ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

PARECER n. 00978/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 19739.124786/2022-77

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO  CEARÁ - SPU/CE

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO

 
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITOPÚBLICO. BENS PÚBLICOS. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIOIMOBILIÁRIO DA UNIÃO. DESTINAÇÃO DE BEM DE DOMÍNIO DA UNIÃO À SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA FEDERAL INDIRETA. CESSÃO DE USO A TÍTULO ONEROSO.
I - Direito Administrativo. Licitações e contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres.
II - Minuta de Contrato de Cessão de Uso sob o regime de utilização onerosa, tendo como Outorgante-Cedente a União e como Outorgada-Cessionária a sociedade de economia mista, integrante da Administração Pública Federal Indireta, Petróleo Brasileiro S.A - PETROBRAS.
III - Recomendações do PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU. Complementação de análise.
IV - Alteração da minuta do modelo de Contrato de Cessão de Uso com  cláusulas estabelecidas na Portaria nº 11.190, de 1º de novembro de 2018.  Especificidades do modelo de negócio de uma Refinaria.
V -  Resolução ANP nº 817, de 24 de abril de 2020. Obrigatoriedade de atendimento às normas regulatórias vigentes e da Autorização de Operação de Refino da LUBNOR pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil -  ANP.
VI - Cessão dos direitos e obrigações do contrato de cessão. Interpretação do Tribunal de Contas da União aos arts. 72 e 78, VI, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, admitindo-se somente a subcontratação parcial e a alteração subjetiva do contrato quando a contratada passar por processos de fusão, cisão ou incorporação, desde que não haja vedação no edital ou no contrato e que, nos casos de fusão, cisão ou incorporação, sejam atendidos determinados requisitos específicos, o principal, realização de procedimentos licitatórios.
VII - Verificação de utilização do imóvel de modo gratuito após a extinção do contrato original. Verificação do período de ocupação sem cobertura contratual. Cobrança da retribuição pela ocupação sem contrato submetidas aos prazos decadencial e prescricional do art. 47 da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998.
 
 

I – RELATÓRIO

 

1. A SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO CEARÁ - SPU/CE encaminha o presente processo, para complementação de análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar nº73,de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e VI, do Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, do Advogado-Geral da União, combinados com o art. 38 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

 

2. Os autos foram instruídos com os documentos do link SEI disponibilizado no E-MAIL1(Seq. 6):

 

25093664        E-mail

25093794        Certidão         

25094114        Procuração    

25094157        Planta 

25094256        Memorial      

25094703        Autorização   

25094783        Alvará

25094899        Anexo

25095153        Despacho       

25129451        Despacho       

25188878        Espelho          

25188994        Despacho       

25205506        Nota Informativa 19352       

25631830        Checklist       

25632685        Anexo

25635534        Anexo

25635541        Anexo

25704501        E-mail

25738127        Anexo

25738159        Laudo 

25740842        Despacho       

25745413        Espelho          

25778409        Memória        

25967144        Declaração    

26435461        Minuta de Termo de Contrato          

26435588        Minuta de Portaria    

26439318        Despacho       

26448328        Requerimento

26697019        E-mail

26839814        Anexo

26839851        Laudo 

26888224        Nota Técnica 34960  

26888329        Despacho       

27053375        E-mail

27468697        E-mail

27504341        Minuta

27504597        Nota Técnica 38627  

27852745        Despacho       

27906577        Ofício 244426

28695651        E-mail

28695670        Parecer          

28695746        Despacho       

28830428        Anexo

28830436        Protocolo       

28830439        Licença          

29032467        Certidão         

29043787        Nota Técnica 48526  

29050591        Anexo

29136418        Minuta de Termo de Contrato          

29225792        Ofício 282962

 

3. Trata-se de  retorno para fins de complementação de análise, após manifestação do Núcleo de Destinação Patrimonial da SPU/CE ante as recomendações aduzidas no PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI nº 28695670) e das sugestões de alteração no modelo da minuta de contrato apresentadas pela futura Outorgada-Cessionária, a empresa Petrobras S.A. (SEI nº 26435461).

 

4. O procedimento inaugurado refere à  Cessão de Uso Oneroso à Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRÁS do imóvel de propriedade da União com área de196.929,08m², localizado na Av. Leite Barbosa, s/n, Mucuripe, Fortaleza, no estado do Ceará, cadastrado sob RIP 138901451.500-4, registrado sob o nº 32.220 e 32.933 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Fortaleza (SEI nº 25745413 e27504341), "destinando-se à operação da refinaria denominada Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste - LUBNOR", com manifestação favorável à destinação proposta pelo Núcleo de Destinação Patrimonial da SPU/CE pelas razões aduzidas no bojo da Nota Técnica SEI nº 38627/2022/ME (SEI nº 27504597).

 

É o relatório.

 

II - FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

5. Esta manifestação jurídica tem a finalidade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa. A função do órgão de consultoria é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar o Gestor Público, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

6. Importante salientar que o exame dos autos restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica e/ou financeira. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade assessorada municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

 

7. Esclareça-se que não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes, observar se os seus atos estão dentro do seu limite de competências.

 

8. Destaque-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada, a quem compete, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva do(s) agente(s) público(s) envolvido(s).

 

9. Assim, caberá tão somente a esta e-CJU Especializada Virtual de Patrimônio, à luz do art. 131 da Constituição Federal de 1988 e do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar assessoramento sob o enfoque estritamente jurídico, não sendo competência deste órgão consultivo o exame da matéria em razão das motivações técnicas, nem da oportunidade e conveniência, tampouco fazer juízo crítico sobre cálculos e avaliações, ou mesmo invadir o campo relacionado à necessidade material no âmbito do órgão consulente.

 

10. Portanto, esta manifestação tem por objetivo responder as indagações da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), relativa à instrução do procedimento para formalizar cessão de uso oneroso à PEtróleo Brasileiro S.A – PETROBRÁS, do imóvel cadastrado sob o RIP1389 01451.500-4 (SEI nº 29043787 e 29136418), salvaguardando, no que refere à esfera discricionária do Administrador e à matéria eminentemente técnica (não jurídica), o que orienta o Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, no sentido de que:

"O Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável. Ademais, caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto".

 

III – ANÁLISE JURÍDICA

 

11. Através dos termos do PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI nº 28695670), considerando que as normas e cláusulas contratuais referentes aos contratos onerosos firmados pela União devem observar o que dispõe a PORTARIA Nº 11.190, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2018foi recomendado à SPU/CE a complementação da instrução, no sentido de instruir os autos administrativos com as justificativas técnicas para as alterações das cláusulas obrigatórias estabelecidas nessa portaria e com os documentos essenciais à sua compreensão.

 

12. Em resposta ao parecer desta e-CJU/Patrimônio, foi realizada a juntada do anexo da proposta da nova minuta de contrato de cessão (SEI nº 29136418), com destaque para as alterações pretendidas pela Petróleo Brasileiro S.A., na qual se justifica as sugestões de alteração na minuta padrão, considerando

"as especificidades do modelo de negócio de uma Refinaria e a necessidade de atendimento às normas regulatórias vigentes e da Autorização de Operação de Refino da LUBNOR pela ANP” (SEI nº 27468697).

 

13. O Núcleo de Destinação Patrimonial da SPU/CE informa no item 8 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787) que a nova minuta (SEI nº 29136418) “contempla parcialmente os pleitos da Petrobras”. A seguir, passa-se à análise pontual dos questionamentos da SPU/CE através dessa Nota Técnica.

 

14. No item 9 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME o Núcleo de Destinação Patrimonial,  “partindo do princípio que a União reconhece o status das construções e benfeitorias atualmente existentes no imóvel”, propõe supressão do item IX da Cláusula IX que menciona a apresentação de apólice de seguro do imóvel contra danos físicos e materiais, sob o argumento de que “via de regra a apólice de seguro visa proteger as benfeitorias de um empreendimento”.

 

15. Nesse aspecto, atente-se para o aduzido nos itens 29 e 30 do PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI n° 28695670), compreendendo-se que as construções e benfeitorias não incorporam ao terreno em razão da imposição legal do descomissionamento das estruturas implantadas (Cf. RESOLUÇÃO ANP Nº 817, DE 24 DE ABRIL DE 2020). Em razão, não haveria sentido a exigência de apólice para proteção dessas estruturas.

 

16. Embora o Modelo de Contrato do ANEXO I da PORTARIA Nº 11.190, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2018, que estabelece cláusulas contratuais obrigatórias referentes a contratos onerosos firmados pela União, assim não preveja, é prudente que se avalie  a conveniência do estabelecimento de um seguro específico no mercado, os chamados seguros de “riscos de petróleo”, para cobertura ao menos para a hipótese de dano ambiental durante o período de utilização do área até a sua efetiva devolução à União, após o descomissionamento das estruturas implantadas.

 

17. O item 11 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME, “no que diz respeito à incorporação das benfeitorias e obras ao imóvel”, reitera-se as observações lançadas nos itens 29 e 30 do PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI n° 28695670), posto que as construções e benfeitorias não se incorporam ao terreno no momento de sua devolução não porque seria “desproporcional” ou "situação não prevista” no contrato anterior (já extinto), mas sim em razão da imposição legal do descomissionamento das estruturas implantadas, como decorre da RESOLUÇÃO ANP Nº 817, DE 24 DE ABRIL DE 2020, que dispõe sobre o descomissionamento de instalações de exploração e de produção de petróleo e gás natural, a inclusão de área terrestre sob contrato em processo de licitação, a alienação e a reversão de bens, o cumprimento de obrigações remanescentes, a devolução de área e dá outras providências.

