ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00917/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.124612/2022-12.
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA ECONOMIA/SECRETARIA ESPECIAL DE DESESTATIZAÇÃO, DESINVESTIMENTO E MERCADOS/SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA - ME/SEDDM/SCGPU/SPU-BA); ADERBAL AUGUSTO PASSOS VIEIRA E SUA ESPOSA MARCIA RÚBIA MENEZES QUEIROZ.
ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE
DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. REGIME DE AFORAMENTO. DOMÍNIO ÚTIL. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DO DOMÍNIO DIRETO PERTENCENTE À UNIÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
I. Consulta. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL na modalidade EXTRAORDINÁRIA sobre domínio útil de bem imóvel da União sob regime de aforamento.
II. Terreno acrescido de marinha submetido ao regime de aforamento, também denominado enfiteuse. Possibilidade da usucapião de domínio útil titularizado por particular (foreiro ou enfiteuta).
III. Assim como ocorre com a desapropriação, a usucapião do domínio útil de imóvel já aforado não atinge o domínio direto da União.
IV. Jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal no país.
V. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida(s) nesta manifestação jurídica.
I - RELATÓRIO
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado da Bahia por intermédio do OFÍCIO SEI Nº 277927/2022/ME, de 25 de outubro de 2022, assinado eletronicamente em 01 de novembro de 2022 (SEI nº 29041945), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no SUPER SAPIENS em 01º de novembro de 2022, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a consulta formulada envolvendo USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL na modalidade EXTRAORDINÁRIA com fulcro no artigo 1.348 do Código Civil (CC), oriunda do Cartório do 4º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Salvador-BA, prenotada sob o protocolo nº 63.004, daquela serventia, incidindo em domínio útil de bem imóvel da União sob regime de aforamento correspondente à Sala nº 406, localizada na Avenida Estados Unidos, nº 397, 5º pavimento do Edifício Cidade do Salvador, Bairro Comércio, Município de Salvador, Estado da Bahia, CEP nº 40.010-020, com área útil de 40,23 m² e área total de 51,50 m², e respectiva fração ideal de 1/207,212 avos ou 5,13 m² do terreno de propriedade da União com área de 1.063,00 m², cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA) sob o Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) nº 3849.0003797-00, registrado sob a matrícula nº 10.688, do Cartório do 4º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Salvador-BA.
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/DOCUMENTO | TIPO | |||
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25059032 | Anexo | |||
25059033 | Anexo | |||
25059035 | Anexo | |||
25059038 | Anexo | |||
25059040 | Requerimento | |||
25134773 | Despacho | |||
25394893 | Despacho | |||
25434468 | Despacho | |||
25452279 | Ofício 171199 | |||
25521180 | Despacho | |||
25573621 | Ofício | |||
28851139 | Anexo | |||
28851291 | Ofício | |||
28851624 | Anexo | |||
29005339 | Despacho | |||
29041945 | Ofício 277927 | |||
29195748 | Despacho | |||
29227530 | Anexo |
II– PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever a íntegra do OFÍCIO SEI Nº 277927/2022/ME, de 25 de outubro de 2022 (SEI nº 29041945), no qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:
"Assunto: Consulta de transferência de titularidade por Usucapião - Imóvel pertencente à União
Referência: Ao responder este Ofício, favor indicar expressamente o Processo nº 19739.124612/2022-12.
Senhor Consultor Jurídico da União,
A Superintendência do Patrimônio da União na Bahia, cumprimentando-o cordialmente, manifesta-se infra.
Tramita nesta Superintendência do Patrimônio da União na Bahia – SPU/BA o processo administrativo nº 19739.124612/2022-12, referente a solicitação de transferência de posse do imóvel foreiro à União com fundamento no título aquisitivo fornecido pelo Cartório do 4º Ofício de Salvador (SEI 25059032). O imóvel está situado na Avenida Estados Unidos, nº 397, Edf. Cidade do Salvador, sala nº 406, Comércio.
