ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE SERVIÇOS SEM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO-DE-OBRA
COORDENAÇÃO GERAL - SEM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA MDO
RUA SANTA CATARINA, 480 - 6º ANDARLOURDESBELO HORIZONTECEP 30.170-081
PARECER n. 00010/2022/COORD/E-CJU/SSEM/CGU/AGU
NUP: 00688.001450/2022-51
INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE SERVIÇOS SEM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO-DE-OBRA (E-CJU/SSEM)
ASSUNTOS: PREGÃO ELETRÔNICO PARA REGISTRO DE PREÇOS
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. MODIFICAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS LIMITES QUANTITATIVOS DEFINIDOS EM LEI. CLÁUSULA EXORBITANTE E DERROGATÓRIA DO REGIME JURÍDICO COMUM. PRERROGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRESCINDIBILIDADE/DESNECESSIDADE DA MODIFICAÇÃO SER FORMALIZADA POR TERMO ADITIVO NA HIPÓTESE DE NÃO HAVER REPERCUSSÃO NA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO AJUSTE. INEXISTÊNCIA DE ATO CONTRATUAL (BILATERAL) EM SENTIDO ESTRITO. COMPETÊNCIA DO SETOR TÉCNICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATANTE PARA ATESTAR A RIGIDEZ/MANUTENÇÃO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA ORIGINÁRIA DO CONTRATO. RECOMENDAÇÃO DE QUE A AVALIAÇÃO QUANTO A OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E DA MANUTENÇÃO DA REFERIDA EQUAÇÃO APÓS A MODIFICAÇÃO UNILATERAL SEJA UM EXPEDIENTE QUE ENVOLVA A AUDIÊNCIA DO CONTRATADO.
I – Nas hipóteses de modificações quantitativas unilaterais --- acréscimos e/ou supressões ---, operadas dentro dos limites percentuais que a legislação impõe como de aceitação obrigatória ao contratado (art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993; art. 125, da Lei nº 14.133/2021), é dispensável a elaboração de termo aditivo para a formalização da alteração contratual, sendo suficiente a edição de ato administrativo.
II - Não figurando, o ato que modifica unilateralmente o quantitativo do contrato, como negócio jurídico bilateral, é igualmente dispensável, à luz do art. 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/93, e art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133/2021, seu encaminhamento ao órgão de consultoria jurídica para exame prévio, ressalvadas as hipóteses em que o gestor público demande esclarecimentos pontuais sobre questões de natureza jurídica que eventualmente suscitem dúvidas específicas quanto a forma de proceder na prática do ato.
III – Recomendações/limites a serem observados para conferir maior segurança jurídica aos gestores públicos:
III.1. Somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- estiver dentro dos limites que a lei impõe como sendo de aceitação obrigatória por parte do contratado (até 25% em se tratando de compras, obras ou serviços; até 50% no caso de reforma de edifício ou de equipamento). Exegese do art. 58, I, e art. 65, I, "b", § 1º da Lei nº 8.666/1993; art. 104, I, e art. 124, I, "b", e art. 125 da Lei nº 14.133/2021.
III.2. Somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- não redundar em modificação da equação econômico-financeira inicial do contrato. Princípio da intangibilidade da equação econômica e financeira do ajuste (art. 37, XXI, da Constituição da República). Direito/garantia ao equilíbrio econômico-financeiro como reserva de proteção ao contratado em face das prerrogativas da Administração. Interpretação do art. 65, §6º, da Lei n. 8.666/93 e art. 130 da Lei n. 14.133/21.
III.3. Para fins de dispensa da celebração de termo aditivo, compete ao setor técnico da Administração Pública contratante aferir, declarando nos autos, que a nova remuneração devida ao contratado guarda estrita observância à equação econômico-financeira original. Decisão administrativa apta a afetar os interesses de um particular. Recomendação de que, no processo de avaliação sobre se o contrato manteve incólume sua equação econômico-financeira após a modificação quantitativa promovida unilateralmente pela Administração Pública, seja oportunizada a participação/manifestação do contratado. Princípio do devido processo administrativo (CF/1988, art. 5º, LV).
III.4. Necessidade da modificação contratual ser precedida de adequado procedimento administrativo, contendo justificativa/motivação da alteração (caput do art. 65 da Lei n. 8.666/93; caput do art. 124 da Lei n. 14.122/21), seus pressupostos/requisitos, e todas as demais exigências legais pertinentes.
IV – Conclusão pela prescindibilidade/desnecessidade de celebração de termo aditivo para formalização de modificações contratuais unilaterais nos limites percentuais permitidos pelas Leis nº 8.666/1993 e nº 14.133/2021, desde que preenchidos todos os requisitos legais para se proceder à referida alteração.
I. RELATÓRIO
Trata-se de processo administrativo instaurado para acolher e consolidar o resultado de estudos que tiveram como objetivo fornecer à Coordenação-Geral desta e-CJU/SSEM subsídios de fato e direito a orientá-la na fixação de entendimento jurídico uniforme quanto a (des)necessidade de formalização de termo aditivo para se proceder a modificações contratuais quantitativas em que a lei confere à Administração Pública a prerrogativa de fazê-los unilateralmente (art. 58, I, e art. 65, I, da Lei nº 8.666/1993; art. 104, I, e art. 124, I, da Lei nº 14.133/2021).
