ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU

 

PARECER n. 00008/2022/CNLCA/CGU/AGU

 

NUP: 08020.001513/2018-49

INTERESSADOS: SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO PARANÁ

ASSUNTOS: CONVÊNIOS E OUTROS AJUSTES

 

EMENTA:1. Sistema de registro de preços; 2. Ata de registro de preços. 3. Negociação com fornecedores constitui ato vinculado; 4. Há discricionariedade na definição entre revisar preços e dispensar o fornecedor, nas hipóteses em que “... preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso ...”;

 

 

 

I - Relatório

 

Trata-se de processo em que foi identificada divergência entre posicionamento exarado pela CONJUR-MJSP e a antiga Câmara Permanente de Licitação e Contratos, hoje Câmara Nacional de Licitação e Contratos – CNLC quanto à possibilidade de revisão dos preços registrados na ata de registro de preços.

Autos encaminhados à CNLC e distribuídos de forma regular.

Foram identificados aos autos os documentos relevantes que seguem:

É o relatório.

 

II – Fundamentação

II - 1 Contexto

A partir de consulta formulada por meio do OFÍCIO Nº 329/2021/DIGES/SEGEN/MJ, encaminhado pela SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA, foi confeccionado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça o PARECER n. 01143/2021/CONJUR-MJSP/CGU/AGU, abordando dentre outros temas, a possibilidade de proceder-se atualização de valores constantes de ata de registro de preços.

À medida que a conclusão do PARECER n. 01143/2021/CONJUR-MJSP/CGU/AGU sinalizou em sentido diverso do Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU, foi sugerido encaminhamento dos autos ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos a fim de prover uniformização do tema.

No âmbito da Procuradoria-Geral Federal, os pareceres nº 14/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, e n. 00003/2019/CPLC/PGF/AGU tomaram o mesmo sentido do Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU.

 

II – 2 O Sistema de registro de preços

II – 2.1. Algum histórico

A metodologia do registro de preços não encerra verdadeira novidade proporcionada pela Lei 14.133/2021. É possível identificar sua presença no ordenamento desde o art. 14 do Decreto-Lei nº 2.300/86, tendo sido mantido ao art. 15 da lei 8.666/93. 

A matéria foi tratada ao art. 15 da Lei 8.666/93, indicada inclusive como técnica a ser adotada com prioridade nas compras públicas. Conforme previsto ao §3º do mesmo art. 15 da Lei 8.666/93 previu a necessidade de regulamentar o registro de preços. Regulamento este que veio a princípio por meio do Decreto 2.743/98, posteriormente pelo Decreto 3.931/01 e, atualmente segue regido pelo Decreto nº 7.892/2013.

Embora o primeiro regulamento tenha se restringido a tratar da aquisição de bens exatamente conforme previsto na Lei 8.666/93, os demais estenderam a aplicação do registro de preços também para serviços. Houve na doutrina quem apontasse o transbordamento dos limites do papel regulamentador do decreto.(Cf.  DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo /. – 33. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 871)

De todo modo a incongruência foi sensivelmente mitigada quando da edição da Lei 10.520/02 à medida que, em seu art. 11 previu de forma expressa a possibilidade da adoção da técnica do registro de preços para contratação de serviços.

A Lei 12.462/2011 andou um tanto mais no sentido de esclarecer a natureza jurídica do registro de preços ao tratá-lo em seu art. 29 como um dos procedimentos auxiliares da licitação. O instituto aparece ainda ao art. 63 da Lei 13.303/2016 – Lei das Estatais, também definido como procedimento auxiliar à licitação. A fórmula foi incorporada pela Lei 14.133/2021 que seguiu a mesma linha dos normativos anteriores, a partir de seu art. 82.

 

II – 2.2. Conceito e natureza jurídica

Os revogado decreto 3.931/2001 e o vigente Decreto 7.892/2013 já traziam conteúdo próximo no que se refere ao conceito de registro de preços conceituando-o como “... conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras;”.

A Lei 14.133/2021 definiu o instituto do registro de preços ao inciso XLV de seu art. 6º, caracterizando o instituto como “... conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras;”

As hipóteses de cabimento do registro de preços foram alinhadas ao art. 3º do Decreto nº7.892/2013.  A Lei 14.133/2021 não restringiu a utilização do registro de preços a circunstâncias específicas e trouxe previsão expressa sobre a possibilidade de sua utilização para serviços, a obras e a aquisição e locação de bens conforme conceito transcrito acima.

Irene Nohara conceituou o registro de preços como “...conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens para contratações futuras da Administração Pública.” (NOHARA, Irene Patrícia Direito administrativo. – 9. ed. – São Paulo: Atlas, 2019.p. 553).

J. U. JACOBY FERNANDES conceituou o registro de preços conforme segue:

 

Sistema de Registro de Preços é um procedimento especial de licitação que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração.
(...)
Em um primeiro momento, importante se faz não perder de vista o seguinte foco: o SRP trata-se de procedimento administrativo licitatório propriamente dito e, como tal, caracterizado como uma sequência de atos administrativos cujos moldes peculiares o tornam próprio aos casos de eventual contratação de serviços e/ou aquisição de bens de necessidade frequente e cotidiana da Administração Pública em todas as suas esferas.
Diversamente do que muitos sustentam, o SRP não se trata de mais uma modalidade de licitação (tomada de preço, convite, etc.), até porque o próprio decreto que o regulamenta traz as modalidades que deverão ser aplicadas ao próprio sistema conforme demonstrar-se-á no subitem seguinte.
(...)
Em um primeiro momento, importante se faz não perder de vista o seguinte foco: o SRP trata-se de procedimento administrativo licitatório propriamente dito e, como tal, caracterizado como uma sequência de atos administrativos cujos moldes peculiares o tornam próprio aos casos de eventual contratação de serviços e/ou aquisição de bens de necessidade frequente e cotidiana da Administração Pública em todas as suas esferas. Diversamente do que muitos sustentam, o SRP não se trata de mais uma modalidade de licitação (tomada de preço, convite, etc.), até porque o próprio decreto que o regulamenta traz as modalidades que deverão ser aplicadas ao próprio sistema conforme demonstrar-se-á no subitem seguinte.(FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 6. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 32.)

 

Na lição de Hely Lopes Meirelles, o SRP pode ser definido da seguinte forma:

É o conjunto de procedimentos para registro formal em ata própria de preços relativos à prestação de serviços ou aquisição de bens, para contratação futura, de fornecedores que se obrigam, vinculativamente, a manter condições a serem praticas por determinado período de tempo, e conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e nas propostas apresentadas. Pode ser adotados quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de serem frequentes as contratações; quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas; na contratação de serviços remunerados por unidade de medida, ou em regime de tarefa, ou para atendimento a mais de um órgão, entidade, ou a programas de governo; ou quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração. (MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro /. - 42. ed. / atual. até a Emenda Constitucional 90, de 15.9.2015. - São Paulo: Malheiros, 2016. p. 403)

 

II – 2.3. Compreendendo o funcionamento do SRP

Como regra, a licitação é realizada com objetivo imediato de contratar. O sistema de registro de preços opõe uma etapa intermediária entre a licitação e a contratação e, a licitação passa a se dar com objetivo imediato de prover a formação de um compromisso do licitante vencedor de fornecer por tempo certo, determinado produto, com preço fixado e quantitativo máximo definido.

A técnica do registro de preços altera a dinâmica ordinária do macroprocesso de contratação pública à medida que, o objetivo imediato passa a ser a fixação de um  compromisso de preço e disponibilidade de determinado produto ou serviço, por determinado tempo. A contratação efetiva passa a encerrar objetivo mediato. Daí sequer ser necessária previsão orçamentária quando da realização da licitação.

Em linhas gerais, a Administração obtém, a partir do SRP, alguma estabilização de preços e a garantia da disponibilidade do produto ou serviço.

O compromisso estabelecido é concretizado através da ata de registro de preços, que tem conteúdo e prazo de validade fixado em lei.

 

II – 2.4. Aspectos positivos inerentes ao SRP

Não são poucos os aspectos positivos pertinentes à utilização do SRP, podendo ser elencados, a princípio, os que seguem:

a. não há obrigação da Administração proceder efetivamente qualquer contratação, consequentemente, sequer é necessária disponibilidade orçamentária quando da licitação;

b. torna as contratações públicas mais eficientes, mais céleres e menos onerosas à medida que, a partir de um processo licitatório é possível realizar diversas contratações, atendendo inclusive entes diversos para além do gerenciador da ata; (Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual direito administrativo – 35. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2021 p. 339)

c. a permissão para contratações por parte da entidade gerenciadora, participante e não participante (carona) tende a viabiliza preços melhores, em função da escala na contratação;

d. tende a evitar desperdícios à medida que permite o atendimento mais preciso das demandas cujo quantitativo não seja previsível com precisão;

d. é possível planejar de forma eficiente as contratações, em especial no que se refere ao controle do desperdício à medida que, as contratações podem se estabelecer na exata proporção das necessidades identificadas;

e. dispensa a realização de estoques relevantes e todos os seus custos inerentes;

 

Em função dos relevantes dividendos que podem ser colhidos é importante que seja otimizado o procedimento, promovendo-lhe aplicação o quanto mais ampla e efetiva possível.

 

II – 2.5. Ata de registro de preços - ARP

O compromisso firmado pelo licitante vencedor perante a Administração Pública se estabelece por meio de documento específico chamado pelo Decreto nº 7.892/2013 de “ata de registro de preços”.

O inciso II do art. 2º do Decreto nº 7.892/2013 definiu ata de registro de preços como “... documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;”.

O inciso XLVI do art. 6º da Lei 14.133/2021 trouxe conceito bastante próximo acerca da ata de registro de preços, procedendo pontuais inserções. Considere-se o conceito formulado: “... documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas;”. Comparando a literalidade dos dispositivos mencionados acima é possível identificar as seguintes alterações:

a. inserção da descrição do objeto como parte do registro de preços;

b. substituição de “instrumento convocatório” por “edital”;

c. previsão de “aviso ou instrumento de contratação direta”.

 

II – 2.5.1. Conteúdo da ARP

Os incisos do art. 11, art. 14 do Decreto 7.892/2013 trouxe previsão sobre conteúdo da ARP exigindo:

a. preços;

b. quantitativos;

c. fornecedores;

d. dos licitantes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais aos do licitante vencedor.

e. condições de fornecimento

 

A partir do inciso XLVI do art. 6º da Lei 14.133/2021 deve constar do ata de registro de preços:

a. o objeto;

b. os preços;

c. os fornecedores;

d. os órgãos participantes e

e. as condições a serem praticadas.

 

O preço estimado para realização de licitações no âmbito federal é estabelecido a partir de critérios definidos, por exemplo, a partir do Decreto nº 7.983/2013 em se tratando de obras ou, atualmente, das IN SEGES nº 73/2020e pela IN SEGES/ME 65/2021 para bens e serviços. Esses preços são ainda submetidos a toda a fase competitiva e identificado o licitante vencedor, detentor da proposta mais vantajosa para Administração, um contrato administrativo ou uma ata de registro de preços tende a ser assinada.

 

II – 2.5.2. Os preços fixados à ARP e a possibilidade de sua alteração

Os preços dos bens e serviços contratados tendem a ser impactados por fatores diversos, tais como: inflação, a variação de preços de insumos (inclusive a mão-de-obra), variações tributárias, fatos do príncipe, dentre outros.  

Nas hipóteses em que esses fatores com potencial de alteração de preços impactos contratos administrativos, a Lei 8.666/93 trouxe alguns instituto ao seu art. 65 aptos a recompor o equilíbrio econômico-financeiro.

A partir do Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU, devidamente aprovado, a Advocacia-Geral da União - AGU consolidou posicionamento no sentido de que, no que se refere às ARPs, a recomposição dos preços por meio dos institutos típicos do contratos administrativos (reajuste, repactuação e reequilíbrio) não seria possível à medida que,  ARPs não teriam natureza de contrato administrativo[1].

Esse posicionamento baseou-se em interpretação do art. 19 do Decreto nº 7.892/2013.

Replicado em inúmeros processos administrativos, o entendimento consolidado Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU trouxe alguns inconvenientes de ordem prática que merecem ser identificados.

O posicionamento da AGU levou a Administração Pública federal a indeferir inúmeros pedidos administrativos de reajuste e reequilíbrio dos preços fixados nas ARPs, entendendo adequado liberar o fornecedor de suas obrigações nos termos do inciso I do art. 19 do Decreto nº 7.892/2013. A partir dessas decisões o empirismo revela ao menos três desdobramentos:

a. sucesso na substituição do fornecedor por meio da convocação dos demais fornecedores cadastrados, conforme permitido pelo inciso II do art. 19 do Decreto nº 7.892/2013;

b. insucesso da substituição mencionada, permanência da necessidade da Administração Pública, e realização de nova licitação, com nova pesquisa de preços, correndo-se sério risco de aferir-se preço superior àquele atualizado pretendido pelo fornecedor originário descartado;

c. judicialização do tema, com pretensão no sentido da revisão (revisão sob a perspectiva genérica da ata), inclusive com incômodos precedentes desfavoráveis em TRFs;

 

Sempre importante rememorar que o principal objetivo do processo licitatório, seja sob o regime da Lei 8.666/93 ou da Lei 14.133/2021, é o atendimento de determinada necessidade material da Administração Pública. As questões inerentes aos processos e ao procedimento são pois, instrumentais.

O macroprocesso de contratação pública constitui instrumento para atendimento de dada necessidade da Administração que, a rigor, tende à concretização de interesses públicos de ordem primária e secundária. Práticas que destoem ou militem contra essa diretriz, no mínimo afrontam o princípio de eficiência e da boa administração.

Fixadas essas premissas, é o caso de revisitar a questão tratada ao Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU, talvez não para alterar o conteúdo mas, para complementa-lo com análises podem inclusive partir dele para corrigir os inconvenientes de ordem prática citados.

 

II – 2.5.2.1. Abordagem constitucional da questão analisada

Em função da hierarquia normativa, mostra-se adequado partir do regime jurídico constitucional das licitações e avançar sobre a legislação constitucional pertinente.

O inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal encerra certamente o ponto de partida dos estudos a serem desenvolvidos. Dispositivo central do regime constitucional das licitações, traz dentre outras diretrizes a necessidade de prover-se a manutenção das “condições efetivas da proposta”.

De forma usual, a doutrina administrativista brasileira trata do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos a partir do dispositivo constitucional mencionado. Faz sentido à medida que, é a partir das condições da proposta vencedora que as bases do contrato administrativo serão firmadas. (NIEBUHR, Joel de Menezes. Nesse sentido Licitação pública e contrato administrativo /. – 4. ed. rev. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2015.  p. 1020; TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas. 12ª ed. rev. ampl atual. São Paulo: Ed. Juspodiu, 2021. p. 637.)

