ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

PARECER n. 00931/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 10154.139131/2022-08

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - AUTORIZAÇÃO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO

 

EMENTA: Patrimônio da União. Autorização, pelo Município, de ocupação de área em praia (areia). Competência da SPU (art. 1º da Lei 9.636/1998). Aplicabilidde da regra do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, com redação dada pela Lei nº 13.139/2015. Possibilidade de transferência da gestão das orlas e praias aos Municípios, mediante a celebração de Termo de Adesão à Gestão das Praias Marímas Urbanas (TAGP). Art. 14 da Lei nº 13.240/2015, regulamentado pela Portaria SPU nº 113, de 12 de julho de 2017, atualizada pela Portaria SPU/SEDD/ME nº 44, de 31 de maio de 2019. Necessidade de observância das cláusulas do TAGP e de regularidade ambiental, a ser atestada pelo órgão ambiental competente (art. 42, § 2º da Lei nº 9.636/1998). Recomendações.

 

I - Relatório.                              

                           

Trata-se de consulta formulada pela Superintendência do Patrimônio da União Rio de Janeiro - SPU/RJ por meio do OFÍCIO SEI Nº 283237/2022/ME (juntada 1), verbis :

 

2. Cumprimentando-a cordialmente, sirvo-me do presente para informar que esta Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro, recebeu solicitação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro - SMAC, por meio doOfício nº MAB-OFI-2022/01009, de 06 de julho de 2022, para avaliação da seguinte minuta de resolução da Secretaria de Meio Ambiente: "Regulamentar o Decreto Rio nº41.273, de 17 de maio de 2016, que dispõe sobre a delimitação para instalação de"decks" junto aos quiosques situados na Avenida Lucio Costa."
 
3. Cabe informar, inicialmente, que houve equívoco, por parte da SMAC, na referência ao número do Decreto no Ofício nº MAB-OFI-2022/01009, o número corretoé 41.723, ao invés do mencionado nº 41.273.
 
4. É  reconhecida  a  competência  comum  da  União,  dos  Estados  e  dos Municípios para proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente e pelapreservação da fauna e da flora, conforme art. 23 da Constituição Federal. Além disso,o art. 14 do Decreto Federal nº 5.300, de 7 de dezembro de 2004, estabelece comocompetência do Poder Público Municipal:
 
Art. 14. O Poder Público Municipal, observadas as normas e os padrõesfederais e estaduais, planejará e executará suas atividades de gestãoda zona costeira em articulação com os órgãos estaduais, federais ecom a sociedade.
 
5. Ademais, conforme parágrafo 4º do art. 11 da Lei nº 9.636, de 15 de maio de  1998,  é  obrigação  do  poder  público  federal,  estadual  e  municipal  zelar  pelamanutenção  das  áreas  de  preservação  ambiental,  das  necessárias  à  proteção  dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração deconvênio para esse fim.
 
6. O Município do Rio de Janeiro publicou o Decreto RIO nº 41.723, de 17 de maio  de  2016,  no  qual  dispõe  sobre  a  delimitação  máxima  e  estabelece  critério  emateriais  para  a  instalação  de  “decks”  junto  aos  quiosques  situados  na  Av.  LucioCosta, Barra da Tijuca e Recreio do Bandeirantes.
 
7. Ressalto  que  o  parágrafo  único  do  art.  1º  do  Decreto  RIO  nº41.723/2016 permite  a  ocupação  de  quiosques  sobre  a  faixa  de  areia, conforme a seguir:
 
Art. 1º Nas praias da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Pontale Macumba, nos locais de ocorrência de espécies de restinga deveráser reservada uma faixa de proteção, na areia, para a vegetação, com20 (vinte) metros no mínimo, contados a partir da linha limite entre ocalçadão  e  o  areal,  onde  não  será  permitida  qualquer  atividade  ouinstalação de equipamentos.
Parágrafo único. Será permitida a ocupação de quiosques sobre afaixa  de  areia  determinada  por  um  polígono  em  formatotrapezoidal ou retangular, em que uma das faces é composta pelaborda do calçadão e deverá  ter  a  extensão  máxima  de  12,00m  notrecho  defronte  às  instalações  dos  quiosques  e comprimentomáximo de 5,00m sobre a faixa de areia. (grifo nosso)
 
8. Considerando que as praias marítimas são bens da União, conforme estabelece o inciso IV do art. 20 da Constituição Federal:
 
Art. 20. São bens da União:(...)IV  as  ilhas  fluviais  e  lacustres  nas  zonas  limítrofes  com  outrospaíses; as  praias  marítimas;  as  ilhas  oceânicas  e  as  costeiras,excluídas,  destas,  as  que  contenham  a  sede  de  Municípios,  excetoaquelas  áreas  afetadas  ao  serviço  público  e  a  unidade  ambientalfederal, e as referidas no art. 26, II; (grifo nosso)
 
9. Considerando  que  o  art.  21  do  Decreto  Federal  nº  5.300/2004 (regulamenta o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro), estabelece que as praias são bens públicos de uso comum do povo:
 
Art. 21. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendoassegurado,  sempre,  livre  e  franco  acesso  a  elas  e  ao  mar,  emqualquer  direção  e  sentido,  ressalvados  os  trechos  considerados  deinteresse da segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas porlegislação específica.
 