Conforme constam no espelho (SEI 14604170) e no Requerimento do 4º Ofício (SEI 14599990), pertencentes ao processo administrativo nº 19739.103039/2021-14, o imóvel encontra-se cadastrado sob o Registro Imobiliário Patrimonial – RIP: 3849.0003797-00, matrícula nº 10.688, em nome do Sr. Fernando Teixeira Conde, CPF: 000.573.635/87 (espólio).
Preliminarmente, torna-se necessário clarear que o Cartório de Registro de Imóveis do 4º Ofício de Salvador solicitou através do BA00497/2021, (SEI 14599994), com fundamento nos dados constantes no Requerimento, SEI 14599990, o posicionamento desta Instituição quanto ao pedido formulado pelo usucapiendo para reconhecimento extrajudicial de usucapião de imóvel foreiro à União. Salientou-se que, a requerimento do interessado e considerando a dominialidade da União sobre o imóvel objeto do procedimento, o pedido tem por fim esclarecer quanto a possibilidade ou não de que seja feita a usucapião do imóvel.
Ainda no tocante ao pedido formulado pelo Cartório, o nosso Núcleo de Usucapião e Certidão Dominial enviou a Declaração de Domínio de Imóvel da União Positiva (SEI 14701357) juntamente com a sua planta de localização (SEI 14604176 do processo administrativo nº 19739.103039/2021-14) onde constam as informações sobre a dominialidade do imóvel, assim como a sua fundamentação legal.
Observou-se, no entanto, que de posse da informação prestada por esta SPU o Cartório do 4º Ofício de Salvador adotou entendimento de que os "Entes Públicos" não se opuseram ao pleito e, assim sendo, seguiu com a análise do pedido e posterior deferimento da demanda, conforme SEI 28851624. Dessa forma, após o seu deferimento, o Cartório emitiu a Certidão de Inteiro Teor do imóvel, averbando ao R-03 da matrícula nº 10.688, a Usucapião Extrajudicial em nome do Sr. Aderbal Augusto Passos Vieira, CPF: 123.158.775-04, SEI 25059032.
Importa trazer à luz dos fatos que à SPU somente efetua a transferência de titularidade dos imóveis foreiros, atualizando a sua cadeia de posse, com o envio da Certidão Cartorial registrada onde conste a movimentação na propriedade, de acordo com o que determina o art. 116 do Decreto - Lei 9.760/46 e a art. 8º da Instrução Normativa 01 de março de 2018, a saber:
CAPÍTULO II DOS INSTRUMENTOS SEÇÃO I DOS INSTRUMENTOS DE TRANSFERÊNCIAArt. 8º São instrumentos válidos para a efetivação da transferência:I – Escritura Pública:a) se transação realizada até 21 de dezembro de 1987, deve constar menção ao Alvará de Licença expedido pela autoridade local da Superintendência do Patrimônio da União; eb) se transmissão realizada entre 22 de dezembro de 1987 e 15 de fevereiro de 1997, no chamado regime auto lançado, devem estar mencionados os dados constantes do DARF de laudêmio pago, se for o caso, de qualquer valor;II – Formal de Partilha, constando a homologação por sentença judicial;III – Instrumento/Contrato Particular de Compra e Venda com força de Escritura Pública, se celebrados por instituições financeiras autorizadas, devem ser aceitos quando registrados no Cartório de Registro de Imóveis, devendo a Superintendência do Patrimônio da União verificar se houve a emissão da Certidão de Autorização para Transferência a que se refere.IV – Carta de adjudicação, Carta de Arrematação ou instrumento decorrente de sentença judicial, se a transação incidir laudêmio, deve ser aceito o documento, ainda que não se mencione a CAT. Neste caso, a CAT, na modalidade Especial, é emitida pela Superintendência, mediante autorização da Unidade Central.§1º Os documentos para transmissão emitidos após 15 de fevereiro de 1997 devem mencionar a Certidão de Autorização para Transferência e o pagamento do laudêmio ou sua isenção.§2º Para os títulos aquisitivos de imóveis sob o regime de aforamento, deve ser exigido o registro no Cartório de Registro de Imóveis - CRI competente, por meio de certidão do CRI ou da anotação em carimbo ou selo próprio do cartório no título, constando o número do registro e matrícula do imóvel em questão.