Há contudo, pontuais autores como Rafael Carvalho Rezende Oliveira que, reconhecendo a literalidade do texto constitucional, identificam que a tutela constitucional dá-se para além do contrato, retroagindo mesmo à proposta. Considere-se:

O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato encontra-se consagrado no art. 37, XXI, da CRFB, que estabelece a necessidade de manutenção das “condições efetivas da proposta” vencedora na licitação ou na contratação direta.
A equação econômica é definida no momento da apresentação da proposta (e não da assinatura do contrato) e leva em consideração os encargos do contratado e o valor pago pela Administração, devendo ser preservada durante toda a execução do contrato. (Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 9. ed., – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. p. 919)

 

Curioso notar que, o texto constitucional garante a manutenção das condições efetivas da proposta e, não faz qualquer recorte que isole a proposta disponibilizada por licitantes em disputadas sob estabelecidas a partir do sistema de registro de preços. Estão protegidas todas as propostas veiculadas em licitações públicas. Não há pois, pois, espaço para vantagens inusitadas, ainda que em benefício da Administração.

E, a rigor, não deveria haver novidade alguma em posicionamento desse jaez à medida que se mostra-se adequado aos princípios da segurança e boa-fé contratual.

A proposta encerra, como regra, a primeira participação efetiva dos licitantes, já na fase de disputas do processo de contratação pública. É nesse momento que os licitantes desenvolvem uma primeira análise e desenvolvimento de um modelo de negócio que lhes seja sustentável.

Sustentabilidade sob a perspectiva técnica e econômico-financeira. Encerra a primeira impressão acerca do que é possível para o atendimento da necessidade da Administração Pública. Evidente que, a partir do regime e da modalidade licitatório, é possível que alguma disputa se estabeleça com uma segunda etapa do processo de disputas, caracterizado por lances.

De todo modo, quando estabilizada a proposta vencedora, em sendo considerada exequível, deve considerado o ponto de equilíbrio e ponto de partida para a formulação do contrato administrativo.

Os licitantes se obrigam desde a apresentação das propostas, e essa vinculação se mantém pelo prazo definido pela legislação ordinária. 

Em que pese a diretriz constitucional mostrar-se clara, há que se respeitar, contudo, o fato de trazer previsão de regulamentação da matéria por lei ordinária. A preservação da proposta deve, pois, dar-se conforme a regulamentação. Atualmente a regulamentação se dá- em termos de normas gerais, por dois regimes, quais sejam:

a. lei 8.666/93, Lei 10.520/02 e Lei 12.462/11;

b. Lei 14.133/2021.

 

A matéria é constitucional, mesmo em se tratando de conflitos estabelecidos a partir de contratos. O STF já se manifestou sobre o mérito de mais processo tratando do tema[2]. A influência e a relevância da leitura constitucional da matéria encerram um fato. 

Na interpretação do inciso XXI do art. 37 da CF, Min. Marco Aurélio lembrou que o texto constitucional não admite interpretações que levem a enriquecimento sem causa por parte da Administração[3].

Em que pese a diretriz constitucional mostrar-se clara, há que se respeitar, contudo, o fato de trazer previsão expressa de regulamentação da matéria por lei ordinária. A preservação das condições pertinentes às propostas deve dar-se conforme indicado nas leis dedicadas à regulamentação da matéria.

A partir da diretriz fixada pelo texto constitucional é necessário proceder breve incursão sobre a regulamentação editada. Atualmente essa regulamentação  se estabelece, em termos de normas gerais, por dois regimes, quais sejam:

a. lei 8.666/93, Lei 10.520/02 e Lei 12.462/11;

b. Lei 14.133/2021.

 

II – 2.5.2.2. Abordagem infraconstitucional da questão analisada.

O SRP foi tratado pela Lei 8.666/93 com mais detalhes a partir do §1º de seu art. 15. O §3º do art. 15 estabeleceu condições que deveriam ser observadas pelo decreto que viesse regulamentar o SRP. Dentre as referidas condições tem-se ao inciso II do §3º do art. 15 a atualização dos preços registrados.

A atualização dos preços registrados tem previsão expressa ao inciso II do §3º do art. 15  lei 8.666/93. Pois bem.

O §3º do art. 15  lei 8.666/93 previu a necessidade de regulamentação do SRP por decreto.

Decreto nº 7.892/2013 , editado com objetivo de regulamentar o SRP, ocupou-se de tratar a relação entre preços registrados e o mercado em diversos dispositivos, a saber:

a. conferiu ao órgão gerenciador a atribuição de “conduzir eventuais renegociações dos preços registrados” (Decreto nº 7.892/2013, art. 5º, VIII);

b. o edital deverá prever a “... realização periódica de pesquisa de mercado para comprovação da vantajosidade” (Decreto nº 7.892/2013, art. 9º, XI);

c. finalizada a fase competitiva, os demais licitantes poderão adequar seus preços ao do licitante vencedor para efeito de registro (Decreto nº 7.892/2013, art. 10, 11, II, e 11, §1º);

d. previsão geral de negociação diante da identificação de variação de preço no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados ((Decreto nº 7.892/2013, art. 17);

e. na hipótese do preço registrado tornar-se superior ao de mercado, o fornecedor é convocado a negociar no sentido de adequar seus preços; eventual negativa gera a liberação do fornecedor da obrigação contraída (Decreto nº 7.892/2013, art.18);

f. tornando-se o preço registrado inferior identificado ao mercado, para o caso do fornecedor não conseguir cumprir a obrigação assumida, será possível sua liberação e convocação dos demais fornecedores para negociação ((Decreto nº 7.892/2013, art. 19).

O art. 17 do Decreto nº 7.892/2013, seguindo exatamente o conteúdo do inciso II do §3º de seu art. 15 da Lei 8.666/93, estabeleceu a possibilidade  da revisão de preços registrados “... em decorrência eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador promover as negociações junto aos fornecedores, observadas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.”

 

O art. 18 do Decreto nº 7.892/2013 tratou da hipótese do preço registrado tornar-se superior ao preço praticado no mercado e, dessa forma transborda os limites do presente estudo.

Já o caput do art. 19 do Decreto nº 7.892/2013 regulamentou a hipótese do o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados. Nesses casos, para além da possibilidade de atuação instituída pelo art. 17, o art. 19 previu em seu inciso I a possibilidade de liberar-se o fornecedor e, ao inciso II do mesmo dispositivo, a possibilidade de convocar-se os demais fornecedores.

A literalidade é o ponto de partida da análise de qualquer dispositivo legal. A literalidade do dispositivo faz lembrar a moldura que, na lição de Kelsen, comporta várias interpretações. Mas o dispositivo segue sendo o ponto de parti, ainda que se mantenha o espaço na moldura para interpretações. (Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 390).

É fundamental não perder de vista a literalidade do art. 19. Considere-se:

Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:
I - liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e
II - convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.

 

Não se pode deixar de considerar que tanto o art. 17 como o art. 19 do Decreto nº 7.892/2013 trazem em sua literalidade a conjugação do verbo poder, que indica algum espaço de decisão para o administrador. Tem-se evidente ato de natureza discricionária nesse caso, que na lição de Hely Lopes Meirelles, são os que “... a Administração autorizada pela lei, pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização.” (Op. Cit. p. 192)

A literalidade dos art. 17 e 19 do Decreto nº 7.892/2013 não permitem conclusão no sentido da dispensa do fornecedor como ato vinculado, diante circunstância em que o preço de mercado se mostre superior ao registrado.

Ainda que houvesse mais de uma interpretação possível para o verbo “poder”, não é concebível interpretar texto de decreto de forma dissociada da lei a que ele regulamenta e do texto constitucional. Com a devida vênia, em algum momento de sua concepção o Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU se distanciou um tanto da característica  limitada de decreto. Para retomar esse conceito é importante rememorar a lição de Maria Sylvia Zanella de Pietro a respeito do tema. Considere-se:

Quando comparado à lei, que é ato normativo originário (porque cria direito novo originário de órgão estatal dotado de competência própria derivada da Constituição), o decreto regulamentar é ato normativo derivado (porque não cria direito novo, mas apenas estabelece normas que permitam explicitar a forma de execução da lei).
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo  Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 36. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023 p. 277).

 

E se a interpretação literal encerra de todos os métodos talvez o menos denso, é o caso do intérprete se socorrer da interpretação sistemática. Da aplicação do método sistemática será possível integrar o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, com o inciso II do §3º do art. 15 da Lei 8.666/93 e com o art. 17 do Decreto nº 7.892/2013. E todos os dispositivos mencionados apontam para tutela do equilíbrio econômico-financeiro da proposta.

Não é razoável, está complemente fora dos limites da moldura kelseniana, interpretação que abstraia uma conduta vinculada de dispositivo que se utiliza do verbo “poder”.

Tomando o rumo da interpretação finalística ou teleológica, não se pode perder de vista que o Decreto nº 7.892/2013 trouxe um capítulo específico nomeado de “REVISÃO E DO CANCELAMENTO DOS PREÇOS REGISTRADOS”. A revisão dos preços compõe a estrutura do decreto assim como seu cancelamento. A intenção do legislador, seguramente, foi deixar ao administrador uma espaço de análise e decisão que lhe permitisse negociar e decidir, a partir de critério de conveniência e oportunidade, se dispensa o fornecedor ou atualiza os preços da ARP. A intenção do legislador foi preservar alguma liberdade ao administrador para decidir diante do caso concreto.

Sob a perspectiva axiológica ou valorativa, parte-se do conteúdo do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal para afirmar que, a melhor interpretação é aquela que permite ao administrador manter a ARP funcional, a partir da remuneração do fornecedor de forma justa, com base no preço praticado pelo mercado. A manutenção do equilíbrio dos contratos administrativos detém natureza de verdadeiro princípio constitucional, devendo servir inclusive de guia à interpretação de toda legislação infraconstitucional.

Para além do dispositivo constitucional mencionado, não se pode descartar o princípio da eficiência inserido ao caput do art. 37 da Constituição Federal. A busca pela eficiência administrativa detém relação intensa com a interpretação dos dispositivos analisado à medida que, dispensados os fornecedores, nova licitação será necessária. Quando da pesquisa de preços, certamente o orçamento será confeccionado com base nos parâmetros do mercado. Exatamente os mesmo parâmetros pretendidos pelo fornecedor em termos de revisão da ARP, ou talvez mais caros.

A rigor pois, diante de preços de mercado maiores que os registrados em ata, constitui dever da Administração proceder negociação com o fornecedor. Existe a possibilidade de liberá-lo de cumprir compromisso assumido sem aplicação de multa. Essa liberação fica condicionada à demonstração do quanto segue:

a. demonstração de que não pode cumprir o compromisso assumido;

b. comunicação da impossibilidade antes do pedido de fornecimento;

c. fornecimento de comprovantes dos fatos alegados;

d. confirmação da veracidade dos motivos e comprovantes apresentados.

 

Entendendo, pois, conveniente e oportuno, a Administração poderá ainda revisar os preços constantes da ARP diante de eventual requerimento do fornecedor.

Portanto, a revisão é possível. A questão residual aponta para o método adequado para o procedimento.

 

II – 2.5.2.3. Aspectos operacionais pertinentes à revisão da ARP – contexto da Lei 8.666/93

II – 2.5.2.2.1. Natureza jurídica da ARP. Identificando o direito aplicável

A partir da premissa de que é possível a revisão dos preços contidos nas ARPS é importante responder outras questões operacionais.

É preciso saber definir ainda:

a. a metodologia a ser adotada;

b. quais os fundamentos que serão admitidos como ensejadores dessa revisão;

 

A definição da natureza jurídica da ARP é relevante para definir a metodologia a ser adotada para as revisões de preços.

O art. 65 da Lei 8.666/93 trouxe institutos tais como o reajuste e o reequilíbrio (ou revisão para alguns), destinados à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato administrativos.

Do  Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU observa-se que, a AGU posicionou-se no sentido de que a ARP não é um contrato administrativo, portanto não poderiam ser utilizados os institutos do reajuste, do reequilíbrio ou repactuação na linha que se verifica presente à renovada IN SEGES/MPOG nº 05/2017 (IN SEGES/ME nº 75/2021).

No que se refere à definição da natureza jurídica da ARP, mostra-se acertado o posicionamento do parecer mencionado. De fato, a ata de registro de preços não tem natureza de contrato administrativo nem com ele se confunde.

A ARP é um documento obrigacional que viabiliza, estrutura, prepara a relação jurídica para futuro aperfeiçoamento de um contrato administrativo. Nesse sentido há inclusive precedente recente do STJ trabalhando a legislação pertinente conforme segue:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. ATRASO NO PAGAMENTO SUPERIOR A 90 DIAS PELA ADMINISTRAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE PRODUTO MÉDICO HOSPITALAR. SERVIÇO ESSENCIAL. O ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA DO ART. 78, XV, DA LEI 8.666/1993 RESULTA DE EVENTO NATURAL E NÃO PODE SER ESTENDIDO À INSOLVÊNCIA ESTATAL, POR FORÇA DOS ARTS. 21, XVIII, E 126 DA CF. OS PROBLEMAS DA INSOLVÊNCIA ESTATAL RESOLVEM-SE POR MEIO DOS MECANISMOS DOS ARTS. 167-A E 169, § 9º, DA CF, OU SEJA, CONTENÇÃO DE DESPESAS E EDIÇÃO DE LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
(...)
8. A ata de registro de preços, como se sabe, dá o embasamento jurídico para formação dos contratos. No entanto, uma vez celebrada a contratação, esta assume contorno próprio, sendo distinta a natureza jurídica cada uma. Ao se identificar a diferença entre os instrumentos, é possível afirmar que as autorizações de fornecimento emitidas em razão da ata de registro de preços, por não se confundirem com aquela, podem ter vigência igualmente distinta. Ou seja, as autorizações de fornecimento não expiram em conjunto com o fim de vigência da ata. Dessa forma, mesmo em detrimento do vencimento da Ata de Registro de Preços (ARP) 15/2017 continuam válidos as autorização 449 (14.03.2018), 464 (16.03.2018), 1487 (6.06.2018) e 1651 (20.06.2018), uma vez que foram assinadas dentro da vigência da ata e são análogas a um contrato, devendo ser cumpridas.
9. Tal interpretação deriva da própria Lei Federal 8.666/1993, em seu art. 15, § 4º, combinado com o art. 62, que prevê adoção de instrumento hábil para contratação, que não o contrato stricto senso, e que a estes se aplicam os regramentos sobre as alterações do contrato, distintas das regras previstas para a própria ata registrada. CONCLUSÃO 10. Nesse contexto, a hipótese dos autos se mostra muito mais relevante que os próprios acórdãos aqui invocados como análogos à matéria, exatamente por espelhar situação relacionada a fornecimento de produtos médico-hospitalares para o Estado tratar de pessoas em situação vulnerável, máxime em contexto de pandemia. Seria inversão de valores jurídicos conferir maior proteção ao direito de crédito da concessionária que aos direitos fundamentais à saúde e à integridade física do consumidor.
11. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.933.890/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/11/2021, DJe de 10/12/2021.)