10. Considerando que o parágrafo 3º do art. 10 da Lei nº 7.661 (institui oPlano Nacional de Gerenciamento Costeiro), de 16 de maio de 1988, delimita a área da praia:
 
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamentepelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, talcomo  areias,  cascalhos,  seixos  e  pedregulhos,  até  o  limite  onde  seinicie  a  vegetação  natural,  ou,  em  sua  ausência,  onde  comece  umoutro ecossistema.
 
11. Considerando  que  o  Código  Civil  (Lei  nº  10.406,  de  10  de  janeirode 2002) dispõe no art. 103:
 
“O  uso  comum  dos  bens  públicos  pode  ser  gratuito  ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.” (grifo nosso)
 
12. Considerando o art. 32 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em que proíbe quaisquer edificações particulares sobre as areias:
 
Art. 32 - O Estado deverá garantir o livre acesso de todos os cidadão sàs praias, proibindo, nos limites de sua competência, quaisquer edificações particulares sobre as areias. (grifo nosso)
 
13. Portanto,  desconhecemos  fundamento  legal  que  legitime  o  Município em permitir a ocupação de quiosques sobre a faixa de areia das praias.
 
14. Em face do exposto, encaminhamos a Nota Técnica nº 48616 à CJU para dirimir  essa  dúvida  jurídica  acerca  da  regulamentação  proposta  pelo  Município  no Decreto RIO nº 41.723, de 17 de maio de 2016, e, se for o caso, orientações de como proceder ante as autorizações já realizadas pelo Município.
 

Do inteiro teor do processo epigrafado disponível no SEI (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2416739&infra_hash=eac978222afdefdca0840733b60b4e8a), dignos de referência os seguintes documentos:

 

- SEI 26240704: Ofício nº MAB-OFI2022/01009, de 06/07/2022, em que compartilhada a minuta de resolução da Secretaria de Meio Ambiente, que visa “Regulamentar o Decreto Rio nº 41.273, de 17 de maio de 2016, que dispõe sobre a delimitação para instalação de"decks" junto aos quiosques situados na Avenida Lucio Costa",  instruído com aludida minuta e com Ofício nº 2188/2020-PR/RJ/RFSM e a RECOMENDAÇÃO N° 003/2020/PRRJ/MeioAmbiente/39°Ofício-GAB-RFSM;

 

- SEI 29063703: Nota Técnica SEI nº 48616/2022/ME;

 

- SEI 29063930: Decreto Rio nº 41.273, de 17 de maio de 2016; e

 

- SEI 29234958: OFÍCIO SEI Nº 283237/2022/ME.

 

É o relatório.

 

II - Fundamentação.

 

O Decreto Rio nº 41.723, de 17 de maio de 2016 apresenta o seguinte conteúdo:

 

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais e,
 
CONSIDERANDO o disposto pela Lei Complementar nº 111, de 1º de fevereiro de 2011 em seu § 1º do art. 2º, que condiciona, dentre outras, à preservação da orla marítima e sua vegetação de restinga;
 
CONSIDERANDO o disposto no Decreto Municipal nº 22.345 de 29 de novembro de 2002 que dispõe sobre as normas de proteção ambiental para utilização das praias municipais;
 
CONSIDERANDO o dever da Administração Municipal de zelar pela preservação e conservação dos remanescentes de ecossistemas nativos;
 
CONSIDERANDO que as instalações comerciais existentes na orla, resultam do ordenamento urbano e propiciam melhorias na integração da população com a praia e;
 
CONSIDERANDO a necessidade da regularização de instalações autorizadas pelo poder público, notadamente de iniciativa privada, de forma a garantir a preservação da orla marítima e sua vegetação.
 
DECRETA:
 
Art. 1º Nas praias da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Pontal e Macumba, nos locais de ocorrência de espécies de restinga deverá ser reservada uma faixa de proteção, na areia, para a vegetação, com 20 (vinte) metros no mínimo, contados a partir da linha limite entre o calçadão e o areal, onde não será permitida qualquer atividade ou instalação de equipamentos.
Parágrafo único. Será permitida a ocupação de quiosques sobre a faixa de areia determinada por um polígono em formato trapezoidal ou retangular, em que uma das faces é composta pela borda do calçadão e deverá ter a extensão máxima de 12,00m no trecho defronte às instalações dos quiosques e comprimento máximo de 5,00m sobre a faixa de areia.
 
Art. 2º O espaço a ser criado ou existente deverá ser recoberto com “deck” e delimitado por cerca.
§ 1º O “deck” deverá ser confeccionado em madeira plástica (reciclado de PET) ou madeira de origem certificada.
§ 2º A instalação de cerca de proteção do “deck” é obrigatória e deverá seguir o modelo de cercamento junto a “decks” aceito pela Secretária Municipal de Meio Ambiente – SMAC.
 
Art. 3º O projeto de implantação de “deck” e cerca deverá ser submetido à autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente que o encaminhará à análise da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos – SECONSERVA e Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público- Privadas – SECPAR.
 