O enfrentamento desta questão pode ser considerado como resultado da potencial vocação expansiva da Orientação Normativa n. 00007/2021/COORD/E-CJU/SSEM/CGU/AGU. A título de recordação, referida ON firmou o entendimento de que nas hipóteses em que a Lei nº 8.666/93 possibilita a rescisão do contrato administrativo por ato unilateral da Administração Pública (art. 79, I, da lei n. 8.666/93) --- a denominada "rescisão administrativa" (art. 79, §1º) ---, é dispensável a elaboração de termo aditivo para a formalização da rescisão contratual.
A ratio subjacente ao entendimento sufragado por meio da Orientação Normativa n. 00007/2021/COORD/E-CJU/SSEM/CGU/AGU para os casos de rescisão administrativa estaria presente também nas hipóteses de modificação contratual por ato unilateral da Administração Pública. Em um e outro caso o que se teria é a inexistência de ato contratual (bilateral) em sentido estrito, de modo a tornar desnecessário a lavratura de um termo aditivo.
Portanto, o objetivo da presente manifestação jurídica é avaliar se, tal como se entendeu nas hipóteses de rescisão unilateral pela Administração Pública (rescisão administrativa), os casos de modificação unilateral do contrato administrativo também prescindiriam (ou não) da formalização de termo aditivo.
Em especial, trataremos das alterações unilaterais quantitativas (art. 65, I c/c § 1º, da Lei nº 8.666/1993 e art. 124, I, "b", da Lei nº 14.133/2021), e, mais especificamente ainda, quando o acréscimo e/ou supressão quantitativos estiverem dentro do limite percentual que a legislação impõe como de aceitação obrigatória ao contratado (art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993; art. 125, da Lei nº 14.133/2021).
Na eventual conclusão no sentido da desnecessidade de termo aditivo para formalização das referidas alterações unilaterais, o Exmo. Sr. Coordenador da e-CJU/SSEM sugere a edição de Orientação Normativa, tornando desnecessária, por conseguinte, a submissão do ato à análise prévia do órgão de consultoria jurídica (art. 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/1993; art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133/2021).
É o relatório.
II. PRELIMINARMENTE
II.1. Do advento da nova lei de licitações e contratos administrativos.
No dia 1º de abril de 2021 foi publicada a lei nº 14.133/2021, a nova lei geral de licitações e contratos administrativos.
Embora a novel legislação tenha, nos termos do seu art. 194, entrado em vigor na data de sua publicação, estipulou que a Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/02 e Lei nº 12.462/11 somente serão revogadas após o transcurso do prazo de 2 (dois) anos. A opção legislativa, portanto, foi estabelecer um prazo de convivência entre a nova lei e a legislação que irá revogar.
Assim, até o decurso do referido prazo, diferentes regimes gozarão de vigência simultânea e poderão ser aplicados à escolha da Administração Pública.
Diante deste cenário, julgamos relevante traçar desde logo um paralelo entre os dispositivos da Lei nº 8.666/93 que são citados ao longo da presente manifestação jurídica com os artigos da nova Lei nº 14.133/21 que lhes são correspondentes, na forma que se segue:
LEI Nº 8.666/1993 | LEI Nº 14.133/2021 |
Art. 58, I | Art. 104, I |
Art. 58, II | Art. 104, II |
Art. 58, § 1º | Art. 104, § 1º |
Art. 65, I, "b" | Art. 124, I, "b" |
Art. 65, § 1º | Art. 125 |
Art. 65, § 2º | Sem correspondência |
Art. 65, § 6º | Art. 130 |
Registre-se que, especificamente na matéria objeto do presente Parecer, a disciplina jurídica dispensada pela nova lei de licitações e contratos se manteve praticamente inalterada em relação ao tratamento conferido pela Lei nº 8.666/93.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Delimitação do objeto da análise jurídica e propósito do Parecer.
A práxis tem apontado para uma utilização do termo aditivo como instrumento de formalização das alterações contratuais quantitativas, sejam elas unilaterais ou bilaterais, abaixo ou acima dos limites percentuais que a lei determina como sendo de aceitação obrigatória por parte do contratado (art. 65, da Lei nº 8.666/1993 e art. 124, da Lei nº 14.133/2021).
Entendemos, contudo, que ao menos no que tange às alterações quantitativas realizadas unilateralmente pela Administração Pública, em montante inferior ao percentual previsto em lei como sendo de aceitação obrigatória pelo contratado (art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993; art. 125, da Lei nº 14.133/2021), o tema merece maiores reflexões.
A questão que se coloca é saber se, à luz da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/2021 o mero ato administrativo exarado pela entidade contratante teria o condão de, por si só, promover, de pleno direito, o tipo de alteração contratual supramencionada.
Em caso positivo, ter-se-ia como dispensável a elaboração de termo aditivo para que a alteração contratual se aperfeiçoasse, e, por conseguinte, dispensável se tornaria o encaminhamento dos autos para exame prévio da consultoria jurídica, já que, com fulcro no art. 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/93 (art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133/2021), apenas os atos contratuais (bilaterais) estariam abrangidos pela prescrição legal.
Pois bem. O presente Parecer tem por escopo aprofundar no estudo da matéria, apresentando e consolidando os fundamentos jurídicos que, em nosso entender, apontam para a prescindibilidade/desnecessidade de celebração de termo aditivo e a suficiência de ato administrativo para se levar a efeito as alterações quantitativas unilaterais --- acréscimos e/ou supressões --- dentro dos limites percentuais fixados na legislação como de aceitação obrigatória (art. 58, I, e art. 65, I, "b", § 1º da Lei nº 8.666/1993; art. 104, I, e art. 124, I, "b", e art. 125 da Lei nº 14.133/2021).
