ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR
GECOS - GERÊNCIA DE CONSULTORIA NORMATIVA
R. TEIXEIRA DE FREITAS, 5, CENTRO, RIO DE JANEIRO 4º ANDAR CENTRO - RIO DE JANEIRO/RJ CEP: 20.021-350


 

PARECER n. 00070/2022/GECOS/PFANS/PGF/AGU

 

NUP: 33910.033056/2022-51

INTERESSADOS: A ANS AGÊNCIA NAC. DE SAÚDE SUPLEMENTAR

ASSUNTOS: AGÊNCIAS/ÓRGÃOS DE REGULAÇÃO

 

EMENTA: I – Taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. II - § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022: mitigação da competência da ANS para definir a amplitude da cobertura no âmbito da saúde suplementar. III – Direito a cobertura de procedimentos e serviços sem o pronunciamento da ANS: ausência de competência da ANS para disciplinar questões relativas ao preenchimento dos requisitos previstos no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022. IV – Existência de competência implícita necessita de forte e ampla justificativa. V - Impossibilidade de aplicação pela fiscalização de penalidades por descumprimento do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998 na ausência de regulamentação/regulação de qualquer aspecto relacionado à cobertura extrarrol criada pelo referido dispositivo. VI - Quadro jurídico atual não recomenda qualquer mudança no processo de ressarcimento ao SUS. VII - Conceitos jurídicos indeterminados: cabe a ANS verificar as possibilidades e reais utilidades de definir as zonas de certeza e incerteza para maior densificação do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022.

 

Cuida-se da NOTA TÉCNICA Nº 18/2022/DIRAD-DIFIS/DIFIS, do DESPACHO Nº: 1972/2022/DIRAD-DIPRO/DIPRO e do DESPACHO Nº: 1156/2022/DIRAD-DIDES/DIDES, que tratam das consequências, para a atuação da ANS, da entrada em vigor da Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998.

Na NOTA TÉCNICA Nº 18/2022/DIRAD-DIFIS/DIFIS, a DIFIS expressa o entendimento de que a nova redação do caput do art. 1º da Lei nº 9.656/1998, dada pela Lei nº 14.452/2022 não contém diretiva específica à ANS para fiscalizar e penalizar com fundamento direto no CPC. E, quanto ao novo § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022, diante de conceitos abstratos dele constantes, faltaria a objetividade necessária para a aplicação de penalidades.

No DESPACHO Nº: 1972/2022/DIRAD-DIPRO/DIPRO, a DIPRO elenca quinze questões que necessitariam de esclarecimento quanto à aplicação do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022.

No DESPACHO Nº: 1156/2022/DIRAD-DIDES/DIDES, a DIDES questiona sobre o impacto do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022 sobre o SUS, vez que poderia gerar um cenário de obrigatoriedade de cobrança de todos os procedimentos realizados no SUS, incluindo os não previstos no rol da ANS.

É, em síntese, o relatório. Segue o Parecer.

De início, cumpre observar que a primeira questão levantada na NOTA TÉCNICA Nº 18/2022/DIRAD-DIFIS/DIFIS, relativa à mudança de redação promovida no caput do art. 1º da Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, foi abordada na NOTA JURÍDICA n. 00009/2022/GECOS/PFANS/PGF/AGU, que ratificou o entendimento no sentido de que não houve alteração no poder fiscalizatório e sancionador da ANS por conta da alteração legislativa em referência.

Vale observar que o tema da restrição do poder punitivo da ANS relacionado às normas do Código de Defesa do Consumidor – CDC foi, como destacado na Nota Jurídica em apreço, analisado com profundidade no PARECER/PROCURADORIA FEDERAL - ANS/GECOS/Nº 1374/2009.

Desse modo, a presente manifestação jurídica concentrará sua análise no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022, que constitui o cerne da segunda questão levantada na NOTA TÉCNICA Nº 18/2022/DIRAD-DIFIS/DIFIS e também das demais questões constantes do DESPACHO Nº: 1972/2022/DIRAD-DIPRO/DIPRO e do DESPACHO Nº: 1156/2022/DIRAD-DIDES/DIDES.

A Lei nº 14.454/2022 acrescentou ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998 um § 13 de seguinte teor:

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

O § 12, referido no parágrafo § 13 em destaque, também foi incluído pela mesma lei, e diz:

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

Ambos os parágrafos constituem-se em complementos normativos do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, que, pela redação dada pela MP nº 2.177-44/2001, trata do plano referência com “cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde”.

Pela mesma MP, o § 4º do artigo em comento possuía a seguinte redação:

§ 4o A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS.

A MP nº 1.067/2021 alterou a redação do referido parágrafo para:

§ 4º A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes, de procedimentos de alta complexidade e das dispostas nas alíneas “c” do inciso I e “g” do inciso II do caput do art. 12, será estabelecida em norma editada pela ANS.

A Lei nº 14.307/2022, por sua vez, conferiu ao § 4º a seguinte redação:

§ 4º A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS.

E, por fim, a Lei nº 14.454/2022 deixou o parágrafo em questão com a seguinte redação:

§ 4º A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS, que publicará rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado a cada incorporação.

Apesar das alterações de redação sofridas ao longo do tempo, o núcleo do dispositivo manteve-se no sentido de que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar será estabelecida em norma editada pela ANS.

Por essa razão, na Lei nº 9.961/2000, que cria a ANS, o art. 4º estabelece em seu inciso III que compete à ANS “elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades”.

Vale observar que as “excepcionalidades” a que se refere a parte final do inciso III do art. 4º da Lei nº 9.656/2000 são aquelas previstas nos incisos I a X do art. 10 do caput da Lei nº 9.656/1998, que trazem as exceções à cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar do plano-referência, sendo certo que o § 1º do referido dispositivo estabelece que tais exceções serão objeto de regulamentação pela ANS.

Estabelecer amplitude de algo é estabelecer sua quantidade, seu tamanho, sua grandeza, seu volume, sua extensão, sua magnitude, sua vastidão, seu padrão, seu espaço, seu âmbito, sua imensidade, sua enormidade, seu alcance etc.

Ou, por outro lado, sua suficiência, o que é bastante, necessário, preciso, indispensável, satisfatório etc.

Esses são os significados possíveis de se extrair do significante “amplitude”, a partir dos ensinamentos de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, que elaborou um dicionário analógico da língua portuguesa, que trata das “ideias afins” (Dicionário analógico da língua portuguesa: ideias afins / thesaurus / Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, - 2.ed. atual. e revista. – Rio de Janeiro: Lexikon, 2010).

Nessa linha de sentido, estabelecer a amplitude da cobertura é estabelecer sua quantidade, tamanho, grandeza, volume, extensão, magnitude, vastidão, padrão, alcance, suficiência etc.

Há os que defendem que estabelecer amplitude da cobertura seria estabelecer apenas o “mínimo” ou “piso” indiscutível de cobertura devida. Entretanto, embora o presente parecerista não seja um linguista, apoiando-se na obra de referência de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, anteriormente citada, as ideias de “amplitude” e “mínimo” (ou “piso”) não possuem relação de afinidade.