 

18. Nesse ponto, é necessário que se inclua na redação da CLÁUSULA NONA, a previsão da realização do citado descomissionamento, de acordo com o que for exigido pelos órgãos especializados, notadamente a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, que  hoje determina, pela RESOLUÇÃO ANP Nº 817, DE 24 DE ABRIL DE 2020, o descomissionamento de instalações de exploração e de produção de petróleo e gás natural.

 

19. O item 12 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME refere-se à obrigatoriedade da Outorgada-Cessionária de comunicar à União quando da ocorrência de danos imobiliários, turbação de terceiros ou recebimento de notificações e intimações, recomendando-se a inclusão da obrigação de comunicação imediata, em caso de danos ambientais, para ciência e providências dos órgãos especializados.

 

20.  No item 13 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME questiona-se acerca da possibilidade jurídica de “destinar parcelas da área recebida a terceiros, locar ou arrendar partes do imóvel, bem como a possibilidade de cessão total de direitos e obrigações”. 

 

21. Admitida pelo art. 20 da LEI Nº 9.636, DE 15 DE MAIO DE 1998,  a cessão de uso a terceiros, a título gratuito ou oneroso, de "áreas para exercício de atividade de apoio, definidas em regulamento, necessárias ao desempenho da atividade do órgão a que o imóvel foi entregue", a subcontratação e a cessão do próprio objeto do contrato administrativo são tratadas na LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993 nos seus artigos 72 e 78, inciso VI, verbis:

 

“Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.
.....
Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:
I a V – omissis;
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;” (grifos e destaques)

 

22. Na oportunidade do Acórdão 6189/2019 - Segunda Câmara, manifestou-se o Tribunal de Contas da União no sentido de vedar a subcontratação integral em contratos administrativos, admitindo-se a subcontratação parcial quando não se mostrar viável, sob a ótica técnico-econômica, a execução integral por parte da contratada. Leia-se:

 

“(...) 2. É vedada a subcontratação integral em contratos administrativos, sendo possível a subcontratação parcial quando não se mostrar viável, sob a ótica técnico-econômica, a execução integral do objeto por parte da contratada e desde que tenha havido autorização formal do contratante.
Ao impugnar despesas efetuadas pela Prefeitura de Boa Viagem/CE com recursos do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar em 2010 (Pnate/2010), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) instaurou tomada de contas especial. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de que “nenhum dos veículos utilizados para o transporte dos alunos nas setenta e duas rotas existentes pertencia à contratada”, à evidencia, portanto, da subcontratação total dos serviços de transporte escolar, possibilidade não prevista no edital do pregão lançado pelo município e no contrato dele decorrente. No âmbito do TCU, foi promovida a citação do ex-prefeito e da empresa contratada, a fim de que oferecessem alegações de defesa ou recolhessem, solidariamente, o valor do débito referente à diferença entre os pagamentos recebidos pela contratada e os valores por ela pagos na subcontratação. Na análise dos elementos de defesa, a unidade técnica deixou assente que “a subcontratação total do objeto, em que se evidencia a mera colocação de interposto entre a administração pública contratante e a empresa efetivamente executora (subcontratada), constitui grave infração à norma legal (arts. 72, caput, e 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993), conforme jurisprudência pacífica deste Tribunal, ressaltando-se que tal hipótese não pode sequer ser prevista em contratos e editais, por configurar burla à licitação (…). Igualmente assentada na jurisprudência é a compreensão de que a subcontratação integral do objeto a terceiros caracteriza prejuízo ao erário, o qual corresponde à diferença entre os pagamentos recebidos pela empresa contratada e os valores por ela pagos na subcontratação integral”. Em seu voto, na esteira da manifestação da unidade instrutiva, o relator pontuou que a transferência da execução de parte das atividades a terceiros tem caráter acessório e complementar, “jamais por meio de repasse integral da execução das ações ajustadas pelo convenente para outros estranhos ao contrato, sob pena de desfigurar o processo de escolha da contratada”. Na situação em apreço, embora a Prefeitura de Boa Viagem/CE tenha contratado, com recursos do Pnate, serviços de transporte escolar para alunos do ensino básico, a empresa contratada não possuía frota de veículos que pudesse atender ao objeto pactuado, significando que ela “sublocou 100% da prestação dos serviços de transporte”. Na sequência, o relator enfatizou a precariedade dos serviços prestados pelos subcontratados, demonstrando a má qualidade e a falta de segurança do transporte dos alunos. Esse contexto revelaria, a seu ver, a “inexistência de fiscalização adequada para garantir que os veículos atendessem às normas de segurança do trânsito, tanto pela empresa intermediadora quanto pela prefeitura”. Nessas condições, acrescentou o relator, a empresa “parece ter se mantido alheia à prestação dos serviços, tendo atuado somente como mera intermediária entre a Administração Pública e os efetivos executores – que teriam se utilizado de veículos impróprios para o transporte escolar”. Teria restado evidente “a colocação de pessoa interposta entre a administração pública contratante e as pessoas efetivamente executoras com a finalidade de auferir ganhos claramente desnecessários”. E arrematou: “Neste Tribunal, a jurisprudência segue na linha de que não pode ser admitida a subcontratação integral em contratos administrativos (…), sendo possível a subcontratação parcial e, ainda assim, quando não se mostrar viável sob a ótica técnico-econômica a execução integral do objeto por parte da contratada e desde que tenha havido autorização formal do ente contratante”. Nos termos do voto do relator, o Plenário decidiu, entre outras deliberações, julgar irregulares as contas do ex-prefeito e da empresa contratada, condenando-os, solidariamente, em débito. Acórdão 6189/2019 - Segunda Câmara, Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer. [Informativo de Licitações e Contratos nº 374 – TCU de 21/08/2019]
 

23. Admitido o entendimento restritivo quanto a subcontratação, a sub-rogação da figura da contratada ou a divisão das responsabilidades por ela assumidas, ainda que prevista originalmente no contrato, foi reputada inconstitucional por ferir os princípios que regulam o procedimento licitatório. Confira-se:

 

 “Cláusula contratual que autoriza cessão ou transferência total do objeto viola o art. 72 da Lei 8.666/93
Auditoria realizada no Tribunal Regional do Trabalho 11ª Região/AM – TRT/AM com o objetivo, dentre outros, de examinar licitações e contratos efetuados pelo Tribunal nos exercícios de 2008 e 2009, apontou como achado a existência, em vários contratos, de cláusula prevendo a possibilidade de cessão ou transferência, total ou parcial, do objeto contratado, o que estaria em conflito com o art. 72 da Lei 8.666/1993. Ao examinar a matéria, o relator destacou que o TCU, na Decisão TCU nº 420/2002, firmou o entendimento de que “é ilegal e inconstitucional a sub-rogação da figura da contratada ou a divisão das responsabilidades por ela assumidas, ainda que de forma solidária, por contrariar os princípios constitucionais da moralidade e da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), o princípio da supremacia do interesse público, o dever geral de licitar (art. 37, XXI, da Constituição) e os arts. 2º, 72 e 78, inciso VI, da Lei 8.666/93”. Para ele, “a ação administrativa individualiza o licitante vencedor simples e diretamente porque reconheceu nele e na proposta por ele apresentada a alternativa mais eficiente e vantajosa”. Desse modo, a possibilidade de subrogação “substitui o juízo da Administração, único e soberano, formado durante e por meio do procedimento licitatório - pelo juízo do licitante vencedor, o qual, por ato próprio, escolhe - agora sem qualquer critério e sem empecilhos - terceiro para executar o objeto a ele adjudicado e responder pelas obrigações e direitos previstos no contrato administrativo, passando a assumir a posição de contratado”. Mesmo a subcontratação, de acordo com o relator, tem que ser vista como exceção, uma vez que a medida deve “ser adotada unicamente quando necessária para garantir a execução do contrato, desde que, é claro, não atente contra os princípios constitucionais inerentes ao processo licitatório”. Caso a subcontratação tivesse sido admitida pela Administração no edital dos certames, deveria ocorrer apenas com relação a parte do objeto contratado originariamente, nunca envolvendo a sua integralidade. Assim, ao concluir que a cláusula contratual que permite a cessão ou transferência total fere o art. 72 da Lei 8.666/93, o relator propôs e o Plenário decidiu expedir determinação corretiva ao TRT/AM. Acórdão nº 2813/2010-Plenário, TC-018.220/2009-8, rel. Min-Subst. Weder de Oliveira, 20.10.2010.” [Informativo de Licitações e Contratos nº 39 – TCU de 19 e 20 de outubro  de 2010]
 

24. Pontue-se que essa vedação foi flexibilizada pelo Plenário do TCU, quando proferiu o Acórdão 634/2007- Plenário, em resposta à Consulta apresentada pelo então Ministro de Estado dos Transportes, do seguinte modo:

 