Contudo, conforme já exposto, o reconhecimento efetuado pelo Cartório do 4º Ofício e por conseguinte a averbação no R-03 da matrícula do imóvel, se fundamentou a partir do entendimento de que à SPU teria anuído o pedido de Usucapião do Domínio Útil de Imóvel da União, o que não se observa nos documentos acostados ao processo.
Assim, diante dos elementos apresentados, solicitamos parecer dessa Consultoria Jurídica da União com o fim de firmarmos um entendimento sobre o procedimento a ser adotado neste caso, haja vista o pedido do usucapiendo para reconhecimento do Registro Cartorial e efetivação da transferência, como também para os demais pedidos que continuamente estamos recebendo em nossa Superintendência.
Dessa forma, muito claramente, solicitamos saber qual deverá ser o procedimento da SPU nas situações elencadas e em destaque:
1. O usucapiendo solicitou através do BA00814/2022 (SEI 25059040) a transferência do imóvel aforado, conforme consta no R-03 da matrícula nº 10.688 (SEI 25059032) para seu nome. Assim, como deveremos responder a essa demanda diante dos fatos já relatados?
2. Quando do recebimento de demanda de Usucapião Extrajudicial a pedido de interessados e advinda dos Cartórios, com solicitação para emissão de parecer desta SPU, qual deverá ser o nosso posicionamento? Destaca-se que em todos os pedidos formulados pelos Cartórios de Registros de Imóveis manteve-se o reconhecimento da dominialidade positiva da União e buscou-se a transferência do domínio útil do imóvel.
Assim, aguardamos manifestação, ao passo em que nos colocamos à disposição para quaisquer informações que se fizerem necessárias.
Na oportunidade, renovamos protestos de elevada estima e distinta consideração."
Considerando o anteriormente exposto, procederei a análise da solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) relacionada ao(s) seguinte(s) questionamento(s)formulado(s):
1. O usucapiendo solicitou através do BA00814/2022 (SEI 25059040) a transferência do imóvel aforado, conforme consta no R-03 da matrícula nº 10.688 (SEI 25059032) para seu nome. Assim, como deveremos responder a essa demanda diante dos fatos já relatados?
Com efeito, o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é de que não é juridicamente viável a usucapião do domínio pleno (somatório dos domínios direto e útil, reunindo todos os atributos da propriedade) e do domínio direto (proporção econômica de 17% do terreno da União, que remanescerá com a própria - senhorio) de imóvel de propriedade da União.
Entretanto, tratando-se de terreno de marinha submetido ao regime de aforamento, também denominado enfiteuse,[2] é juridicamente possível a usucapião do domínio útil titularizado por particular (foreiro ou enfiteuta), pois o domínio útil do imóvel constitui uma propriedade privada, nada impedindo que seja usucapido.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável pela uniformização da legislação federal em todo o país, está consolidada quanto a possibilidade de usucapião do domínio útil de imóvel submetido ao regime de aforamento desde que resguardado o domínio direto da União. A título de ilustração, reputo conveniente transcrever as EMENTAS dos seguintes acórdãos:
Origem: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tipo: Acórdão.
Classe: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL(AIRESP) nº 1642495.
Relator: Ministro Marco Buzzi.
Órgão Julgador: 4ª (Quarta) Turma.
Data de Julgamento: 23/05/2017.
Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 01º/06/2017.
"EMENTA: AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A revisão das conclusões da Corte de origem acerca da presença dos requisitos legais necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, prática vedada pela Súmula 7 do STJ. Precedentes. 1.1. É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nesta circunstância, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo qualquer prejuízo ao Estado. Precedentes. (destacou-se)
2. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula 7 do STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem.
3. Agravo interno desprovido."
Origem: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tipo: Acórdão.