Pode-se falar em “amplitude mínima”, ou seja, pode-se combinar tais ideias, mas não se pode de uma delas extrair logicamente a outra.

Logo, do ponto de vista semântico, não há reparos a serem feitos quanto ao entendimento da ANS de que a “amplitude” da cobertura no âmbito da saúde suplementar estabelecida na norma por ela editada não é apenas o mínimo indiscutível devido, mas o próprio tamanho, grandeza, volume, extensão, magnitude, vastidão, padrão, alcance, suficiência etc. daquilo que é contratualmente devido nos planos regulamentados por força da Lei nº 9.656/98.

Por essa razão, no art. 2º da RN nº 465/2021, que atualiza o rol de procedimentos e eventos em saúde, restou esclarecido o seguinte:

Art. 2º Para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta Resolução Normativa e seus anexos, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.

Chamar o rol de taxativo, como ocorre no art. 2º da RN nº 465/2021, resulta simplesmente daquilo que, como visto, semanticamente se pode extrair como significados do significante “amplitude” utilizado na Lei nº 9.656/98.

Nada impedindo, como deixa claro o dispositivo em destaque, o oferecimento de cobertura maior, por iniciativa da própria operadora ou mediante expressa previsão no instrumento contratual.

É certo que, por conta da referida possibilidade de oferecimento de cobertura maior por iniciativa da própria operadora ou por expressa previsão no instrumento contratual, muitas vezes faz-se referência ao rol como cobertura mínima, querendo-se, com isso, significar aquela cobertura que é obrigatória pela Lei nº 9.656/1998, e não simplesmente aquela que é apenas a minimamente indiscutível ou apenas o “piso” de cobertura obrigatória. É nesse sentido que a expressão “rol mínimo” muitas vezes é empregada, sem contradição com o que aqui está sendo dito.

Com essa explanação, quer-se apenas demonstrar que o entendimento que vem sendo aplicado pela ANS quanto à sua competência para estabelecer a “amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar” resulta daquilo que se pode logicamente extrair dos próprios significantes constantes da lei e, assim sendo, é plenamente defensável, não obstante órgãos do judiciário e de defesa do consumidor possam adotar compreensões diferentes da questão, as quais não invalidam o entendimento adotado pela ANS, considerando a autonomia que foi legalmente conferida à agência (art. 1º, par. único, da Lei nº 9.961/2000 e art. 3º da Lei nº 13.848/2019).

Evidentemente, a compreensão do rol como taxativo não deriva apenas de questões semânticas ou de interpretação literal do disposto no § 4º do art. 10 da Lei nº 9.656/1998.

Os argumentos que constituem o entendimento da ANS quanto à matéria foram sintetizados na NOTA TÉCNICA Nº 25/2022/ASPAR/SECEX/PRESI/ANS, por meio da qual a agência manifestou-se acerca do PL nº 2.033/2022, que resultou na Lei nº 14.454/2022

Da referida Nota, destacam-se os seguintes trechos:

6. Assim, esclarecemos que, nos moldes da legislação vigente, as operadoras de planos privados de assistência à saúde são obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, o qual possui mais de 3 mil itens, para atendimento integral da cobertura prevista nos artigos 10, 10-A e 12, da Lei nº 9.656/1998, de acordo com a segmentação assistencial, área geográfica de abrangência e área de atuação do produto dentro dos prazos máximos de atendimento previstos na Resolução Normativa (RN) nº 259/2011, observado o cumprimento dos prazos de carência e/ou cobertura parcial temporária, conforme o caso.
7. O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde encontra-se atualmente disposto na RN nº 465/2021, vigente desde 01/04/2021. E a referida RN, em seu art. 2º, dispõe que:
Art. 2º Para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta Resolução Normativa e seus anexos, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde. (grifo nosso)
 
8. Nessa esteira, faz-se necessário destacar que a taxatividade do Rol, disposta no art. 2º da RN nº 465/2021, decorre de previsão legal. Isso porque a Lei 9.961/2000, em seu art. 4º, inciso III, define a competência da ANS para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constitui referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades:
Art. 4º Compete à ANS:
(...)
III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades; (grifo nosso)
 
9. Ao estabelecer de forma expressa a prerrogativa exclusiva da ANS para definir o rol de coberturas obrigatórias, a Lei 9.961/2000 impõe a sua taxatividade, na medida em que não admite qualquer outra forma de se estabelecer cobertura no âmbito da saúde suplementar, isto é, proscreveu qualquer outra forma de definir cobertura.
10. Tal previsão é corroborada, ainda, pela Lei nº 14.307/2022, art. 10, § 4º, que determina que:
Art. 10. ..........................................................................................................
§ 4º A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS. (grifo nosso)
 
11. Com efeito, entendendo o rol como exemplificativo não haveria necessidade da ANS em elaborá-lo, visto que todo e qualquer serviço pretendido pelo beneficiário caberia sua cobertura pela operadora de plano de saúde. Sendo assim todo e qualquer procedimento relativo à saúde humana, ainda que experimental ou oferecido em rede não credenciada, seria obrigatório para todos os planos de saúde, independentemente do contrato firmado.
12. No processo de inclusão de um procedimento no rol, o exame técnico da ANS mostra-se condição para ampliar ou restringir o uso de uma determinada tecnologia no âmbito da saúde suplementar. A atualização do rol não implica apenas acréscimo de procedimentos, mas também a possibilidade de exclusão de outros, considerando os resultados efetivos em desfechos clínicos.
13. O surgimento de uma tecnologia na área da saúde atrai o interesse legítimo da população de se submeter ao que existe de mais novo em termos de tratamento de saúde. É compreensível o anseio da população nesse sentido. No entanto, a nova tecnologia na área de saúde não é necessariamente a mais eficaz. Tampouco a tecnologia considerada com maior eficácia terá o mesmo resultado para todos os pacientes que se encontram em situações similares, mas não idênticas.
14. Cumprindo o seu papel, a ANS vem aprimorando sistematicamente o processo de atualização do rol, tornando-o mais ágil e acessível, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS - avaliação de tecnologias em saúde, primando pela saúde baseada em evidências.
15. Por essa razão, em 9/7/2021, a ANS publicou a RN n. 470/2021, a qual dispõe sobre o rito processual de atualização do Rol. Em 2/9/2021 foi publicada a Medida Provisória - MP n. 1.067/2021, que, por sua vez, alterou para 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, o prazo para a atualização do Rol. A referida MP foi aprovada na forma de Projeto de Lei de Conversão, com emendas nº 29/2021, que foi convertido na Lei nº 14.307/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998, para dispor sobre o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar, mantendo o prazo de atualização de 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, para os medicamentos antineoplásicos orais e 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para as demais tecnologias.
16. Outra questão importante, relacionada à atualização do Rol, e que foi trazida pela MP nº 1.067/2021, e posteriormente pela Lei nº 14.307/2022, foi a obrigatoriedade, prevista no §10, do art. 10, de que todas as tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, serão incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no prazo de até 60 dias, prazo que, inclusive, é inferior aos demais prazos supracitados.
17. Portanto, a partir da publicação das referidas normas, a atualização do Rol pode ser dar mediante protocolização de solicitação à ANS, seguindo-se o rito normativo estabelecido pela RN nº 470/2021 (no prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, para os medicamentos antineoplásicos orais; e 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para as demais tecnologias) ou mediante inclusão do procedimento na cobertura obrigatória do SUS, via avaliação da CONITEC, quando também passará a ser de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde (no prazo de até 60 dias). 18. Para os procedimentos submetidos à avaliação regular da ANS, via formulário de apresentação de propostas de atualização periódica do Rol – FormRol, conforme o art. 3º, da RN nº 470/2021, o processo de atualização contínua do Rol observa as seguintes diretrizes:
I - a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, de modo a contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no país;
II - as ações de promoção à saúde e de prevenção de doenças;
III - o alinhamento com as políticas nacionais de saúde;
IV - a utilização dos princípios da avaliação de tecnologias em saúde – ATS;
V - a observância aos princípios da saúde baseada em evidências – SBE;
VI - a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor; e
VII - a transparência dos atos administrativos.
 