Passamos a declinar em seguida os fundamentos que sustentam esta conclusão, acompanhados de recomendações que visam conferir maior segurança jurídica aos gestores públicos quando da prática desse tipo de ato.
III.2. Da modificação contratual quantitativa nos limites legais. Ato unilateral da Administração Pública. Prescindibilidade de termo aditivo.
Inicialmente, pedimos vênia para transcrever os artigos da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 14.133/2021 que são pertinentes à abordagem do tema:
Lei nº 8.666/93
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração;
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
(...)
§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
Lei nº 14.133/2021
Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;
b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).
Como se pode perceber, a alteração contratual quantitativa nos limites legais é aquela perpetrada por ato unilateral da Administração Pública, quando verificada a situação prevista na alínea "b" do inciso I do art. 65 da Lei n. 8.666/93 (alínea "b" do inciso I do art. 124 da Lei n. 14.133/21).
Nos termos da legislação, em se tratando de compras, obras ou serviços, o acréscimo ou a diminuição poderá atingir até 25% do valor inicial atualizado do contrato. No caso de reforma de edifício ou de equipamento, o acréscimo poderá chegar até o limite de 50%.
O poder-dever que tem a Administração Pública de proceder, unilateralmente, à modificação quantitativa do contrato, dentro dos limites legais, consiste em cláusula exorbitante e derrogatória do direito comum, impondo-se independentemente da concordância do contratado.
Trata-se de prerrogativa inerente aos contratos administrativos, caracterizados que são pela presença de "cláusulas exorbitantes". Na lição de Lucas Rocha Furtado e Augusto Sherman Cavalcanti:
Bom de ver que tal prerrogativa não decorre de uma condição de superioridade própria da Administração em relação ao contratado, mas senão de sua condição de curadora dos interesses públicos primários, também denominados interesses coletivos primários.
É a supremacia do interesse público e a indisponibilidade deles que fundamenta a existência do contrato administrativo e do seu traço distintivo: a mutabilidade. [1]
Nesse mesmo sentido, conferindo destaque às prerrogativas conferidas pelo regime jurídico-administrativo, em especial às denominadas “cláusulas exorbitantes”, vejamos a doutrina de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado.[2]
In casu, a modificação do valor inicial do contrato dá-se por imposição legal, posto que o contratado é obrigado a aceitar o acréscimo ou a supressão que se fizerem nos contratos.
Deveras, diferentemente da modificação por acordo das partes (art. 65, II, da Lei nº 8.666/93; art. 124, II, da Lei nº 14.133/21) --- que se perfaz, nos termos da própria dicção da lei, por mútuo acordo de vontade das partes e através da mesma forma utilizada no ato da contratação ---, a alteração unilateral quantitativa representa típico exemplo de manifestação de cláusula exorbitante presente no regime jurídico-administrativo, e que conduz à derrogação parcial do direito obrigacional ordinário (direito privado).
Desta constatação decorre a conclusão de que a alteração unilateral quantitativa não consiste em ato contratual em sentido estrito, ou bilateral. Antes, trata-se de manifestação de vontade unilateral, um direito potestativo reconhecido em favor da Administração Pública, em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público e sua supremacia sobre o interesse privado.
Nesse sentido, vejamos a doutrina de Anderson Morais Diniz ao tratar da utilização de instrumentos aditivos aos contratos para formalização de alterações unilaterais:
Como é sabido, a expressão "contrato" é reservada às situações que denotam um acerto bilateral, pois que se caracteriza como o ajuste bilateral ou plurilateral em que as partes convencionam direitos e obrigações. Refutamos aqui a teoria da existência do contrato unilateral, onde, para nós, há apenas manifestação única de vontade ou exercício de direito potestativo, não havendo a bilateralidade.
Assim, não pode ser contrato o negócio jurídico criado por ato de apenas uma das partes, eis que constitui ato unilateral, pois a autonomia de vontade de duas partes ou mais é pressuposto de existência da relação contratual, dado que somente a lei pode criar para o outro uma obrigação sem sua concordância.
(...)
Tais são as hipóteses dos atos praticados pela Administração, descritos nos artigos 124, I, 125 e 138, I, e também os atos sujeitos a apostilamento, como os do art. 115, § 5º, e art. 136, todos da nova Lei de Licitação. Nestes casos, o que se tem não é um acordo de vontades, mas mera manifestação de vontade unilateral da Administração Pública, acerca da qual não pode o administrado se opor ou recusar, embora possa contra eles se insurgir pelo meio administrativo ou judicial. (...)
Em face disso, torna-se desnecessária qualquer formalização da vontade estatal por meio de termo aditivo --- que, repita-se, só caberia nos casos de ato de mútuo consenso --- sendo, também, desnecessária qualquer análise prévia de legalidade desse instrumento. Assim como ocorria no parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666, de 1993, não há necessidade de subsunção do ato administrativo típico, na forma do art. 53, § 4º, pois tais atos não se encontram ali previstos.