“ACÓRDÃO 634/2007 - PLENÁRIO
PROCESSO: 009.072/2006-0 - CONSULTA
NÚMERO DA ATA: 15/2007 - Plenário
Interessado: Alfredo Nascimento, Ministro de Estado dos Transportes.
Entidade: Ministério dos Transportes.
SECEX-1 - 1ª Secretaria de Controle Externo
(...)
SUMÁRIO
CONSULTA. POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO SUBJETIVA DE CONTRATO CUJA CONTRATADA PASSOU POR CISÃO, INCORPORAÇÃO OU FUSÃO. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO EM EDITAL, MANTIDAS AS DEMAIS CONDIÇÕES PREVISTAS NO ACÓRDÃO 1.108/2003-PLENÁRIO. CONHECIMENTO. RESPOSTA AFIRMATIVA. COMUNICAÇÃO. ARQUIVAMENTO. Nos termos do art. 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993, se não há expressa regulamentação no edital e no termo de contrato dispondo de modo diferente, é possível, para atendimento ao interesse público, manter vigentes contratos cujas contratadas tenham passado por processo de cisão, incorporação ou fusão, ou celebrar contrato com licitante que tenha passado pelo mesmo processo, desde que: (1) sejam observados pela nova pessoa jurídica todos os requisitos de habilitação exigidos na licitação original; (2) sejam mantidas as demais cláusulas e condições do contrato; (3) não haja prejuízo à execução do objeto pactuado; e (4) haja a anuência expressa da Administração à continuidade do contrato.
ACÓRDÃO:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Consulta formulada pelo Ministro de Estado dos Transportes Alfredo Nascimento, versando sobre a suficiência de apenas dois dos três requisitos estabelecidos pelo Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário para celebração ou continuidade de contrato com empresa resultante da cisão, fusão e incorporação de empresa,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII, § 2º, da Lei 8.443/1992, c/c o art. 264 do Regimento Interno do TCU, conhecer da presente consulta, para, alterando o entendimento consubstanciado no Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, responder ao consulente que, nos termos do art. 78, incisos VI e XI, da Lei 8.666/1993:
9.1.1. se não houver expressa regulamentação no edital ou no termo de contrato dispondo de modo diferente, é possível manter vigentes contratos cujas contratadas tenham passado por processo de cisão, incorporação ou fusão, uma vez feitas as alterações subjetivas pertinentes, bem como celebrar contrato com licitantes que tenham passado pelo mesmo processo, desde que, em qualquer caso, sejam atendidas cumulativamente as seguintes condições:
9.1.1.1. observância pela nova empresa dos requisitos de habilitação de que trata o art. 27 da Lei 8.666/93, segundo as condições originalmente previstas na licitação;
9.1.1.2. manutenção de todas as condições estabelecidas no contrato original;
9.1.1.3. inexistência de prejuízo para a execução do objeto pactuado causado pela modificação da estrutura da empresa; e
9.1.1.4. anuência expressa da Administração, após a verificação dos requisitos apontados anteriormente, como condição para a continuidade do contrato;
9.1.1.5. a presente resposta à consulta
9.2. deixar assente que o entendimento firmado na presente Consulta aplica-se tão-somente aos institutos jurídicos da cisão, fusão e incorporação;
9.3. dar ciência deste Acórdão ao Ministério dos Transportes e à Presidência da Câmara dos Deputados;
9.4. arquivar os presentes autos.
RELATÓRIO
Adoto como Relatório, por bem consolidar as manifestações exaradas no âmbito da zelosa 1ª Secex acerca da matéria aqui versada, o meticuloso parecer de fls. 27/35, exarado pelo Sr. Procurador do Ministério Público junto a esta Corte, Dr. Sérgio Ricardo Costa Caribé, que atuou nos autos em atenção à minha solicitação de fl. 26:
“Versam os autos de Consulta apresentada pelo então Ministro de Estado dos Transportes, Senhor Alfredo Nascimento, formulada nos seguintes termos:
Em estrito cumprimento do princípio da busca da proposta mais vantajosa para a Administração, evitando prejuízos para o erário e para os administrados, a serem materializados com a realização de nova licitação, que decerto redundaria em propostas muito superiores às então obtidas, e na demora considerável para a conclusão de outro certame, se, dada à não-proibição no edital e no contrato, este Ministério pode, obedecidas as condições estabelecidas nos subitens 9.1.2 e 9.1.3 do multicitado Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, manter vigentes contratos cujas contratadas venham a ser submetidas a processo de cisão, incorporação ou fusão e, se, pelas mesmas razões, pode contratar licitante que, antes da celebração do contrato, tenha passado por um desses processos?
O aludido Acórdão também tratou de consulta sobre o mesmo tema, ocasião em que o Tribunal de Contas da União decidiu:
9.1. conhecer da presente consulta, nos termos do art. 1º, inciso XVII da Lei nº 8.443/92, respondendo ao Presidente da Câmara dos Deputados que é possível a continuidade dos contratos celebrados com empresas que tenham sofrido fusão, incorporação ou cisão desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos, cumulativamente:
9.1.1 tal possibilidade esteja prevista no edital e no contrato, nos termos do art. 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93;
9.1.2 sejam observados pela nova empresa os requisitos de habilitação estabelecidos no art. 27 da Lei nº 8.666/93, originalmente previstos na licitação;
9.1.3 sejam mantidas as condições estabelecidas no contrato original.
O consulente justifica a nova consulta sobre o tema em decorrência de outro decisum, o Acórdão n. 1.517/2005 (TC Processo 009.985/2004-0), em que o Plenário do TCU, apreciando caso concreto, acatou as razões de justificativas dos responsáveis e, nos termos do Voto do Ministro-Relator, não reputou ‘pertinente proceder-se à rescisão do contrato n. 071/2000-RAJ, apenas pelo fato de não estar expressa, tanto no edital como no instrumento citado, a possibilidade de ser realizada cisão’. Para o então Ministro dos Transportes, ao decidir sobre o TC Processo 009.985/2004-0, o Tribunal concluiu pela suficiência das condições relacionadas nos subitens 9.1.2 e 9.1.3 do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, sem que o caso concreto examinado tivesse abordado, a seu ver, qualquer circunstância que pudesse ser considerada exceção à regra.
O consulente argumenta, ainda, que os termos utilizados no inciso VI do art. 78 da Lei de Licitações e Contratos, que estabelece que é motivo para rescisão de contrato a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato, amparam duas interpretações distintas: uma primeira, adotada pelo TCU, no sentido de que a ocorrência de cisão, fusão ou incorporação, sem que exista no edital e no contrato autorização expressa, é motivo de rescisão contratual; e uma segunda, na qual o consulente defende que tais reorganizações estariam admitidas caso não estivessem expressamente vedadas no edital e no contrato.
No âmbito desta Corte, foi elaborada instrução técnica, às fls. 6/14, a qual relacionou os argumentos que fundamentaram o Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, podendo ser assim resumidos:
a) o contrato administrativo tem natureza personalíssima, o que impossibilita a sub-rogação a terceiros;
b) a sub-rogação envolve apenas a transferência de responsabilidade em relação a um contrato específico, enquanto que na cisão, fusão e incorporação há modificação na estrutura da empresa contratante;
c) nos casos de reorganização empresarial, a empresa sucessora não é completamente estranha àquela que foi inicialmente contratada, ainda que sejam juridicamente diversas;
d) a possibilidade de a licitante ou contratada passar por processo de cisão, fusão ou incorporação deve estar expressamente admitida no edital para colocar em pé de igualdade todos os participantes do certame que, de antemão, saberão que tais reorganizações são permitidas;
e) em que pese a ausência de previsão, no edital e no contrato, da possibilidade de a licitante/contratada poder passar por um dos processos de reorganização empresarial, sem que dê motivo para rescisão de contrato, cada caso concreto deve ser analisado em função das circunstâncias que envolvem a situação específica.
A mesma instrução destacou pontos importantes abordados no Voto condutor do Acórdão 1517/2005-TCU-Plenário, assim sintetizados:
a) é necessária uma atuação discricionária do agente administrativo ao aplicar o art. 78 da Lei n. 8.666/1993, pois cada inciso do mencionado artigo deve ser analisado de acordo com o caso concreto, devendo ser considerada a oportunidade e conveniência de rescindir o contrato administrativo em face de cisão, fusão ou incorporação de empresas;
b) no caso concreto então analisado, o novo contratado não era totalmente estranho ao contrato e ao processo licitatório;
c) além disso, estava em jogo a paralisação de um empreendimento com custos bastante elevados para a sociedade e a cisão ocorrida não teria causado prejuízos, uma vez que foram mantidas as condições estabelecidas no contrato original e os requisitos de habilitação previstos na Lei de Licitações;
d) o Ministro-Relator daquele processo ressaltou que ‘a maioria da doutrina sustenta que a Administração deve evidenciar a existência de prejuízo para a continuidade da execução do contrato, diante da ocorrência de fusão, cisão ou incorporação da contratada, a fim de que possa exercer a prerrogativa de rescindir a avença. Consoante esse posicionamento, o caso concreto deverá ser avaliado, ensejando a permanência da contratação caso não se verifiquem óbices ao bom andamento do ajuste firmado e desde que não sejam frustradas as regras disciplinadoras da licitação, das quais fazem parte as condições de habilitação e qualificação exigidas no edital’;
e) a rescisão do contrato redundaria em custos elevados para a sociedade em função da paralisação da obra por tempo indeterminado, até que novo certame licitatório fosse preparado e finalizado com a assinatura de novo contrato.
A instrução inicial da Sra. Analista concluiu que o Acórdão 1517/2005-TCU-Plenário não foi de encontro ao Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, tendo em vista que o primeiro dirigiu-se ao caso concreto e o Voto condutor do último decisum previa a possibilidade de decisões em sentido contrário daquela então proferida, em função das circunstâncias presentes em cada caso concreto. Por fim, apresentou proposta no sentido de que a presente consulta seja conhecida para esclarecer ao consulente que subsiste o entendimento firmado pelo Plenário do TCU por intermédio do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário.
Por sua vez, o Diretor Técnico e Secretário em Substituição da 1ª Secex elaborou despacho apresentando proposta alternativa para o tema. O Diretor destaca que, ‘em circunstâncias normais, a rescisão de um contrato implica, certamente, perdas para ambas as partes, decorrentes da paralisação dos serviços, do atraso na execução e na disponibilização do produto final à sociedade ou ao usuário, dos custos de mobilização e desmobilização, dos prejuízos causados a itens de serviços ainda não acabados e que fiquem desprotegidos pela paralisação, dos custos advindos de um novo processo licitatório, inclusive com a necessária reavaliação dos serviços novos para retomada do que já tenha sido realizado, dos custos financeiros, e outros’. Assim, no seu entender, a rescisão ou a paralisação de um contrato, via de regra, gera prejuízos, atentando contra os princípios da eficiência e da supremacia do interesse público, pois a intenção da Administração é a obtenção do produto contratado sem custos adicionais.
Destaca o Sr. Diretor que, nos casos de cisão, fusão e incorporação, não ocorre a total substituição do contratado, pois a empresa, ou parte dela, sempre estará compondo a estrutura societária da nova contratada.
Dessa forma, entende o Diretor que as condições acima, analisadas pelo Tribunal no âmbito do TC Processo 009.985/2004-0 (Acórdão 1517/2005-TCU-Plenário), assim também, as relativas à manutenção das características do contrato e das condições de habilitação da nova empresa não são específicas do caso concreto então examinado, mas são, na verdade, regras gerais do ponto de vista prático, o que permite ventilar a possibilidade de o Tribunal ter adotado um novo entendimento com o Acórdão 1517/2005-TCU-Plenário.