19. Nesse sentido, a ANS entende que propostas de incorporações de novas tecnologias em saúde e/ou atualizações da cobertura assistencial obrigatória vigente no âmbito da Saúde Suplementar não podem prescindir de rigorosas análises no contexto da saúde suplementar da sua viabilidade, efetividade, capacidade instalada, bem como de um debate amplo e democrático com todos os atores da Saúde Suplementar.
20. Na análise das propostas de incorporação de novos procedimentos/medicamentos ao rol ou de criação/alteração de diretrizes de utilização, é empregada, como dito acima, a metodologia multidisciplinar denominada Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), que reúne todas as informações sobre evidências científicas relativas à eficácia, efetividade, acurácia e segurança da tecnologia, avaliação econômica e de impacto orçamentário, disponibilidade de rede prestadora, bem como a aprovação pelos conselhos profissionais quanto ao uso da tecnologia, dentre outros, de uma maneira robusta, imparcial, transparente e sistemática, de forma a permitir a tomada de decisão para incorporação ou não da tecnologia ao Rol.
21. A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) leva em consideração, sobretudo, os princípios da Saúde Baseada em Evidências, abordagem científica que utiliza as ferramentas da Epidemiologia Clínica, da Estatística, da Metodologia Científica, da Informática e dos Sistemas de Informação aplicadas à pesquisa. É o resultado da melhor evidência científica aplicada na prática clínica, considerando os valores do paciente. As informações originadas de evidências científicas são utilizadas para apoiar a prática clínica, a qualificação do cuidado e a tomada de decisão para a gestão em saúde, considerando a segurança nas intervenções e a ética na totalidade das ações, reduzindo assim a incerteza na tomada de decisão em saúde.
22. Com efeito, conclui-se que informações coerentes e fundamentadas sobre os benefícios e os riscos no uso das tecnologias em saúde e sobre o impacto dessas nos serviços de saúde são necessárias para orientar a tomada de decisão. Nesse sentido, também é fundamental que a incorporação de novos procedimentos e medicamentos ao Rol seja consequência da avaliação técnica da ANS, mesmo após reconhecimento e recomendação das entidades ou órgãos médicos ou sanitários com credibilidade nacional ou internacional.
23. Outro ponto que merece destaque é que a base para o funcionamento do setor suplementar de saúde é o mutualismo, que tem como premissa a contribuição de todos os participantes de um plano de saúde para um fundo comum, formado por meio das contraprestações pecuniárias que são pagas mensalmente à operadora.
24. Todos contribuem, utilizando ou não o plano, para que seja possível o pagamento integral das despesas médico-hospitalares dos participantes que venham a necessitar de cobertura assistencial. Trata-se da união de esforços de muitos em favor aleatório de alguns elementos do grupo que venham a precisar fazer uso de procedimentos e tratamentos médicos.
25. Assim, todos os custos de consultas, cirurgias, internações e demais atendimentos são repartidos entre os seus beneficiários e, dessa forma, é possível diluir as despesas, tornando-as viáveis para o consumidor.
26. Ademais, o eventual reconhecimento da natureza declarativa/exemplificativa do rol levaria à ruptura do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, com o consequente impacto na ordem econômica prevista no art. 170 da Constituição da República. Nesse sentido, a defesa da natureza taxativa/dinâmica do rol de procedimentos e eventos em saúde tem como fundamento o princípio da segurança jurídica, insculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
27. Importante destacar que os contratos de planos de saúde foram elaborados considerando a natureza taxativa/dinâmica do rol. Eventual obrigação para que as operadoras passem a cobrir todo e qualquer procedimento indicado pelo médico assistente altera o planejamento econômico-financeiro das operadoras, o qual diz respeito à precificação dos planos de saúde e respectivos contratos.
28. Com efeito, a alteração das condições contratuais terá como consequência a elevação dos preços dos planos de saúde, o que, por sua vez, repercute na possível exclusão de um grupo de beneficiários do sistema de saúde suplementar.
29. Além disso, cumpre ainda destacar que os reajustes dos planos de saúde refletem as variações das despesas assistenciais ocorridas nos 12 meses anteriores. Dessa forma, qualquer variação associada a implementação de um rol exemplificativo será repassada ao conjunto de beneficiários, por meio de reajustes. O grau de incerteza relacionado aos impactos econômicos da realização de procedimentos não previstos no rol atual trará como risco uma elevação dos reajustes a patamares superiores a capacidade de pagamento de beneficiários, mesmo em reajustes controlados pela ANS, como no caso dos planos individuais.
30. Dessa forma, reafirma-se que é essencial que os procedimentos a serem cobertos sejam aqueles que passaram pelo crivo da avaliação técnica da ANS, em conjunto com as sociedades médicas, as entidades representativas de prestadores de serviços, pacientes, órgãos de defesa do consumidor e das operadoras de planos de saúde, bem como dos demais atores do setor de saúde suplementar, nos moldes do que é feito hoje. (Grifos no original)

O destaque que se dá aos significantes empregados no texto legal, quais sejam, “a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar será estabelecida em norma editada pela ANS”, revela-se oportuno no presente momento exatamente pela razão de esses significantes terem sido mantidos ao longo das alterações de redação do § 4º do art. 10 da Lei nº 9.656/1998.

Dessa maneira, considerando que desde a inclusão do referido parágrafo na Lei nº 9.656/1998 pela MP nº 2.177-44/2001 até a recente redação que lhe foi conferida pela Lei nº 14.454/2022, não houve alteração vernacular que lhe afetasse o alcance e sentido, conclui-se que nenhuma alteração quanto ao entendimento sobre a taxatividade do rol se impõe à ANS.

Veja-se que o § 12, acrescentado ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998 pela mesma Lei nº 14.454/2022, ao dizer que o rol “constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde” também não representou qualquer inovação vernacular, vez que apenas repete o que está no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000, o qual diz que “o rol de procedimentos e eventos em saúde ... constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656/1998”.