 

Mas não basta definir o que ARP não é. É preciso definir sua natureza para que haja segurança acerca do regime jurídico aplicável.

A partir do caput do art. 54 da Lei 8.666/93 observa-se que contratos administrativos são regidos a princípio pelo direito público e, de forma supletiva, por princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

A Lei 8.666/93 não se propôs a trazer detalhes sobre o sistema de registro de preços, deixando a matéria a ser tratada por regulamento conforme §3º de seu art. 15. A própria ata de registro de preços foi instituída a partir da regulamentação.

Considerado o texto do Decreto nº 7.892/2013, não foi possível identificar dispositivo que tenha trazido o conceito ou a natureza jurídica da ata de registro de preços. E o questionamento não sequer ser considerado meramente acadêmico à medida que, é partir de sua resposta que se define o regime jurídico aplicável.

Com efeito, à medida que  o Direito Público não trouxe resposta adequada, é o caso de proceder breve incursão pelo direito privado, a fim de identificar a natureza dos ajustes que antecedem o contrato.

Afinal, de acordo com precedente do Tribunal de Contas da União relatado pelo Min. BENJAMIN ZYMLER:

A ata de registro de preços caracteriza-se como um negócio jurídico em que são acordados entre as partes, Administração e licitante, apenas o objeto licitado e os respectivos preços ofertados. A formalização da ata gera apenas uma expectativa de direito ao signatário, não lhe conferindo nenhum direito subjetivo à contratação. (Acórdão n. 1285/2015-Plenário).

 

Negócio jurídico teve seu conceito trabalhado por Tartuce conforme segue:

Ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica. A expressão tem origem na construção da negação do ócio ou descanso (neg + otium), ou seja, na ideia de movimento. Como faz Antônio Junqueira de Azevedo, pode-se afirmar que o negócio jurídico constitui a principal forma de exercício da autonomia privada, da liberdade negocial: “in concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”. 130 Ou ainda, como quer Álvaro Villaça Azevedo, no negócio jurídico “as partes interessadas, ao manifestarem sua vontade, vinculam-se, estabelecem, por si mesmas, normas regulamentadoras de seus próprios interesses”. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 231. )

 

A necessidade de motivação adequada dos atos administrativos e ainda, a necessidade de manter coesa a base dogmática[4] dos pareceres jurídicos não permite sustentar-se apenas que “ata é ata” e, partir para identificação de um terceiro gênero de instituto. Não é o suficiente para se tolerar o esvaziamento da garantia constitucional de preservação das condições das propostas. O dispositivo constitucional deve guiar a interpretação de toda a legislação infraconstitucional e não o contrário.

Acaso o Direito Público não proponha resposta adequada a dado questionamento pertinente às contratações públicas, o art. 54 da Lei 8.666/93 impõe o socorro ao Direito Privado. É o que se pretende às próximas linhas.

 

II – 2.5.2.2.1.1. Subsídios do direito privado á definição da natureza da ARP

A fim de garantir adequada investigação acerca da natureza jurídica da ARP, mostra-se útil abordar, a princípio, o conceito de contrato e na sequência avançar um tanto sobre seu processo de formação, em especial no que se refere ao conjunto de tratativas que antecede sua formalização.

Esclarecendo a importância e justificando a investigação do conceito de contrato Tepedino, Konder e Bandeira lecionam:

A definição de contrato, tal como outras categorias jurídicas (próprias do contato social, como os negócios unilaterais e os atos jurídicos stricto sensu), destina-se à função normativa: determinar a quais suportes fáticos se aplica a disciplina legal prevista para a relação contratual, assim como excluir de seu âmbito de incidência os demais fenômenos, aos quais as normas em questão somente poderiam ser aplicáveis por interpretação analógica ou extensiva, devidamente fundamentada. Busca-se delimitar o que é contrato para identificar sobre quais situações devem incidir as normas de direito contratual. Igualmente, a definição de contrato também serve, a contrario sensu, para determinar o que não pode ser compreendido como contrato e, dessa forma, indicar as situações que restam excluídas, a princípio, da incidência dessas normas. Por conseguinte, a elaboração da noção de contrato não se destina à construção de categoria pura ou de conceito imutável, para fins de aperfeiçoamento da ciência do direito, mas sim à finalidade prático social. Busca-se a definição que sirva para identificar a quais fenômenos se reputa adequada, a priori, a aplicação das normas de direito contratual. (TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do direito civil, vol. 3 – Contratos /. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 44.)

 

Do §único do art. 2º da Lei 8.666/93 observa-se que o legislador considerou contrato “... todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”

Orlando Gomes em clássico da doutrina contratual conceitua contrato como “...espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral.” (GOMES, Orlando Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 4. )

Fabio Ulhoa Coelho, em sentido muito próximo aponta que contrato pode ser definido como “...negócio jurídico bilateral ou plurilateral gerador de obrigações para uma ou todas as partes, às quais correspondem direitos titulados por elas ou por terceiros.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos, volume 3 [livro eletrônico] /. -- 2. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 21)

Tartuce segue demonstrando a estabilidade do conceito por meio do conteúdo que segue:

O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios.
Dentro desse contexto, o contrato é um ato jurídico em sentido amplo, em que há o elemento norteador da vontade humana que pretende um objetivo de cunho patrimonial (ato jurígeno); constitui um negócio jurídico por excelência. Para existir o contrato, seu objeto ou conteúdo deve ser lícito, não podendo contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, a sua função social e econômica e os bons costumes. Em suma, e em uma visão clássica ou moderna, o contrato pode ser conceituado como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 26)

 

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald disponibilizaram o conceito de contrato que segue:

Afinal o que é o contrato? A partir da demonstração do conflito entre teorias e  paradigmas, sejam eles formalistas, voluntaristas, normativistas, estruturalistas ou economicistas, com Roppo, acreditamos que “o contrato é a veste jurídico-formal das operações econômicas”. E, estruturalmente, como fato jurídico, em adaptação ao conceito fornecido por Antônio Junqueira, compreendemos o contrato como “todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos pelas partes, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pelo sistema jurídico que sobre ele incide”. (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. de Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 32.)

 

Sob influência intensa valores incisiva da carga principiológica trazida pela Código Civil de 2002 (CCB, art. 113 e 422, por ex.) e mesmo pela tendência acertada da leitura constitucional das disposição de direito privado, Pablo Sotolze e Rodolfo Pamplona trazem o conceito de contrato que segue: “... negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil; volume único – 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 326)

Dos conceitos considerados é possível identificar a identificação do contrato como negócio jurídico bilateral ou plurilateral como elemento comum.

A ideia de negócio jurídico remete à teoria do fato jurídico. No que interessa ao presente estudo, fatos jurídicos lato sensu são todos aqueles fatos que repercutem sob a perspectiva jurídica. À medida que o fato decorre de uma ação humano ou não, é classificado em ato jurídico ou fato jurídico stricto sensu. O ato jurídico pode ainda ser classificado em ato em lícito ou ilícito em função de sua conformidade com o direito. Atos jurídicos lícitos por fim, podem ser classificados em atos-fatos jurídicos ou negócios jurídicos. Nos negócios jurídicos há intenção deliberada das partes de produzir determinado efeito ou consequência jurídica. (Cf. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. de Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 35.)

Chaves e Rosenvald, fortes na lição de Antônio Junqueira Azevedo, conceituam negócio jurídico como “... todo fato jurídico consistente na declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”.”(Cf. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. de Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 35.)

 A composição bilateral ou plurilateral de vontades encerra o segundo aspecto comum encontrado nos conceitos alinhados acima. É preciso, contudo, compreender de forma adequada essa característica dos contratos. A bilateralidade contratual implica a composição ou a convergência de duas vontades no sentido do estabelecimento de obrigações. A bilateralidade não implica, na atualidade, exigência no sentido da existência de obrigações recíprocas.   

Esse aspecto da bilateralidade do contrato é fundamental para análise que se desenvolve. E é fundamental pois, um dos argumentos mais incisivos daqueles que sustentam que a ARP não teria natureza contratual é o fato de que estabelece obrigações apenas para o fornecedor.

Curioso notar que sequer essa premissa é verdadeira. Se para o fornecedor é fixada obrigação de fornecer determinado produto, por preço e por prazo certos, para a Administração Pública é fixada obrigação de respeitar a preferência do fornecedor selecionado nos termos do §4º do art. 15 da Lei 8.666/92 3 art. 16 do Decreto nº 7.892/2013[5].

Nesse mesmo sentido considere-se J. U. Jacoby Fernandes acerca do tema:

Nesse contexto, o Sistema de Registro de Preços é sui generis procedimento da licitação, porque a Administração vincula-se, em termos, à proposta do licitante vencedor, na exata medida em que, juridicamente, ele — o licitante — também se vincula. Desse modo: a) a Administração não está obrigada a comprar; b) o licitante tem o dever de garantir o preço, salvo supervenientes e comprovadas alterações dos custos dos insumos;22 c) a Administração não pode comprar de outro licitante que não seja aquele que ofereceu a melhor proposta;23 d) o licitante tem a possibilidade de exonerar-se do compromisso assumido na ocorrência de caso fortuito ou força maior, na forma preconizada, inclusive no art. 21 do Decreto nº 7.892/2013.
Há no conjunto uma reciprocidade de obrigações, que tanto flexibiliza o negócio como lhe dá eficácia. Essa engenhosa harmonia cria um eficiente sistema de equilíbrio. Embora possa à primeira vista parecer um paradoxo, basta lembrar, numa analogia, que é a estrutura em balanço que faz os prédios japoneses resistirem a terremotos. (Op. Cit. p. 35)

 

De todo modo, em especial a partir do Código Civil de 2002, a doutrina tem admitido contratos com obrigações fixadas para apenas um dos contratantes.

Abordando a questão da necessidade de obrigações recíprocas Fabio Ulhôa Coelho lecionou:

(...)
c) Gerador de obrigações para uma ou todas as partes. As obrigações, lembro, podem ser negociais ou não negociais, segundo a origem imediata (Cap. 13, item 4). Os contratos, claro, por serem negócios jurídicos, geram obrigações negociais (assim também as declarações unilaterais de vontade). Mas, note-se, não geram necessariamente obrigações para todos os contratantes.
Em outros termos, os contratos podem ser unilaterais, quando uma só das partes tem obrigações, ou bilaterais, se todas as têm. Nos unilaterais, o encontro de vontades dos contratantes gera obrigações para um deles somente. Na doação pura, apenas o doador se obriga; no comodato, só o comodatário; no mútuo, exclusivamente o mutuário; no contrato estimatório (a venda em consignação), o consignatário é o único contratante obrigado e assim por diante. Nos bilaterais, todos têm recíprocas obrigações. Na compra e venda, o comprador deve pagar o preço e o vendedor transferir o domínio da coisa; na locação, o locador transfere temporariamente a posse do bem e o locatário é obrigado ao aluguel; na empreitada, o empreiteiro obriga-se a erguer a construção e o dono da obra a remunerar-lhe o serviço etc.
Na operacionalização do conceito de unilateralidade é preciso cautela. O contrato pode ser unilateral, no sentido de criar obrigações para somente uma das partes, mas nunca será um negócio jurídico unilateral. A doação pura é contrato unilateral, porque apenas o doador assume obrigações, mas não se constitui contra a vontade do donatário. Este é necessariamente parte do negócio jurídico. Sem a concordância do donatário em receber a coisa em doação não há contrato, por mais que o doador insista na liberalidade. É diferente do testamento, por exemplo; nele, só o testador é parte do negócio jurídico, e não o beneficiário da declaração de última vontade. O testamento, por isso, não é um contrato. Em outros termos, não se confunde a quantidade de partes do negócio jurídico com a de contratantes obrigados em virtude do contrato. Negócio jurídico unilateral é o que possui uma só parte; contrato unilateral é o que gera obrigações para um contratante apenas. Todo contrato é negócio jurídico bilateral ou plurilateral porque não pode prover de uma só declaração de vontade. (Op. Cit. p. 21).

 

Tepedino, Konder e Banderia  tratam um tanto mais da característica da bilateralidade dos contratos conforme segue:

O primeiro traço distintivo do contrato perante os demais negócios jurídicos é, portanto, a bilateralidade. Vale esclarecer, todavia, com que significado se apreende essa bilateralidade, já que ela pode se colocar em diversos sentidos no plano dos contratos: referindo-se às manifestações de vontade, às obrigações e às prestações.  Afirma-se, aqui, que todo contrato é negócio jurídico bilateral no sentido de que se forma por mais de uma manifestação de vontade, complementares entre si. Consequentemente, trata-se de negócio jurídico bilateral quanto à sua formação. Daí considerar-se o consentimento como elemento característico do contrato, referente ao encontro de vontades complementares: “a bilateralidade, quando se fala de negócios jurídicos bilaterais, concerne às manifestações de vontade, que ficam, uma diante da outra, com a cola – digamos assim – da concordância”.
Nesse ponto, distingue-se o contrato dos negócios unilaterais, nos quais o ordenamento permite, em hipóteses específicas, a criação, modificação ou extinção da relação jurídica a partir de uma única fonte.
(...)
Nos contratos, ao contrário, a gênese do regulamento de interesses necessariamente se estabelece por meio do envolvimento de dois ou mais centros de interesses, cujas manifestações complementam-se para a individuação dos efeitos jurídicos a serem perseguidos. Sob essa acepção ampla de bilateralidade se encontram abrangidos também os negócios que se convencionou chamar de plurilaterais, eis que também abrangidos na seara dos contratos, em clara distinção frente à estrutura dos negócios unilaterais. (Op. Cit. p. 45. )

 

Com efeito, o contexto normativo em que a ARP é confeccionada termina por proporcionar obrigações para o fornecedor e para Administração. De todo modo, ainda que não se entenda dessa forma, não é relevante para definição da natureza contratual da ARP o fato de seu conteúdo estabelecer obrigações apenas para o fornecedor.

Superada a questão da bilateralidade na composição do próprio conceito do contrato, é o caso de avaliar o processo de formação dos contratos.

 

II – 2.5.2.2.1.2. O processo de formação dos contratos e o contrato preliminar

A doutrina usualmente constrói um processo de formação ordinária dos contratos a partir atos pré-negociais representados por proposta e aceitação. O contrato tende a se realizar a partir da convergência entre esses dois últimos atos.