O Diretor sustenta que esse entendimento não fere o princípio da legalidade, caso seja adotada a interpretação apresentada pelo ex-Ministro dos Transportes acerca do inciso VI do art. 78 da Lei de Licitações e Contratos, ou seja, que ao invés de considerar que é motivo de rescisão toda fusão, cisão ou incorporação não permitidas expressamente no edital e no contrato, considere-se que só é motivo de rescisão a fusão, cisão ou incorporação que estiver expressamente vedada no edital e no contrato.
Em defesa desta última alternativa de interpretação do citado dispositivo legal, é argumentado que a expressão ‘não admitidas’, utilizada no referido inciso da Lei de Licitações, é de duvidosa interpretação e que a Lei n. 8.666/1993 utiliza, em sua redação, os termos ‘previsto’ ou ‘prevista’ mais de 60 vezes, ao passo que os termos ‘admitido’ ou ‘admitida’ são empregados apenas oito vezes, o que permite concluir que a intenção do legislador era empregar a palavra ‘admitida’ no sentido de ‘permitida’, como nas demais sete vezes em que foi utilizada no corpo da Lei, e não no sentido de ‘prevista’. Assim, a expressão ‘não admitidas no edital e no contrato’ contida no inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, pode ser entendida como ‘não permitidas no edital e no contrato’, o que difere da expressão ‘não previstas’ ou ‘não constantes’.
No Despacho do Diretor, são também destacados outros argumentos em defesa da tese de que, atendidos os requisitos constantes dos itens 9.1.2 e 9.1.3 do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, não se faz necessária a rescisão de contrato mesmo nos casos em que a possibilidade de cisão, fusão ou incorporação não esteja expressamente prevista no edital e no contrato, quais sejam:
a) os princípios da licitação são garantidos por meio do atendimento dos requisitos estabelecidos nos itens 9.1.2 e 9.1.3 do mencionado decisum, os quais devem ser observados;
b) o princípio da impessoalidade traz o sentido de ausência de rosto do administrador de um lado e do nome do administrado do outro;
c) a intenção da Administração ao licitar é a de obter o produto contratado em conformidade com as necessidades especificadas no instrumento convocatório e no contrato;
d) a natureza intuito personae dos contratos deve ser analisada com cautela, especialmente em função dos princípios da supremacia do interesse público e da impessoalidade restringirem a sua aplicação aos contratos administrativos;
e) é necessário que a Administração verifique se a alteração da estrutura da empresa representa um prejuízo à sua qualificação e, caso isso ocorra, recorra ao inciso XI do art. 12 da Lei n. 8.666/1993, o qual estabelece que é motivo de rescisão do contrato a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato.
Nesse sentido, o Diretor propõe que, ‘em resposta à consulta formulada pelo então Ministro dos Transportes, Sr. Alfredo Nascimento, seja informado que fica tornado sem efeito o item 9.1.1 do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, permanecendo válidos os itens 9.1.2 e 9.1.3 daquela decisão’.
Registro, preliminarmente, que as cisões, fusões e incorporações são procedimentos de reorganização empresarial cada vez mais freqüentes no cotidiano das empresas, como decorrência de uma dinâmica de mercado que o torna a cada dia mais competitivo, requerendo das empresas a capacidade de tomar decisões em curto espaço de tempo e a flexibilidade necessária para implementar tais mudanças, sob pena de perderem sua competitividade. As empresas passam por reorganização empresarial com o intuito de ganhar mercado, aumentar a capacidade produtiva e o nível de eficiência, propiciar a otimização dos custos, ou, simplesmente, com o fim de permanecerem competitivas.
O entendimento firmado pelo TCU, por intermédio do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, é o de que a cisão, a incorporação e a fusão de uma empresa contratada somente são permitidas: quando tais procedimentos estiverem expressamente previstos no edital e no contrato; quando a empresa resultante da cisão, fusão ou incorporação preencher os requisitos de habilitação estabelecidos no art. 27 da Lei n. 8.666/93, originalmente previstos na licitação; e, ainda, quando forem mantidas as condições estabelecidas no contrato original.
Nesse contexto, impende destacar que o TC Processo 009.985/2004-0 (Acórdão 1517/2005-TCU-Plenário), utilizado como precedente a justificar nova consulta sobre o tema, não trata de simples reestruturação empresarial. Naquele caso concreto, além de ter sido promovida a cisão da contratada, houve a sua substituição, no pólo passivo do contrato, por um consórcio, o qual foi formado pelas duas empresas resultantes da cisão da contratada. Portanto, o caso analisado no aludido processo trata de cisão e de consórcio formado após a contratação e, por conseguinte, não se enquadra no contexto do entendimento firmado por meio do Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, que só aborda as reestruturações empresariais.
No entanto, ante a relevância da matéria e a possibilidade de mudança de entendimento, especialmente quando considerado o teor do Despacho do Sr. Diretor Técnico da 1ª Secex, julgo necessário um exame pormenorizado do assunto.
O então Ministro de Estado dos Transportes trouxe à baila uma nova alternativa de interpretação do inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, por meio da qual são admitidas as cisões, incorporações ou fusões de licitantes ou contratadas, desde que essas reorganizações não estejam expressamente vedadas no edital e no contrato, e desde que sejam atendidos os demais requisitos estabelecidos no Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário.
Diversas argumentações trazidas nas instruções precedentes destes autos, bem como nos TCs Processo 009.985/2004-0 e Processo 013.546/2002-0, e já mencionadas neste parecer, quando analisadas conjuntamente, colaboram para a análise do tema.
Como bem destacou o Diretor da 1ª Secex, a rescisão contratual, regra geral, traz prejuízos à Administração: seja pelos custos de realização de uma nova licitação; pela paralisação da prestação dos serviços; ou mesmo pelo atraso na entrega do objeto contratado, o que afronta os princípios da eficiência e da supremacia do interesse público. Tais circunstâncias evidenciam a relevância da matéria, mormente quando considerado que boa parte da doutrina orienta a Administração a comprovar a existência de prejuízo aos cofres públicos para rescindir um contrato por motivo de cisão, fusão ou incorporação da licitante/contratada.
Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho que sempre que a Administração pretender rescindir um contrato por inadimplemento do particular, deverá não só indicar a ocorrência de uma das hipóteses do art. 78, mas também demonstrar o vínculo entre essa conduta e a lesão ao interesse público (in Comentários a Lei de Licitações e Contratos. São Paulo: Dialética, 2004. 10ª Edição. 2004, p. 556).
Tomando por base os argumentos acima e sem considerar, ainda, o texto da lei, mostra-se mais razoável que um contrato seja mantido, mesmo que a contratada tenha sofrido uma reorganização empresarial, e ainda que não exista previsão expressa para tal procedimento no edital e no contrato, desde que a empresa sucessora atenda aos requisitos de habilitação e qualificação, e o contrato seja mantido com as condições originais. Uma decisão nesse sentido permitiria a execução do objeto contratado no prazo acordado no instrumento de ajuste, em consonância com os princípios da impessoalidade e da finalidade, tendo em vista que esse é o interesse principal da Administração: a prestação do serviço ou entrega do produto especificado no edital e no contrato de acordo com a proposta mais vantajosa apresentada pelos licitantes.
Contudo, a atividade administrativa deve observância perene ao princípio da legalidade, o qual não permite que o administrador público tome qualquer atitude que não esteja previamente definida e amparada por lei. Daí a imperiosa necessidade de se identificar, com precisão, o conteúdo do inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, verbis:
‘Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(...)
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato.’
Com efeito, a expressão ‘não admitidas no edital e no contrato’, como apresentada no dispositivo acima transcrito, aceita mais de uma interpretação, podendo-se entender como sendo motivo de rescisão do contrato a reorganização empresarial que não foi expressamente prevista no edital e no contrato, assim como aquela vedada nos mesmos instrumentos. Registro que no TC Processo 013.546/2002-0, outra possibilidade de interpretação já foi discutida e rejeitada pelo TCU: a de que seria vedada a possibilidade de o edital e o contrato admitirem a cisão, a fusão e a incorporação. Portanto, verifica-se que a interpretação gramatical ou literal, por si só, não socorre a análise da consulta em tela.
O normativo anterior à Lei n. 8.666/1993 a tratar da mesma matéria: Decreto-Lei n. 2.300/1983, apresentava uma redação mais clara para o dispositivo em exame, senão vejamos:
‘Art. 68. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(...)
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, exceto se admitida no edital e no contrato, bem como a fusão, cisão ou incorporação, que afetem a boa execução deste.’
Não obstante a total desvinculação existente entre o legislador atual e o anterior, mas considerando que a redação do dispositivo sob exame possibilita mais de uma interpretação, pode-se utilizar da norma pretérita na tentativa de identificar a intenção legislativa embutida no inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993.
Como se pode observar, o Decreto-lei n. 2.300/1983 apontava a necessidade de rescisão do contrato firmado com empresas que sofressem fusão, cisão ou incorporação, desde que tais circunstâncias viessem a afetar a boa execução do contrato. Já quanto à subcontratação total ou parcial do objeto do contrato, sua cessão ou transferência, total ou parcial, ou à associação do contratado com outrem, diversamente do tratamento dado pelo inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, permitia a norma anterior tais ocorrências, quando expressamente admitidas no edital e no contrato.
Ao que pese a reunião de institutos jurídicos que em muito se diferenciam no mesmo dispositivo legal, a sugerir que tanto o Decreto-lei n. 2.300/1983 quanto a Lei n. 8.666/1993 não se valeram da melhor técnica legislativa, parece-me de todo evidente que ambos os normativos estabeleceram tratamento jurídico próprio para as distintas hipóteses de ingresso de terceiro na relação contratual. Entrementes, se em relação à subcontratação, à cessão ou transferência do contrato e à associação do contratado com outrem se mostra cristalina a vedação incondicional inaugurada pela Lei n. 8.666/1993 (salvo a exceção prevista no art. 72), o mesmo não se dá em relação aos institutos da fusão, da cisão e da incorporação, vez que ressalvou a Lei n. 8.666/1993 a possibilidade de que o edital e o contrato complementassem seu comando, ainda que dando margem à dúbia interpretação de seu sentido. De qualquer modo, oportuno registrar que a locução ‘bem como’ delimita o alcance da expressão ‘não admitidas no edital e no contrato’ à parte final do inciso VI do art. 78 da Lei de Licitações e Contratos, ou seja, às hipóteses de fusão, cisão e incorporação.
Perseguindo na busca da melhor exegese a ser dada ao inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, impõe fazer uso da interpretação sistemática. Nesse caminho, observo que interpretação que busque conferir à expressão ‘não admitidas’ o mesmo sentido de ‘não permitidas’, além de manter coerência com as demais sete vezes em que o termo admitido(a) foi utilizado(a), em nada afronta aos demais dispositivos da referida lei. Sobretudo se considerado que quando o legislador pretendeu autorizar determinado procedimento, reclamando sua previsão em edital, o fez de forma explícita, tal como ocorreu nos arts. 33 e 72.
O art. 33 fixa as condições a serem observadas para a participação de empresas em consórcio na licitação, quando expressamente permitida pela Administração. Situação em que caberá ao edital estabelecer, dentre outros aspectos, as condições de liderança da empresa responsável pelo consórcio. A associação da contratada com outrem, tratada no inciso VI do art. 78, a sua vez, conquanto deva ser entendida como consórcio entre duas ou mais empresas, não se confunde com a hipótese do citado art. 33. Vê-se, assim, que a interpretação do inciso VI do art. 78 ora proposta não vai de encontro ao art. 33, pois este último admite a possibilidade de participação de consórcio de empresas em procedimento licitatório, enquanto o primeiro trata de consórcio formado após a celebração do contrato, situação esta vedada, tanto pelo inciso VI do art. 78, quanto pelo § 2º do art. 33.