Mais uma vez, apoiando-se na obra de referência de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, anteriormente citada, pode-se dizer que as ideias de “básico” e “mínimo” (no sentido de “piso”), não possuem relação de afinidade na linguagem culta.

A ideias afins a básico são, segundo o eminente autor, as de essencial, fundamental, necessário, compulsório, obrigatório, indispensável, imprescindível, insuprível, insubstituível, imperioso, vital, preponderante etc. Esses são os significados possíveis de se extrair do significante básico.

Nessa linha de sentido, referência básica é a referência essencial, fundamental, necessária, compulsória, obrigatória, indispensável, imprescindível, vital etc.

Referência básica, portanto, não seria referência mínima (piso), mas referência essencial, fundamental ou necessária, repita-se.

Antes da inclusão do § 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, o STJ, julgando Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp 1886929/SP), posicionou-se, quanto à taxatividade do rol, da seguinte forma:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS DE DIREITO PRIVADO ACERCA DA TAXATIVIDADE OU NÃO DO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, INEQUIVOCAMENTE ESTABELECIDA NA SUA PRÓPRIA LEI DE CRIAÇÃO. ATO ESTATAL DO REGIME JURÍDICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO AO QUAL SE SUBMETEM FORNECEDORES E CONSUMIDORES DA RELAÇÃO CONTRATUAL DE DIREITO PRIVADO. GARANTE A PREVENÇÃO, O DIAGNÓSTICO, A RECUPERAÇÃO E A REABILITAÇÃO DE TODAS AS ENFERMIDADES. SOLUÇÃO CONCEBIDA E ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR PARA EQUILÍBRIO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. ENUNCIADO N. 21 DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CNJ. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA À RELAÇÃO CONTRATUAL, SEMPRE VISANDO O EQUILÍBRIO. HARMONIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA E SEGUNDA SEÇÕES NO SENTIDO DE VELAR AS ATRIBUIÇÕES LEGAIS E A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA AUTARQUIA ESPECIALIZADA. FIXAÇÃO DA TESE DA TAXATIVIDADE, EM REGRA, DA RELAÇÃO EDITADA PELA AGÊNCIA, COM ESTABELECIMENTO DE PARÂMETROS OBJETIVOS PARA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AO JUDICIÁRIO.
1. A Lei n. 9.961/2000 criou a ANS, estabelecendo no art. 3º sua finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. Já o art. 4º, III, elucida que compete à ANS elaborar o Rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades.
2. Por inequívoca opção do legislador, extrai-se tanto do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 quanto do art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000 que é atribuição dessa agência elaborar o Rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Nessa toada, o Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ propugna que se considere, nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n. 9.656/1998, o Rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas.
3. Por um lado, a Resolução Normativa ANS n. 439/2018, ora substituída pela Resolução Normativa ANS n. 470/2021, ambas dispondo sobre o rito processual de atualização do Rol, estabelece que as propostas de sua atualização serão recebidas e analisadas mediante critérios técnicos relevantes de peculiar complexidade, que exigem alto nível de informações, quais sejam, utilização dos princípios da avaliação de tecnologias em saúde - ATS, princípios da saúde baseada em evidências - SBE, manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor. Por outro lado, deixando claro que não há o dever de fornecer todas e quaisquer coberturas vindicadas pelos usuários dos planos de saúde, ao encontro das mencionadas resoluções normativas da ANS, a Medida Provisória n. 1.067, de 2 de setembro de 2021, incluiu o art. 10-D, § 3º, I, II e III, na Lei 9.656/1998 para estabelecer, no mesmo diapasão do regramento infralegal, a instituição da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, à qual compete assessorar a ANS nas atribuições de que trata o § 4º do art. 10, devendo apresentar relatório que considerará: I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, do produto ou do procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para o registro ou a para a autorização de uso; II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quando couber; e III - a análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar.
4. O Rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, a preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável economicamente da população. Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo - devendo, ademais, a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas - tem o condão de efetivamente padronizar todos os planos e seguros de saúde e restringir a livre concorrência, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, o que representaria, na verdade, suprimir a própria existência do "Rol mínimo" e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população.
5. A par de o Rol da ANS ser harmônico com o CDC, a Segunda Seção já pacificou que "as normas do CDC aplicam-se apenas subsidiariamente nos planos de saúde, conforme previsão do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998. De qualquer maneira, em casos de incompatibilidade de normas, pelos critérios da especialidade e da cronologia, há evidente prevalência da lei especial nova" (EAREsp n. 988.070/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 8/11/2018, DJe de 14/11/2018). Dessa maneira, ciente de que o Rol da ANS é solução concebida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual buscada nas relações consumeristas, também não caberia a aplicação insulada do CDC, alheia às normas específicas inerentes à relação contratual.
6. Não se pode perder de vista que se está a discutir direitos e obrigações da relação contratual que envolvem plano de saúde e usuário, e não o estabelecimento de obrigação de fazer ou de não fazer a terceiro, que nem mesmo integra a lide. A ANS, ao contrário do médico-assistente da parte litigante, analisa os procedimentos e eventos sob perspectiva coletiva, tendo em mira a universalização do serviço, de modo a viabilizar o atendimento do maior número possível de usuários. Mesmo o correto e regular exercício profissional da Medicina, dentro das normas deontológicas da profissão, usualmente possibilita ao profissional uma certa margem de subjetividade, que, por vezes, envolve convicções pessoais ou melhor conveniência, mas não pode nortear a elaboração do Rol.
7. Conforme adverte a doutrina especializada, muito além de servir como arrimo para precificar os valores da cobertura básica e mínima obrigatória das contratações firmadas na vigência da lei de Planos de Saúde, o Rol de procedimentos, a cada nova edição, delineia também a relevante preocupação do Estado em não expor o consumidor e paciente a prescrições que não encontrem respaldo técnico estudado e assentado no mundo científico, evitando-se que virem reféns dos interesses - notadamente econômicos - da cadeia de fornecedores de produtos e serviços que englobam a assistência médico-hospitalar e odontológica suplementar.
8. Legítima é a confiança que está de acordo com o direito, despertada a partir de circunstâncias objetivas. Com efeito, o entendimento de que o Rol - ato estatal, com expressa previsão legal e imperatividade inerente, que vincula fornecedores e consumidores - deve ser considerado meramente exemplificativo em vista da vulnerabilidade do consumidor, isto é, lista aberta sem nenhum paralelo no mundo, ignora que é ato de direito administrativo, e não do fornecedor de serviços, assim como nega vigência a diversos dispositivos legais, ocasionando antisseleção, favorecimento da concentração de mercado e esvaziamento da competência atribuída à ANS pelo Poder Legislativo para adoção de medidas regulatórias voltadas a equilibrar o setor de saúde suplementar de forma ampla e sistêmica, com prejuízo para toda a coletividade envolvida. Afeta igualmente a eficácia do direito constitucional à saúde (art. 196 da CF), pois a interferência no equilíbrio atuarial dos planos de saúde privados contribui de forma significativa para o encarecimento dos produtos oferecidos no mercado e para o incremento do reajuste da mensalidade no ano seguinte, dificultando o acesso de consumidores aos planos e seguros, bem como sua mantença neles, retirando-lhes a confiabilidade assegurada pelo Rol de procedimentos, no que tange à segurança dos procedimentos ali elencados, e ao Sistema Único de Saúde (SUS), que, com esse entendimento jurisprudencial, reflexamente teria sua demanda aumentada.
9. Em recentes precedentes específicos envolvendo a supressão das atribuições legais da ANS, as duas Turmas de Direito Público decidiram que, "segundo entendimento firmado neste Superior Tribunal de Justiça, até prova cabal em contrário, deve prevalecer a presunção de legitimidade dos atos administrativos praticados pelas agências reguladoras", "sendo inviável qualquer discussão acerca do próprio mérito administrativo" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.834.266/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/3/2021, DJe de 25/3/2021). Ademais, assentaram que não é papel do Judiciário promover a substituição técnica por outra concepção defendida pelo julgador, sendo "incabível substituição da discricionariedade técnica pela discricionariedade judicial" (AgInt no REsp n. 1.823.636/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 16/9/2021).
10. Diante desse cenário e buscando uma posição equilibrada e ponderada, conforme o entendimento atual da Quarta Turma, a cobertura de tratamentos, exames ou procedimentos não previstos no Rol da ANS somente pode ser admitida, de forma pontual, quando demonstrada a efetiva necessidade, por meio de prova técnica produzida nos autos, não bastando apenas a prescrição do médico ou odontólogo que acompanha o paciente, devendo ser observados, prioritariamente, os contidos no Rol de cobertura mínima. Deveras, como assentado pela Corte Especial na esfera de recurso repetitivo, REsp n. 1.124.552/RS, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Ressaltou-se nesse precedente que: a) não é possível a ilegítima invasão do magistrado em seara técnica à qual não é afeito; b) sem dirimir a questão técnica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendido da prova dos autos; c) nenhuma das partes pode ficar ao alvedrio de valorações superficiais.
11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
12. No caso concreto, a parte autora da ação tem esquizofrenia paranoide e quadro depressivo severo e, como os tratamentos medicamentosos não surtiram efeito, vindica a estimulação magnética transcraniana - EMT, ainda não incluída no Rol da ANS. O Conselho Federal de Medicina - CFM, conforme a Resolução CFM n. 1.986/2012, reconhece a eficácia da técnica, com indicação para depressões uni e bipolar, alucinações auditivas, esquizofrenias, bem como para o planejamento de neurocirurgia, mantendo o caráter experimental para as demais indicações. Consoante notas técnicas de NatJus de diversos Estados e do DF, o procedimento, aprovado pelo FDA norte-americano, pode ser mesmo a solução imprescindível para o tratamento de pacientes que sofrem das enfermidades do recorrido e não responderam a tratamento com medicamentos - o que, no ponto, ficou incontroverso nos autos.
13. Com efeito, como o Rol não contempla tratamento devidamente regulamentado pelo CFM, de eficácia comprovada, que, no quadro clínico do usuário do plano de saúde e à luz do Rol da ANS, é realmente a única solução imprescindível ao tratamento de enfermidade prevista na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID, notadamente por não haver nas diretrizes da relação editada pela Autarquia circunstância clínica que permita essa cobertura, é forçoso o reconhecimento do estado de ilegalidade, com a excepcional imposição da cobertura vindicada, que não tem preço significativamente elevado.
14. Embargos de divergência a que se nega provimento.