Orlando Gomes lembra que a depender da expressão econômica de determinados contratos, é muito natural que atos preparatórios, negociações, tratativas, avaliações ou estudos sejam realizados. Dentre as iniciativas prévias ao contrato o autor relacionado o chamado contrato preliminar e sobre este leciona o quanto segue:

Algumas legislações admitem expressamente a vinculação preliminar de pessoas interessadas na estipulação de certos contratos através de um "pacto de contrahendo" em virtude do qual uma dessas pessoas se obriga a prestar seu consentimento para a sua conclusão. A esse negócio jurídico designa-se com a expressão promessa unilateral de contrato ou contrato preliminar unilateral.
Todo contrato preliminar tem sua causa na preparação de um contrato definitivo, sendo, portanto, seu efeito específico a criação da obrigação de contraí-lo. No caso, v. g., da promessa unilateral de venda, obriga-se o promitente-vendedor a prestar seu consentimento para a realização do contrato definitivo de venda e compra, se a outra parte o exigir.
Ao contrário do que sucede com a opção, no contrato preliminar é necessária a conclusão de outro contrato, o definitivo, com prestação de novo consentimento. Desse modo, só se estrutura um contrato preliminar unilateral quando uma das partes se compromete a concluir outro contrato a este coligado funcionalmente.
Na promessa unilateral, a outra parte fica com a liberdade de celebrar ou não o contrato definitivo, por isso que só é vinculante para o promitente.
O contrato preliminar já deve conter os elementos essenciais do contrato definitivo bem como os que podem influir na vontade e intenção de chegar a este. (Op. Cit. p. 69. )

 

Importante notar que para Orlando Gomes, também não descaracteriza o contrato preliminar o fato de a realização do contrato principal depender exclusivamente da vontade de uma das partes.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald introduzem o contrato preliminar conforme segue:

Via de regra, os contratos se formam com presteza pelo mero encontro de vontades ou, mais especificamente, de uma proposta e uma aceitação. Na visão pueril da fenomenologia contratual, imaginamos uma pessoa ingressando em um mercado, escolhendo o produto na gôndola com base em suas características e seu preço, para ao final realizar o pagamento e sair do estabelecimento, mesmo que o evento não seja marcado por nenhum diálogo entre comprador e vendedor.
Contudo, nas sociedades complexas a dinâmica é diversa. Determinados contratos demandam profundos estudos técnicos e cálculos econômicos envolvendo relatórios, viagens e pesquisas. Muitas vezes os parceiros preferem se conhecer melhor antes do passo final, elidindo consequências jurídicas de uma convenção definitiva. Em outros casos, existem dificuldades momentâneas que procrastinam a celebração imediata do contrato principal, sejam de ordem subjetiva ou objetiva. Nestas situações, nada impede que duas ou mais pessoas ajustem o contrato, convencionando-se os direitos e deveres recíprocos e os termos essenciais da operação econômica, porém protraindo-se o acordo definitivo e a produção de efeitos jurídicos e econômicos para um momento posterior.
 Estas são algumas das razões que justificam o enorme significado do contrato preliminar, que pode ser conceituado como aquele em que as partes se comprometem a efetuar, posteriormente, um segundo contrato, que será o contrato principal. Por meio do contrato preliminar, os promitentes antecedem e preparam o contrato definitivo, obrigando-se mais tarde a celebrá-lo. Cuida-se de um pacto de contrahendo, definido por Orlando Gomes como “Convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia do contrato que projetaram.”
(...)
O contrato preliminar não pode ser enfrentado como uma categoria intermediária entre as negociações preliminares e o contrato definitivo. Cuida-se de figura autônoma. Enquanto as tratativas são levadas a efeito independentemente de qualquer compromisso, pois as partes não sabem se irão ou não contratar, o contrato preliminar é uma convenção completa que demanda um acordo de vontades e uma relação jurídica concluída, de natureza patrimonial. Já há o consentimento dos pré-contratantes, cuja finalidade é a segurança do negócio substancial que se tem em mira. A fase das tratativas é concluída positivamente, porém as partes optam pela não celebração do contrato definitivo. Com o contrato preliminar, as partes não se obrigam a prosseguir nas negociações, mas concluir um certo conteúdo, pronto e acabado, pois elas já “fecharam o negócio”. Com sua erudição peculiar, lembra Caio Mário da Silva Pereira que as negociações preliminares “não envolvem compromissos, nem geram obrigações para os interessados, limitando-se a desbravar terreno e salientar conveniências e interesses, ao passo que o contrato preliminar já é positivo no sentido de precisar de parte a parte o contrato futuro”.
(...)
Também existe uma certa proximidade entre os contratos normativos e os preliminares. O contrato normativo não obriga as partes a uma futura contratação, mas, caso deliberem em tal sentido, os termos da futura avença não poderão fugir do conteúdo por aquele disciplinado. Seria o caso do contrato coletivo de trabalho. Ele não disciplina diretamente os contratos individuais de trabalho, mas fixa cláusulas gerais de contratação, cuja estipulação é imprescindível entre empregador e empregado. Diversamente, o contrato preliminar dá ensejo à obrigatória realização do contrato principal e perde a sua razão de ser quando este é firmado. Já o contrato normativo não desaparece, pois continuará regulando uma série indefinida de futuros contratos.
Dessume-se do exposto que há um relativo consenso doutrinário em associar o conceito do contrato preliminar à ideia de um contrato acessório a um contrato futuro, sem cuja existência aquele deixa de fazer sentido. Nesta linha de raciocínio, o contrato preliminar não criaria efeitos substanciais, já que seu objeto se reduziria à celebração do contrato principal, este sim capaz de modificar substancialmente a situação jurídica dos contratantes, ainda que se possa convencionar o cumprimento antecipado de algumas das prestações constantes do contrato definitivo. (Op. Cit. p. 90. )

 

Acerca do contrato preliminar Silvio Venosa lecionou o quanto segue:

Já se salientou que a conclusão de um contrato representa um acréscimo patrimonial para o contratante. De fato, a posição contratual temumvalor economicamente apreciável. Nemsempre o mero interesse emcontratar materializa-se emumcontrato. Os contratos, mormente aqueles em que as partes têm plena autonomia de vontade em suas tratativas, são frutos, na maioria das vezes, de ingentes esforços, de conversas longas, de minutas, viagens, estudos preliminares, desgaste psicológico das partes, contratação de terceiros especialistas que opinam sobre a matéria. Enfim, o contrato, o acordo de vontades, para gerar efeitos jurídicos, como ora se enfoca, adquire um valor que extravasa pura e simplesmente seu objeto.
Em razão disso, pode às partes não parecer oportuno, possível ou conveniente contratar de forma definitiva, plena e acabada, mas será talvez mais inconveniente nada contratar, sob pena de se perder toda essa custosa fase preparatória. Talvez necessitem as partes de completar maiores estudos, aguardar melhor situação econômica ou remover algum obstáculo que impeça, naquele momento, a contratação. Nessas premissas, partem os interessados para uma contratação preliminar, prévia, antevendo um futuro contrato. Essas figuras antecedentes a um contrato definitivo tomam diversas denominações: contrato preliminar, promessa de contrato, compromisso, contrato preparatório, pré-contrato etc. Essa categoria engloba, desimportando a denominação, todos os acordos que antecedem a realização de outro contrato; são evidentemente negócios jurídicos e como tal devem ser tratados. Convenções que objetivam  a realização de um contrato, gerando deveres e obrigações a uma ou a ambas as partes. Nessas avenças, podem as partes determinar com maior ou menor amplitude as cláusulas que vão constar do contrato definitivo. Terminologicamente, dizemos que, como contrato preliminar, as partes buscam a conclusão de um contrato principal ou definitivo.
Embora tenha cunho preliminar ou preparatório, na maioria das vezes, esse negócio tem todas as características de um verdadeiro contrato, daí por que optamos por estudá-lo no capítulo de sua classificação.
Não se pode confundir, no entanto, as chamadas negociações preliminares com contrato preliminar ou pré-contrato. Como regra, as negociações preliminares não geram direitos. Todavia, quando falamos de responsabilidade pré-contratual, esta decorre justamente de danos causados na fase de negociações, fora do contrato, indenizáveis sob a égide do art. 186, como estudaremos em momento oportuno. Na esfera dos negócios mais complexos, é comum que as partes teçam considerações prévias, ou firmem até mesmo um protocolo de intenções, mas nessas tratativas preliminares ainda não existem os elementos essenciais de um contrato, quais sejam, res, pretium et consensus (Azulay, 1977:80). Gozando o pré-contrato de todos os requisitos de um contrato, seu inadimplemento é examinado sob o prisma contratual. O contrato preliminar estampa uma fase da contratação, porque as partes querem um contrato, mas não querem que todos os seus efeitos operem de imediato. Como negócio jurídico, porém, goza de autonomia. Enfatizamos que a figura ora estudada afasta-se das negociações preliminares referidas, estampadas por simples manifestações sem caráter vinculativo. De qualquer forma, não há um longo vácuo entre as negociações preliminares e o contrato preliminar ou pré-contrato, porque se está no campo que Messineo (1973, v. 21, t. 1:528) denomina com propriedade de formação gradual do contrato (ou formação ex intervallo). De fato, em contratos com maior complexidade há uma formação gradual do negócio, desde a oferta (a ser estudada a seguir), às negociações prévias, eventual opção, até se chegar ao contrato preliminar e, finalmente, ao contrato. O efeito vinculativo negocial só ocorre a partir do pré-contrato, embora exista inelutavelmente uma responsabilidade pré-contratual.(Op. Cit. p. 63.)

 

 

II – 2.5.2.2.1.3 Cotejo entre ARP e a figura do contrato preliminar

O CCB de 2002 tratou do contrato preliminar a partir de seu art. 462[6].

A partir da legislação pertinente e da doutrina transcrita fica evidente que s contratos preliminares não se confundem com negociações preliminares em especial pois, efetivamente vinculam as partes, criando obrigações.

Embora a confecção da ARP não implique obrigação de contratação por parte da Administração, tende a trazer em seu conteúdo dentre outros itens, a descrição do objeto, o preço e condições de pagamento e seu prazo. A rigor são as informações mais relevantes referentes ao futuro ajuste e que vinculam as partes.

A rigor, trata-se de um contrato prévio que estabiliza e prepara a relação entre a Administração Pública e dado fornecedor a fim de que o contrato principal seja realizado quando necessário.

No sentido da natureza contratual da ARP já lecionava Marçal Justen Filho conforme segue:

O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital.
(...)
Em primeiro lugar, é relevante afastar um preconceito, no sentido de que o registro de preços não se constituiria em uma relação jurídica entre a Administração Pública e um particular. Alguns reputam que o registro de preços é um “entendimento” ou uma “avença”, tal como se não apresentasse natureza jurídico-contratual. Outros afirmam que o registro de preços é uma “ata” – confundindo a relação jurídica com o instrumento de sua formalização. Outros, enfim, definem o registro de preços como um “sistema”, o que não fornece a determinação da natureza jurídica do instituto.
O registro de preços é um contrato normativo, expressão que indica uma relação jurídica de cunho preliminar e abrangente, que estabelece vínculo jurídico disciplinando o modo de aperfeiçoamento de futuras contratações entre as partes.
Por isso, as condições pactuadas no registro de preços são vinculantes para ambas as partes. Assim, a Administração Pública não poderá exigir que o particular entregue produtos em qualidade, quantidade ou condições distintas daquelas estabelecidas. Deverão ser observadas as regras quanto ao preço e seu pagamento. Até se admite o reajuste dos preços registrados, sempre que presentes os requisitos pertinentes. A natureza facultativa da utilização do registro de preços por parte da Administração não elimina a existência de uma relação jurídica, o que é evidenciado pelos limites e condições impostos à conduta das partes envolvidas. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos [livro eletrônico]: Lei 8.666/1993 /. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 291. )

 

No mesmo sentido Michelle Marry Marques da Silva aduz:

Desse modo, atentando para a definição atribuída para a ata de registro de preços e entendendo o papel por ela desempenhado no procedimento licitatório no qual se faz uso desse instituto, pode-se concluir que a natureza jurídica da ata de registro de preços é de um pré-contrato administrativo, tanto é assim que o art. 14 do Decreto nº 7.892/2013 dispôs expressamente que “A ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade.”
(...)
Nada obstante, como ressalvado no parágrafo 16 deste artigo, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado devem ser aplicados supletivamente aos contratos administrativos, no sentido de aperfeiçoamento da lei para que seja alcançada a efetividade do instituto, sendo assim, os contornos básicos fundamentais que devem ser observados na ata de registro de preços quando considerada como pré-contrato administrativo devem ser aqueles dispostos no Decreto nº 7.892/2013, inclusive, no que se refere à forma devendo, então, sofrer derrogação nos pontos regulamentados a norma privada utilizada.
(...)
Nessa toada, a inteligência da definição constante no art. 2º, inciso II, do Decreto nº 7.892/20213, quando expressamente ressaltou que a ata de registro de preços é um “… documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação…” reforça o entendimento de que sua natureza jurídica é de pré-contrato, o qual apesar de não estabelecer direitos, obrigações entre a Administração Pública e o particular envolvido, não retira a possibilidade de revisão dos preços registrados na ata, muito pelo contrário, acaba por reforçar, visto que o fornecedor irá formalizar o contrato definitivo com a certeza de que os preços serão os condizentes com o mercado.
Em conclusão neste tópico específico, pode-se considerar que a ata de registro de preços, aplicando supletivamente as disposições de direito privado, tem como natureza jurídica o pré-contrato administrativo, observadas as regras estabelecidas no Decreto nº 7.892/2013, dentre elas, a do artigo 16 para o qual “A existência de preços registrados não obriga a administração a contratar, facultando-se a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, assegurada preferência ao fornecedor registrado em igualdade de condições.”, o que leva a crer que no caso da utilização da ata de registro de preços como pré-contrato administrativo o artigo 16 do Decreto referido deve ser considerado como “cláusula de arrependimento” devendo figurar obrigatoriamente nos instrumentos que serão formalizados.(SILVA, Michelle Marry Marques da.  A impossibilidade de revisão e reajuste na ata de registro de preços: um mantra a ser superado. (Disponível em https://www.parceriasgovernamentais.com.br/a-impossibilidade-de-revisao-e-reajuste-na-ata-de-registro-de-precos-um-mantra-a-ser-superado/#_ftn5. Acessado aos 25.09.2022.)
 