O art. 72, por seu turno, permite ao contratado, na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração. Parâmetro este a ser definido, por natural, no edital licitatório.
Nos casos de cisão, fusão e incorporação não há nenhuma condição específica a ser apontada no edital e no contrato. O único dispositivo que a meu ver complementa o alcance do inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, é o inciso XI do mesmo artigo, o qual reclama a rescisão contratual quando a alteração da estrutura da empresa prejudique a execução do contrato.
Ademais, caso se opte por manter o entendimento de que a interpretação correta para o dispositivo é a de que a reorganização empresarial já é motivo suficiente para a rescisão do contrato, pelo simples fato de não estar expressamente prevista no edital e no contrato, forçoso reconhecer a desnecessidade do inciso XI do art. 78, ao menos no que diz respeito à modificação da estrutura da empresa. Pois tal ocorrência, ainda que não prejudique a execução do objeto pactuado, já constituiria motivo a ensejar a rescisão contratual.
Valendo-me da máxima de que a lei não contém palavras inúteis, extraio que a mens legis do texto legal em vigor é a mesma do normativo revogado, qual seja: de que a fusão, a cisão ou a incorporação de empresa contratada autoriza a rescisão contratual, quando restar demonstrado prejuízo à execução do contrato.
Tendo por foco o texto constitucional, inclino-me no sentido de que interpretação conforme a Constituição é aquela que, preservando o relevante interesse público da conformidade do procedimento licitatório, não afasta valores outros igualmente resguardados na Carta Magna, tal qual o da livre iniciativa. Por tal princípio, atribui-se à iniciativa privada o papel de principal protagonista na produção e circulação de bens e serviços, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva, conforme depreende-se do art. 173, além das funções de fiscalização, incentivo e planejamento, estabelecidas no art. 174, ambos da Constituição Federal, verbis:
‘Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.’
A interpretação que melhor se coaduna com esse contexto de mínima interferência do Estado na vida econômica da Nação, ao que me parece, é aquela na qual se entende a expressão ‘não admitidas’ do inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993 como ‘não permitidas’ ou ‘vedadas’ no edital e no contrato.
Digo isto por considerar que os processos de reorganização societária, além de um direito, por não raras vezes expressam necessidade inafastável das empresas privadas. A fusão, a cisão e a incorporação ocorrem no mundo empresarial em função, sobretudo, da necessidade enfrentada pelas empresas de se manterem competitivas. A interpretação atualmente adotada pelo TCU engessa as empresas que são contratadas pela Administração, pois durante a vigência do contrato ficam tolhidas de passar por qualquer tipo de reorganização empresarial, a não ser que haja previsão no contrato e no edital, sob pena de rescisão do contrato. Ora, se a cisão, fusão e incorporação são práticas freqüentes no mundo empresarial, e se além de um direito, são elas muitas vezes necessárias à sobrevivência de empresas que atuam em mercados competitivos, a reorganização empresarial não deve ser tratada como uma exceção pela Administração Pública, que a permite apenas em alguns tipos de contratações. A administração deve, isto sim, vedar a reorganização empresarial em editais e contratos que abordem situações em que entenda que tal processo será, de fato, prejudicial para o interesse público.
Sobre o assunto, considero apropriado transcrever excerto do Voto Revisor do Exmo. Ministro Benjamin Zymler no TC Processo 013.546/2002-0:
‘Não parece haver amparo jurídico para a interferência da Administração Pública na gerência de empresas que celebram contratos com a União. Restrição absoluta de as empresas realizarem fusão, cisão ou incorporação, somente pela existência de contrato administrativo ter o condão de tolher nesse nível a liberdade de as sociedades mercantis escolherem seus próprios caminhos de autoconformação.
Parece despropositado imaginar que um contrato administrativo de pequena monta possa impedir que empresa de elevado porte possa escolher o modelo societário mais conveniente para fazer frente à evolução do mercado. Isso seria retirar da empresa condições de competitividade em mercados extremamente acirrados.’
No mesmo sentido caminham os comentários do Professor Marçal Justen Filho (Ob. cit. pp. 566/567):
‘Não se afasta a aplicação do raciocínio antes desenvolvido em virtude da ausência de autorização expressa. A fórmula verbal consagrada na parte final do inc. VI do art. 78 deve ser bem interpretada. Quando a Lei se refere à modificação ‘não admitidas no edital e no contrato’, isso não significa exigência de prévia e explícita autorização para substituição do sujeito. Interpretação dessa ordem conduziria, aliás, a sério problema prático. É que nenhum edital prevê, de antemão, a livre possibilidade de cessão de posição contratual (...) Essa não é a regra norteadora da contratação administrativa.
Tem de reputar-se que a cessão de posição não será admitida, de modo algum, quando a contratação tiver sido avençada em virtude de condições específicas e peculiares do contratado, de modo que a modificação subjetiva importaria alteração radical na qualidade do objeto contratado.
Ou seja, o disposto no inc. VI tem de ser interpretado de modo consentâneo com a exigência contida no inc. XI: configura-se obstáculo insuperável à modificação subjetiva o risco de prejuízo à execução do contrato, tal como originalmente pactuado.
(...)
Em suma, não se exige a previsão de autorização expressa, mas a Lei alude à existência de vedação explícita, e cunho absoluto e intransponível.
(...)
O fundamento dessa interpretação reside no descabimento de vedações desvinculadas das circunstâncias ou do interesse público. Em princípio, pretende-se que o contrato, tal como derivou da licitação, seja fielmente executado. Mas isso não afasta a possibilidade de alterações supervenientes, objetivas ou subjetivas, especialmente quando o interesse público não esteja afetado (...).
Oportuno se faz destacar que o ilustre Professor registrou que os comentários a respeito do ‘câmbio subjetivo na contratação administrativa’ constantes da 10ª edição de sua obra retromencionada, os quais foram tecidos ao tratar do inciso VI do art. 78 da Lei de Licitações e Contratos, representam uma mudança de entendimento em relação às observações apresentadas nas edições anteriores.
Dois outros argumentos ainda não levantados nestes autos também concorrem para que a expressão ‘não admitidas no edital e no contrato’ seja entendida como ‘vedadas no edital e no contrato’. O primeiro diz respeito à possibilidade de sujeição da contratada às conseqüências capitaneadas no art. 80 Lei n. 8.666/1993. Ora, se a reestruturação societária é prática não defesa em lei e, por vezes, indispensável à manutenção da empresa, seria lídimo atribuir à empresa contratada a responsabilidade pela rescisão contratual levada a cabo pela Administração exclusivamente pelo fato de ter a empresa passado por processo de fusão, cisão ou incorporação não previsto no edital e no contrato? O segundo argumento, consectário do primeiro, diz respeito à possibilidade de ampliação da competição. É possível que empresas não participem de licitações para não ficarem sujeitas às obrigações decorrentes da rescisão do contrato, que lhe seriam forçosamente impostas caso elas sofressem qualquer tipo de reestruturação empresarial que não estivesse expressamente permitida no edital e no contrato, reestruturação esta, frise-se, não proibida em lei. Caso seja adotada nova interpretação para o inciso VI do art. 78 da Lei n. 8.666/1993, após a devida divulgação, empresas que atualmente não participam de licitações por estarem planejando algum tipo de cisão, fusão ou incorporação, poderiam vir a participar. Necessário se faz registrar que essa ampliação da competição entre licitantes toma contornos ainda maiores ao se considerar que as reorganizações empresarias são práticas cada vez mais freqüentes no mundo moderno, como resultado da intensificação da competição entre as empresas, conforme já comentei neste parecer.
Pelas razões expostas, este representante do Ministério Público opina no sentido de que:
- com fundamento no art. 1º, inciso XVII, da Lei n. 8.443/1992, c/c o art. 264 do RI/TCU, seja a presente consulta conhecida;
- seja informado ao consulente que:
a) é possível a celebração de novos contratos, assim também, a continuidade dos contratos já celebrados com empresas que tenham sofrido fusão, cisão ou incorporação posterior ao processo licitatório, desde que: sejam observados pela nova empresa os requisitos de habilitação estabelecidos no art. 27 da Lei n. 8.666/1993, originalmente previstos na licitação; sejam mantidas as condições estabelecidas no contrato original; a modificação na estrutura da empresa não prejudique a execução do objeto pactuado;
b) de acordo com o inciso VI do art. 78 do da Lei n. 8.666/1993, constituem motivo para rescisão do contrato:
b.1) a fusão, a cisão e a incorporação expressamente vedadas no edital e no contrato; e
b.2) a subcontratação total ou parcial do objeto, a associação do contratado com outrem e a cessão ou transferência, total ou parcial (salvo a exceção prevista no art. 72 da mesma Lei).”
VOTO
Trago à apreciação deste Plenário consulta formulada pelo então Ministro de Estado dos Transportes, Sr. Alfredo Nascimento, vazada nos seguintes termos:
“Em estrito cumprimento do princípio da busca da proposta mais vantajosa para a Administração, evitando prejuízos para o erário e para os administrados, a serem materializados com a realização de nova licitação, que decerto redundaria em propostas muito superiores às então obtidas, e na demora considerável para a conclusão de outro certame, se dada à não proibição no edital e no contrato, este Ministério pode, obedecidas as condições estabelecidas nos subitens 9.1.2 e 9.1.3 do multicitado Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, manter vigentes contratos cujas contratadas venham a ser submetidas a processo de cisão, incorporação e fusão e, se, pelas mesmas razões, pode contratar licitante que, antes da celebração do contrato, tenha passado por um desses processos?”
2. Em outros termos, o ilustre consulente deseja ver confirmada por esta Corte a suficiência de apenas dois dos três requisitos estabelecidos pelo Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário para celebração ou continuidade de contrato com empresa resultante da cisão, fusão e incorporação de empresa fusão, quais sejam, aqueles constantes dos subitens 9.1.2 - que fala da observância, pela nova empresa das condições de habilitação prevista na licitação original - e 9.1.3 - manutenção das condições originais do contrato. Em sua consulta, o Sr. Ministro dos Transportes sustenta que, à luz do dispositivo da Lei de Licitações que trata do assunto, não seria necessária a autorização expressa no edital e no contrato para a continuidade ou celebração do contrato com a empresa cindida, incorporada ou fundida, que é o requisito previsto no subitem 9.1.1 do referido Acórdão, veiculador da posição desta Corte até o presente momento.
3. Como bem apontado nos pareceres emitidos nos autos, o cerne da questão em discussão reside na exegese que se deve dar ao disposto no art. 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993, que admitiria duas interpretações, como se pode perceber do seu texto, in verbis:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(...)
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;
4. As interpretações possíveis referem-se ao significado literal da expressão “não admitidas no edital e no contrato”. Uma primeira interpretação, aquela que esta Corte consagrou no Acórdão 1180/2003-TCU-Plenário, em caráter normativo, toma o verbo “não admitir” no sentido de “não prever”. Por ela, as diversas contingências mencionadas na norma, caso ocorram, darão causa à extinção do contrato, se o edital ou termo próprio não disciplinar expressamente a possibilidade de continuidade da avença. A Srª Analista responsável pela instrução da presente consulta no âmbito da 1ª Secex advoga, após proceder a uma revisão dos motivos que levaram o Tribunal a prolatar o Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, a manutenção do entendimento inicial ali fixado, prestigiando essa interpretação do art. 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993.