Essa decisão, que corrobora o entendimento da ANS pela taxatividade do rol, admite, entretanto, a cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS de forma pontual, quando demonstrada a efetiva necessidade, por meio de prova técnica.

Da decisão extrai-se que essa cobertura “extrarrol” pode ocorrer quando preenchidos os seguintes requisitos:

1) não houver substituto terapêutico (outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol),

2) o tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente não ter tido sua inclusão no rol expressamente indeferida pela ANS,

3) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências,

4) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros, e

5) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.

Assim, preenchidos esses cinco requisitos, poder-se-ia ter, segundo o STJ, a excepcional superação da limitação da cobertura contratada pela taxatividade do rol.

Embora, após tal decisão, o rol da ANS tenha passado a ser denominado de “taxativo mitigado”, a mitigação, na realidade, foi da competência da ANS para definir a amplitude da cobertura no âmbito da saúde suplementar, admitindo-se que a cobertura de um tratamento possa ser obrigatória, apesar de não prevista no rol da ANS (ou no contrato), em hipóteses excepcionais e restritas.

Em reação a referida decisão do STJ, que cumula cinco exigências para que haja cobertura de tratamento não prevista no rol da ANS (ou no contrato), a Lei nº 14.454/2022, ao acrescentar o § 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998 tornou previsão legal a obrigatoriedade de cobertura de tratamento ou procedimento não prevista no rol da ANS desde que:

1) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

2) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

Vale observar que os requisitos são alternativos e não cumulativos.

Diante da expressa previsão legal, certo é que a regra fundamental estabelecida na regulamentação da ANS segundo a qual, para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde, necessita de revisão.

Mas não de revisão quanto ao caráter taxativo do rol.

Após a entrada em vigor da Lei nº 14.454/2022, a referida regra fundamental precisa ser reformulada de modo a ter redação semelhante a seguinte: “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, devendo, no entanto, as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que nele não esteja previsto, desde que preenchido algum dos requisitos alternativos previstos nos incisos I e II do § 13 da Lei nº 9.656, de 1998, acrescentado pela Lei nº 14.454, de 2022, bem como podendo oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde”.

Tal redação representaria junção do que atualmente consta do art. 2º da RN nº 465/2021 com o § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022.

Por oportuno, sugere-se outra redação, que, salvo melhor juízo, deixa mais claro o que é dever e o que é faculdade da operadora, qual seja: “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, devendo, no entanto, as operadora de planos de assistência à saúde oferecer cobertura de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que nele não esteja previsto, desde que preenchido algum dos requisitos alternativos previstos nos incisos I e II do § 13 da Lei nº 9.656, de 1998, acrescentado pela Lei nº 14.452, de 2022, ou desde que expressamente previsto no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde, bem como podendo oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa”.

Quanto ao dispositivo em comento, cabe extrair o seguinte trecho do Parecer nº 268, de 2022-PLEN/SF, do Senador Romário, Relator no Senado do PL nº 2.033/2022, que se transformou na Lei nº 14.454/2022:

Os autores justificam que um movimento que pede mudanças na legislação dos planos de saúde, liderado por organizações da sociedade civil, surgiu após a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmar o entendimento de que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde editado pela ANS tem caráter taxativo, o que poderia ensejar a descontinuidade de tratamentos hoje obtidos pelos beneficiários. O projeto em comento nasceu como resposta a esses anseios sociais e resultou de contribuições recebidas de vários cidadãos e entidades, em que se incluem órgãos públicos como a ANS.
...
A principal modificação proposta pelo PL nº 2.033, de 2022, no entanto, é a possibilidade de cobertura, pelas operadoras, de procedimentos e serviços de saúde que não constem do REPS. Para isso ocorrer, o projeto prevê que pelo menos um dos seguintes requisitos deve ocorrer:
(i) exista comprovação da eficácia do tratamento, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
(ii) existam recomendações do tratamento pela Conitec ou pelo menos de um órgão de avaliação e tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que aprovado também para uso no país estrangeiro.
 