Art. 4º A área definida pelo “deck” será utilizada exclusivamente por um número máximo de 12 (doze) mesas quadradas medindo 0,70m² cada ou 12 (doze) mesas redondas medindo 0,80m de circunferência cada e 02 (dois) ombrelones medindo 4,00m² cada, não sendo permitida a estocagem de qualquer tipo de material sobre ou sob o “deck”.
 
Art. 5º As árvores nativas espontâneas ou implantadas no local deverão ser preservadas e protegidas, sendo tolerada a situação de sua manutenção circundada pelas instalações, desde que o projeto seja autorizado pela SMAC.
 
Art. 6º A autorização para a instalação de “decks” será concedida a título precário podendo ser suspensa a qualquer tempo de acordo com os interesses da administração municipal.
 
Art. 7º As infrações ao presente Decreto facultarão à Administração Municipal a aplicação da legislação vigente, em particular do Decreto Federal nº 6.514/2008 que regula a Lei dos Crimes Ambientais, e ainda a imediata cassação da autorização e demolição pela municipalidade que poderá cobrar as despesas do autorizatário maior.
 
Art. 8º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
 
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2016 - 452º da Fundação da Cidade.
 
EDUARDO PAES
D. O RIO 18.05.2016
Retif. em 19.05.2016

 

Já a minuta de resolução contém o seguinte texto:

 

                O  SECRETÁRIO  MUNICIPAL  DE  MEIO  AMBIENTE,  no  uso  das  atribuições  que  lhe  são conferidas pela legislação em vigor, e CONSIDERANDO o Decreto Rio n° 41.723, de 17 de maio de 2016, que dispõe sobre a
delimitação e materiais para a instalação de “decks” junto aos quiosques situados na Avenida Lúcio Costa - Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes - AP4;
 
CONSIDERANDO  o  Decreto  Municipal  n°  22.345,  de  29  de  novembro  de  2002,  que  dispõe sobre as normas de proteção ambiental para utilização das praias municipais;
 
CONSIDERANDO  o  dever  da  Administração  Pública  Municipal  de  zelar  pela  preservação  e conservação dos remanescentes de ecossistemas;
 
CONSIDERANDO a necessidade de regulamentação, por intermédio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, para regularização das instalações autorizadas pelo poder  público, de forma a garantir a preservação da orla marítima e sua vegetação.
 
RESOLVE:
 
Art. 1º Regulamentar o Decreto Rio n° 41.273, de 17 de maio de 2016, que estabelece critérios para instalação de “decks” junto aos quiosques nas praias da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Pontal e Macumba, nos locais de ocorrência de espécies de restinga.
Parágrafo  Único  Os  critérios  para  instalação  de  “decks”  na  orla  da  Avenida  Lúcio  Costa são aqueles definidos no Art.1o e no Art.4o do Decreto Rio n° 41.273, de 17 de maio de 2016.
 
Art.  2º  A  autorização  para  implantação  de  “deck”  será  avaliada  e  emitida  pela  Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC).
 
Art  3º   Para  autuação  de  processo  administrativo,  a  documentação  básica  apresentada para SMAC deverá ser a seguinte:
I - Requerimento de autorização;
II - Cópia do alvará de licença do quiosque;
III - Cópia do CNPJ do quiosque;
IV - Cópia do contrato de cessão do quiosque com Orla Rio;
V - Manifestação da Superintendência de Patrimônio da União com relação à instalação do “deck”;
VI - 02 (duas) vias de projeto arquitetônico e paisagístico nos termos estabelecidos nesta Resolução;
VII - ART do profissional responsável pela execução do projeto.
 
Art. 4º No Anexo Único desta Resolução está representado o perfil esquemático padrão de “deck” a ser instalado, observando-se as particularidades de comprimento do calçadão da Orla da Avenida Lúcio Costa.
 
Art. 5º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Pois bem. Como consabido, as praias marítimas são bens da União (art. 20, IV da Constituição), e sua administração compete à Secretaria do Patrimônio da União - SPU, atualmente subordinada ao Ministério da Economia (cfr. art. 1º da Lei 9.636/1998, na redação dada pela pela Lei nº 14.011, de 2020).

 

Por meio da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, foi autorizada a transferência da gestão das orlas e praias ao Municípios, mediante a celebração de termo de adesão. É conferir:

 

Art. 14. É a União autorizada a transferir aos Municípios a gestão das orlas e praias marítimas, estuarinas, lacustres e fluviais federais, inclusive as áreas de bens de uso comum com exploração econômica, tais como calçadões, praças e parques públicos, excetuados: (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019)
I - os corpos d’água;
II - as áreas consideradas essenciais para a estratégia de defesa nacional;
III - as áreas reservadas à utilização de órgãos e entidades federais;
IV - as áreas destinadas à exploração de serviço público de competência da União;
V - as áreas situadas em unidades de conservação federais.
§ 1º A transferência prevista neste artigo ocorrerá mediante assinatura de termo de adesão com a União.
§ 2º O termo de adesão será disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para preenchimento eletrônico e preverá, entre outras cláusulas:
I - a sujeição do Município às orientações normativas e à fiscalização pela Secretaria do Patrimônio da União;
II - o direito dos Municípios sobre a totalidade das receitas auferidas com as utilizações autorizadas;
III - a possibilidade de a União retomar a gestão, a qualquer tempo, devido a descumprimento de normas da Secretaria do Patrimônio da União ou por razões de interesse público superveniente;
IV - a reversão automática da área à Secretaria do Patrimônio da União no caso de cancelamento do termo de adesão;
V - a responsabilidade integral do Município, no período de gestão municipal, pelas ações ocorridas, pelas omissões praticadas e pelas multas e indenizações decorrentes.
§ 3º (VETADO) .