Classe: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL(AIRESP) nº 358081.
Relator: Ministro Benedito Gonçalves.
Órgão Julgador: 1ª (Primeira) Turma.
Data de Julgamento: 23/05/2017.
Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 05/10/2016.
"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGIME DE AFORAMENTO. POSSIBILIDADE. ATO DE TOLERÂNCIA. PRECARIEDADE. OCORRÊNCIA DE POSSE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. EXAME PREJUDICADO.
1. Inicialmente, registra-se que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo n. 2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 9/3/2016)".
2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, acerca do ato de tolerância e consequentemente da não configuração da posse, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
3. A análise do dissídio jurisprudencial fica prejudicada em razão da aplicação do enunciado da Súmula n. 7/STJ, porquanto não é possível encontrar similitude fática entre o aresto combatido e os arestos paradigmas, uma vez que as suas conclusões díspares ocorreram, não em razão de entendimentos diversos sobre uma mesma questão legal, mas, sim, em razão de fundamentações baseadas em fatos, provas e circunstâncias específicas de cada processo.
4. Agravo interno não provido."
Origem: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tipo: Acórdão.
Classe: Recurso Especial (RESP) nº 154123.
Relator: Ministro Barros Monteiro.
Órgão Julgador: 4ª (Quarta) Turma.
Data de Julgamento: 04/05/1999
Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 23/08/1999.
"EMENTA: USUCAPIÃO. DOMÍNIO ÚTIL REFERENTE A BEM PÚBLICO. IMÓVEL QUE ANTERIORMENTE JÁ ERA FOREIRO. ADMISSIBILIDADE. Admissível o usucapião quando imóvel já era foreiro e a constituição da enfiteuse em favor do usucapiente se faz contra o particular até então enfiteuta e não contra a pessoa jurídica de direito público que continua na mesma situação em que se achava, ou seja, como nua-proprietária. Precedentes do STF e STJ. Recurso especial conhecido e provido."
Neste sentido, a Coordenação-Geral de Patrimônio e Meio Ambiente do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da Procuradoria-Geral da União (CGPAM/DPP/PGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), ao analisar orientação expedida pela Coordenação Regional de Patrimônio e Meio Ambiente da Procuradoria Regional da União da 4ª Região (COREPAM/PRU4R) envolvendo a dispensa de contestação da União, manifestação de interesse ou eventuais recursos em relação a demandas de usucapião de domínio útil em imóveis submetidos ao regime enfitêutico, desde que não haja discussão quanto ao domínio direto, elaborou manifestação jurídica materializada no PARECER n. 43/2019/PGU/AGU, de 13 de fevereiro de 2019 (arquivo PDF anexo) assim ementado:
EMENTA: 1. Programa de redução de litígios. 2. Análise de orientação expedida pela PRU - 4ª Região, na qual firmou o entendimento de que se deve dispensar a contestação da União, manifestação de interesse ou eventuais recursos em relação a demandas de usucapião de domínio útil em imóveis submetidos ao regime enfitêutico, desde que não haja discussão quanto ao domínio direto. 3. Jurisprudência uniforme e estável do Superior Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de usucapião do domínio útil de imóvel aforado. 4. Propõe-se que seja autorizada a abstenção de apresentação de contestação e de recursos quando a pretensão autoral de usucapião de domínio útil recair sobre imóveis nos quais já tenha sido previamente constituído o aforamento, resguardando-se o domínio direto à União. 5. Necessidade de observância de cautelas indicadas neste parecer.
Segundo a Coordenação-Geral de Patrimônio e Meio Ambiente do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da Procuradoria-Geral da União (CGPAM/DPP/PGU) a expedição da orientação da Procuradoria Regional da União da 4ª Região (PRU/4R) foi motivada pela constatação da remessa de diversos processos para a Justiça Federal em razão de alegação de interesse da União em demandas de usucapião, sendo que, em regra, ao final, se reconhece a possibilidade de usucapião de domínio útil em terrenos da União.