Essa previsão legal tem o objetivo de pacificar o entendimento sobre a abrangência da cobertura a ser garantida pelas operadoras de saúde, que ficariam obrigadas a custear tratamentos necessários ao paciente mesmo que eles não estejam listados no REPS.
Não temos dúvidas de que a Lei nº 9.961, de 2000, e a LPS instituem a competência da ANS para elaborar o REPS, que serve como referência básica para a cobertura mínima a ser obrigatoriamente oferecida pelas operadoras.
Ainda assim, enfatizamos que o referido rol deve cumprir estritamente os requisitos legais, estabelecendo cobertura apta a prevenir, recuperar, manter e reabilitar a saúde, para todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), nos termos dos arts. 10 e 35-F da Lei dos Planos de Saúde.
Dessa maneira, se o REPS não contemplar integralmente esses direitos do paciente, poderão os beneficiários solicitar a cobertura dos tratamentos a eles prescritos, mesmo que não constem do referido rol.
Consideramos que o trabalho feito pela ANS para elaborar o REPS é muito importante, principalmente porque a autarquia realiza a avaliação de tecnologias em saúde (ATS) em consonância com os melhores critérios e parâmetros científicos.
Contudo, devemos frisar que o objetivo do PL nº 2.033, de 2022, não é impedir a avaliação de tecnologias em saúde (ATS) realizada pela ANS, mas somente permitir que o paciente tenha acesso à terapia que possa realmente lhe oferecer a melhor solução ou encaminhamento, de acordo com seu quadro clínico e a análise e as ponderações feitas pelo profissional de saúde que lhe assiste.
A necessidade de prévia manifestação da ANS pode restringir consideravelmente o conjunto de terapias que possuem evidências científicas sobre sua eficácia a serem disponibilizadas aos beneficiários, uma vez que a Agência ainda não tem estrutura para acompanhar adequadamente o desenvolvimento tecnológico das tecnologias em saúde.
De fato, é impossível haver pronunciamento da ANS sobre todas as terapias cuja eficácia é atestada pela literatura das ciências da saúde, de modo que não seria adequado depender sempre de sua manifestação para que sejam utilizadas.
Adicionalmente, no caso de terapias para doenças raras, sabe-se que os estudos que avaliam sua eficácia geralmente são realizados com um número pequeno de participantes nas pesquisas, o que frequentemente pode prejudicar a robustez dos estudos e, consequentemente, sua passagem por todas as fases dos testes de avaliação, dado o número reduzido de pacientes. Assim, é comum que a documentação de tais levantamentos, que seria necessária para a aprovação ou incorporação nos sistemas de saúde, inclusive o suplementar, seja considerada incompleta ou inconclusiva, o que impede sua recomendação.
Com as mudanças trazidas pela Lei nº 14.307, de 3 de março de 2022, que modificou a sistemática de atualização do REPS – agora feita mediante a instauração de processo administrativo junto à ANS, por interessados na incorporação de terapias na saúde suplementar –, espera-se, à medida que o tempo passa, que a autorização de procedimentos que não estejam listados no rol seja cada vez menos necessária.
Enquanto a listagem constante do REPS não alcança esse nível de detalhamento, é recomendável não restringir os direitos dos beneficiários de obterem assistência adequada a suas patologias ou condições, para que não sejam prejudicados em sua saúde. Muitos pacientes não podem aguardar a omissão ou inércia estatais, pois sua vida depende de assistência tempestiva em vários casos. (Grifos nossos)

Conforme se extrai do Parecer do relator, a intenção é conferir, preenchidos pelo menos um dos requisitos elencados no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022, direito a cobertura de procedimentos e serviços de saúde “sem pronunciamento da ANS”.

Nesse quadro, parece correto compreender que não foi conferida à ANS competência para disciplinar questões relativas ao preenchimento dos requisitos previstos no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022.

Reforça essa compreensão o fato de o parágrafo em comento não conter previsão de regulamentação/regulação pela ANS de qualquer um dos elementos que compõem a regra de cobertura por ele estabelecida.

Nas alterações promovidas na Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.307/2022, p. ex., a atuação infralegal da ANS foi prevista expressamente em vários dispositivos (§§ 4º e 5º do art. 10 e §§ 1º e 2º do art. 10-D), além de o próprio art. 3º da Lei nº 14.307/2022 ter determinado a edição de normas pela ANS para o devido cumprimento da lei em 180 dias.

Chama atenção o fato de a Lei nº 14.454/2022 não possuir nenhum comando similar determinado a edição pela ANS de normas para o devido cumprimento da lei.

Observe-se que também não houve alteração no art. 4º da Lei nº 9.961/2000 para criar competência regulatória específica sobre essa nova regra de cobertura.

Ou seja, não compete à ANS disciplinar a questão da eficácia prevista no inciso I do dispositivo em comento ou a questão das recomendações pelo Conitec ou órgão de renome internacional.

Essa é a compreensão que parece mais adequada considerando o desiderato legal que foi mitigar, sob certas condições, a competência da ANS de definir a amplitude da cobertura no âmbito da saúde suplementar. A regulamentação/regulação pela ANS de qualquer dos requisitos estabelecidos no dispositivo sob análise implicaria na realização de escolhas regulatórias com o efeito de ampliar ou reduzir o âmbito de casos concretos nos quais seria o novo dispositivo passível da aplicação, o que, salvo melhor juízo, significaria o exercício de uma competência que não se quis conferir à ANS.

O entendimento em sentido contrário, de uma “competência implícita” da ANS para a disciplina dessas questões, necessitaria da apresentação de forte e ampla justificativa nesse sentido, eis que o reconhecimento de qualquer competência implícita é sempre excepcional e deve ser amplamente justificada e ancorada em uma competência expressa.

Parece-me que a necessidade de regulamentação dos requisitos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022, deve ser resolvida através da competência conferida privativamente ao Presidente da República pelo art. 84, IV, da Constituição Federal, de expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.

Dentro desse quadro, seria possível responder aos questionamentos efetuados no DESPACHO Nº: 1972/2022/DIRAD-DIPRO/DIPRO da seguinte forma:

1) Considerando que o médico/odontólogo assistente é o responsável pela solicitação da tecnologia em saúde não prevista no Rol, caberá a ele comprovar, junto à operadora de planos de saúde, o cumprimento dos requisitos definidos nos incisos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998, pela Lei nº 14.454, de 2022? Como deverá ser feita essa comprovação? Cabe à ANS estabelecer critérios para comprovação do cumprimento desses requisitos?