 

O art. 14 da Lei nº 13.240/2015 foi regulamentado pela Portaria SPU nº 113, de 12 de julho de 2017, atualizada pela Portaria SPU/SEDD/ME nº 44, de 31 de maio de 2019, cujo Anexo I contém o modelo de Termo de Adesão à Gestão das Praias Marímas Urbanas (TAGP). Nos termos da aludida portaria, em sua nova redação:

 

Art. 2º O processo de transferência da gestão das praias marítimas urbanas e não urbanas, inclusive as áreas de bens de uso comum com exploração econômica, de que trata o art. 14 da Lei nº 13.240, de 2015, terá início pela adesão viabilizada pela assinatura do termo aprovado no art. 1º desta portaria pelo(a) prefeito(a) municipal, e mediante o envio dos seguintes documentos:
I - termo de adesão (Anexo I), devidamente preenchido e assinado pelo Prefeito Municipal;
II - termo de posse do Prefeito Municipal; e
III - indicação do Gestor Municipal de Utilização de Praias(e seu substituto) que será o agente público responsável pela interlocuçãoentre o Município e a SPU/UF e a quem caberá darcumprimento ao Termo.
Parágrafo único. O modelo do Termo de Adesão permanecerá disponível no portal de serviços da Secretaria do Patrimônio da União na internet (http://www.patrimoniodetodos.gov.br) no link "requerimentosdiversos" e "adesão à gestão de praias", mesmo local por onde a municipalidade enviará os documentos citados nos incisos do caput.
 
Art. 3º A formalização da transferência das praias marítimas ao município se dará em até 30 (trinta) dias após o recebimento da documentação integral citada no art. 2º pela SPU, que providenciará a publicação de extrato deste Termo de Adesão no Diário Oficial da União ou, se for o caso, informará o município justificando a decisão pela não formalização do Termo.

 

Conforme expresso no modelo de Termo de Adesão à Gestão das Praias Marímas Urbanas (TAGP), de observância obrigatória pelas partes:

 

CLÁUSULA TERCEIRA - DAS OBRIGAÇÕES DO MUNICÍPIO
 
São deveres do Município:
I - garantir que as praias e os outros bens de uso comum do povo, objetos deste Termo de Adesão, cumpram sua função socioambiental, obedecendo aos princípios de gestão territorial integrada e compartilhada, de respeito à diversidade, de racionalização e eficiência do uso;
II - promover o correto uso e ocupação das praias, garantindo o livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, nos termos contidos no art. 10 da Lei nº 7.661, de 1988, orientando os usuários e a comunidade em geral sobre a legislação pertinente, seus direitos e deveres, bem como planejar e executar programas educativos sobre a utilização daqueles espaços;
III - assumir a responsabilidade integral pelas ações ocorridas no período de gestão municipal, pelas omissões praticadas e pelas multas e indenizações decorrentes;
IV - fiscalizar a utilização das praias e bens de uso comum do povo objeto do presente Termo, adotando medidas administrativas e judiciais cabíveis à sua manutenção, inclusive emitindo notificações, autos de infração e termos de embargo, cominando sanções pecuniárias e executando eventuais demolições e remoções, sempre que se fizerem necessárias, tudo nos termos do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, e do art. 10 da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, bem assim apurando denúncias e reclamações atinentes às irregularidades no uso e ocupação das áreas, sempre cientificando os denunciantes das ações tomadas;
V - disponibilizar e manter atualizadas no sítio eletrônico institucional do Município (site oficial), já existente ou necessariamente a ser criado, as seguintes informações relativas às áreas objeto do presente Termo, quando couber:
a) em até 180 (cento e oitenta) dias após a assinatura do Termo de Adesão:
a.1) Plano Diretor do Município, Lei de Diretrizes Urbanísticas ou outra norma que trate do uso e ocupação do solo, para os municípios que não disponham de Plano Diretor;
a.2) Códigos de Obras e de Posturas do Município;
a.3) legislação ambiental municipal e estadual incidente sobre as áreas;
a.4) Plano de gestão local de ordenamento da orla, ou Plano de Gestão Integrada do Projeto Orla;
a.5) contratos e termos vigentes firmados com terceiros, com as respectivas licenças ambientais, se couber;
a.6) espaço amplamente divulgado para reclamações e denúncias dos cidadãos, devendo responder regularmente àquelas demandas sociais;
b) em até 1 (um) ano após a assinatura do Termo de Adesão, o primeiro relatório de gestão de praias marítimas, conforme modelo disponível no portal de serviços da SPU na internet - http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao/patrimonio-da-uniao/destinacao-de-imoveis/gestao-de-praias;
c) em até 3 (três) anos após a assinatura do Termo de Adesão, plano para ordenamento da Orla, em conformidade com o art. 32 do Decreto nº 5.300, de 2004, ou revisão do plano já existente;
VI - instituir através de ato normativo, a ser editado no prazo de 3 (três) anos após a assinatura do Termo de Adesão, o Comitê Gestor da Orla, que deve se constituir no núcleo de articulação e deliberação no processo de planejamento e de aplicação das ações de gestão da orla marítima, também previsto no Decreto nº 5.300, de 2004;
VII - apresentar anualmente, durante os 3 (três) primeiros anos após a assinatura do Termo de Adesão, relatórios de gestão, conforme modelo e indicadores adotados pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União;
VIII - apresentar anualmente, a partir do 4º (quarto) ano da assinatura do Termo de Adesão, relatórios de implementação do Plano de Gestão Integrada da Orla, a ser constituído durante os 3 (três) primeiros anos, caso o Município ainda não o tenha, devidamente aprovados pelo Comitê Gestor da Orla, instruídos com um mínimo de 3 (três) Atas de Reuniões do mesmo Comitê Gestor;
IX - informar e manter a SPU atualizada quanto ao endereço do sítio eletrônico onde o Município disponibilizará o registro dos documentos citados no inciso V desta cláusula;
X - informar no local especificado no portal de serviços da SPU na internet, o Gestor Municipal de Utilização de Praias e seu substituto, bem como atualizar, no mesmo local, no prazo de até 5 (cinco) dias, sempre que houver decisão pela mudança dessa autoridade, titular ou substituto;
XI - submeter-se às orientações normativas e à fiscalização da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e observar a legislação vigente, em especial o Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, a Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, bem como decretos regulamentadores;
XII - providenciar a publicação de extrato deste Termo de Adesão no Diário Oficial do Município e em jornal de grande circulação local e remeter cópia deste Termo à Câmara de Vereadores do Município, observado o disposto na Cláusula Décima Segunda, § 2º; e
XIII - disponibilizar à SPU/UF a sua Planta de Valores Genéricos - PVG.
(…)
 
