ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

PARECER n. 00953/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 25044.000223/2022-13

INTERESSADOS: DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENA DO CEARÁ – DSEI/CE

ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO

 

EMENTA: Cessão de uso gratuita de imóvel, pelo Município de Poranga/CE, à União, representada pelo DSEI/CE. Ressarcimento pelo uso de serviços de água, esgoto, energia, limpeza etc. Análise da minuta restrita ao interesse do cessionário. Legalidade em tese.  Recomendações.

 

I – Relatório.

                               

Trata-se de procedimento administrativo encaminhado pela Distrito Sanitário Especial Indígena no Estado do Ceará (DSEI/SE), a esta e-CJU/Patrimônio, para análise e parecer quanto a legalidade de minuta do Termo de Cessão de Uso Gratuito à União, de parcela de imóvel pertencente ao município de Poranga/CE, com previsão pagamento das “despesas de concessão de serviços públicos (telefone, internet, consumo de luz, gás, água e esgoto, etc), quando for o caso” (SEI 0026644571).

 

Do inteiro teor do processo epigrafado disponível no SEI (https://sei.saude.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=356762&infra_hash=c535779b1b67e5619af25f9f6fdc2b38), dignos de referência os seguintes documentos:

 

- SEI 0026127429: Ofício Nº 27/2022/CE/SESANI/CE/DSEI/SESAI/MS, dirigido ao Secretário de saúde do município de Poranga/CE, em que solicitada a marcação de uma reunião para formalização de compartilhamento de utilização da Unidade Básica de Saúde;

- SEI 0026644571: Minuta do Termo de Contrato de Cessão de uso Gratuita.

- SEI 0028011933: Termo de abertura do procedimento administrativo;

- SEI 0028012301: Informação Técnica nº 5/2020/SEGAT, contendo a relação das aldeias indígenas localizadas no Ceará;

- SEI 0028013246: Portaria nº 738, de 16 de outubro de 2020, com designação do Chefe substituto do SESANI;

- SEI 0028013774: Portaria GM/MS nº 895, de 04 de maio de 2022, com nomeação do Coordenador Distrital do DSEI/CE;

- SEI 0028013922: Autorização da celebração de Termo de Cessão de Uso Gratuito, pelo Coordenador do DSEI/CE, assinada em 15/07/2022;

- SEI 0028018224: Nota Técnica nº 93/2022-CE/SESANI/CE/DSEI/SESAI/MS, em que supostamente apresentadas as razões para a cessão de uso em referência, de cujo inteiro teor não ficam claras quais as “atividades administrativas e institucionais” que seriam realizada pelo DSEI, mormente considerada a afirmação quanto a “disponibilidade da Prefeitura Municipal de Poranga em promover a continuidade dos serviços de atenção primária desenvolvidas na Unidade Básica de Saúde Indígena na Aldeia Umburana”;

- SEI 0028479324: Parecer nº 00586/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 03/08/2022, que se manifestou contrariamente à cessão em referência, por considerar aplicável a vedação eleitoral prevista no art. 73, VI, a , da Lei nº 9.504/1997;

- SEI 0030057361: Despacho datado de 31/10/2022, que, após o período eleitoraL, se manifesta pela nova submissão do processo para aprovação jurídica;

- SEI 0030101685: Ofício Nº 162/2022/CE/SESANI/CE/DSEI/SESAI/MS, datado de 03/11/2022, com encaminhamentos dos autos à respectiva Consultoria Jurídica.

 

É o relatório.

 

II. Fundamentação.

 

Inicialmente, incumbe-nos consignar que, embora o bem imóvel em referência não seja de propriedade da União, nada obsta que esta e-CJU/Patrimônio exerça o assessoramento em casos como o presente. Esse assessoramento, contudo, limitar-se-á ao exame do ato sob a perspetiva do CESSIONÁRIO, e, no mais das vezes, não demandará maiores digressões. Com efeito, ao CESSIONÁRIO compete apenas avaliar a conveniência e oportunidade da cessão, e a disponibilidade orçamentária para o ressarcimento das despesas com água, esgoto, energia elétrica, telefone, internet, etc,.

 

Pois bem. Os bens de uso especial, assim como os de uso comum do povo, estão fora do comércio jurídico de direito privado, de modo que só podem ser objeto de relações jurídicas regidas pelo direito público.

 

Para uso privativo desses bens, os instrumentos possíveis são a autorização de uso, a permissão de uso, a concessão de uso e a cessão de uso. Tratam-se de institutos sujeitos ao regime jurídico de direito público, com características próprias que decorrem da posição de supremacia da administração pública sobre o particular.

 

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, a cessão de uso[1]:

 

“(...) é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.”

 

É esse justamente o caso dos autos, razão pela qual não se vislumbram óbices à cessão gratuita em referência, à qual se aplicam analogicamente um dos seguintes regramentos[2]:

 

LEI Nº 8.666/1993
 
Art. 17.
(…)
§ 2º A Administração também poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação, quando o uso destinar-se:  (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel;                    (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
 
LEI Nº 14.133/2021
 
Art. 76.
(…)
§ 3º A Administração poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóvel, admitida a dispensa de licitação, quando o uso destinar-se a:
I - outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel;
(…)
(…)
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Art. 192. O contrato relativo a imóvel do patrimônio da União ou de suas autarquias e fundações continuará regido pela legislação pertinente, aplicada esta Lei subsidiariamente.
Art. 193. Revogam-se:
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.