5. A bem da verdade, ao fixar o entendimento de que o silêncio do edital retiraria ao gestor a possibilidade de prosseguir com a contratação em caso de reorganização empresarial da contratada, o Tribunal não cerrou fileiras em torno desse ponto. Concedeu, diversamente, que as circunstâncias do caso concreto poderiam, em vista do interesse público, prevalecer sobre a falta de previsão editalícia, e determinar a continuidade da contratação. É o que se infere do seguinte excerto do Voto do eminente Ministro Ubiratan Aguiar, relator dos autos subjacentes daquela multirreferida deliberação:
“14. Entendo, sim, que a falta de previsão, no edital e no contrato, da possibilidade de fusão, cisão ou incorporação enseja a rescisão do contrato [justamente porque se deu à expressão “não admitidas” o significado literal de “não previstas”]. Uma eventual decisão em contrário de um gestor no caso concreto só pode ser analisada em função das circunstâncias que envolvem a situação específica. Ressalte-se, aliás, que a previsão no edital, além de atender expressa disposição de lei, mitiga uma eventual violação ao princípio da licitação.”
6. A discussão posta nestes autos oferece interpretação segundo a qual a indisponibilidade do princípio licitatório não seria o valor máximo protegido pelo dispositivo em análise da Lei 8.666/1993. Essa segunda interpretação, esposada pelo Sr. Diretor Técnico da 1ª Secex e pelo douto Ministério Público junto à Corte, dá à expressão em comento o sentido de possibilidade de estar vedado no edital ou no contrato o prosseguimento do contrato na eventualidade de que ocorra uma das hipóteses previstas naquele dispositivo. Assim, se não há vedação editalícia expressa, a administração estaria livre para prover a sobrevida contratual, consideradas as circunstâncias, caso sobrevenha alguma espécie de alteração da personalidade da contratada ou de ingresso de terceiro na relação contratual, proporcionada pela ocorrência de quaisquer dos institutos citados na norma.
7. De acordo com a 1ª Secex. essa última interpretação se conformaria mais adequadamente à regra geral de que a extinção do contrato inconcluso é prejudicial à Administração Pública, por acarretar a paralisação dos serviços, a realização de uma nova licitação, com todas as incertezas que cercam esse complexo procedimento administrativo, sujeito a todo tipo de delongas, e sem garantias de que resulte em solução economicamente superior à que estava cristalizada na contratação original.
8. A Unidade Técnica lembra também que, quando a Lei 8.666/1993 obriga a que o edital da licitação expressamente disponha sobre determinado assunto, o faz valendo-se do termo “prever”, sem deixar margem a que o administrador exima-se da tarefa de regulamentar o ponto exigido. Isso ocorre em mais de sessenta passagens do corpo da lei. O mesmo não ocorre nas oito vezes em que o legislador utilizou-se da expressão “não admitido”, nas quais há sempre espaço para que se pense ou em regulamentação editalícia obrigatória, sob pena de efeito proibitório para as soluções não previstas, ou, inversamente, em disciplina facultativa, em que uma ou mais soluções são previa e expressamente vedadas, de acordo com as características peculiares de cada contratação.
9. O representante do Ministério Público, por seu turno, colaciona relevante lição do renomado professor Marçal Justen Filho, segundo quem não só não há necessidade de regulamentar, sempre e de antemão, a possível superveniência de reestruturação empresarial da contratada, como se verifica na prática, como uma tal regulamentação só se justificaria se houver, da parte da Administração Pública, sensível interesse em manter estritamente o mesmo sujeito na relação contratual, sem qualquer alteração. A tese é manifestamente forte porque, evidentemente, os contratos se distinguem pelo nível de interferência da pessoa da contratada no objeto perseguido. O sentido teleológico da norma em comento seria, então, o de permitir ao administrador, ao mensurar o transtorno que seria produzido por uma eventual alteração subjetiva prejudicial, prescrever desde logo a conseqüente rescisão contratual, pondo-se a salvo de maiores questionamentos, inclusive judiciais, contrários a essa medida e que certamente adviriam com mais força caso não houvesse o respaldo legal, editalício e contratual.
10. O douto Ministério Público detém-se na demonstração exaustiva da compatibilização sistemática do novo sentido que se quer dar à fórmula textual empregada no art. 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993, não encontrando, a cada confrontação do dispositivo com outros artigos da mesma lei, nada que desautorize a noção de que o legislador, ao invés de obrigar, e ademais conferir efeitos proibitórios à eventual omissão, na verdade facultou a regulamentação do tema em cada edital, de acordo com as peculiaridades envolvidas, como o prefalado grau de interferência subjetiva da contratada na realização do objeto. Seria até despiciendo dizer que, nessa tarefa, houve-se muito bem.
11. Com efeito, manifesto desde logo aderência a todos os argumentos esgrimidos pelo Sr. Diretor da 1ª Secex e pelo douto Ministério Público junto a esta Corte, com cujas conclusões ponho-me também de acordo, permitindo-me apenas fazer alguns poucos acréscimos e uma pequena ressalva.
12. Penso não restar dúvidas de que a rescisão do contrato pós-reestruturação da contratada, ao invés de regra, tem na verdade caráter excepcional, uma vez que, por princípio, a atividade administrativa não pode estar sujeita à ruptura causada por atos dos administrados, totalmente alheios à vontade e à capacidade de interferência do administrador público. Natural que, só diante da periclitação de um valor maior, poderia a lei vulnerar tal princípio da continuidade administrativa, sob pena de se estar criando desnecessariamente mais um fator de inconclusividade dos contratos públicos, não bastasse a diversificada genealogia de entraves ao linear andamento das ações administrativas existentes em nosso país. Porém, entendo que tal valor não seria o princípio constitucional da licitação.
13. De fato, se o contrato já existe e o intento do administrador é simplesmente o de assegurar o normal prosseguimento da avença, não se pode acusá-lo de malferir a lei de licitações pelo simples motivo de que a licitação já foi feita, ou foi dispensada na forma devida, conforme o caso. De fato, se não há desnaturação do contrato, principalmente uma alteração essencial do objeto ou da equação econômico-financeira advinda da licitação, o procedimento permanece inteiramente válido, sendo até contraproducente desconsiderá-lo, com desperdício de tempo e dinheiro além de atraso na execução do objeto pretendido.
14. Há, sim, certa despersonalização quando ocorre a reestruturação empresarial da contratada, afetando a natureza intuito personae dos contratos administrativos, mas tal despersonalização, como ficou evidenciado no voto condutor do Acórdão 1.108/2003, não é absoluta nos casos de cisão, incorporação ou fusão, ao contrário do que ocorre na sub-rogação e, possivelmente, na subcontratação total. Se a execução do objeto do contrato não poderá ser afetada pela nova formatação societária da contratada, nada impede que o novo sujeito possa legitimamente sucedê-la em todas as obrigações avençadas, podendo inclusive fazê-lo em melhores condições, como se pode presumir principalmente nos casos de fusão ou incorporação.
15. O que esta Corte não tem admitido, aí, sim, por ofensa ao princípio licitatório, entre outros, é a transformação da relação contratual em objeto de mercado, viabilizada pelo instituto da sub-rogação contratual, já devidamente repudiado por esta Corte desde a fixação do entendimento constante do subitem 8.5 da Decisão Plenária 420/2002. Mas, parece-me claro que os institutos da cisão, incorporação e fusão, como mecanismos de adaptação das empresas às contingências de mercado, voltados para a preservação ou incremento de produtividade, não se prestam como veículo de transações obscuras envolvendo contratos públicos.
16. Cabe ressaltar o acerto do Ministério Público em integrar, pela via sistemática, a interpretação do inciso VI do art. 78 com a do inciso XI do mesmo dispositivo da Lei 8.666/1993, que diz ser também motivo de rescisão contratual “a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato”. Em certo sentido, essa última disposição, voltada para modificações societárias ocorridas no âmbito interno da contratada, abrange os institutos da cisão, fusão e incorporação, que, em termos práticos, nada mais são que uma alteração da estrutura das empresas envolvidas, sendo cabível exigir-se que a permanência do contrato firmado com empresa cindida, fundida ou incorporada esteja condicionada à não prejudicialidade da execução do objeto por causas vinculadas à reestruturação. Até mesmo porque, como já dito, se uma eventual prejudicialidade decorrente da alteração societária puder de algum modo ser presumida com a devida antecedência, isso já seria motivo bastante para a expressa previsão em edital da rescisão subseqüentemente à reestruturação.
17. Uma ressalva que faço à proposição de mérito do Ministério Público diz respeito à referência aos institutos da subcontratação total ou parcial, da associação do contratado com outrem e da cessão ou transferência, total ou parcial, os quais, no entender do ilustre parecerista, seriam motivo de rescisão do contrato, ressalvado o previsto no art. 72 da Lei 8.666/1993, autorizador da subcontratação de parte do objeto nos limites admitidos pela administração. Não é que a proposição deva ser objetada, mas entendo que, como a consulta não versa especificamente sobre essas formas de terceirização contratual, torna-se dispensável manifestação desta Corte sobre a questão, ainda mais em caráter normativo, como é próprio das respostas às consultas que lhe são formuladas.
18. Com todos os cuidados apontados acima, e sempre atento aos maus usos que podem ser feitos dos instrumentos previstos na lei de licitações, vejo ainda necessidade de que se reserve expressamente espaço para a ação discricionária da Administração a ser desencadeada em resposta a particularidades de que tenha conhecimento acerca da reestruturação e que possam ser repudiados pelos princípios gerais da Administração Pública. Por isso mesmo, impõe-se ao administrador público acompanhar os procedimentos afetos à reestruturação de empresas que tenham contratos com o poder público, por tudo importando que o gestor, em ato formal próprio, expresse, de maneira fundamentada, sua anuência ou discordância com a continuidade da contratação com a empresa resultante da fusão, cisão ou incorporação. Devo lembrar que um pronunciamento prévio da autoridade competente acerca da continuidade do contrato será sempre necessário até para que se possa avaliar do atendimento às demais condicionantes relacionados neste Voto
19. Necessário enfatizar que a exigência da anuência prévia e expressa da Administração formalizando a decisão sobre a mantença do contrato não quer dizer que o Poder Público deva ter ingerência nos acertos empresariais tendentes à reestruturação da empresa contratada. Tais acertos, é bom frisar, estão adstritos exclusivamente aos particulares neles envolvidos. Longe de franquear interferência indevidas, o que se pretende é que, por uma questão de observância ao princípio da supremacia do interesse público, possa o Poder Público assegurar-se de que os arranjos particulares guardam compatibilidade com aquele interesse maior.
20. Por último, entendo que uma cópia do acórdão que vier a ser prolatado no presente processo, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, a ser remetida ao consulente na forma usual, deva também ser encaminhada à Presidência da Câmara dos Deputados, cujo titular, à época, atuou como consulente no processo de Consulta em que foi proferido o Acórdão 1108/2003-TCU-Plenário, fixando o entendimento ora objeto de alteração parcial.
Ante o exposto, enaltecendo o valor das contribuições agregadas aos autos pelos pareceres emitidos no âmbito da 1ª Secex e pelo douto representante do Ministério Público, Voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à elevada apreciação deste Plenário.
TCU, Sala das Sessões, em 18 de abril de 2007.
AUGUSTO NARDES
Ministro-Relator” (grifado e destacado)