CLÁUSULA SÉTIMA - DA OCUPAÇÃO POR TERCEIROS
O Município poderá destinar a terceiros partes das áreas cuja gestão lhe tiverem sido transferidas por meio do presente instrumento, fazendo-o com base na Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, sendo:
I - por meio de permissão de uso, para eventos de curta duração de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional;
a) gratuita, nas hipóteses em que não há finalidade lucrativa;
b) onerosa, nas hipóteses em que há finalidade lucrativa, ainda que indireta (vinculação do evento à marca, propagandas etc.);
II - por meio de cessão de uso, aos Estados, entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde e às pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional;
a) gratuita, nas hipóteses em que não há finalidade lucrativa;
b) onerosa ou em condições especiais, sob os regimes de locação ou arrendamento, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, observando-se os procedimentos licitatórios previstos em lei, sempre que houver condições de competitividade, devendo o edital e o respectivo instrumento contratual estabelecer como valor mínimo da contraprestação anual devida pelo particular o montante obtido pela aplicação de 2% da Planta de Valores Genéricos - PVG municipal da respectiva área, a cada metro quadrado do empreendimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese o Município poderá transferir a terceiros direitos reais ou demais direitos deles decorrentes em relação às áreas de que trata este Termo de Adesão.
§ 2º O Município terá direito, durante a vigência deste termo, sobre a totalidade das receitas auferidas com as utilizações que autorizar, bem como daquelas advindas das sanções aplicadas em função do inciso IV da cláusula terceira.
§ 3º A cessão sob regime de arrendamento ou locação das áreas de que trata este Termo só poderá ser efetivada por período superior a 3 (três) anos após homologação do Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima - PGI do Município e em conformidade com o disposto naquele documento.
§ 4º Os instrumentos de destinação firmados pela União com terceiros, vigentes no ato de formalização do presente Termo, mesmo que sobreponham áreas cuja gestão é transferida, permanecerão válidos, cabendo ao Município dar-lhes cumprimento.
§ 5º Os contratos e termos firmados entre a União e o Município que sobreponham áreas cuja gestão é transferida, vigentes no ato de formalização deste ajuste, serão suspensos a partir da publicação do extrato do presente Termo pela União.
§ 6º A transferência da gestão não exime o Município de arcar com todos os valores devidos em virtude de contratos ou termos firmados entre ele e a União relativos às áreas ora repassadas, sob regime oneroso ou em condições especiais, até o início da vigência do presente Termo.
§ 7º O Município deverá incluir em todos os contratos ou termos firmados em decorrência do presente instrumento a possibilidade de rescisão contratual em razão de eventual rescisão ou revogação deste Termo de Adesão, cabendo ao próprio Município as indenizações devidas nas hipóteses em que o Termo de Adesão se rescindiu por sua culpa.
§ 8º Deverá constar de todos os contratos ou termos firmados pelo Município em decorrência do presente instrumento a possibilidade de sub-rogação à União por meio de aditivo contratual, em caso de rescisão ou revogação deste Termo de Adesão.
§ 9º As "condições especiais" a que se refere a alínea "b" do inciso II desta cláusula podem ser, sem prejuízo de outras, por exemplo:
a) que a cobrança se dê apenas pela área de exploração econômica de determinado empreendimento, fazendo-se gratuito o uso da área na qual se permita o fluxo gratuito do espaço pelo público, ou pelas áreas de apoio obrigatórios, tais como postos médicos, de bombeiros etc.;
b) que o contrato firmado entre o Município e terceiros preveja que a cobrança ocorrerá somente quando houver a utilização exclusiva de determinada área, de forma sazonal.
§ 10 É vedado ao Município efetuar a inscrição de ocupação, instrumento a que se refere o art. 7º da Lei nº 9.636, de 1998.
§ 11 As receitas decorrentes da aplicação de sanções de que trata o inciso IV da Cláusula Terceira, deverão ser aplicadas na qualificação das áreas objeto do presente Termo.