 

Quanto ao texto minuta apresentada (SEI SEI 0026644571), para sua maior clareza e correção, recomenda-se a sua parcial reformulação, nos seguintes termos:

 

CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO
Constitui objeto do presente instrumento a cessão, a título gratuito, do direito do uso de parte (80 m²) do imóvel urbano pertencente ao Município de Poranga, localizado à Av. Travessa Laurentino Marinho, nº 01, Bairro Jardim das Oliveiras, Poranga/CE.
 
CLÁUSULA SEGUNDA - FINALIDADE DA CESSÃO
A presente cessão se destina cumprimento de atividades intitucionais do Outorgado Cessionário, voltadas ao atendimento em saúde de comunidades indígenas do polo base de Poranga, e a ele incumbe a administração, uso e conservação da parcela do imóvel cedida (80m²), bem como as despesas com serviços de telefone, internet, luz, gás, água e esgoto, etc a ela correlatas.
 
(…)
 
CLÁUSULA SÉTIMA - OBRIGAÇÕES DO CESSIONÁRIO
7.1. São obrigações do Outorgado Cessionário:
a) utilizar a área cedida para o cumprimento de atividades intitucionais voltadas ao atendimento em saúde de comunidades indígenas do polo base de Poranga;
b) zelar pela integridade física dos bens recebidos em cessão, utilizando-se de todos os meios legais para a proteção deles contra a ameaça de turbação ou esbulho;
c) levar imediatamente ao conhecimento do cedente o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba, bem como as eventuais turbações de terceiros;
d) realizar a imediata reparação dos danos verificados no imóvel, ou nas suas instalações, provocadas por si e/ou seus usuários;
d) não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do cedente;
e) no período da vigência do contrato, entregar imediatamente ao cedente qualquer intimação, notificação, multa ou exigência de autoridade pública, referente ao imóvel ocupado, ainda que dirigida a ele;
f) pagar as despesas com serviços de telefone, internet, consumo de luz, gás, água e esgoto, etc, proporcionais à area ele utilizada;
g) atender e aplicar as normas de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, bem como de segurança e sustentabilidade.
PARÁGRAFO ÚNICO. As despesas especificadas na letra “f”, referentes ao período de vigência do contrato, deverão estar quitadas quando da devolução do imóvel ao cedente, acompanhadas de comprovantes emitidos pelos responsáveis pela prestação dos serviços.
 
(…)
 
CLÁUSULA DÉCIMA - DA RESCISÃO
A rescisão do contrato observará o disposto nos arts. 77 a 80 da Lei nº 8.666, de 1993, e importará o retorno do imóvel à Outorgante Cedente, sem direito a qualquer indenização ao Outorgado Cessionário, inclusive por benfeitorias realizadas, especialmente nos casos de desistência/abandono no período de vigência, sem a devida comunicação.
PARÁGRAFO ÚNICO – O contrato poderá ser rescindido unilateralmente pelo Outorgante Cedente, mediante notificação ao Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará, com justificativa e antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias, observadas as responsabilidades inerentes ao tempo de utilização do imóvel até a entrega;
 
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - DO FORO
Fica eleito o foro da Justiça Federal do Ceará, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, para dirimir quaisquer questões oriundas do presente instrumento contratual.

 

Isto posto, convém esclarecer que não é atribuição do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Cabe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.

 

III – Conclusão.

 

Ante o exposto, abstraídas as questões técnicas e de oportunidade e conveniência, opina-se pela legalidade em tese da cessão de uso em enfoque, desde que:

 

a) mais bem especificado o interesse público e a conveniência e oportunidade da cessão em referência, com esclarecimento das “atividades administrativas e institucionais”que seriam realizada pelo DSEI, e o significado da afirmação quanto a “disponibilidade da Prefeitura Municipal de Poranga em promover a continuidade dos serviços de atenção primária desenvolvidas na Unidade Básica de Saúde Indígena na Aldeia Umburana” (v. Nota Técnica nº 93/2022-CE/SESANI/CE/DSEI/SESAI/MS - SEI 0028018224). Questiona-se: essa promoção de continuidade seria feita pela simples cessão em referência ou pela prestação de serviços? No segundo caso, quais e com recurso próprios?

b) instruídos os autos com declaração de disponibilidade orçamentária para o ressarcimento das despesas com água, esgoto, energia elétrica, telefone, internet, etc, previstas na minuta de Termo de Cessão;

c) reformulada a minuta de cessão de uso (SEI 0026644571), nos moldes recomendados no parágrafo 9 supra (chama-se atenção para a necessidade de exclusão da Cláusula Décima Primeira da minuta apresentada, que prevê, injustificadas e desarrazoadas responsabilidades para a Ortorgada Cessionária), e verificada a competência para a sua assinatura, bem como a correção dos dados nela insertos.

 

É o parecer.

 

Belo Horizonte, 18 de novembro de 2022.

 

 

ANA LUIZA MENDONÇA SOARES

ADVOGADA DA UNIÃO

OAB/MG 96.194 - SIAPE 1507513


[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualização de: José Emmanuel Burle Filho e Carla Rosado Burle. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 645.

 

[2] Como a norma dispensa o certame para a concessão de “título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis”, entende-se que se estende a intrumento menos gravoso (vide Acórdão TCU nº 842/2018 – Plenário e  PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU).

 

 

 


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