Não trouxe posicionamento diverso J. U. Jacoby Fernandes que, partindo da premissa de que a ARP realmente teria natureza contratual e sofreria incidência do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal propõe:

No caso da contratação pelo Sistema de Registro de Preços, todavia, o contrato firmado, embora se protraia no tempo, é somente de expectativa de fornecimento. Nesse sentido, o Decreto nº 7.892/2013, que não tem força para suspender o mandamento constitucional, estabeleceu que o fornecedor será liberado da obrigação sem aplicação de penalidade se comunicar ao órgão gerenciador, antes do pedido de fornecimento, os motivos da majoração de preços, assim como os respectivos comprovantes apresentados.
A adequação de preços pode ser feita por meio do reajuste, do reequilíbrio contratual e da repactuação.
O reajuste é uma adequação de preços sempre para um valor superior, com periodicidade e índice457 pré-definidos.
Ressalte-se, todavia, que, conforme Renato Guanabara Leal de Araújo e Marcos Sousa e Silva, na negociação de preços, reequilíbrio e reajuste é permitido exigir-se que seja mantida a diferença percentual apurada entre o valor de mercado e o valor da proposta originária, atendendo-se às regras editalícias. (Op. Cit. p. 264.)
 

Joel de Menezes Niebuhr segue sentido similar, sustentando incidência do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal sobre as atas de registro de preços conforme segue:

O inciso II do §3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 prescreve que decreto regulamentar sobre o registro de preços deve observar, obrigatoriamente, estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados. Portanto, a todas as luzes, os preços registrados em ata não devem ser sempre os mesmos; eles podem e devem ser revistos, desde que ocorram fatos geradores de desequilíbrio econômico-financeiro.
E não poderia ser diferente, haja vista que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é direito de alçada constitucional, previsto no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal — em conformidade com a passagem que prescrevem que devem ser mantidas as condições efetivas da proposta. A ata de registro de preços guarda natureza de pré-contrato, ela gera contratos, que são firmados de acordo com os termos e as condições nela preestabelecidas. Portanto, os termos e as condições consignados na ata de registro de preços não podem ser desequilibrados. Dito de outra forma, é forçoso corrigir eventuais desequilíbrios havidos em ata de registro de preços, haja vista que os fornecedores ou prestadores de serviços não podem ser obrigados a firmar contrato com base em termos e condições desequilibrados, não correspondentes à realidade do mercado e à equação econômico-financeira havida na licitação, quando apresentadas as propostas. Dessa sorte, a necessidade de manter a ata de registro de preços atual, equilibrada e em consonância com o mercado deflui da própria Constituição Federal e não apenas das opções delineadas no nível hierarquicamente rasteiro dos decretos.
De maneira clara, o que é pressuposto para o enfrentamento deste tópico, os decretos não guardam a prerrogativa de recusar o direito ao equilíbrio econômico-financeiro em ata de registro de preços.
Nesse passo, o inciso II do §3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 determina que a atualização dos preços registrados seja versada em decreto regulamentar. Em âmbito federal, o assunto era tratado, de modo bastante equivocado e infeliz, nos parágrafos do art. 12 do revogado Decreto Federal nº 3.931/01. Os equívocos e a infelicidade persistem nos artigos 17, 18 e 19 do atual Decreto Federal nº 7.892/13, que praticamente reproduzem as mesmas escolhas equivocadas do antigo Decreto Federal nº 3.931/01. (NIEBUHR, Joel de Menezes Licitação pública e contrato administrativo /. – 4. ed. rev. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 688. )

 

Não se pode deixar de considerar, contudo, que, há respeitável doutrina no sentido de que a ARP não teria natureza contratual e, como consequência, não seria possível proceder sua revisão econômica a partir dos institutos do reajuste conhecidos como reajuste em sentido estrito, repactuação e reequilíbrio econômico-financeiro. Ronny Charles nesse sentido aduz:

Importante perceber que a Ata não equivale ao contrato. Sua função específica está relacionada ao registro dos preços aferidos pelo certame, os quais vinculam a empresa durante o período de vigência do instrumento. Assim, não é tecnicamente correta a atitude de utilizar a Ata para regramento das obrigações contratuais, como fosse um contrato.(TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 12. Ed. rev. ampl. e atual. p. 498).

 

É possível encontrar alguns precedentes judiciais exatamente no sentido de considerar a ARP um contrato de natureza preliminar. Segue exemplo:

                                           

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. INADIMPLÊNCIA DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. MULTA.
(...)
3. Primeiramente, é de se esclarecer que o registro de preços, embora seja um acordo preliminar, possui natureza contratual, cuja execução depende da ocorrência de um evento futuro e incerto, aplicando-se, portanto, as normas referentes aos contratos administrativos.
4. Assim, o artigo 55 da Lei 8.666/93 dispõe claramente acerca das cláusulas que devem necessariamente estar presentes em todo contrato administrativo, estabelecendo em seu inciso XII que "a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação."
5. Por sua vez, o artigo 78, I e II, da Lei 8.666/93 menciona que o não cumprimento das cláusulas contratuais ou o cumprimento irregular constituem motivo para a rescisão do contrato.
6. Ainda, o artigo 87, II, do mesmo diploma permite a aplicação de multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, pela inexecução total ou parcial do contrato administrativo.
7. Desse modo, a princípio, cabível a aplicação da sanção disposta na Ata de Registro de Preços no item 7.3, b, conforme fl. 62.
8. Agravo provido.
(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 566171 - 0020862-45.2015.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 20/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/10/2016 )

                                       

 

II – 2.5.2.2.1.4. Posicionamentos  judiciais acerca do terma

Mostra-se estratégico, até mesmo pragmático, avaliar a forma como o Poder  Judiciário tem enfrentado a questão da estabilidade dos preços consignados em ARPs. 

A fim de atingir de forma efetiva a relevância da abordagem de precedentes judiciais, sempre interessante a memória dos bancos acadêmicos, em especial no que se refere a Miguel Reale, tratando da jurisprudência como fonte de direito. Considere-se:

Indagação: “Mas, esse trabalho jurisprudencial, esse Direito revelado pelos tribunais e pelos juízes altera substancialmente a lei?”. Depende do ponto de vista. Em tese, os tribunais são chamados a aplicar a lei e a revelar o Direito sempre através da lei. Há oportunidades, entretanto, em que o trabalho jurisprudencial vai tão longe que, de certa forma, a lei adquire sentido bem diverso do originariamente querido.
É inegável que, se o Judiciário considera de ordem pública uma norma legal antes tida na conta de regra dispositiva, ou vice-versa, verifica-se uma alteração substancial na dimensão típica do preceito, o qual adquire ou perde força cogente. Se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser o seu significado, não há como negar à Jurisprudência a categoria de fonte do Direito, visto como ao juiz é dado armar de obrigatoriedade aquilo que declara ser “de direito” no caso concreto. O magistrado, em suma, interpreta a norma legal situado numa “estrutura de poder”, que lhe confere competência para converter em sentença, que é uma norma particular, o seu entendimento da lei.
Numa compreensão concreta da experiência jurídica, como é a da teoria tridimensional do Direito, não tem sentido continuar a apresentar a Jurisprudência ou o costume como fontes acessórias ou secundárias.
O que interessa não é o signo verbal da norma, mas sim a sua significação, o seu “conteúdo significativo”, o qual varia em função de mudanças operadas no plano dos valores e dos fatos. Muito mais vezes do que se pensa uma norma legal sofre variações de sentido, o que com expressão técnica se denomina “variações semânticas”. As regras jurídicas, sobretudo as que preveem, de maneira genérica, as classes possíveis de ações e as respectivas consequências e sanções, possuem uma certa elasticidade semântica, comportando sua progressiva ou dinâmica aplicação a fatos sociais nem sequer suspeitados pelo legislador.
Pois bem, não raro sob a inspiração da doutrina, a que logo nos referiremos, o juiz, sem precisar lançar mão de artifícios, atualiza o sentido possível da lei, ajustando-a às circunstâncias e contingências do momento. (REALE, Miguel Lições preliminares de direito /. — 27. ed. — São Paulo : Saraiva, 2002. p. 129).
 

Ao TRF5 foi possível encontrar razoável números de decisões tratando da possibilidade de prover revisão dos preços contidos em ARPs.

Alguns precedente concluíram no sentido da inexistência do direito ai reequilíbrio mas, o fizeram porque os autores deixaram de provar de forma contundente os fatos que comprometeram o equilíbrio da proposta. Considere-se precedente que segue:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. FORNECIMENTO DE PNEUS. PEDIDO PARA O REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. ALTA DO DÓLAR E PANDEMIA COVID-19. ONEROSIDADE EXCESSIVA NÃO DEMONSTRADA.. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO IMPROVIDO.
1. Apelação interposta pela empresa demandante em face da sentença que julgou improcedente o pedido inicial para reconhecer a existência de desequilíbrio econômico-financeiro dos insumos na ARP nº 04/2020 da Fundação Universidade Federal de Sergipe, ao fundamento de que não houve a comprovação do alegado desequilíbrio, visto que a alta dólar apontada não inviabilizou o cumprimento contratual, que trata da entrega de pneus de diversos tipos à contratante.
2. O cerne da demanda consiste em reconhecer a existência, ou não, de desequilíbrio econômico-financeiro, motivado pelo suposto aumento do dólar que teria impactado no fornecimento do objeto da Ata de Registro de Preços nº 04/2020 da Fundação Universidade Federal de Sergipe, vinculada ao Processo Administrativo nº 23113.059906/2009-87, firmado entre as partes em 17/02/2020, com a finalidade de examinar se é devida a rescisão diante da negativa da demandada em relação a recomposição do equilíbrio no valor dos produtos a serem fornecidos - pneus de diversos tipos para atender a demanda dos transportes/equipamento da contratante.
3. É consabido que a Constituição Federal assegura, no seu art. 37, inc. XXI, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Ainda que a ata de registro de preços - ARP não constitua um contrato propriamente dito, esse instrumento tem natureza obrigacional e determina a vinculação do particular aos termos e, especialmente, ao preço nela registrado, ficando este obrigado a celebrar futuros e eventuais contratos nessas condições sempre que, durante a vigência da ata e respeitado o quantitativo máximo registrado, a Administração o convocar.
4. É de se destacar que os efeitos inflacionários na economia podem provocar, ao longo da vigência da ata, a defasagem do preço inicialmente registrado. Portanto, se o valor registrado não for reajustado, os contratos decorrentes da ata não estariam protegidos pela garantia constitucional que assegura a intangibilidade da equação econômico-financeira.
5. Sendo assim, se apresenta cabível o pleito para reajuste do valor registrado em ata, sempre que verificado, durante sua vigência, que a variação de preços afetou o valor inicialmente ofertado, para que assim se possa manter o compromisso firmado nos seus termos originais. Entender ao contrário, poderia provocar desinteresse dos particulares em participar da formação de atas de registro de preços, na medida em que, para efeito de definição do preço a ser registrado, não se admitisse a inclusão de eventual margem para fazer frente ao possível efeito inflacionário que afetará o seu valor.
(...)
(PROCESSO: 08058373720204058500, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS VINICIUS CALHEIROS NOBRE, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 20/09/2022)

 

Outros precedente do mesmo TRF5, estabelecem a distinção entre atas e contratos mas, aplicam por analogia os preceitos constantes do art. 65 da lei 8.666/93. Considere-se nesse sentido precedente que segue:

 