 

Salvo melhor juízo, o fundamento jurídico para destinação de áreas em praias a terceiros, pelo Município do Rio de Janeiro, seria a assinatura do indispensável Termo de Adesão à Gestão das Praias Marímas Urbanas (TAGP), e respectiva publicação no Diário Oficial da União. E mesmo assim, observados os regramentos previstos na Cláusula Sétima acima citada, o que não parece o caso (o Decreto Rio nº 41.723/2016 e a minuta de Resolução falam em “autorização de uso”, em vez de cessão, e não tratam da necessária onerosidade e licitação).

 

Antes disso, qualquer autorização  para  implantação  de  “deck” na areia, está juginda à prévia concordância da SPU/RJ, nos termos expressos, inclusive, na regra prevista no inciso V do art. 3º da minuta de resolução compartilhada por meio do Ofício nº MAB-OFI2022/01009, de 06/07/2022 (SEI 26240704).

 

Acaso enventualmente já realizadas autorizações pelo Município, sem prévia concordância da SPU/RJ, aplica-se a regra do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, na redação dada pela Lei nº 13.139/2015, verbis:

 

Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União.              
I - (Revogado);
II - (Revogado).
§Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo. 
§ 2º O responsável pelo imóvel deverá zelar pelo seu uso em conformidade com o ato que autorizou sua utilização ou com a natureza do bem, sob pena de incorrer em infração administrativa.                 
§ 3º Será considerado infrator aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, incorrer na prática das hipóteses previstas no caput.   
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;                   
II - aplicação de multa;
III - desocupação do imóvel;
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização.
§ 5º A multa será no valor de R$ 73,94 (setenta e três reais e noventa e quatro centavos) para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas ou em que forem realizadas obras, cercas ou instalados equipamentos.
§ 6º O valor de que trata o § 5º será atualizado em 1º de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ Verificada a ocorrência de infração, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aplicará multa e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização.                     
§ 8º (VETADO).                 
§ 9º A multa de que trata o inciso II do § 4º deste artigo será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir.             
§ 10.  A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998.
§ 11.  Após a notificação para desocupar o imóvel, a Superintendência do Patrimônio da União verificará o atendimento da notificação e, em caso de desatendimento, ingressará com pedido judicial de reintegração de posse no prazo de 60 (sessenta) dias.            
§ 12.  Os custos em decorrência de demolição e remoção, bem como os respectivos encargos de qualquer natureza, serão suportados integralmente pelo infrator ou cobrados dele a posteriori, quando efetuados pela União.            
§ 13.  Ato do Secretário do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão disciplinará a aplicação do disposto neste artigo, sendo a tramitação de eventual recurso administrativo limitada a 2 (duas) instâncias.                   

 

A propósito do tema, digno de referência paradigmático acórdão proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ:

 

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PRAIA E ZONA COSTEIRA. ARRAIAL DO CABO. ART. 10 DA LEI 7.661/1988. BEM DA UNIÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E DEMOLITÓRIA. ESBULHO. QUIOSQUE. ARTIGOS 64 E 71, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI 9.760/1946. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA AMBIENTAL PELO MUNICÍPIO. ART. 4° DA LEI 9.636/1998. DANO AO MEIO AMBIENTE.
 
1. Na origem, cuida-se de ação reivindicatória e demolitória mediante a qual a União postulou: a) retomada de imóvel público federal ilicitamente ocupado e desfazimento de construção irregular (quiosque "Sol e Mar", destinado ao comércio de bebidas e produtos diversos, construído sobre a faixa de areia da Praia Grande, no Município de Arraial do Cabo, Estado do Rio de Janeiro); b) condenação do infrator ao pagamento da indenização prevista no parágrafo único do artigo 10 da Lei 9.636/1998; e c) cominação de pena pecuniária (astreinte) em caso de nova ocupação ilícita.
 
2. O recorrido sustenta, em síntese: a ocupação impugnada teve início em 1982, mediante alvará da Administração Pública Municipal; sempre pagou a taxa anual municipal cobrada; exerceu a ocupação de boa-fé; não houve agressão ambiental alguma, uma vez que o antigo quiosque não tinha "sanitário", e sim mesas e cadeiras para comercialização de bebidas geladas.
 
3. As "praias marítimas" são "bens da União" (art. 20, IV, da Constituição Federal). Mais especificamente: "As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica" (Lei 7.661/1988, art. 10, grifo acrescentado).
 