Portanto, basta a mera formalização da vontade estatal por meio de ato administrativo (resolução, portaria, ofício, entre outros, pouco importando o nome) que configure a vontade da Administração Pública em exercer seu direito ou reconhecer o direito do Administrado, dirigida ao contratado para ciência.[3]
(destacamos)
Desta feita, não figurando o ato unilateral como negócio jurídico bilateral, é dispensável a celebração de termo aditivo para a formalização da modificação quantitativa, sendo suficiente a edição de ato administrativo, o qual tem o condão de promover a referida alteração de pleno direito.
A questão abordada no presente tópico conduz a um primeiro limite a ser observado pela Administração Pública ao dispensar a celebração de termo aditivo para formalizar uma modificação quantitativa unilateral: somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- estiver dentro dos limites que a lei impõe como sendo de aceitação obrigatória por parte do contratado (até 25% em se tratando de compras, obras ou serviços; até 50% no caso de reforma de edifício ou de equipamento).
Deveras, em se tratando de modificação quantitativa, somente há que se falar em ato unilateral da Administração Pública nessas situações.
Uma vez assentada as premissas que sustentam a tese da desnecessidade de formalização de termo aditivo para se proceder a modificações contratuais quantitativas em que a lei confere à Administração Pública a prerrogativa de fazê-los unilateralmente, passaremos a tratar, nos tópicos seguintes de outras questões que devem ser observadas para segurança do gestor público.
III.3. Da necessidade de que a alteração unilateral quantitativa não redunde em modificação da equação econômico-financeira do contrato.
Tanto a Lei n. 8.666/93 quanto a Lei n. 14.133/21 impõem a celebração de termo aditivo para formalização de modificações unilaterais dos contratos administrativos quando tal modificação implicar em aumento ou diminuição dos encargos do contratado. Senão vejamos:
Lei n. 8.666/93
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
(...)
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
(...)
§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
Lei n. 14.133/21
Art. 130. Caso haja alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
(destacamos)
À primeira vista, poder-se-ia argumentar que a modificação unilateral quantitativa seria uma hipótese de aumento --- no caso de acréscimos --- ou diminuição --- no caso de supressões --- dos encargos do contratado. Desse modo, a celebração de termo aditivo seria, por força de expressa determinação legal, obrigatória para perfazer a alteração quantitativa unilateral.
Este, contudo, não nos parece ser o entendimento correto.
O cerne da questão está em perquirir acerca da abrangência do termo "encargo" previsto no art. 65, §6º, da Lei n. 8.666/93 e art. 130 da Lei n. 14.133/21.
Os referidos dispositivos legais dão conta de que o termo "encargo" está intimamente relacionado a uma outra ideia, a de "equilíbrio econômico-financeiro inicial". Assim, se a alteração unilateral do contrato acarretar aumento ou diminuição dos encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
Embora inexista na legislação um conceito legal de "encargo", a doutrina nos fornece balizas para entender o alcance do conceito. Vejamos, por exemplo, a lição de Marçal Justen Filho:
O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente.
O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como "deveres jurídicos" propriamente ditos.
São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc.
O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes, tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas, também, as épocas previstas para sua liquidação.
É possível (à semelhança de um balanço contábil) figurar os encargos como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a "equilíbrio". Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de que se assegura que aquela plêiade de encargos corresponderá precisamente à remuneração prevista.
Pode-se afirmar, em outra figuração, que os encargos são matematicamente iguais às vantagens. Daí a utilização da expressão "equação econômico-financeira".[4]
Portanto, à luz da doutrina, falar de "encargo" na acepção destacada nos dispositivos legais transcritos envolve aspectos periféricos e acessórios à prestação do objeto contratual, que tangenciam-no apenas, onerando-o ou desonerando-o, e que influenciam no preço da remuneração devida ao contratado.
Marçal Justen Filho cita, exemplificativamente, os seguintes aspectos: prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo do objeto; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo e a forma de pagamento etc.
Alguns exemplos podem nos ajudar a entender melhor o conceito jurídico.
Se em uma relação jurídica-contratual a Administração Pública altera unilateralmente o prazo fixado para pagamento, passando-o de 5 (cinco) para 30 (trinta) dias, a modificação implica em flagrante aumento de encargo (financeiro) a ser suportado pela contratada.
O mesmo aconteceria se a alteração unilateral consistisse em modificação do local de entrega do objeto, de um lugar situado a 50km de distância para outro situado a 300km de distância; ou ainda se o prazo de entrega do objeto fosse diminuído. Os encargos do contratado certamente seriam incrementados, refletindo na equação econômico-financeira original.
Em todas essas situações, impõe-se o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial por meio de termo aditivo.
Situação diversa ocorre com a alteração quantitativa pura e simples do objeto contratual. Embora tenha o potencial de aumentar ou diminuir os encargos do contratado --- alterando, por conseguinte, a equação econômico-financeira do contrato ---, a modificação quantitativa não provoca, necessariamente, este resultado.
Deveras, se a Administração Pública firma contrato de aquisição de 100 (cem) bicicletas pelo valor de R$ 100.000,00, e, posteriormente, impõe unilateralmente o acréscimo de 25 (vinte e cinco) bicicletas, pelo valor de R$ 25.000,00, mantendo, porém, as mesmas condições originalmente pactuadas (prazos de entrega e pagamento; local de entrega; forma de pagamento etc), forçoso reconhecer que o equilíbrio econômico-financeiro se manteve incólume, já que não houve aumento e/ou diminuição de encargos.
Não por outra razão é que, ao fazer menção a "encargo" --- relacionando-o com o equilíbrio econômico-financeiro --- , o art. 65, §6º, da Lei n. 8.666/93 e o art. 130 da Lei n. 14.133/21 tratam claramente de uma relação de proporcionalidade entre grandezas e não de números absolutos.