Conforme informado pela PRU/4ª Região, os pedidos de intervenção que originariamente tramitam na Justiça Estadual decorrem, em parte, de informações prestadas pelas Superintendências do Patrimônio da União, que eventualmente mencionam a norma do artigo 12, parágrafo 2º, do Decreto-lei Federal nº 710/1938,[3] segundo a qual "Não pode ser igualmente adquirido por usucapião o domínio útil ou direito dos terrenos de marinha ou quaisquer outros sujeitos a aforamento".
Tal como interpretado pela PRU/4ª Região, supõe-se que a norma desse artigo tem por objetivo vedar a usucapião de bens públicos de qualquer natureza, e, assim, o parágrafo 2º do artigo 12 não estaria a vedar a aquisição por usucapião do direito do particular.
De fato, o final do parágrafo 2º menciona "quaisquer outros sujeitos a aforamento". E, assim, entende-se que a finalidade do artigo é vedar que o aforamento (e, em consequência, o domínio útil) seja constituído pela usucapião, em um tipo de desmembramento dos direitos de propriedade da União.
Quanto à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a CGPAM/DPP/PGU salientou que há acórdãos no sentido de que a controvérsia acerca da possibilidade de usucapião de domínio útil de imóvel público demanda a análise da legislação infraconstitucional (RE 370415 AgR/RS, de 2012; e RE 341872 AgR/RS, de 2010). Nos casos em que a questão de mérito foi enfrentada, a jurisprudência do tribunal não destoa do decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se depreende do conteúdo da seguinte ementa:
Origem: Supremo Tribunal Federal (STF).
Tipo: Acórdão.
Classe: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 218.324 - Pernambuco.
Relator: Ministro Joaquim Barbosa.
Órgão Julgador: 2ª (Segunda) Turma.
Data de Julgamento: 20/04/2010.
Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico (DJe) nº 096, de 28/05/1999.
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL DE BEM PÚBLICO (TERRENO DE MARINHA). VIOLAÇÃO AO ART. 183, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
O ajuizamento de ação contra o foreiro,naqual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião. Precedente: RE 82.106, RTJ 87/505. (os destaques não constam do original)
Agravo a que se nega provimento."
Na esteira do voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, reputo relevante transcrever o seguinte fragmento de seu voto, referente à conclusão do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves no Recurso Extraordinário (RE) nº 82.106, sob a relatoria do Ministro Thompson Flores, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência (RTJ) nº 87, páginas 515/516, verbis:
(...)
"Observo, finalmente, que não são válidas duas objeções que se poderiam opor a essa conclusão: a dos disposto na súmula 340 ('Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não pode ser adquiridos por usucapião') e o fato de que, tendo o enfiteuta o que o Código Civil denomina de domínio útil, dever-se-ia aplicar à enfiteuse, por analogia, a proibição no tocante à propriedade. A súmula só diz respeito a usucapião como modo de aquisição da propriedade, não como modo de aquisição de direitos reais limitados. Por outro lado, embora o Código Civil, pela força da tradição, aluda a 'domínio útil', é indiscutível que seguiu o sistema romano, segundo o qual a enfiteuse é, meramente, um direito real limitado. Na Idade Média é que surgiu a construção doutrinária de que, no tocante à enfiteuse, seria ela um domínio inferior diante do domínio superior do proprietário. Inferioridade jurídica, já que manifesta a sua superioridade econômica. E a expressão domínio útil, paradoxalmente, não surgiu dessa gradação de propriedade admitida pelo direito medieval, mas de uma circunstância advinda do direito romano, e que resultava do fato de ser a enfiteuse mero direito real sobre coisa alheia: a legislação romana, porque o enfiteuta não era proprietário, lhe concedia, para a defesa de seu direito, não ação de reinvindicação direta (meio de proteção do proprietário), as uma ação de reinvindicação útil (action in rem utilis), razão por que os autores medievais, desde os glosadores, caíram no engano de considerar que, mesmo no direito romano, haviam um domínio direto (o do proprietário) e um domínio útil (o do enfiteuta). Não há, portanto, que pretender-se, com base numa construção doutrinária que nasceu de equívoco, e que não é seguida pelo nosso Código, a aplicação, por analogia, de proibição que visa, apenas, ao direito de propriedade.
