Invalidade do negócio jurídico

 

O negócio jurídico que não atende aos requisitos de validade (item 10) ou apresenta defeito (item 11) é inválido. Pode, eventualmente, produzir efeitos, se as partes, movidas por razões éticas ou econômicas, espontaneamente cumprirem as obrigações dele emergentes. Nesse caso, a despeito da invalidade, os efeitos pretendidos pelos sujeitos de direito declarantes são alcançados. Porém, em caso de invalidade do negócio jurídico, se não houver cumprimento espontâneo das obrigações, nenhuma das partes terá o direito de acionar o aparato judiciário do Estado com vistas a obter forçosamente os efeitos pretendidos.

 

dois graus de invalidade do negócio jurídico. No grau mais elevado, o negócio é nulo (invalidade absoluta), no menos, anulável (invalidade relativa). Distingue a lei, na verdade, uma hipótese da outra em atenção aos valores socialmente difundidos. Se alguém se aproveita da falta de discernimento da criança de 10 anos de idade ou de pessoa com deficiência mental severa, isto gera maior repulsa social do que a exploração da inexperiência de vida de um jovem de 17 anos ou da situação precária em que se encontra o adulto viciado. Desse modo, há situações em que a lei, para coibir ações repulsivas mais graves, imputa ao negócio jurídico um grau máximo de invalidação, dando-o por nulo; e há aquelas em que coíbe ações ainda socialmente repulsivas, mas de menor gravidade, reservando ao negócio jurídico grau mínimo de invalidação, tomando-o, então, por anulável.

 

12.1. Diferenças entre negócios nulos e anuláveis

 

A invalidade do negócio jurídico é sempre um pronunciamento judicial. Nenhum negócio é inválido, por mais desobedecidas que tenham sido as normas jurídicas sobre a matéria, antes que o juiz decida que ele o é. Nesse aspecto, não existem diferenças entre os graus de invalidade do negócio jurídico. Tanto na hipótese de nulidade, como na de anulabilidade, a invalidação depende necessariamente de processo judicial. Outro aspecto comum aos dois graus de invalidade diz respeito à contemporaneidade das causas. Em ambas, a causa da invalidação existe ao tempo da constituição do negócio jurídico (Lopes, 1962:504). Nenhum fato posterior à constituição induz à invalidade do negócio. Pode, se tanto, implicar sua desconstituição ou a suspensão dos efeitos.

 

Diferenciam-se os negócios nulos e anuláveis por quatro aspectos: a) quanto aos efeitos; b) quanto às pessoas legitimadas para arguir a invalidade; c) quanto à possibilidade de ratificação; d) quanto à decadência. Veja-se cada um deles com mais vagar:

 

a) Efeitos. O negócio nulo não produz nenhum efeito jurídico. Melhor, os efeitos jurídicos que produziu devem ser desconstituídos. Se o menor absolutamente incapaz alienou diretamente um bem de seu patrimônio para outrem, o negócio é nulo. O bem deve retornar ao patrimônio do menor e o dinheiros por ele eventualmente recebido como preço deve retornar ao de quem o havia pretendido comprar. Todos os demais efeitos devem ser desconstituídos para que se retorne à situação de fato e de direito imediatamente anterior ao negócio jurídico. Os frutos gerados pelo bem antes da declaração de nulidade do negócio pertencem ao menor, e não à pessoa que o havia pretendido comprar, por exemplo. o negócio anulável produz seus efeitos até a decretação da invalidade. Se o menor do exemplo era relativamente incapaz e fizera a venda sem assistência, a anulação do negócio implica o terno do bem ao patrimônio dele e do dinheiros do preço, se recebido pelo menor, ao da pessoal que o havia pretendido comprar. Mas os frutos gerados pelo bem antes da decretação da anulação do negócio não retornam ao menor. (os grifos não constam do original)

 

Em decorrência da diferença relativa aos efeitos, a sentença do juiz que confirma a nulidade de um negócio jurídico é declaratória, e a que decreta anulado certo negócio jurídico é constitutiva.

 

Os negócios jurídicos nulos não produzem efeitos, devendo ser desconstituídos os que tiverem produzidos antes da declaração judicial da nulidade. Os negócios anuláveis têm preservados os efeitos produzidos antes da decretação judicial da anulação".

 

 

Perfilhando o mesmo entendimento o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves:[16]

 

(...)