Nesse sentido, é plenamente possível que, não obstante o aumento quantitativo do objeto, a correlação encargo-remuneração seja mantida incólume em termos proporcionais.
Portanto, não vislumbramos no art. 65, §6º, da Lei n. 8.666/93, e no art. 130 da Lei n. 14.133/21, empecilho legal para a tese ora advogada.
Todavia, a questão abordada no presente tópico conduz a um outro limite a ser observado pela Administração Pública ao dispensar a celebração de termo aditivo para formalizar uma modificação quantitativa unilateral: somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- não redundar em modificação da equação econômico-financeira inicial do contrato.
A contrario sensu, todas as modificações quantitativas unilaterais que acarretem alteração na equação econômico-financeira do contrato devem ser, por força de expressa determinação legal (art. 65, § 6º da Lei n. 8.666/93; art. 130 da Lei n. 14.133/21), formalizadas por termo aditivo, no bojo do qual, inclusive, deverão estar contempladas as disposições garantidoras do restabelecimento da equação econômico-financeira inicial.
Lembrando que, para fins de dispensa da celebração de termo aditivo, compete ao setor técnico da Administração Pública contratante aferir, declarando nos autos, que a nova remuneração devida ao contratado guarda estrita observância à equação econômico-financeira original.
III.4. Da potencial afetação da modificação quantitativa unilateral na equação econômico-financeira do contrato. Necessidade de manifestação do contratado.
O poder-dever outorgado à Administração de constituir os privados em obrigações por meio de ato unilateral encontra limitação na garantia constitucional da intangibilidade da equação econômica e financeira do ajuste (art. 37, XXI, da Constituição da República).
Isso implica em afirmar que as prerrogativas da Administração Pública, expressas por meio das cláusulas exorbitantes, não alcança a parte econômica e financeira do contrato. A Administração Pública contratante não pode, va1idamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contratado, sem qualquer culpa deste.
Sobre o tema, vejamos a lição de Joel Menezes Niebuhr:
"A característica fundamental dos contratos administrativos reside nas chamadas cláusulas exorbitantes, isto é, nos poderes e prerrogativas reconhecidos pela legislação à Administração, que a colocam em posição de superioridade e vantagem em relação ao contratado. Em razão delas, a Administração, contratante, pode alterar unilateralmente o objeto do contrato, suspender a execução dele e praticar uma série de atos, que afetem a sua equação econômico-financeira. Nesses casos, em que a Administração, contratante, no exercício de suas prerrogativas legais ou não, impõe ao contratado medidas que afetam a equação econômico-financeira formada por ocasião da licitação, é obrigatório proceder à revisão do contrato."[5]
A garantia da incolumidade da equação econômica e financeira do contrato tem uma implicação constitucional: qual seja, o direito/garantia ao equilíbrio econômico-financeiro como reserva de proteção ao contratado em face das prerrogativas da Administração. Acerca do tema, vale trazer a doutrina de Joel Menezes Niebuhr:
"Acrescente-se que, muito embora os contratos administrativos sejam, em regra, desequilibrados, em consonância com a posição privilegiada que ocupa a Administração Pública, a equação econômico-financeira é absolutamente equilibrada. Quer dizer, em poucas palavras, que a superioridade da Administração Pública não alcança a parte econômica e financeira do contrato.
(...)
Daí nasce uma equação de proporcionalidade entre o que se espera gastar e receber em contrapartida. Conquanto as condições contratuais possam ser alteradas de modo consensual ou unilateral por parte da Administração ou, até mesmo, por fatos alheios à vontade das partes contratantes, esta equação deve sempre ser mantida. A Administração não reúne forças para compelir terceiros a operarem em prejuízo ou sem lucro ou mesmo com margem de lucro que não foi por eles consentida. Então, se as condições da época da proposta são alteradas, sem, é claro, que o proponente tenha podido prever ditas alterações, bem como se elas repercutem na equação econômica e financeira, aumentando ou diminuindo os custos do empreendimento contratado, deve-se proceder à revisão do contrato."[6]
Ora, se o contínuo respeito à equação econômico-financeira do contrato administrativo é direito-garantia do contratado em face do Estado, como conceber que este mesmo Estado tenha a prerrogativa de alterá-la unilateralmente por ocasião de acréscimos e/ou supressões impostas pelo mesmo?
A abordagem deste aspecto nos parece de fundamental importância na presente discussão, considerando que a implementação de alterações unilaterais quantitativas por parte do Estado tem o potencial de repercutir na equação econômico-financeira do contrato.
Uma vez firmado o contrato administrativo e estabelecida a equação econômica inicial, eventual alteração do ajuste que se imponha por determinação unilateral da Administração não deve conduzir à unilateralidade da modificação daquela equação. Antes, demanda prévia concordância do contratado, não cabendo ao Estado-contratante definir unilateralmente a proporção a ser observada.
Ainda nas palavras de Joel Menezes Niebuhr "não há prerrogativa que autorize a Administração à mão própria a avançar sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. O avanço sobre o equilíbrio deve ser consensual" (NIEBUHR, p. 1118).
Ocorrendo --- e se impondo --- determinada alteração unilateral, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos, não unilateralmente, mas consensualmente, caso as modificações perpetradas unilateralmente venham a alterar a equação econômico-financeira original.