 

25. Mais recentemente, foi proferido o Acórdão 5.168/2020 – TCU – 2ª Câmara, em que se reafirma a proibição da sub-rogação nos contratos administrativos, assim destacado:

 

“ACÓRDÃO 5168/2020 – Segunda Câmara
PROCESSO: 030.192/2015-3
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL (TCE)
NÚMERO DA ATA: 13/2020 – Segunda Câmara
Interessado: Ministério das Cidades (extinta).
UNIDADE TÉCNICA:
Secretaria de Controle Externo de Tomada de Contas Especial (SecexTCE).
ACÓRDÃO:
(...)
EXAME TÉCNICO
(...)
23. Em regra, o TCU não admite a aplicação da cessão de contratos administrativos. Por consequência, esta Casa não acatou as provas acostadas pela recorrente, quando da instrução originária, pois, de acordo com a remansosa jurisprudência, sobretudo a partir do entendimento firmado na Decisão 420/2002 - TCU - Plenário, Rel. Augusto Sherman, em contratos administrativos, é ilegal e inconstitucional a sub-rogação da figura da contratada ou a divisão das responsabilidades por ela assumidas, ainda que de forma solidária, por contrariar os princípios constitucionais da moralidade e da eficiência, o princípio da supremacia do interesse público, o dever geral de licitar e os arts. 2º, 72 e 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993 (Acórdão 2354/2016-TCU-Plenário, Rel. Raimundo Carreiro; Acórdão 497/2015-TCU-Plenário, Rel. Augusto Sherman; Acórdão 1940/2014-TCU-Plenário, Rel. Ana Arraes).
24. Isso porque, na subcontratação a execução de parte do objeto pode ser atribuída a terceiros sem que se afaste as responsabilidades contratuais, ao passo que na sub-rogação, há transferência concomitante da execução contratual e das responsabilidades, situação ilegal e inconstitucional (Acórdão 2031/2013-TCU-Primeira Câmara, Rel. Augusto Sherman).
25. Assim, a figura civil da sub-rogação de modificação do sujeito responsável pela execução contratual, em regra, não pode ser manejada/aplicada/utilizada no âmbito administrativo, eis que se trata de contratos de natureza pessoal, intuitu personae, sob pena de se compor artifícios para legitimar a contratação direta de sub-rogadas, sem a devida legitimação por meio da competição oriunda de um processo licitatório.
26. A vedação se origina da redação ao inciso VI do art. 78 da Lei 8.666/1993, que dispõe constituir motivo para a rescisão contratual a subcontratação total ou parcial do objeto e qualquer forma de alteração subjetiva da pessoa do contratado, associação, fusão, cisão, incorporação e/ou cessão e transferência a outrem, não admitidas no edital e no contrato.
27. A sub-rogação plena substitui o juízo da Administração pelo licitante vencedor, que escolhe a seu juízo de conveniência o terceiro a executar o objeto a ele adjudicado, que passa a responder pelas obrigações e direitos previstos no contrato administrativo. O movimento burla o dever de licitar, os princípios e as finalidades do procedimento licitatório, além de submeter a Administração a riscos, já que o contratado não restou submetido aos critérios de habilitação e avaliação técnico-financeira (Decisão 325/2002 - Plenário, Rel. Adylson Motta).
28. De toda forma, localiza-se na jurisprudência precedente em que o Tribunal flexibiliza o rigor da vedação legal (Acórdão 634/2007-TCU-Plenário, Rel. Augusto Nardes). Na ocasião, restou consignada a possibilidade de se manter vigentes contratos cujas contratadas tenham passado por processos de modificação subjetiva, ou celebrar contrato com licitante que tenha se sujeitado ao mesmo processo licitatório, desde que sejam observados os requisitos de habilitação exigidos na licitação; sejam mantidas as demais cláusulas contratuais; não haja prejuízo à execução do objeto pactuado e haja anuência expressa da Administração à continuidade do contrato.
29. Sob o prisma deste exame de excepcionalidade, resta avaliar se no presente caso, configurava-se (i) obstáculo insuperável à modificação subjetiva do contratado; (ii) se houve risco/prejuízo ao pacto originalmente contratado; (iii) se o cessionário participou do procedimento licitatório promovido pelo município; e (iv) se havia prévia anuência do Município e da Caixa econômica Federal sobre a cessão do contrato.
(...)
VOTO:
(...)
4. Em seu exame, a Serur concluiu pela possibilidade de exclusão da empresa Construtora Salles Nicolau Ltda. desta relação processual, com fundamento nos seguintes argumentos:
(...)
d) a despeito da jurisprudência majoritária do TCU não admitir a cessão de contratos administrativos (Decisão 420/2002-Plenário), apontando para a ilegalidade e a inconstitucionalidade da cessão integral de contrato administrativo, há precedente de julgado em que o Tribunal flexibilizou essa vedação, nos termos do Acórdão 634/2007-TCU-Plenário;
(...)
5. (...)
e) por meio da Decisão 420/2002-Plenário, conjugada com o Acórdão 634/2007-TCU-Plenário, o Tribunal definiu qual a correta interpretação a ser dada aos arts. 72 e 78, VI, da Lei 8.666/1993, deixando assente a ilicitude da subcontratação total do objeto contratado e a sub-rogação, total ou parcial, da contratada, admitindo-se somente a subcontratação parcial e a alteração subjetiva do contrato quando a contratada passar por processos de fusão, cisão ou incorporação, desde que não haja vedação no edital ou no contrato e que, nos casos de fusão, cisão ou incorporação, sejam atendidos determinados requisitos específicos;
(...)
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 7 de maio de 2020.
AROLDO CEDRAZ
Relator” (grifado e destacado)
 