PROCESSO Nº: 0803003-70.2020.4.05.8400 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN APELADO: HIPER ATACADO DE ALIMENTOS LTDA - EPP ADVOGADO: Christianne Kandyce Gomes Ferreira De Mendonça RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza - 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juíza Federal Moniky Mayara Costa Fonseca EMENTA ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. UFRN. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. FORNECIMENTO DE CARNE. ELEVAÇÃO DOS PREÇOS DE MERCADO. PANDEMIA DA COVID-19. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. POSSIBILIDADE. LEI N. 8.666/1993. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO. ARTS. 17 E 19 DO DECRETO N. 7.892/2013. APLICAÇÃO EM CONJUNTO. PROVA PERICIAL REALIZADA.
1. Apelação interposta pela Ré em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido para "determinar que seja realizado o reequilíbrio financeiro do contrato firmado entre as partes, de modo a fixar o valor do item 06 (Carne Bovina - Patinho) do Pregão Presencial n°. 007/2019 - Processo Número: 23077.035998/2019-93 com base nos parâmetros apurados na perícia judicial realizada, que apontou o valor de R$ 22,68 (vinte e dois reais e sessenta e oito centavos) como sendo o preço contratado atualizado pela variação dos preços médios de venda no mercado atacadista, na data da propositura da ação (maio de 2020), valor esse que servirá como parâmetro até a data do último fornecimento do produto (02 de junho de 2020), devendo a demandante ser eximida de eventual punição porventura fixada pela demandada em decorrência do não fornecimento do referido produto durante o trâmite do presente feito".
Os juros de mora foram fixados com base no art. 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação dada pela Lei n. 1.1930/2009, e a correção monetária foi estabelecida nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal. A parte Ré - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - foi condenada no pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor da condenação.
2. A Empresa Autora ajuizou a presente ação em face da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN visando obter provimento jurisdicional consistente na garantia do reequilíbrio econômico-financeiro do pacto celebrado com a Autarquia Federal, quanto ao item 06 (carne bovina), decorrente do Pregão Presencial 007/2019, fixando-se em R$ 23,75 o preço do aludido item ou, alternativamente, na garantia de suspensão imediata do cumprimento do Contrato exclusivamente com relação ao mencionado item (carne bovina - patinho) sem as punições Administrativas previstas no pacto. Segundo a Demandante, devido à alta do dólar e, principalmente, da pandemia da Covid-19, o preço do produto teve alta inesperada, decorrente do isolamento social e da escassez do produto.
Assim, vem sofrendo prejuízo de R$ 0,67 por cada produto fornecido à Universidade, de forma que manter o Contrato na forma como foi celebrado acarretará um enorme prejuízo à Empresa, da ordem de R$ 474.250,00. Em razão do desequilíbrio financeiro, solicitou à Diretoria de Material e Patrimônio - DMP da UFRN, em abril de 2020, a atualização do preço do produto, mas não obteve êxito em seu pleito, mesmo tendo juntado as Notas Fiscais de compra relativas à época da licitação e as Notas Fiscais atuais.
3. Considerando que o col. Supremo Tribunal Federal já firmou posicionamento de que a motivação referenciada "per relationem" não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões Judiciais (HC 160.088 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 29/03/2019, Processo Eletrônico DJe-072, Public 09-04-2019; e AI 855.829 AgR, Rel. Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, Public 10-12-2012), adota-se como razões de decidir os fundamentos da sentença:
4. "No tocante à revisão do valor dos contratos, verifico que ela somente se justifica nas hipóteses previstas no art. 65 da Lei n.º 8.666/1993, que assim estabelece: 'Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) II - por acordo das partes: (...) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual."
5. "Ademais, de acordo com os arts. 17 e seguintes do Decreto n.º 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, os preços registrados poderão ser revistos tanto em decorrência de eventual redução dos praticados no mercado quanto em decorrência de fato que eleve o custo dos serviços ou bem registrados, (...)".
6. "Como se percebe, no que diz respeito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, a alteração contratual depende da ocorrência de:
a) fatos imprevisíveis; b) fatos previsíveis, porém de consequências incalculáveis; c) fatos retardadores ou impeditivos da execução do ajustado; d) caso de força maior; e) caso fortuito; f) fato do príncipe; e g) álea econômica extraordinária."
7. "A situação narrada na inicial e as provas produzidas durante a instrução processual permitem concluir que, de fato, ocorreram fatos imprevisíveis e de força maior que desencadearam um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato proveniente do Pregão Presencial n°. 007/2019 - Processo Número: 23077.035998/2019-93, quanto ao item 06 (Carne Bovina - Patinho). Em 23 de abril de 2020, a parte autora requereu administrativamente o reequilíbrio econômico financeiro informando que, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, ocorreram sensíveis alterações no preço de mercado no produto carne bovina constante no item 6 do PR 07/2019."
8. "A realidade advinda da pandemia da Covid-19 provocou significativa alteração no valor da carne bovina, impossibilitando a demandante de cumprir com o acerto realizado com a UFRN, mediante Ata de Prestação de Serviços firmada em dezembro de 2019. Embora os artigos 17 a 19 do Decreto nº 7.892/2013 garantam à Administração Pública a possibilidade de revisão e reequilíbrio econômico do contrato, nada obsta que o particular, diante da negativa do Poder Público, também possa exercer seu direito em reequilibrar as condições assentadas na Ata de Registro de Preço em caso de flagrante desequilíbrio, como se vislumbra no caso concreto. É o que se extrai do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, ao estabelecer que 'ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações'."
9. "Afinal, ao se falar em igualdade de condições, há de se considerar a maior amplitude possível dessas condições igualitárias entre todos os concorrentes, de modo que, constatada uma elevação significativa nos preços dos produtos licitados, é dado ao licitante vencedor o direito de solicitar e rever os valores definidos anteriormente, possibilitando a todos os interessados as mesmas condições na definição do preço justo."
10. "Ressalve-se ainda que a rescisão da Ata de Registro de Preço com o propósito de celebrar uma nova licitação poderá ensejar à Administração Pública elevados custos financeiros até a finalização do novo certame, ferindo assim o princípio da eficiência previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal."
11. "Assim, em observância aos princípios que regem a Administração Pública e à analogia entre o instituto da Ata de Registros de Preço com o Contrato Administrativo, bem como à bilateralidade prevista na respectiva Ata que possibilita não apenas ao particular o compromisso de contratar, mas também à Administração o dever de respeitar a ordem sequencial dos licitantes registrados e as condições da contratação, considero perfeitamente possível o reequilíbrio econômico financeiro da Ata de Registro de Preços sempre que sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual, nos termos do art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93."
12. "No caso concreto, as notas fiscais apresentadas pela demandante com a exordial possibilitam aferir a elevação do preço da carne bovina (alcatra, chã de dentro, chão de fora e patinho) ofertada (ids. 4058400.6976805 a 4058400.6976809), quando comparado com aquele orçado no fim do ano de 2019 e constante do item 6 da Ata de Registro de Preço, fixada em R$ 18,33 o Kg (id. 4058400.6976789 - fl. 1). A mesma informação foi constatada na perícia judicial designada por este Juízo, conforme se observa na resposta aos quesitos formulados por este Juízo: (...)."
13. "Sendo assim, diante dos fatos imprevisíveis e de força maior ocorridos em função da pandemia da Covid-19, os quais contribuíram sobremaneira para o aumento da carne bovina, há de ser acolhida a pretensão da autora no tocante à realização do reequilíbrio contratual, observando-se, para tanto, os parâmetros apontados pelo perito para fixação do valor do produto."
14. "Por sua vez, constatando ainda que o último fornecimento do produto em questão ocorreu no dia 02 de junho de 2020 e que a perícia realizada nos autos estimou a elevação dos preços da carne bovina até o mês de maio de 2020, além de inexistir nos autos qualquer evidência de alteração dos preços desse produto nos dois dias subsequentes a esse marco temporal (01 e 02 de junho de 2020), considero desnecessária a nova perícia designada anteriormente (id. 4058400.10906879)."
15. "Além disso, o fato de terem sido realizados alguns empenhos pela UFRN após 02 de junho de 2020 (800351/2020, 801712/2020 e 801794/2020), sem atendimento pela autora, não impossibilita que haja o reequilíbrio contratual perseguido nos autos. Acresça-se que a demandante apresentou razões fundadas que impossibilitavam a continuidade no fornecimento do produto objeto do Pregão Presencial n°. 007/2019 nas condições originais, mas mesmo assim a UFRN não liberou a fornecedora do compromisso, impingindo à demandante a obrigação de arcar com o prejuízo decorrente do desequilíbrio contratual erigido. Nesse caso, não se mostra razoável que a demandante seja punida pela interrupção no fornecimento do item licitado (Carne Bovina - Patinho) diante da impossibilidade de não poder fazer frente às despesas provenientes da elevação do produto, afastando assim a disciplina prevista no art. 19 do Decreto nº 7.892/2013, que estabelece: (...)."
16. "Deveras, o empenho foi emitido quando já havia pedido de reequilíbrio econômico-financeiro em curso, inclusive com judicialização da questão, não havendo que se falar em aplicação de penalidades à empresa pela existência de empenhos emitidos cujo fornecimento do produto seria inviável economicamente por parte da empresa."
17. Ratificados os fundamentos da sentença, ainda é importante que se diga que, de fato, não se trata de Contrato Administrativo celebrado entre a Empresa Autora e a UFRN, mas de Ata de Registro de Preços, decorrente de procedimento previsto na Lei n. 8.666/1993, bem como na Lei n. 14.133/2021, denominado Sistema de Registro de Preços, criado para auxiliar o procedimento licitatório ou mesmo substituí-lo em casos de contratações concomitantes ou sucessivas.
18. É verdade que o art. 65 da Lei n. 8.666/1993 previu a possibilidade de alteração dos contratos administrativos, por acordo das partes, quando necessário "para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual". Essa previsão, como dito, foi para os contratos administrativos regulados pela Lei 8666/1993.
19. O art. 17, do Decreto n. 7.892/2013, que regulamentou o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15, da Lei n. 8.666/1993, também estabeleceu essa possibilidade de revisão dos preços registrados, tanto em decorrência de eventual redução dos praticados no mercado, quanto de fato que eleve o custo dos serviços ou bem registrados, sem culpa das partes.
20. É bem verdade que o art. 19 do Decreto n. 7.892/2013 previu que, "quando o preço de marcado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá: I - liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e II - convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação". No entanto, esse dispositivo deve ser interpretado em conjunto com os art. 17 do mesmo Decreto, pois a Administração poderá, diante de um aumento do preço de mercado, proceder ao ajuste dos preços através de negociação com os fornecedores ou à liberação destes em relação aos compromissos assumidos, como previsto no art. 19.
21. Entender em sentido diverso, pela não aplicação da possibilidade de alteração do valor registrado em face de aumento do preço de mercado, geraria uma interpretação pela inconstitucionalidade do aludido Decreto por extrapolação dos limites do Poder Regulamentar, na medida em que, se a Lei n. 8.666/1993, em seu art. 15, § 3º, II, não fixou condições para a alteração/atualização dos preços registrados em ata, o Decreto é que não poderia fazê-lo.
22. Ademais, a vedação à realização do reequilíbrio pretendido, com o ajuste dos preços registrados na ata, levaria à revogação da Ata de Registro de preços e à realização de uma nova licitação que, claramente, tenderia a ter preços mais elevados do que a primeira, compatíveis com aqueles que seriam obtidos com o reequilíbrio da Ata, considerando que é incontroverso que os preços de mercado aumentaram e as propostas dos novos licitantes terão que neles se basear. Assim, impedir essa revisão de preços é contraproducente e viola um dos princípios mais básicos da licitação, o da eficiência, porquanto romper-se-ia um pacto e ter-se-ia que passar novamente por todo o procedimento relativo à licitação para, finalmente, registrar-se novos preços em ata que, como dito, seriam compatíveis com os que resultariam de uma revisão desse instrumento.
23. Outrossim, não há quebra do princípio da isonomia com os demais concorrentes da licitação que gerou a Ata de Registro de Preços, posto que, se o valor da carne aumentou, nenhum deles poderá manter o valor inicialmente ofertado.
24. Por fim, é verdade que a Autora tinha a possibilidade de fornecer outros tipos de carne (alcatra, chã de dentro e chã de fora), além de patinho, para cumprir o compromisso assumido e esse fato a colocava numa situação confortável, já que poderia optar pela menos cara para fornecer à Universidade. No entanto, a prova Pericial foi clara ao informar que todos esses tipos de carne e não só o patinho tiveram aumento expressivo no período de fornecimento pela Demandante, superando em muito o preço inicialmente fixado na Ata de Registro de Preços (R$ 18,33/quilo).
25. Ainda é importante dizer que o fato de terem sido realizados alguns empenhos pela UFRN após junho de 2020, sem que a Autora os tenha atendido, não deve ser um obstáculo ao reequilíbrio pretendido, posto que ela apresentou motivo bastante plausível para justificar a continuidade do fornecimento da carne nos moldes pactuados, não se podendo dela exigir que continuasse a entregar o produto arcando com o prejuízo financeiro e colocando em risco a própria continuidade das atividades da Empresa como um todo. 26. Apelação improvida. Condenação da Ré no pagamento de honorários recursais, ficando majorados em 2% (dois por cento) os honorários sucumbenciais fixados na sentença, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
(PROCESSO: 08030037020204058400, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 29/09/2022)

 

Ao precedente que segue o TRF5 considerou em linhas gerais que, à medida que é partir dos preços fixados à ARP  que os contratos futuros serão firmados, a proteção conferida aos contratos deve ser estendida à primeira. Considere-se:

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. PEDIDO PARA O REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. DEFASAGEM DEMONSTRADA. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. PARECER FAVORÁVEL DO GESTOR E DO FISCAL DO CONTRATO. PEDIDO APRESENTADO NA VIGÊNCIA DO CONTRATO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO IMPROVIDO.
1. Apelação interposta pela INFRAERO em face da sentença que julgou procedente o pedido inicial para reconhecer a existência de desequilíbrio econômico-financeiro dos insumos na ARP Nº 0017/LACC-7/UARF/2017, e declarar a necessidade do reequilíbrio do contrato TC nº0211-SC/2018/0016, condenando a INFRAERO ao pagamento de indenização no valor de R$ 34.086,96 (trinta e quatro mil e oitenta e seis reais e noventa e seis centavos), devidamente atualizado de acordo com os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, proferindo, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Honorários advocatícios fixados no percentual de dez por cento sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º, do CPC.
2. O cerne da demanda consiste em reconhecer a existência, ou não, de desequilíbrio econômico-financeiro, motivado pelo aumento no custo dos insumos betuminosos, da Ata de Registro de Preços ARP Nº 0017/LACC-7/UARF/2017, vinculada ao Contrato Administrativo nº TC0211-SC/2018/0016 firmado entre as partes, com a finalidade de examinar se é devida indenização a título de recomposição do equilíbrio no valor de R$ 34.086,96 (por ser este o reconhecido como o justo a manter o contrato equilibrado de acordo com parecer da INFRAERO na via administrativa), referente ao acréscimo dos custos de aquisição de materiais betuminosos. A contratação da empresa ocorreu para execução de serviços de manutenção de pavimentos flexíveis do aeroporto internacional Zumbi dos Palmares/AL e do Aeroporto Santa Maria, em Aracaju/SE.
3. É consabido que a Constituição Federal assegura, no seu art. 37, inc. XXI, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Ainda que a ata de registro de preços - ARP não constitua um contrato propriamente dito, esse instrumento tem natureza obrigacional e determina a vinculação do particular aos termos e, especialmente, ao preço nela registrado, ficando este obrigado a celebrar futuros e eventuais contratos nessas condições sempre que, durante a vigência da ata e respeitado o quantitativo máximo registrado, a Administração o convocar.
4. É de se destacar que os efeitos inflacionários na economia podem provocar, ao longo da vigência da ata, a defasagem do preço inicialmente registrado. Portanto, se o valor registrado não for reajustado, os contratos decorrentes da ata não estariam protegidos pela garantia constitucional que assegura a intangibilidade da equação econômico-financeira.
5. Sendo assim, se apresenta cabível o pleito do particular ao reajuste do valor registrado em ata, sempre que verificado, durante sua vigência, que a variação de preços afetou o valor inicialmente ofertado, para que assim se possa manter o compromisso firmado nos seus termos originais. Entender ao contrário, poderia provocar desinteresse dos particulares em participar da formação de atas de registro de preços, na medida em que, para efeito de definição do preço a ser registrado, não se admitisse a inclusão de eventual margem para fazer frente ao possível efeito inflacionário que afetará o seu valor.
6. No caso concreto, o gestor e o fiscal do contrato deram parecer favorável ao pleito da apelada, uma vez que houve aumento de preços realizados pela PETROBRÁS nos materiais betuminosos, reajuste superveniente e imprevisível, não havendo dúvidas que o custo para execução dos serviços contratados foi alterado, sendo procedente o pedido de complementação do valor inicialmente contratado, levando em consideração o preço ofertado na ARP em julho de 2017 e a execução do contrato em novembro de 2018. Apesar do parecer favorável ao pleito da empresa, a INFRAERO decidiu pelo seu indeferimento, sob o argumento de que o pedido teria sido apresentado quando encerrada a avença.
7. Da análise do acervo probatório anexado aos autos, verifica-se que a empresa contratada apresentou em setembro/2018 o pleito de reequilíbrio econômico-financeiro, portanto, em data anterior à execução do contrato, previsto para iniciar em novembro/2018, o que afasta a alegação de que o pedido teria sido apresentado quando findo o contrato.
8. Diante da omissão da Administração em apreciar o seu pedido inicial de reequilíbrio econômico-financeiro, a empresa renovou o seu requerimento, o que não implica afirmar que houve novo pedido, mas tão somente a solicitação para a manifestação final da contratante sobre o pedido anterior, cuja decisão somente ocorreu em maio/2019. Portanto, não pode o contratado ser penalizado pela inércia da Administração, ainda mais que o autor comprovou a variação dos preços de mercado, devendo ser mantida a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato firmado.
9. Conforme concluiu a magistrada sentenciante, "tendo em vista que a ocorrência de aumento de preços pela Petrobrás nos insumos necessários a realização do contrato, de forma superveniente e imprevisível, motivada por fatos alheios ao contrato, subsume-se aos artigos 65, inciso II, alínea "d" da Lei nº 8.666/93 e artigo 37, inciso XXI da CF/88, que tratam da manutenção da equação econômico-financeira do contrato administrativo, garantia inarredável, seja para assegurar o cumprimento do objeto contratado, de interesse da administração, seja para afastar a possibilidade de enriquecimento imotivado, forçoso proceder-se ao necessário ajuste econômico-financeiro, uma vez rompido o equilíbrio do contrato administrativo em análise, se impõe a procedência do pedido".
10. Honorários advocatícios majorados em 10% (dez por cento) sobre o valor arbitrado pela sentença (este em 10% sobre o valor da condenação - R$34.086,96), nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
11. Apelação improvida.
(PROCESSO: 08070705320214058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 16/08/2022)

 

Para além das condenações principais, no sentido de proceder os reequilíbrios ou revisões, a Administração Pública ainda foi condenada a pagar juros e honorários advocatícios aos precedente transcritos acima.