Não por outra razão é que tanto a Lei nº 8.666/1993 quanto a Lei nº 14.133/2021, embora admitam a modificação unilateral do contrato, condicionam tal alteração à revisão das cláusulas econômico-financeiras, sobre as quais o contratado deve manifestar sua prévia concordância:
Lei nº 8.666/1993
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Lei nº 14.133/2021
Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - extingui-los, unilateralmente, nos casos especificados nesta Lei;
III - fiscalizar sua execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - ocupar provisoriamente bens móveis e imóveis e utilizar pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato nas hipóteses de:
a) risco à prestação de serviços essenciais;
b) necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, inclusive após extinção do contrato.
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese prevista no inciso I do caput deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Recorremos mais uma vez à boa doutrina de Marçal Justen Filho:
Por outro lado, a alteração imposta de modo unilateral não afasta a necessidade de consenso sobre as implicações decorrentes. Em muitos casos, a modificação prevista no inciso I pode gerar a necessidade de recomposição da equação econômico-financeira. Se tal ocorrer, impor-se-á a alteração consensual como condição para a eficácia da modificação unilateral. Essa regra está consagrada no art.130.
(JUSTE FILHO, p. 1364).
A doutrina tem destacado que uma coisa é a Administração Pública deter a prerrogativa incontestável de impor a aceitação dos aumentos e supressões quantitativas nos limites do percentuais máximos definidos em lei. Outra bem diferente são os conseqüentes reflexos financeiros daquelas alterações no contrato. Estes últimos, caso provoquem alteração no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não podem se impor ao contratado unilateralmente.
Quanto ao primeiro, não há discussão, trata-se de norma cogente, derrogatória do direito comum. Já quanto ao segundo --- repercussão financeira da alteração contratual --- a lei impõe a concordância do contratado e a celebração de termo aditivo contemplando as novas cláusulas econômico-financeiras:
“A autorização legal para modificação unilateral não significa a ausência de proteção à equação econômico-financeira do contrato. Portanto, a competência da Administração Pública se restringe à imposição da solução relativamente ao novo projeto, no tocante às especificações e aos quantitativos. Não autoriza a imposição de solução unilateral relativamente à relação entre encargos e vantagens pactuados entre as partes.
Para ser mais preciso, o particular não pode se opor ao conteúdo das alterações relativas ao projeto e às quantidades. Mas a determinação da remuneração e das demais condições de remuneração não podem ser impostas unilateralmente pela Administração.
Assim, por exemplo, suponha-se que a Administração repute necessário alterar a tecnologia adotada na execução do objeto, substituindo-a por outra. O particular deverá submeter-se à determinação.
Mas as alterações no tocante à remuneração deverão ser analisadas de comum acordo entre as partes. Se o particular reputar que as novas condições de remuneração violam a equação econômico-financeira original, caber-lhe-á a faculdade de se opor à alteração – não sob o fundamento de discordância quanto às alterações técnicas, mas em virtude da disputa relativamente às cláusulas econômico-financeiras.
Não se contraponha que esse entendimento frustraria a competência da Administração para adequar a contratação à melhor satisfação das necessidades existentes. O licitante formulou uma proposta específica e determinada relativamente à remuneração para executar um certo objeto.
A Administração dispõe de competência para alterar as condições da execução do objeto, mas não pode constranger o particular a executar um objeto distinto daquele originalmente licitado por um preço unilateralmente fixado.”[7]
(destacamos)
O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro surge como contrapartida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo. Nesse mesmo sentido, vide doutrina de Simone Zanotello de Oliveira:
“Nesse diapasão, a alteração unilateral irá resultar num aumento/diminuição do objeto e, por esse motivo, a variação de preço deverá guardar uma relação direta de proporcionalidade com esse aumento/diminuição. Entretanto, entendemos que a avaliação dessa proporcionalidade não deve ocorrer de forma unilateral, mas sim estabelecida de comum acordo entre as partes. Com efeito, o contratado, em tese, não pode se opor ao conteúdo das alterações propostas unilateralmente pela Administração, mas pode questionar a remuneração e as demais condições dela, caso não se apresente de forma adequada."[8]
(destacamos)
Esse também é o magistério de Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
"A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.
No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econômica do contratado, visando restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes."[9]
Como se pode perceber, a doutrina distingue claramente duas situações contratuais diferentes no contexto de uma alteração quantitativa promovida unilateralmente pela Administração:
a) em primeiro lugar, tem-se o acréscimo e/ou a supressão quantitativo do objeto, dentro do limite percentual admitido por lei.
Diferentemente das alterações consensuais --- contra as quais pode o contratado se manifestar contrariamente, inclusive rejeitando acréscimos ou supressões indesejáveis ---, nas unilaterais o contratado não pode se opor à alteração em si, devendo a ela se submeter sob pena de sujeição a sanções contratuais.
b) em segundo lugar, tem-se a discussão quanto às cláusulas econômico-financeiras (remuneração) decorrentes da alteração quantitativa unilateral.
Estas demandam a anuência do contratado, o qual, diante da garantia prevista no art. 37, XXI, da CF/88, pode questionar ou se opor à remuneração e às demais condições dela, caso não estejam em conformidade com a equação econômico-financeira original.