26. Portanto, é prudente que a aplicabilidade dos arts. 72 e 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/1993 conforme-se com a interpretação do TCU, no sentido de

 

“assente a ilicitude da subcontratação total do objeto contratado e a sub-rogação, total ou parcial, da contratada, admitindo-se somente a subcontratação parcial e a alteração subjetiva do contrato quando a contratada passar por processos de fusão, cisão ou incorporação, desde que não haja vedação no edital ou no contrato e que, nos casos de fusão, cisão ou incorporação, sejam atendidos determinados requisitos específicos;”.

 

27. No presente caso concreto, pela redação da CLÁUSULA NONA da nova minuta de contrato (SEI nº 29136418), propõe-se a destinação, a critério exclusivo da Outorgada-Cessionária (Petrobras S.A.), de parcela do imóvel a terceiros, a título de locação ou arrendamento.

 

28. Em relação à previsão contratual de destinação da utilização aos "serviços funcionais, tais como: bancários, alimentação e outros essenciais”, viu-se que o art. 20 da LEI Nº 9.636, DE 15 DE MAIO DE 1998  ampara a cessão de uso a terceiros, a título gratuito ou oneroso, de "áreas para exercício de atividade de apoio, definidas em regulamento, necessárias ao desempenho da atividade do órgão a que o imóvel foi entregue"devendo ser observado a previsão de realização de licitação ou de procedimento de dispensa ou inexigibilidade na forma estabelecida no art. 28 e seguintes da LEI Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

 

29. Ditos serviços de apoio configuram, pois, situação diversa da situação considerada no atual ACÓRDÃO 5168/2020 – Segunda Câmara, por meio da Decisão 420/2002-Plenário, conjugada com o Acórdão 634/2007-TCU-Plenário, que definiu a interpretação aos arts. 72 e 78, VI, da Lei 8.666/1993, “admitindo-se somente a subcontratação parcial e a alteração subjetiva do contrato quando a contratada passar por processos de fusão, cisão ou incorporação, desde que não haja vedação no edital ou no contrato e que, nos casos de fusão, cisão ou incorporação, sejam atendidos determinados requisitos específicos”.

 

30. A CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA da minuta, como destacado no item 13 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), autoriza ainda, na redação do seu parágrafo único, 

“a cessão total dos direitos e obrigações deste Contrato, pela Outorgado Cessionário à Refinaria, independentemente de prévia anuência da UNIÃO FEDERAL”.

 

31. Viu-se que o TCU “admite a alteração subjetiva do contrato quando a contratada passar por processos de fusão, cisão ou incorporação, desde que não haja vedação no edital ou no contrato e que sejam atendidos determinados requisitos específicos, o mais relevante, observância ao princípio licitatório.

 

32. No presente processo, foi informado na forma descrita nos itens 33 e 34 do PARECER n. 00793/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (SEI nº 28695670) que, ao celebrar este novo contrato, a PETROBRAS almeja a autorização contratual prévia para a transferência da cessão diretamente à empresa adquirente da Refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (LUBNOR), colocada à venda em razão de acordo junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

 

33. Embora essa hipótese, de privatização da refinaria que utiliza a área da União, com o fito de  evitar penalidade do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) possa atrair, por analogia, a mesma permissão da hipótese de cisão, autorizada mediante condições pelo entendimento do TCU, reitera-se que dos autos não consta o Termo de Compromisso de Cessação de Práticas firmado com o CADE, acompanhado da fundamentação e justificativa para a previsão de prosseguimento na utilização do imóvel público, agora pela empresa privada, não cabendo ao órgão jurídico suprir os autos com os elementos fáticos, posto configurar atribuição própria do órgão assessorado.

 

34. Quanto a proposição do parágrafo único da CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA da minuta, lembre-se que a PETROBRAS não detém atribuição legal para praticar em nome próprio ou da União,  atos de gestão do patrimônio imobiliário desta. Portanto,  não poderá ser facultado a permissão para realizar diretamente a cessão total de direitos e obrigações do imóvel recebido sob o mero regime de utilização mediante instrumento de cessão de uso.

 

35. Quanto a indagação do item 14 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), o próprio órgão consulente oferece o esclarecimento, uma vez que eventual alteração subjetiva no contrato de cessão de uso não implica em transferência ou cessão onerosa de domínio útil ou de inscrição de ocupação para que gere a cobrança do laudêmio por parte da União na forma prevista no Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987.

 

36. Em relação aos itens 15 a 17 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), levando em consideração que houve período de utilização do imóvel sem cobertura contratual após expirado o contrato de cessão original, correto o entendimento da SPU/CE em relação à incidência dos prazos de natureza decadencial e prescricional dos créditos originados de receita patrimonial, preservada a competência do órgão de execução da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto a eventual inscrição e/ou cancelamento de dívida.

 

37. Quanto ao item 18 da Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), em que a SPU/CE "sugere esclarecer junto à CJU/CE qual o período a ser lançada retribuição pelo uso da área sem cobertura contratual", cumpre informar que o Parecer n. 00111/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU e as Notificações mencionadas são documentos pertencentes ao outro NUP (SEI nº 14243671, 14307233, e 15987497), não se encontrando os anexos noticiados juntados no presente processo. 

 

38. Contudo, é possível esclarecer que após a verificação de todo o período de utilização do imóvel sem cobertura contratual ou sem o pagamento do valor devido pelo uso privativo da área da União, submete-se o crédito originado aos prazos estabelecidos no art. 47 da Lei nº 9.36, de 15 de maio de 1998. 

 

IV - CONCLUSÃO

 

39. Em face do exposto, abstraídos os aspectos técnicos , operacionais, os relativos à disponibilidade orçamentária e execução financeira e os referentes à conveniência e oportunidade, os quais não se sujeitam à competência do órgão de consultoria e assessoramento jurídico, opina-se pela recondução do processo à SPU/CE, para prosseguimento do feito, uma vez esclarecidas as dúvidas insertas na Nota Técnica SEI nº 48526/2022/ME (SEI nº 29043787), na forma dos itens 15, 18, 19, 28, 33 a 36 e 38 da presente manifestação jurídica.

 

Brasília, 30 de novembro de 2022.
 
LEANDRA MARIA ROCHA MOULAZ
ADVOGADA DA UNIÃO - OAB/ES 7.792
Matrícula 1332667
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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