 

"Capítulo V
DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

 

3. Nulidade

 

3.1 Conceito

 

Nulidade é a sanção imposta pela lei aos atos e negócios jurídicos realizados sem observância dos requisitos essenciais, impedindo-os de produzir os efeitos que lhes são próprios.

 

Segundo Maria Helena Diniz, nulidade "vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve".[17]

 

O negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à sociedade. assim, quando o interesse público é lesado, a sociedade o repele, fulminando-o de nulidade, evitando que venha a produzir os efeitos esperados pelo agente.

 

3.2. Espécies de nulidade

 

A nulidade pode ser absoluta e relativa, total e parcial, textual e virtual.

 

Nos casos de nulidade absoluta existe um interesse social, além do individual, para que se prive o ato ou negócio jurídicos dos seus efeitos específicos, visto que há ofensa a preceito de ordem pública e, assim, afeta a todos. Por essa razão, pode ser alegada por qualquer interessado, devendo ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC, art. 168 e parágrafo único).

 

A nulidade relativa é denominada anulabilidade e atinge negócios que se acham inquinados de vício capaz de lhes determinar a invalidade, mas que pode ser afastado ou sanado. (os destaques não constam do original)

 

(...)

 

Nulidade total é a que atinge todo o negócio jurídico. A parcial afeta somente parte dele. Segundo o princípio utile per inutile non vitiatur, a nulidade parcial do negócio não o prejudicará na parte válida, se esta for separável (CC, art. 184). Trata-se  da regra da incomunicabilidade da nulidade que se baseia no princípio da conservação do ato ou negócio jurídico".[18]

 

 

No mesmo sentido a lição de Sílvio de Salvo Venosa,[19] verbis:

 

(...)

 

28 INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

 

"28.3 NULIDADE

 

A anulabilidade é sanção mais branda ao negócio jurídico.

 

Dizia do art. 147 do Código anterior:

 

"É anulável o ato jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente (art. 6º);
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (art. 86 a 113).

 

O atual Código, por seu lado, dispõe no art. 171:

 

"Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores." (grifou-se)

 

A anulabilidade tem em vista a prática do negócio ou do ato em desrespeito a normas que protegem certas pessoas. As causas de anulabilidade residem no interesse privado. Há razão de ordem legislativa que têm em mira amparar esse interesse. Na verdade, o negócio jurídico realiza-se com todos os eleme3ntos necessários a sua validade, mas condições em que foi realizado justificam a anulação. que por incapacidade relativa do agente, que pela existência de vícios do consentimento ou vícios sociais. A anulação é concedida a pedido do interessado.

 

(...)

 

O negócio jurídico anulável produz efeitos até ser anulado. Os efeitos da anulação passam a ocorrer a partir do decreto anulatório (ex nunc). (...)"

 

 

Neste aspecto preleciona Caio Mário da Silva Pereira  em suas "Instituições de Direito Civil"[20] o que se segue:

 

(...)

 

"Capítulo XXII
INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

 

110. Anulabilidade

 

Não tem o mesmo alcance da nulidade, nem traz o mesmo fundamento a anulabilidade do negócio jurídico. Nela não se vislumbra o interesse público, porém a mera conveniência das partes, já que na sua instituição o legislador visa à proteção de interesses privados."[21]

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "24.", "31.", "32.", "33.", e "34." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Considerando o advento da Portaria AGU 14, de 23 de janeiro de 2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 17, Seção 1, de 24 de janeiro de 2020 (Sexta-feira), páginas 1/3, que cria as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados, convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU/PATRIMÔNIO, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 10 do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para  restituir o processo a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Infraestrutura (CONJUR/MINFRA), órgão setorial da Advocacia-Geral da União (AGU), para ciência desta manifestação jurídica, especialmente a(s) questão(ões) aduzida(s) no(s) item(ns) "24.", "31.", "32.", "33.", e "34.", mediante abertura de tarefa no Sistema SUPER SAPIENS, objetivando a adoção da(s) providência(s) pertinente(s).