Assim, embora, por um lado, à Administração seja reconhecida, sob certos pressupostos, a prerrogativa de alterar unilateralmente o contrato --- primeira situação descrita acima ---, por outro, não lhe é outorgado o poder de modificar à mão própria a equação econômico-financeira --- segunda situação acima ---, dado que ela é intangível, revelando o direito dos contratantes ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Ainda que não possa se opor ao acréscimo e/ou supressão até os limites prescritos em lei, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida originariamente.
Pois bem. A questão abordada no presente tópico conduz a um outro limite a ser observado pela Administração Pública ao dispensar a celebração de termo aditivo para formalizar uma modificação quantitativa unilateral: é recomendável que a avaliação sobre se o contrato manteve incólume sua equação econômico-financeira após a modificação quantitativa promovida unilateralmente pela Administração Pública conte com a participação/manifestação do contratado.
Com efeito, como bem registra Marçal Justen Filho, "a competência para alterações contratuais, inclusive por ato unilateral, não significa ausência de oportunidade de manifestação para o contratado, o que ofenderia o princípio do devido processo administrativo (CF/1988, art. 5º, LV)" (JUSTEN FILHO, p. 1364), mesmo porque nem sempre a Administração dispõe de condições para aferir a proporcionalidade correta entre encargo-remuneração. E arremata afirmando que:
É indispensável convocar o contratado para manifestar-se. Essa exigência decorre não apenas da garantia constitucional do devido processo legal, que impõe a observância do contraditório e da ampla defesa relativamente a decisões administrativas aptas a afetar os interesses de um particular.
Também se trata de dar oportunidade à colaboração do particular. Isso permitirá obter subsídios e informações para evitar equívocos e aperfeiçoar as soluções a serem adotadas.
(JUSTEN FILHO, p. 1366)
Com efeito, o fato de alterações unilaterais quantitativas terem o condão de exercer influência direta em aspecto sensível do contrato administrativo --- a sua equação econômico-financeira ---, é prudente que a avaliação quanto a observância da proporcionalidade e da manutenção da referida equação após a modificação unilateral seja um processo que envolva a audiência do contratado.
III.5. Considerações finais.
A presente manifestação jurídica se limitou a tratar de um aspecto meramente formal das alterações unilaterais quantitativas operadas nos limites legais: a desnecessidade de celebração de termo aditivo para formalização da modificação contratual, quando esta não acarretar alteração da equação econômico-financeira.
Tal conclusão de modo algum implica na desnecessidade da referida modificação contratual ser precedida de adequado procedimento administrativo, contendo justificativa/motivação da alteração (caput do art. 65 da Lei n. 8.666/93; caput do art. 124 da Lei n. 14.122/21), seus pressupostos/requisitos, e todas as demais exigências legais pertinentes.
"(...) que é pacífica a jurisprudência do TCU no sentido de que as modificações do projeto licitado devam ser precedidas de procedimento administrativo no qual fique adequadamente consignada a justificativa das alterações tidas por necessárias, bem como deve estar caracterizada a natureza superveniente, em relação ao momento da licitação, dos fatos ensejadores das alterações (...).
(Acórdão 2.619/2019; Plenário, rel. Ministro Benjamin Zymler)
Igualmente, é de se registrar que com o entendimento advogado nesta manifestação jurídica não se está a dizer que expedientes envolvendo a modificação unilateral quantitativa jamais devam ser encaminhados ao órgão de assessoramento jurídico.
Pelo contrário. O órgão de consultoria jurídica poderá/deverá, sim, ser acionado para atuar no assessoramento do gestor público sempre que o mesmo entender necessário o esclarecimento pontual de questões de natureza jurídica que eventualmente suscitem dúvidas específicas quanto a forma de proceder na prática do ato administrativo.
Com efeito, em se tratando de modificações unilaterais quantitativas, não é incomum advirem dúvidas e/ou questões relativas à sua juridicidade, tais como a extensão das modificações, seus limites, implicações na equação econômico-financeira e na variação dos custos decorrentes, base de cálculo a ser considerada para incidência do acréscimo e/ou supressão, direitos e garantias do contratado etc. Se a Administração Pública entender que, para a tomada de decisão, a avaliação técnica relativa a esses aspectos depende de esclarecimentos jurídicos prévios, os autos deverão ser remetidos ao órgão de consultoria jurídica.
Nesse sentido, o presente estudo, bem como a Orientação Normativa que ora se propõe não tem a pretensão de fazer uma abordagem acerca dos pressupostos/requisitos legais para a regular alteração quantitativa unilateral aplicável aos casos concretos. Antes, limitou-se ao aspecto meramente formal da questão, assumindo a desnecessidade de celebração de termo aditivo para formalização da alteração unilateral quantitativa, desde que preenchidos todos os requisitos legais e observadas as balizas doutrinárias e jurisprudenciais sobre as questões relativas à modificação quantitativa unilateral.
III.6. Sugestão de redação para edição de Orientação Normativa.