Em face do exposto - e escusando-me da largueza com que tratei o tema, que é complexo, peço vênia ao eminente relator, para não conhecer do recurso, sob o fundamento de que, no caso, não houve violação ao disposto no artigo 67 do Código Civil nem no Decreto 22.785/33, bem como inexistente dissídio com a súmula 340, fundada que é em três julgados (RREE 4.369, 7.387 e 51.265) que dizem respeito, apenas, à aquisição do direito de propriedade (Cfe. Jardel Noronha-Odaléa Martins, Referência da Súmula do Supremo Tribunal Federal, volume 17, pági. 125 e segs.)."
A Coordenação-Geral de Patrimônio e Meio Ambiente do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da Procuradoria-Geral da União (CGPAM/DPP/PGU) propôs no PARECER n. 43/2019/PGU/AGU, propôs a expedição de orientação em que se autorize a abstenção de apresentação de contestação e de recursos se a controvérsia existente relacionar-se exclusivamente à possibilidade de usucapião sobre o domínio útil de imóveis da União nos quais já tenha sido previamente constituído o aforamento, e não tenha ocorrido causa de sua extinção (ou o cancelamento por caducidade), resguardando-se, em todo caso, o domínio direto à União.
2. Quando do recebimento de demanda de Usucapião Extrajudicial a pedido de interessados e advinda dos Cartórios, com solicitação para emissão de parecer desta SPU, qual deverá ser o nosso posicionamento? Destaca-se que em todos os pedidos formulados pelos Cartórios de Registros de Imóveis manteve-se o reconhecimento da dominialidade positiva da União e buscou-se a transferência do domínio útil do imóvel.
Convém salientar que o artigo 2º, caput, da Portaria Conjunta nº 1, de 15 de fevereiro de 2017 (arquivo PDF anexo), preceitua que os titulares dos cartórios de registro de imóveis, os oficiais de registro de títulos e documentos e as Corregedorias-Gerais de Justiça devem ser orientados pelos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União (CGU) e pelas Superintendências do Patrimônio da União nos Estados e no Distrito Federal no sentido de que as solicitações de manifestação sobre interesse da União referente ao imóvel de que trata o parágrafo 3º do artigo 216-A da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, deverão ser dirigidas diretamente à respectiva Superintendência do Patrimônio da União da unidade da federação em que estiver situado o imóvel usucapiendo.
Neste aspecto, quando a SPU-BA receber solicitações de manifestação sobre interesse da União no âmbito da USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL com respaldo no artigo 1.348 do Código Civil (CC), deverá informar às respectivas serventias que o bem imóvel de seu domínio (propriedade) está submetido ao regime jurídico de aforamento (enfiteuse), por meio do qual é atribuído a terceiros o domínio útil de imóvel de sua propriedade, correspondendo à proporção econômica de 83% do terreno de titularidade do enfiteuta ou foreiro,[4] ressalvando, no caso concreto, eventual interesse da União de impugnar a pretensão de usucapião do domínio útil, em razão, por exemplo, da extinção do aforamento (ou o cancelamento por caducidade), da pretensão de usucapir mera ocupação em imóvel público ou de abranger/englobar pela declaração de usucapião área de terreno fora dos limites do aforamento.
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como as questões técnicas envolvidas na regularização pretendida, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[5]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "12.", "13.", "24." e "25." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Com o advento da Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 17, Seção 1, de 24 de janeiro de 2020 (Sexta-feira), páginas 1/3, que cria as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados, as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 10 do aludido ato normativo.
Feito tais registros, ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado da Bahia (SPU-BA) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS, bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).
Vitória-ES., 16 de novembro de 2022.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739124612202212 e da chave de acesso 91c15b7e
Notas