A comprovação caberá ao médico/odontólogo assistente que fizer a solicitação. Não parece caber outra resposta quanto a esse ponto e é o que se pode deduzir logicamente da situação.

Pelas razões explanadas nesse parecer, entende-se não competir à ANS dizer como deve ser feita essa comprovação e nem estabelecer critérios a ela relacionados, vez que não lhe cabe regulamentar/regular os requisitos estabelecidos no dispositivo em exame.

2) Cabe à ANS a definição do conceito de “eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas”? Em caso negativo quem seria a entidade responsável?

Pelas razões explanadas nesse parecer, entende-se não competir à ANS definir o conceito de eficácia previsto no dispositivo em comento. O referido dispositivo não confere a nenhuma entidade competência para essa definição.

3) Caberá à ANS a definição de quais seriam os “órgãos de avaliação de tecnologias em saúde que tenham renome internacional”? Em caso negativo quem seria a entidade responsável?

Pelas razões explanadas nesse parecer, entende-se não competir à ANS definir quais seriam os órgãos de avaliação de tecnologias em saúde que tenham renome internacional. O referido dispositivo não confere a nenhuma entidade competência para essa definição.

4) A parte final do inciso II, do § 13, do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998 dispõe sobre a aprovação das recomendações referidas no citado inciso também para seus nacionais. Sendo assim, essa disposição também se aplica às recomendações da CONITEC, considerando que algumas das suas recomendações não são incorporadas à cobertura a ser garantida pelo SUS?

Responder a essa questão seria regulamentar/regular requisito previsto no dispositivo em comento, competência que, pelas razões explanadas no presente parecer, a ANS não detém.

5) Algumas tecnologias são “aprovadas para seus nacionais” de forma muito específica e no âmbito de programas específicos para determinadas doenças ou condições, quase num cenário de experimentação, mas já com registro, ou seja, na fase IV. A fase IV se refere à etapa da pesquisa clínica em que, após um medicamento ou procedimento diagnóstico ou terapêutico ser aprovado e levado ao mercado, testes de acompanhamento de seu uso são elaborados e implementados em milhares de pessoas, possibilitando o conhecimento de detalhes adicionais sobre a segurança e a eficácia do produto. Um dos objetivos importantes dos estudos fase IV é detectar e definir efeitos colaterais previamente desconhecidos ou incompletamente qualificados, assim como os fatores de risco relacionados. Esta fase é conhecida como Farmacovigilância (https://www.fcm.unicamp.br/centros/centro-de-pesquisa-clinica-cpc-pesquisa-clinica/quais-sao-fases-da-pesquisa-clinica). Deve ser considerada que a obrigatoriedade está relacionada a esse grupo específico de pacientes a ser garantido? Se sim, a quem caberá definir/apresentar essa delimitação?

Responder a essa questão seria regulamentar/regular requisito previsto no dispositivo em comento, competência que, pelas razões explanadas no presente parecer, entende-se que a ANS não detém.

6) Considerando a diversidade de estudos médicos disponíveis, como a operadora de planos de saúde deverá proceder se entender que não há evidências científicas quanto à eficácia da tecnologia, baseando-se em estudo contrário àquele eventualmente apresentado pelo médico assistente?

Responder a essa questão seria regulamentar/regular requisito previsto no dispositivo em comento, competência que, pelas razões explanadas no presente parecer, entende-se que a ANS não detém.

7) A operadora poderá constituir junta médica para dirimir eventual divergência técnico-assistencial, o que dependerá de alteração da RN nº 424, de 26 de junho de 2017, visto que o inciso II, do seu art. 3º prevê que não se admite a realização de junta médica ou odontológica para procedimentos ou eventos não previstos nem no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde ou no instrumento contratual?

Como reconhecido no próprio questionamento, a constituição de junta médica com fundamento na RN 424/2017 para situação de cobertura extrarrol encontra óbice no art. 3º, II, do referido normativo.

Eventual alteração da referida RN é decisão que compete à DICOL e depende do prévio exame de questões jurídicas e técnicas que devem ser feitas no âmbito de um processo administrativo normativo.

8) As operadoras deverão observar os prazos de garantia de atendimento previstos na RN nº 259, de 17 de junho de 2011, também para as tecnologias em saúde não previstas no Rol? Se sim, a quem caberá definir em quais dos itens do art. 3º da RN nº 259, de 2011 se encaixa cada tecnologia solicitada?

O art. 3º da RN 259/2011, que trata dos prazos máximos para atendimento ao beneficiário, remete ao art. 2º do mesmo normativo, que fala em “serviços e procedimentos definidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS”.

Assim, a aplicação do art. 3º da referida RN à cobertura extrarrol dependeria de alteração da referida norma. Tal decisão, vale reiterar, compete à DICOL e depende do prévio exame de questões jurídicas e técnicas que devem ser feitas no âmbito de um processo administrativo normativo.

9) A situação em que há solicitação para evento previsto no Rol com previsão de Diretriz de Utilização - DUT, mas que foi indicado para condição diversa daquelas estabelecidas na DUT, também deve ser enquadrada na exceção disposta no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998, pela Lei nº 14.454, de 2022?

Responder a essa questão seria regulamentar/regular requisito previsto no dispositivo em comento, competência que, pelas razões explanadas no presente parecer, entende-se que a ANS não detém.

10) As exclusões de cobertura previstas nos incisos do caput do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998, também se aplicam às solicitações de tecnologia em saúde não previstas no Rol, visto que não houve alteração dessa disposição?

No interior do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, o § 13 foi introduzido pela Lei nº 14.454/2022 visando excetuar as regras dos §§ 4º e 12, que se referem ao rol da ANS e não para excetuar as regras dos incisos do caput, nos quais foram estabelecidas exceções/exclusões de cobertura na saúde suplementar.

Assim, tais exclusões também se aplicam à regra do § 13.

Vale observar que reforça essa compreensão os argumentos apresentados no Parecer nº 268, de 2022-PLEN/SFR, do Senador Romário, relativo ao PL nº 2.033/2022, que deu origem à Lei nº 14.454/2022.

Do referido Parecer, extrai-se o seguinte excerto:

Vale colocar, ainda, que a LPS veda o financiamento de tratamentos experimentais (art. 10, I), fator que propicia maior segurança aos pacientes e impede o financiamento de procedimentos para os quais as informações de segurança são muito incipientes.

Nesse trecho, o relator do PL deixa claro que as exclusões de cobertura, como, por exemplo, aquela prevista no inciso I do art. 10 da Lei nº 9.656/1998 mantêm-se mesmo diante da nova regra do § 13 introduzido no referido dispositivo.

11) A obrigatoriedade de cobertura de medicamento e produtos para a saúde solicitados para eventos não previstos no Rol também está vinculada ao uso restrito às indicações descritas na bula ou manual registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA ou disponibilizado pelo fabricante, considerando que, nos termos do parágrafo único do art. 17 da RN nº 465, de 2021, tratamento clínico experimental está excluído de cobertura obrigatória, o qual inclui, de acordo com a alínea “c” do citado parágrafo, aquele que faz uso off-label de medicamentos, produtos para a saúde ou tecnologia em saúde, ou seja, que é indicado para uso diverso daquele descrito na bula ou manual registrado na ANVISA ou disponibilizado pelo fabricante?