4. As praias encerram em si um feixe complexo de valores jurídicos e, em consequência, congregam, simultaneamente, bem público da União (componente do patrimônio imobiliário federal), bem ambiental (elemento vital do meio ambiente ecologicamente equilibrado) e bem de uso comum do povo (pelos serviços de lazer, paisagísticos, entre outros, a todos oferecidos). Daí se submeterem a pelo menos três microssistemas de tutela legal, cada qual garantido por esferas distintas e autônomas de responsabilidade civil, sem prejuízo de repercussões nos campos penal e administrativo. Assim, quem irregularmente constrói em praia, ou a ocupa, além de se apropriar de imóvel público tangível e prejudicar a qualidade ambiental, causa dano, judicialmente acionável, a bem jurídico intangível: o atributo inafastável da acessibilidade absoluta e plena, ou seja, ao "sempre livre e franco acesso" ao espaço reservado ao uso comum do povo.
 
5. Consoante o Decreto-Lei 9.760/1946, "os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos" (art. 64). Evidentemente, apenas à União cabe locar, aforar e ceder parcela do próprio patrimônio, subordinados tais atos de disposição a procedimento de rígido formalismo. Na hipótese dos autos, trata-se de bem da União; logo, sem valor jurídico nenhum – a não ser para caracterizar improbidade administrativa e também infração disciplinar e criminal – "permissão", "autorização" ou "alvará" municipal ou estadual que, explícita ou implicitamente, pretende "disciplinar" ou "legalizar pela porta dos fundos" a ocupação ou uso da área federal (alega-se que o Município de Arraial do Cabo teria emitido "permissão para utilização de ponto em área pública" e "alvará de licença para localização e funcionamento e guias de recolhimento de taxa de uso do solo").
 
6. Quem ocupa ou usa bem público sem a imprescindível aprovação expressa, inequívoca, atual e válida - ou além dos termos e condições nela previstos - da autoridade competente pratica esbulho, fazendo-o por sua conta e risco e, por isso, submetendo-se a sanções penais (p. ex., art. 20, caput, da Lei 4.947/1966 e art. 161, II, do Código Penal) e a remédios preventivos e reparatórios previstos na legislação, aí incluídas demolição às suas expensas e indenização pela apropriação vedada (= privatização contra legem) do patrimônio coletivo. É exatamente o que prevê o art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998: "Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis".
 
7. A incidência do art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998 independe de comprovação, pela União, de elemento subjetivo (má-fé) do esbulhador, pois o fundamento para a indenização deriva tão só da causa objetiva de ser ela proprietária do bem, e o ocupante ilegal não. Em outras palavras, indeniza-se simplesmente pela ilicitude da ocupação e pelo desfalque do patrimônio federal. Exclusão a essa regra geral de regime objetivo encontra-se no art. 71, parágrafo único, do Decreto-Lei 9.760/1946, o qual, como norma excepcional ao microssistema ordinário de tutela dos bens públicos federais, deve ser interpretado restritivamente: o ocupante irregular de imóvel da União que, agindo de boa-fé, tiver cultura agrícola efetiva e moradia habitual (tríade de pressupostos cumulativos) não se sujeitará a despejo sumário e perda automática do que haja incorporado ao solo. Essa norma, obviamente, carece de prestabilidade na situação dos autos (praia).
 
8. Incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro o usurpador de bem público alegar posse ou justo título, pois dispõe de simples ocupação (detenção precaríssima, por ser proibida), circunstância geradora de obrigações múltiplas contra si, mas não de direitos exercitáveis contra a vítima. Tampouco se admite que alegue boa-fé, seja por suposta omissão de agentes do Estado em reprimir o abuso, o que indicaria certa concordância tácita (p. ex., ausência de notificação para desocupação da área ou de ajuizamento de ação), seja por efetuar pagamento, pouco importando o rótulo ou qualificação, a quem não ostenta a aptidão de proprietário.
 
9. Na mesma linha de raciocínio, no mínimo audacioso o esbulhador buscar converter em boa-fé a sua má-fé presumida (presunção absoluta decorrente da ausência de autorização do proprietário) sob a alegação de contar com "documento" de legitimação direta ou indireta, emitido por autoridade destituída de competência e de domínio, ou que age ao arrepio de exigências legais. Se não amparados em instrumentos típicos de federalismo cooperativo (p. ex., convênios ou contratos nos termos, p. ex., do art. 4° da Lei 9.636/1998), Estados e Municípios ingressam no terreno riscoso da inconstitucionalidade e da ilegalidade, grave usurpação de competência, o que sujeita seus agentes à responsabilização penal, civil e administrativa quando arrogam para si o poder de "disciplinar" ocupação e uso de bens federais, sem prévia anuência expressa, inequívoca, atual e válida da União, beneplácito legitimado apenas se apoiado em manifesto interesse público.
 
10. Eventual negligência, incúria ou corrupção dos servidores de plantão caracteriza ilícito disciplinar, civil, penal e de improbidade, não servindo para descaracterizar o predicado de indisponibilidade ope legis da coisa pública. Preconizar tal tese equivaleria, em exercício de insensatez jurídica e postura autoritária, a inverter a polaridade do princípio da legalidade, de maneira a aceitar que a volição pessoal contra legem, ativa ou passiva, do administrador atribua-lhe o dom de afastar comandos de império da Constituição e das leis.
 