 

Vitória-ES., 21 de novembro de 2022.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00055001527201691 e da chave de acesso e9b73ecd

Notas

  1. ^ "LEGALIDADE - A legalidade é o princípio fundamental da Administração, estando expressamente referido no art. 37 da Constituição Federal. De todos os princípio é o de maior relevância e que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou. Tornou-se clássica a ideia realçada por HELY LOPES MEIRELLES, de rara felicidade, segundo o qual "na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal", concluindo que "enquanto na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei autoriza". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal  - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47.
  2. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., pp 58/59.
  3. ^ ALMIRO DO COUTO E SILVA, em "O princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei 9.784/99), publicado na Revista de Direito Administrativo nº 273, pp. 271-315, ano 2004.
  4. ^ VALTER SHUENQUENER DE ARAÚJO. O princípio de proteção da confiança. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 58.
  5. ^ VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geralVol. 1. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019, pp. 413/414, 416, 418, 420/421.
  6. ^ "Aplicam-se à competência as seguintes regras: 1. decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições; 2. é inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com terceiros; isto porque a competência é conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei". DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 240.
  7. ^ "20 - ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. PLANOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE(...) 20.5 OBJETO Ao lado da capacidade, legitimidade, forma e naturalmente vontade, constitui também elemento integrante do negócio jurídico o objeto. O objeto deve ser idôneo, isto é, apto a regular os interesses sobre os quais recai o negócio. Emílio Betti (1969, t. 2:53) prefere falar em interesses em vez de bens, "mesmo quando o objeto do negócio sejam coisas (bens materiais) elas não são consideradas por si, abstratamente, mas sempre com referência aos sujeitos, e são apreciadas e diferenciadas tendo em consideração a sua aptidão para satisfazer necessidades da vida de relações, segundo as opiniões econômicas ou éticas e as valorações historicamente condicionadas da consciência social". VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. Vol. 1. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2019, pp. 394/395.
  8. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª Ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2020, pp. 104 e 116.
  9. ^ Curso de Direito Civil, v. 1, p. 175.
  10. ^ Na prática o objeto é a resposta à indagação "para que serve o ato?", o que expressa o fim imediato da vontade (v. SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, Direito administrativo didático, p. 96).
  11. ^ DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit., p. 241.
  12. ^ "Parte II ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Capítulo 5 Ato administrativo (...) 5.4 Requisitos de validade do ato administrativo (...) 5.4.1 Competência O primeiro dos requisitos de validade dos atos administrativos - igualmente denominado por parte de nossa doutrina de sujeito - tem relação direta com o princípio da legalidade administrativa. Falar em competência como requisitos de validade do ato administrativo importar em exigir que a autoridade, órgão ou entidade administrativa que pratique o ato tenha recebido da lei a atribuição necessária à sua prática.Diversamente do Direito privado, em que o elementos de validade do ato jurídico está relacionado à sua capacidade jurídica plena, esta, no Administrativo é pressuposta. A fim de verificar a validade de determinado ato administrativo, não se vai perquirir sobre a capacidade jurídica do agente que o praticou, mas sobre a sua competência para praticá-lo". FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª Ed., revista e ampliada. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 262/263.
  13. ^ "Parte II ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Capítulo 5 Ato administrativo (...) 5.4 Requisitos de validade do ato administrativo (...) 5.4.4 Motivo Da mesma forma como os atos administrativo são praticados visando à realização de fim específico, determinado, eles requerem a existência de um motivo. Não existe ato administrativo sem motivo ou sem finalidade determinados, reais, efetivos. O exame do motivo como requisito de validade do ato administrativo se traduz como adequação dos fatos ao objeto do ato.Por motivo do ato administrativo temos de entender as circunstâncias de fato e de direito que levam o administrados a praticar determinado ato". FURTADO, Lucas Rocha. Ob. cit., p. 274.
  14. ^ "Parte II ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Capítulo 5 Ato administrativo (...) 5.4 Requisitos de validade do ato administrativo (...) 5.4.5 Objeto Objeto, ou conteúdo, do ato administrativo corresponde à própria manifestação unilateral de vontade a ser produzida pela Administração Pública. O objeto do ato corresponde ao próprio ato administrativo, ao conteúdo da manifestação de vontade produzida pela Administração Pública." FURTADO, Lucas Rocha. Ob. cit., pp 278/279.
  15. ^ COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral I [livro eletrônico], volume 1. 2ª Ed. em e-book baseada na 9ª Ed. impressa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. RB-10.29.
  16. ^ GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. Vol. 1. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, pp. 508/509.
  17. ^ Curso de Direito Civil Brasileiro. 36ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2019, v. 1, pp. 615/616.
  18. ^ Francesco Santoro-Passarelli, Dottrine generalli del diritto civile, p. 310; Francisco Amaral, Direito Civil, cit., 2018, p. 620.
  19. ^ VENOSA, Sílvio de Salvo. Ob. cit., pp. 546/547 e 549.
  20. ^ PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. Volume I. 32ª Ed, revista e atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 540.
  21. ^ De Page, Traité, nº 98.



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