Ao TRF3 tem-se notado precedente que, embora deixem de acolher pretensões no sentido do reequilíbrio de preços, o fazem adentrando ao mérito propriamente da questão, baseando o indeferimento na falta de provas dos impactos financeiros alegados. Considere-se exemplo:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE PREÇOS. PRETENSÃO DE EMPRESTAR EFEITOS RETROATIVOS AO TERMO ADITIVO QUE DEFERIU REAJUSTE DE PREÇOS: IMPOSSIBILIDADE. COMUNICAÇÃO REALIZADA APÓS OS PEDIDOS DE FORNECIMENTO (ART. 19 DO DECRETO Nº 7.892/2013). FALTA DE COMPROVAÇÃO DE FATO SUPERVENIENTE IMPREVISÍVEL OU PREVISÍVEL DE CONSEQUÊNCIAS INCALCULÁVEIS. APELAÇÃO PROVIDA. CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Embora a apelação contemple os mesmos argumentos da contestação, eles são aptos, em tese, a impugnar todos os fundamentos da sentença, não havendo violação ao princípio da dialeticidade. Recurso conhecido.
2. A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato pressupõe a existência de alteração nas condições contratuais pactuadas pelas partes ocasionada por fatos imprevisíveis, ou previsíveis de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado (art. 65, II, d, Lei nº 8.66/93).
3. A intervenção do Poder Judiciário, à luz da teoria da imprevisão, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias vigentes ao tempo da contratação, oriundas de evento imprevisível que comprometa o valor da prestação. Nesse sentido: REsp 1321614/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/03/2015.
4. A pretensão encontra empeço no art. 19 do Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93, estabelecendo o procedimento a ser adotado no caso de o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados, impossibilitando o cumprimento do compromisso pelo fornecedor. A regra é expressa no sentido de que a comunicação deve ocorrer antes do pedido de fornecimento, o que inocorreu in casu.
5. Não bastasse, a Ata de Registro de Preços foi assinada em 15/12/2015 e as notas de empenho foram emitidas entre 29 e 31/12/2015, inexistindo nos autos efetiva comprovação da superveniência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis de consequências incalculáveis que teriam tornado o fornecimento oneroso.
6. A Nota nº 00027/2016/CJU-MS/CGU/AGU deixa claro que a Lei Estadual nº 14.743/2015 não implicou em aumento da carga tributária, mas sim em partilha do tributo. Nada obstante, deve-se ainda atentar para o fato de que ela foi publicada no DOE nº 184, de 25/09/2015, ou seja, mesmo que tivesse havido aumento da carga tributária, não se poderia alegar imprevisibilidade para justificar a revisão de preços, pois a publicação é bastante anterior à data da apresentação da proposta (26/10/2015) e da assinatura da Ata de Registro de Preços (15/12/2015).
7. No que tange ao Decreto Estadual nº 52.841/2015, que a empresa alega que teria criado nova tributação, ele não foi sequer juntado aos autos, colhendo-se da Nota nº 00027/2016/CJU-MS/CGU/AGU que os “aumentos de 5% e 10%decorrentes da Lei nº 14.743/2015 e do Decreto nº 52.841/2015 (na verdade, não é esse o decreto do Difal!) não restaram comprovados”.
8. Quanto ao aumento dos preços dos insumos, supostamente decorrente da alta do dólar, a empresa não logrou demonstrar que se tratava de fato imprevisível ou previsível de consequências incalculáveis. Aliás, o Parecer nº 651/2016/CJU-MS/CGU/AGU deixa claro que o que houve foi o erro no dimensionamento da proposta, pois quando de seu aceite, em 27/10/2015, a crise econômica no país já estava deflagrada, com o aumento considerável do valor da moeda americana e da inflação.
9. Vale registrar, no ponto, que a variação cambial está compreendida na álea empresarial. Sendo assim, apenas a comprovação de variação extraordinária seria capaz de ensejar a revisão dos preços com base na Teoria da Imprevisão.
10. Nesse contexto, a aplicação retroativa da revisão de preços deferida pelo Termo Aditivo nº 001/2016 implicaria em burla à licitação, pois a empresa ofereceu proposta de preço mais vantajoso que os demais licitantes e sagrou-se vencedora, não se podendo admitir que, em exíguo tempo após a assinatura da Ata de Registro de Preços, obtenha a revisão dos preços após a emissão das notas de empenho e sem eu haja comprovação efetiva de fato superveniente e imprevisível ou de fato previsível de consequências incalculáveis que alterem o equilíbrio econômico-financeiro da proposta.
11. A regra do art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/96 tem por objetivo restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato abalado por evento imprevisível posterior à formulação da proposta. Não se presta, pois, à correção de erro no dimensionamento da proposta.
12. Apelação provida. Condenação da autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC, a incidir sobre o valor da causa, observada a regra do § 5º do referido dispositivo.  
 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004947-05.2018.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 21/06/2021, DJEN DATA: 25/06/2021)

          

Ao TRF4 também foi possível identificar precedentes em que a revisão dos preços constante de ARP não foi deferida porque os impactos não foram provados. Considere-se exemplo:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. PREGÃO ELETRÔNICO. FORNECIMENTO DE MATERIAL. LIBERAÇÃO DE COMPROMISSO. AUMENTO DO VALOR DE CUSTO DO PRODUTO. 1. A alegação trazida pela parte impetrante de ter se tornado inviável o fornecimento da mercadoria, tendo em vista o seu significativo aumento de preço, não restou comprovada de plano. 2. Neste momento processual, não entendo que os efeitos da Pandemia da COVID-19 relativize a responsabilidade da contratada. 3. O mandado de segurança possui rito célere, havendo brevidade na solução do litígio, de forma a não restar, portanto, inócuo seu pedido se somente for concedido ao final, na sentença. (TRF4, AG 5027859-19.2021.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 05/10/2021)

 

O TRF1 também produziu precedente bastante úteis ao estudo desenvolvido. Ao AMS 0006336-55.2015.4.01.4001, por exemplo fixou dever da Administração de atuar de boa-fé nas licitações para registro de preços, não permitindo a realização de nova licitação tendo sido realizada uma anterior. Há dever de confeccionar e disponibilizar ao licitante vencedor para assinatura a ata para assinatura.

Ao AC 0012002-95.2009.4.01.3500, precedente relatado pelo Desembargador KASSIO NUNES MARQUES, o TRF1 negou pedido de reequilíbrio de ata apenas porque foi confeccionado após o vencimento desta, ficando reconhecido que foi o  único fato impeditivo. Considere-se:

MANDADO DE SEGURANÇA. PREGÃO ELETRÔNICO. NOTA DE EMPENHO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO AFETADO. LEI N. 8.666/93. SENTENÇA MANTIDA. 1. No caso em questão, a impetrante requer o afastamento de quaisquer penalidades em decorrência do descumprimento da obrigação de fornecimento de reatores indicados na nota de empenho n. 2015NE802084, até o reajuste do preço do produto, conforme evolução cambial do dólar, ou alternativamente, requer o cancelamento da referida nota de empenho. 2. A impetrante foi vencedora de processo licitatório na modalidade de pregão eletrônico, para fornecimento de equipamentos à Universidade Federal de Alfenas, no ano de 2014. Todavia, faltando apenas dois meses para o fim da validade da ata de registro de preços, a autoridade impetrada emitiu nota de empenho para a compra de seiscentos reatores eletrônicos pelo mesmo valor registrado na ata de 2014. 3. Como bem fundamentou o MM. Juiz de base, "No prazo de validade da ata de registro de preços, conforme artigo 65, II, 'd', da Lei n. 8.666/93, é possível às partes o restabelecimento da relação inicialmente pactuada, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese, de sobreviverem fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis. A escalada do dólar entre o final de 2014 e o final de 2015 é fato público e notório, podendo ser reconhecida como álea econômica extraordinária e extracontratual a possibilitar a revisão do contrato nos moldes do dispositivo legal mencionado acima. Uma vez apresentado, entretanto, o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato (27.11.2015, fls. 146/148) três dias após o vencimento da ata de registro de preços n. 03/2014 (24.11.2014, fls. 138/141), reconheço a impossibilidade de revisão da ata já vencida. Nesse caso, a Administração, pelos critérios de oportunidade e conveniência, deverá promover nova licitação com vista à lavratura de nova ata de registro de preços.Tal fato, entretanto, não impede o juízo de reconhecer a ilegalidade na exigência de cumprimento da nota de empenho n. 2015NE802084, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública ao adquirir mercadoria importada (fl. 97) pelo preço do dólar cotado um ano antes da emissão do referido documento". 4. Recurso conhecido e não provido.
(AC 0012002-95.2009.4.01.3500, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 31/03/2017 PAG.)

 

 

II – 2.5.2.2.1.5. Alternativas identificadas

Embora não se confunda com contrato, a partir do art. 54 da Lei 8.666/93 e da abordagem pertinente ao direito privado desenvolvida, entende-se que a ARP detém natureza de contrato preliminar ao contrato administrativo.

 Com efeito, a fim de viabilizar de forma genérica a revisão das ARPs a Administração poderia:

a. considerar omissão a lei 8.666/93 e o Decreto nº 7.892/2013 e aplicar, analogicamente na forma do art. 4º da LINDB, os institutos do art. 65 da Lei 8.666/93, inclusive conforme precedentes judiciais considerados acima;

b. considerar a cláusula implícita rebus sic stantibus ou, teoria da imprevisão, superveniência, quebra da base objetiva do negócio (CCB, art. 478[7]);

 

 

II – 2.5.2.2.1.5.1. Aplicação analógica do art. 65

 

A analogia como critério integrativo ou de eliminação de lacunas, encontra previsão expressa no art. 4o da LINB. É admissível seu afastamento quando a lei assim determina. Exemplo desse afastamento é o 108 par. 1o do CTN. Ao tema sob análise, não se tem notícia de nenhum regramento que, de forma expressa inviabilize a utilização da analogia.

Como consequência, o reajuste em sentido estrito deve respeitar a regra da anualidade prazo fixada pelo art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.192/2001, igualmente previsto no art. 40, inc. XI, da Lei nº 8.666/1993. A rigor, à medida que deve ser observada a regra da anualidade, o reajuste em sentido estrito tende a ter aplicabilidade bastante restrita sobre a ata de registro de preços, ao menos no regime jurídica da Lei 8.666/93[8]. De todo modo, recomenda-se seja eleito o orçamento como termo inicial do anual para reajuste, a fim de permitir a aplicação de alguma atualização ao menos aos últimos meses de vigência da ata[9]. Em sentido próximo já apontou o PARECER n. 00041/2020/DECOR/CGU/AGU, cuja ementa segue:

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. PREGÃO ELETRÔNICO. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. REAJUSTE DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. REAJUSTE CONTRATUAL. REGIMES JURÍDICOS DIFERENCIADOS. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO LÓGICA. REAJUSTE A PARTIR DA DATA LIMITE PARA APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA OU DO ORÇAMENTO. TERMO DE REFERÊNCIA DA AGU. DESNECESSIDADE DE ALTERAÇÃO.
1. Nos termos dos arts. 37, XXI, da Constituição Federal, 40, inc. XI da Lei nº 8.666/93, 3º, § 1º da Lei nº 10.192/2001, 54, 55 e 61 da IN SEGES 05/2017, o reajuste de contrato baseado em ata de registro de preços deve ter como marco inicial a data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento, e não a data da assinatura do contrato.
2. A assinatura do contrato não ocasiona a preclusão lógica do direito de solicitar reajuste (repactuação e reajuste em sentido estrito), o qual deve ser analisado após o período anual mínimo, o que não se confunde com a possibilidade de liberação do seu compromisso de cumprir a ata de registro de preços, que pode ocorrer antes do pedido de fornecimento. Assinado o contrato administrativo, incide a respectiva legislação de regência
3. É desnecessária a alteração do Termo de Referência da AGU para contratação de serviços contínuos, pois condizente com a regra que o reajuste terá periodicidade igual ou superior a um ano, sendo o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, a data prevista para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa proposta se referir, ou, no caso de novo reajuste, a data a que o anterior tiver se referido.

 

O pedido de reequilíbrio, por outro lado, atua no sentido de repor a equação econômica do contrato, comprometida pro eventos imprevisíveis ou, previsíveis de consequências incalculáveis – álea extraordinária[10]. Esse reequilíbrio constitui direito subjetivo do contratado, com fundamento desde o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, até a alínea “d” do inciso II do art. 65 da lei 8.666/93.

O reequilíbrio pode ser conferido a qualquer tempo, não se aplicando a exigência da anualidade pertinente ao reajuste em sentido estrito.  Nesse sentido a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 22, DE 1º DE ABRIL DE 2009 que segue: “O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra "d" do inc. ii do art. 65, da lei nº 8.666, de 1993. (REFERÊNCIA: art. 65, inc. II, letra "d", da Lei no 8.666, de 1993; Nota AGU/DECOR no 23/2006-AMD; Acórdão TCU 1.563/2004-Plenário.).

A repactuação, ainda com fundamento no dispositivo constitucional suso mencionado, foi prevista em detalhes a partir do art. 12 do Decreto n. 9.507/2018 e ainda, do art. 53 em diante da IN SEGES/MPOG nº 05/2017. Em linhas gerais, a repactuação constituição espécie de reajuste de preços em sentido amplo, dedicado à reposição de diferenças identificadas no custo do contrato de prestação de serviço com mão-de-obra exclusiva. A repactuação deve observar a regra da anualidade, conforme disposto pelo inciso I do art. 12 do Decreto n. 9.507/2018, contado da data do orçamento[11].