À luz de tudo quanto exposto, submeto ao Exmo. Sr. Coordenador da e-CJU/SSEM a ementa da presente manifestação jurídica como sugestão de redação para edição de Orientação Normativa sobre o tema no âmbito desta Consultoria Virtual:
PROPOSTA DE ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº ......./2022 DA E-CJU/SSEM
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. MODIFICAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS LIMITES QUANTITATIVOS DEFINIDOS EM LEI. CLÁUSULA EXORBITANTE E DERROGATÓRIA DO REGIME JURÍDICO COMUM. PRERROGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRESCINDIBILIDADE/DESNECESSIDADE DA MODIFICAÇÃO SER FORMALIZADA POR TERMO ADITIVO NA HIPÓTESE DE NÃO HAVER REPERCUSSÃO NA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO AJUSTE. INEXISTÊNCIA DE ATO CONTRATUAL (BILATERAL) EM SENTIDO ESTRITO. COMPETÊNCIA DO SETOR TÉCNICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATANTE PARA ATESTAR A RIGIDEZ/MANUTENÇÃO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA ORIGINÁRIA DO CONTRATO. RECOMENDAÇÃO DE QUE A AVALIAÇÃO QUANTO A OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E DA MANUTENÇÃO DA REFERIDA EQUAÇÃO APÓS A MODIFICAÇÃO UNILATERAL SEJA UM EXPEDIENTE QUE ENVOLVA A AUDIÊNCIA DO CONTRATADO.
I – Nas hipóteses de modificações quantitativas unilaterais --- acréscimos e/ou supressões ---, operadas dentro dos limites percentuais que a legislação impõe como de aceitação obrigatória ao contratado (art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993; art. 125, da Lei nº 14.133/2021), é dispensável a elaboração de termo aditivo para a formalização da alteração contratual, sendo suficiente a edição de ato administrativo.
II - Não figurando, o ato que modifica unilateralmente o quantitativo do contrato, como negócio jurídico bilateral, é igualmente dispensável, à luz do art. 38, parágrafo único, da lei nº 8.666/93, e art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133/2021, seu encaminhamento ao órgão de consultoria jurídica para exame prévio, ressalvadas as hipóteses em que o gestor público demande esclarecimentos pontuais sobre questões de natureza jurídica que eventualmente suscitem dúvidas específicas quanto a forma de proceder na prática do ato.
III – Recomendações/limites a serem observados para conferir maior segurança jurídica aos gestores públicos:
III.1. Somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- estiver dentro dos limites que a lei impõe como sendo de aceitação obrigatória por parte do contratado (até 25% em se tratando de compras, obras ou serviços; até 50% no caso de reforma de edifício ou de equipamento). Exegese do art. 58, I, e art. 65, I, "b", § 1º da Lei nº 8.666/1993; art. 104, I, e art. 124, I, "b", e art. 125 da Lei nº 14.133/2021.
III.2. Somente será admitida a dispensa de termo aditivo se a modificação --- acréscimo ou supressão --- não redundar em modificação da equação econômico-financeira inicial do contrato. Princípio da intangibilidade da equação econômica e financeira do ajuste (art. 37, XXI, da Constituição da República). Direito/garantia ao equilíbrio econômico-financeiro como reserva de proteção ao contratado em face das prerrogativas da Administração. Interpretação do art. 65, §6º, da Lei n. 8.666/93 e art. 130 da Lei n. 14.133/21.
III.3. Para fins de dispensa da celebração de termo aditivo, compete ao setor técnico da Administração Pública contratante aferir, declarando nos autos, que a nova remuneração devida ao contratado guarda estrita observância à equação econômico-financeira original. Decisão administrativa apta a afetar os interesses de um particular. Recomendação de que, no processo de avaliação sobre se o contrato manteve incólume sua equação econômico-financeira após a modificação quantitativa promovida unilateralmente pela Administração Pública, seja oportunizada a participação/manifestação do contratado. Princípio do devido processo administrativo (CF/1988, art. 5º, LV).
III.4. Necessidade da modificação contratual ser precedida de adequado procedimento administrativo, contendo justificativa/motivação da alteração (caput do art. 65 da Lei n. 8.666/93; caput do art. 124 da Lei n. 14.122/21), seus pressupostos/requisitos, e todas as demais exigências legais pertinentes.
IV – Conclusão pela prescindibilidade/desnecessidade de celebração de termo aditivo para formalização de modificações contratuais unilaterais nos limites percentuais permitidos pelas Leis nº 8.666/1993 e nº 14.133/2021, desde que preenchidos todos os requisitos legais para se proceder à referida alteração.
IV. CONCLUSÃO
Diante do exposto, ressalvando-se os aspectos de conveniência e oportunidade, não sujeitos ao crivo desta Consultoria, entende-se que, uma vez preenchidos todos os requisitos legais e observadas as balizas doutrinárias e jurisprudenciais sobre as questões relativas à modificação quantitativa unilateral, é dispensável a elaboração de termo aditivo para a formalização de modificações contratuais quantitativas deflagradas por ato unilateral da Administração Pública, desde que dentro dos limites percentuais fixados na lei (art. 58, I, e art. 65, I, "b", § 1º, da Lei nº 8.666/93; art. 104, I, e art. 124, I, "b" e art. 125, da Lei n. 14.133/21).
Por conseguinte, nesses casos, entende-se igualmente dispensável, via de regra, a submissão do ato ao exame prévio do órgão de consultoria jurídica (art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93; art. 53, § 4º, da Lei nº 14.133/2021).
Submeto o presente Parecer e a sugestão de edição de Orientação Normativa à aprovação do Exmo. Sr. Coordenador da e-CJU/SSEM, a fim de que, concordando com os seus termos, dê amplo conhecimento aos órgãos assessorados e Advogados da União em exercício nesta consultoria virtual.
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2022.
(assinado eletronicamente)
DANIEL LIN SANTOS
ADVOGADO DA UNIÃO
Coordenador Substituto da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Serviços Sem Dedicação Exclusiva de Mão de Obra
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688001450202251 e da chave de acesso 88faefc5
Notas