11. Mas, mesmo que se estivesse sob o manto de microssistema de conformação subjetiva, presume-se que age de má-fé quem ocupa sem consentimento - e, por vezes, sob protesto - da União, sobretudo para exploração comercial, a faixa arenosa de praia, tal o grau de conhecimento popular e o caráter notório do status público desse bem extraordinário, finito e criticamente ameaçado do patrimônio natural e paisagístico, declarado pelo legislador de uso comum do povo.
 
12. À luz do art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998, para fins de indenização da União pela perda de bem que compõe seu patrimônio, pouco importa que inexista dano ambiental. Indeniza-se, sem prejuízo de cobrança complementar e autônoma (autonomia que não requer propositura de outra ação), por eventual degradação do meio ambiente e pela perda de benefícios de acessibilidade coletiva prestados pelo bem considerado de uso comum do povo. Importante lembrar que o dano ambiental por privatização de praia comumente se manifesta por meio de ofensa ao patrimônio imaterial associado ao imóvel - a paisagem em particular -, implicando espoliação individual viciosa de serviços ambientais coletivos.
 
13. A jurisprudência do STJ afasta a má-fé como requisito para viabilizar a indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998 pela ocupação ilícita do bem de uso comum do povo. Precedentes: REsp 1.432.486/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/12/2015, e REsp 855.749/AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 14/6/2007, p. 264. 14. Recurso Especial provido.
(REsp 1730402/RJ – 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 07/06/2018)

 

Isto posto, incumbe-nos assinalar que, nos termos do art. 11,§ 4º e 42, § 2º da Lei nº 9.636/1998:

 

Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
[...]
§ 4º Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim.
 
Art. 42.
(…)
§ 2º  A regularidade ambiental é condicionante de contratos de destinação de áreas da União e, comprovada a existência de comprometimento da integridade da área pelo órgão ambiental competente, o contrato será rescindido sem ônus para a União e sem prejuízo das demais sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.813, de 2019)

 

Para fins de verificação da regularidade ambiental da eventual ocupação de faixa de areia por quiosques, deve-se consultar os órgãos ambientais competentes, que são assessorados por consultoria jurídica própria. Como bem enfatizado no Parecer nº 0975-5.12/2014/RMD/CONJUR-MP/CGU/AGU, aplicável analogicamente ao presente caso:

 

O tema ambiental não é afeito a esta CONJUR, que se limita a analisar pelo prisma patrimonial. Contudo, inegavelmente, as obras pretendidas ocasionarão impactos na temática patrimonial e na ambiental. (…)

 

Realce-se, por oportuno, que o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC, instituído pela Lei nº 7.661/1988, impõe que a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA quando da realização de obras que modificam as características naturais da Zona costeira. Cita-se:

 

Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.

 

Por meio do Decreto nº 5.300/20041, que regulamentou a Lei nº 7.661/1988, fixou-se também que:

 

Art. 16.  Qualquer empreendimento na zona costeira deverá ser compatível com a infra-estrutura de saneamento e sistema viário existentes, devendo a solução técnica adotada preservar as características ambientais e a qualidade paisagística.
Parágrafo único.  Na hipótese de inexistência ou inacessibilidade à rede pública de coleta de lixo e de esgoto sanitário na área do empreendimento, o empreendedor apresentará solução autônoma para análise do órgão ambiental, compatível com as características físicas e ambientais da área.
(…)
 
Art. 29.  Para execução das ações de gestão na orla marítima em áreas de domínio da União, poderão ser celebrados convênios ou contratos entre a Secretaria do Patrimônio da União e os Municípios, nos termos da legislação vigente, considerando como requisito o Plano de Intervenção da orla marítima e suas diretrizes para o trecho considerado.
(…)
 
Art. 33.  As obras e serviços de interesse público somente poderão ser realizados ou implantados em área da orla marítima, quando compatíveis com o ZEEC ou outros instrumentos similares de ordenamento do uso do território.
 
Art. 34.  Em áreas não contempladas por Plano de Intervenção, o órgão ambiental requisitará estudos que permitam a caracterização e classificação da orla marítima para o licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades.

 

Isto posto, convém registrar a incoerência entre as diversas normas editadas pelo Município do Rio de Janeiro, levantada pelo  Ministério Público Federal quando da RECOMENDAÇÃO N° 003/2020/PRRJ/MeioAmbiente/39°Ofício-GAB-RFSM, que faz referência ao Inquérito Civil Púbico nº 1.30.001.003564/2016-75 e à possível prática de infração ambiental (vide SEI 26240704, p. 08/16).  

 

   III - Conclusão.

 

Ante o exposto, orienta-se à SPU/RJ, que, em resposta ao Ofício nº MAB-OFI2022/01009, dê ciência ao Município do Rio de Janeiro das considerações postas no presente parecer, e da necessidade de continuar a se abster de emitir autorizações de uso com base no Decreto Rio nº 41.273/2016 e/ou eventual resolução regulamentadora.

 

É o parecer.

 

Belo Horizonte, 17 de novembro de 2022.

 

 

ANA LUIZA MENDONÇA SOARES

ADVOGADA DA UNIÃO

OAB/MG 96.194 - SIAPE 1507513

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154139131202208 e da chave de acesso 652c4d7c

 




Documento assinado eletronicamente por ANA LUIZA MENDONÇA SOARES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1032933314 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ANA LUIZA MENDONÇA SOARES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 17-11-2022 15:55. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.