Em especial para o reajuste em sentido estrito e a repactuação, caso não seja possível a realização da recomposição da ata em função da anualidade, essa iniciativa pode ser postergada para momento posterior à assinatura do contrato principal, mantendo-se assim a coerência do sistema. 

Seria interessante inclusive que uma orientação normativa sinalizasse no sentido da possibilidade de reajuste e repactuação após a realização do contrato, levando-se em conta o período desde o orçamento.  Essa prática tenderia a sinalizar de forma positiva ao mercado, que já não necessitaria incluir em suas ofertas a expectativa de prejuízos decorrentes da ausência de reposição de perdas inflacionárias. 

Uma alternativa viável para o tratamento equação econômica existente na ARP é a realização de adequada gestão de risco do que se pretende contratar. O mapeamento dos principais eventos que tem potencial para impactar os preços constantes da ata e, a confecção de uma matriz de risco desde a ata. Uma cláusula no contrato preliminar que tenda a identificar de forma o mais precisa quanto possível, faixas de tolerância na variação de preços e, a responsabilidade de cada uma das partes pela absorção de cada um dos riscos identificados.

 

II – 2.5.2.2.1.5.2. Revisão do contrato-preliminar com base na onerosidade excessiva – teoria da imprevisão

No âmbito do direito privado como no direito público, contratos que se projetam no tempo ficam expostos aos mais diversos fatores de desequilíbrio.

Da teoria geral das obrigações do CCB, em especial do art. 317, tem-se uma das bases da revisão contratual por fato superveniente. Considere-se: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Tão relevante quanto o dispositivo mencionado, o art. 478 aborda a onerosidade excessiva  nos contratos de execução continuada. Considere-se:  

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

 

A diferença entre os dispositivos seguramente está no fato de que o segundo dispositivo tende à extinção do contrato. A rigor, seu conteúdo apresenta coerência significativa com o direito do fornecedor de pedir sua “liberação” independente de multa. Essa liberação, a rigor, implica extinção do contrato preliminar representado pela ata.

De todo modo, desenvolvendo interpretação de natureza sistemática, o Enunciado n. 176 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil trouxe ao art. 478 interpretação útil conforme segue: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”.

Do art. 479 do CCB observa-se a adoção do princípio da preservação dos contratos, em detrimento da solução mais drástica representada pela extinção do contrato. Considere-se: Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Essa previsão mostra-se consentânea com as circunstâncias pertinentes à ARP à medida que, permite a recomposição de preços mediante uma recomposição geral que englobe eventual atualização monetária e outras variações de custos dos insumos.  

Não se ignora o fato de que as ARPs encerram, no contexto do regime da Lei 8.666/93 e do Decreto nº 7.892/2013, obrigações para ambos contratantes. Fornecedor e Administração Pública. De todo modo, para quem discorda e não identifique existência de obrigações recíprocas, o art. 480 traz previsão importante conforme segue: “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

É natural que não haja qualquer previsão na ARP acerca da possibilidade de revisão de preços, em especial pelo fato de não haver exigência de conteúdo nesse sentido à Lei 8.666/93 e Decreto nº 7.892/2013. Constou apenas a previsão genérica do §3º do art. 15 da Lei 8.666/93 e art. 17 do Decreto nº 7.892/2013. Conforme será abordado adiante, a Lei 14.133/2021 corrigiu essa omissão e passou a exigir ao edital da licitação as “condições para alteração de preços registrados;”.

De todo modo, ainda que não haja qualquer previsão, a possibilidade de revisão segue latente em função da cláusula implícita rebus sic stantibus.

Tartuce, rememorando o Enunciado 188 da  III Jornada de Direito Civil, em 2004, lembra ser natural o enriquecimento ou obtenção de vantagem a partir de um negócio jurídico válido, desde que “... o contrato não viole os princípios da função social e da boa-fé objetiva e também não gere onerosidade excessiva, desproporção negocial.“.  (Cf, TARTUCE, Flávio,  Manual de direito civil : volume único  – 13. ed. – Rio de Janeiro : Método, 2023. p. 353)

É curioso notar como a doutrina civilista moderna, em especial aquela baseada no CCB de 2002, trabalha com o princípio da preservação dos contratos como mote, como princípio. Segue na mesma linha da Lei 14.133/2021, notadamente em seu art. 147 que inicia o tratamento das nulidades. A preservação do interesse público subjacente ao contrato administrativo tende a ser preservado pelo novo regime licitatório.

Nesse sentido Tartuce leciona: 

A revisão judicial dos contratos é tema de suma importância na atual realidade dos negócios jurídicos. Isso porque, muitas vezes, as questões levadas à discussão no âmbito do Poder Judiciário envolvem justamente a possibilidade de se rever um determinado contrato.
Sobre a matéria, tem-se defendido há tempos, amparado na melhor doutrina, que a extinção do contrato deve ser a ultima ratio, o último caminho a ser percorrido, somente se esgotados todos os meios possíveis de revisão.
Isso, diante do princípio da conservação contratual que é anexo à função social dos contratos. A relação entre os dois princípios é reconhecida pelo Enunciado n. 22 do CJF/STJ, transcrito em outros trechos da presente obra.
Em reforço, a busca da preservação da autonomia privada é um dos exemplos da eficácia interna do princípio da função social dos contratos, reconhecida pelo Enunciado n. 360 do CJF/STJ. (TARTUCE, Flávio,  Manual de direito civil : volume único  – 13. ed. – Rio de Janeiro : Método, 2023. p. 636).

 

Usualmente, a doutrina civilista define pressupostos para revisão contratual, quais sejam:

 

II – 2.5.2.2.1.6. Efeitos prospectivos da alteração no entendimento administrativo

À medida que o presente ato enunciativo encerra alteração no entendimento adotado anteriormente pela Advocacia-Geral da União, é o caso de trabalhar efeitos exclusivamente prospectivos, conforme diretriz estabelecida pelo art. 24 da LINDB. Considere-se o dispositivo:

 

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.                 (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.                (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

 

II – 2.5.2.4. Análise a partir da Lei 14.133/2021.

A Lei nº 14.133/2021 tratou do sistema de registro de preços - SRP a partir de seu art. 82, no capítulo referente aos instrumentos auxiliares.

O art. 82 da nova lei de licitações foi dedicado a descrever os aspectos que deverão ser objeto de tratamento pelo edital, nas hipóteses em que a Administração opte pelo SRP.

Ao inciso VI do art. 82 foi exigido que o edital para registro de preços traga “as condições para alteração de preços registrados;”.

O §5º do mesmo art. 82 dispôs que a utilização do SRP fica condicionada, dentre outros fatores, à atualização periódica dos preços registrados.

Os dispositivos mencionado denotam que o legislador estava atento às dificuldades cotidianas inerentes à utilização do SRP. A interpretação que inviabilizava a recomposição de preços constantes das atas terminava conduzindo a Administração, com incômoda frequência, a novas licitações. Essa tendência induz retrabalho inútil à medida que, será apurado valor de mercado para o orçamento e, com frequência um valor de mercado superior àquele pretendido pelo fornecedor quando pleiteava a atualização da ata. A afronta ao princípio da eficiência soa bastante evidente.

Sensível a dificuldades como esta, o legislador deixou fora de dúvida na Lei 14.133/2021 a possibilidade da Administração utilizar as ferramentas que detém para recomposição do equilíbrio financeiro do contrato.

Há previsão ao §6º do art. 82 da edição de regulamento referente ao SRP. Regulamento que deixe de observar o conteúdo dos dispositivos mencionados acima, em especial negando a recomposição do equilíbrio do contratado em ata, inovará de forma primária a ordem jurídica, transcendendo de forma incisiva os limites do que dispõe o inciso IV do art. 84 da Constituição Federal. 

O art. 84 da Lei 14.133/2021 previu prazo ordinário de vigência da ARP de um ano, com a possibilidade de prorrogação deste por igual período. A vigência por prazo superior tende a acirrar o quadro de dificuldades, em especial no que se refere à manutenção dos preços por período tão extenso.

Em tempos de inflação anual relevante[13], a necessidade de alterar o posicionamento restritivo e aproximar a Administração da realidade econômica é importante para garantia de atuação eficiente.  

A Lei 14.133/2021 conferiu bases sólidas para que o regulamento a ser editado trate da manutenção da equação econômico-financeira construída por meio da ARP. A partir dessas bases será possível institucionalizar tratamento da aventada assimetria de informações entre a Administração e o fornecedor, bem como a possibilidade de tratar de forma diversa cada um dos interessados em função das suas peculiaridade.

Há espaço para construção por meio de decreto, de uma sistemática de revisão e alteração de preços a ser aplicada de forma específica para ARPs, contentando assim auqela parcela da academia mais rigorosa e que eventualmente inadmite fórmulas simplistas de analogia para superar dificuldades práticas.

Certamente o futuro será mais promissor.

 

III - Conclusões

Com base no bojo dos argumentos desenvolvidos foi possível desenvolver as conclusões que seguem:

a. a análise empírica de diversas atas de registro de preços frustradas, circunstâncias econômicas atuais, em especial a evolução do quadro inflacionário e a nova lei de licitações, tornam necessária a revisitação do conteúdo definido pelo Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU;

b. o inciso XXI do art. 37 garante a manutenção das condições da proposta, abrangendo pois, inclusive a proposta disponibilizada em licitações para registro de preços, em especial porque o texto constitucional não fez qualquer recorte;

c. a interpretação adequada do art. 19 do Decreto nº 7.892/2013 exige sua compatibilização com o art. 17 do mesmo normativo, com o inciso II do §3º do art. 15 da Lei 8.666/92 e com o direito subjetivo à manutenção das condições da proposta instituído pelo inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal;

d. ata não se confunde com o contrato administrativo, encerrando efetivamente institutos diversos;

e. à medida que o Direito Público não conferiu definição adequada acerca da natureza jurídica da ARP, a partir do art. 54 da Lei 8.66693, utiliza-se o Direito Privado para esta investigação;

f. a partir do CCB mostra-se adequado classificar a ARP como contrato preliminar;

g. pesquisa junto aos Tribunais Federais não encontrou precedente que, no mérito, acolhessem a ideia de inviabilizar completamente qualquer tipo de revisão das ARPs; há inclusive, precedentes que acolhem tese inversa e ainda condenam a Administração ao pagamento de juros e honorários advocatícios;

h. urge rever posicionamento do Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU, permitindo a revisão das ARPs, seja por meio da aplicação analógica do art. 65, seja por meio do socorro ao direito privado, em especial a possibilidade de revisão dos contratos por onerosidade excessiva;

i. os procedimento de revisão deverão ser tomados por intensa exigência de prova dos fatos alegados, em especial do desequilíbrio econômico-financeiro;

j. atas com interessados diversos deverão ser adaptadas e controladas pelo gerenciador a fim funcionar com a possibilidade de preços diferentes, a partir das peculiaridades de cada participante;

 

À consideração superior.

 

 

 

Brasília, 08 de novembro de 2022.

 

 

FABRICIO LOPES OLIVEIRA

Procurador Seccional junto ao INSS em Cuiabá

 

 

 

 

 


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Notas

  1. ^ O PARECER n. 00002/2020/CPLC/PGF/AGU  constitui exemplo dessa consolidação.
  2. ^ Rcl 23871 / DF - DISTRITO FEDERAL,  Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
  3. ^ AI 222245 / RS - RIO GRANDE DO SUL. , Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. 
  4. ^ Sobre zetética e dogmática, enquanto enfoques diversos de abordagem de problemas práticos e jurídicos, ver  Introdução ao estudo do direito : técnica, decisão, dominação / Tercio Sampaio Ferraz Junior. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 48. 
  5. ^ Precedente oriundo do TRF5 anulou segunda licitação iniciada pelo INSS em desrespeito ao direito de preferência do fornecedor identificado em ata vigente. Nesse sentido: (PROCESSO: 08062791920184058000, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 19/11/2020).  No mesmo sentido: (...) 3. O acórdão embargado foi explícito ao posicionar-se no sentido de que, apesar do poder público não estar obrigado a comprar ou adquirir os produtos cotados na Ata de Registro de Preços com o vencedor da licitação, a natureza facultativa da utilização do registro de preço por parte da Administração não elimina a existência de uma relação jurídica, o que é evidenciado pelos limites e condições impostos à conduta das partes envolvidas. 4. Restou consignado que, enquanto a Ata estiver válida e dentro do prazo de vigência, se o ente público desejar realizar nova licitação para adquirir o mesmo produto ou serviço, deve necessariamente assegurar ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições com os demais licitantes, nos exatos termos do o art. 15, §4°, da Lei n. 8.666/93. (...) (PROCESSO: 08071020520164050000, AÇÃO RESCISÓRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBELO JUNIOR, PLENO, JULGAMENTO: 14/10/2020) 
  6. ^ Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
  7. ^ Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 
  8. ^ Essa conclusão sofre alteração significativa no que se refere ao regime instituído pela Lei 14.133/2021. O art. 84 do referido normativo permite que a ARP projete sua vigência por até dois anos, viabilizando assim o reajuste em sentido estrito a partir do primeiro ano contado do orçamento
  9. ^ O reajuste de preços contratuais é devido após transcorrido um ano, contado a partir de dois possíveis termos iniciais mutuamente excludentes: a data-limite para apresentação da proposta ou a data do orçamento estimativo a que a proposta se referir (art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993; art. 3º, § 1º, da Lei 10.192/2001; e art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal). (Acórdão 83/2020-Plenário | Relator: BRUNO DANTAS).  Sob o regime da Lei 14.133/2021, a matéria foi tratada pelo §7º do art. 25, que elegeu o orçamento como marco inicial para contagem da anualidade do reajuste.   
  10. ^ TORRES, Ronny Charles. Leis de licitações públicas comentadas. 11ª ed. Salvador: Juspodium, 2021. p. 857.
  11. ^ A diferença entre repactuação e reajuste é que este é automático e realizado periodicamente, mediante aplicação de índice de preço que, dentro do possível, deve refletir os custos setoriais. Enquanto que naquela, de periodicidade anual, não há automatismo, pois é necessário demonstrar a variação dos custos do serviço. Para que ocorra a repactuação, com base na variação dos custos do serviço contratado, deve ser observado o prazo mínimo de um ano, mediante a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos, devidamente justificada, não sendo admissível repactuação com base na variação do IGPM. (Acórdão 1105/2008-Plenário | Relator: BENJAMIN ZYMLER). 
  12. ^ Enunciado n. 366 do CJF/STJ, segundo o qual “o fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”
  13. ^ Quando da confecção do presente parecer, o IBGE noticiava até setembro/2022 inflação de 7,17%.  Disponível em https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=IPCA.  Acessados aos 08.11.2022



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