Conforme resposta dada ao questionamento anterior, o que for considerado tratamento experimental está excluído da cobertura por força do art. 10, I, da Lei nº 9.656/1998, aplicável também à cobertura extrarrol do § 13 do mesmo dispositivo.

12) Como a operadora deve proceder quando receber solicitação de procedimento não previsto no Rol e que possuem eficácia indiscutivelmente comprovada, como é o caso de diversos transplantes? Caberá, mesmo assim, a exigência de comprovação do cumprimento dos requisitos definidos nos incisos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998, pela Lei nº 14.454, de 2022?

Em se tratando de eficácia indiscutivelmente comprovada, deve-se agir da mesma forma como ocorre no sistema processual civil quanto a fatos notórios (art. 374, I, CPC), ou seja, não cabe exigência de prova (exigência de comprovação do cumprimento dos requisitos previstos no dispositivo em comento).

13) Como deve proceder a operadora de planos de saúde, principalmente aquelas de pequeno porte, que não possuem rede credenciada com recursos para garantir o procedimento não previsto no Rol? Devem ser observadas as disposições da RN 259, de 2011 quanto à indisponibilidade ou inexistência de rede?

A cobertura extrarrol do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022, representa inovação legislativa recente e, portanto, ausente do contexto técnico-jurídico no qual foi gestada a RN 259/2011.

Assim, entende-se que eventual aplicação de suas disposições à novel cobertura extrarrol dependeria de alteração da referida norma o que, como já dito, constitui decisão que compete à DICOL e depende do prévio exame de questões jurídicas e técnicas que devem ser feitas no âmbito de um processo administrativo normativo.

14) Como definir em qual segmentação de plano a tecnologia em saúde não prevista no Rol irá se enquadrar? Essa situação é especialmente importante no que diz respeito aos planos odontológicos, já que muitas vezes não é clara a diferenciação entre procedimentos com cobertura no plano odontológico e no plano hospitalar/ambulatorial. Prevalecerá a opinião do profissional solicitante?

Responder a essa questão, salvo melhor juízo, seria regulamentar/regular, ainda que de forma tangencial, requisito previsto no dispositivo em comento, competência que, pelas razões explanadas no presente parecer, entende-se que a ANS não detém.

15) Considerando que, durante julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1931, o Supremo Tribunal Federal - STF decidiu que os contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 9.656, de 1998, não poderiam ser atingidos por ela, já que haveria violação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, nos moldes do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB, como se dará a obrigatoriedade de cobertura de eventos não previstos no Rol quando relacionados a contratos firmados antes da vigência da Lei nº 9.656, de 1998, e não adaptados?

No Tema 123 (leading case RE 948634), o STF firmou a tese de que “As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como nos contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos inalterados”.

Diante do que foi decidido pelo STF, no sentido de que disposições da Lei nº 9.656/1998 não incidem sobre beneficiários que optaram por manter os planos antigos inalterados, a cobertura extrarrol do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, nela introduzido pela Lei nº 14.454/2022, também não aproveita esse universo de beneficiários.

No que tange ao item III da Nota Técnica nº 18/2022/DIRAD-DIFIS/DIFIS, que trata da avaliação do novo art. 10, § 13 da Lei nº 9.656/1998, a referida Diretoria descreve um cenário de muitas incertezas:

23. Ocorre que há uma série de variáveis no § 13, contando, inclusive com conceitos jurídicos abstratos, que fatalmente encontrariam obstáculos quando confrontados com a objetividade, clareza necessária para o exercício da aplicação de penalidades. Diante de tal constatação, algumas questões críticas são vislumbradas:
1) O que seria considerado suficientemente plausível na documentação apresentada pelo prestador assistente?
2) Como devem ser instruídos os pedidos do prestador que solicita nos moldes do § 13?
3) Qual a forma adequada de tratamento ou resposta da operadora para desconstituir o pedido formulado com base no § 13?
4) Cabe diligência pela operadora perante o médico assistente para solicitar complementação da documentação a que se refere o inciso I do §13 ou se valer de outro meio de solução de divergência?
5) Como superar o que se denomina prova negativa ou prova diabólica?
6) Como dar materialidade, com segurança jurídica, ao conceito de “eficácia”, particularmente dentro da concepção de avaliação de tecnologias em saúde, uma vez que o dispositivo fala em “evidência científica”? Nesse caso, haveria antinomia com o disposto no inciso I do caput do mesmo art. 10, considerando o entendimento do STF na ADI nº 5501?
7) Como sair da inerente subjetividade acerca do que vem a ser uma entidade de renome internacional?
8) Dentro do contexto de comprovação como superar a limitação hoje existente no processo de solicitação de procedimentos por prestadores, as chamadas guias médicas, que sequer podem ser preenchidas com o código CID, por conta de decisão judicial que ponderou a questão da intimidade do beneficiário e o sigilo profissional?

Diante de referido cenário, a Nota Técnica em comento lembra o disposto no art. 4º-A, inciso II, da Lei nº 13.874/2019:

Art. 4º-A É dever da administração pública e das demais entidades que se sujeitam a esta Lei, na aplicação da ordenação pública sobre atividades econômicas privadas:
...
II - proceder à lavratura de autos de infração ou aplicar sanções com base em termos subjetivos ou abstratos somente quando estes forem propriamente regulamentados por meio de critérios claros, objetivos e previsíveis; (Grifo nosso)

Com efeito, diante da ausência de critérios claros, objetivos e previsíveis em relação a diversos aspectos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022, cumpre entender que, enquanto não sobrevier regulamentação/regulação de qualquer aspecto relacionado à cobertura extrarrol por ele criada (que depende de decisão da DICOL após prévio exame de questões técnicas e jurídicas no âmbito de processo administrativo normativo), a fiscalização não terá como aplicar penalidades a partir de situações relacionadas ao referido dispositivo.

No que tange aos requisitos previstos nos incisos I e II do referido dispositivo, entende-se, como explicitado neste parecer, que não foi conferida à ANS competência para discipliná-los.

Por fim, tem-se o DESPACHO Nº: 1156/2022/DIRAD-DIDES/DIDES, por meio do qual a DIGES indaga quanto à necessidade de alterar seus processos de trabalho por conta da entrada em vigor do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022.

A previsão legal do ressarcimento ao SUS encontra-se no art. 32, caput, da Lei nº 9.656/1998, verbis:

Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS.

Não obstante o serviço de atendimento à saúde enquadrável no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, não esteja previsto no contrato no sentido de especificamente preestabelecido, tal como se dá com aqueles previstos no rol da ANS ou em cláusula contratual específica, ele decorre da existência de um contrato de plano de saúde, de um efeito que a lei passou a atribuir a um contrato de plano de saúde. Nesse sentido, está previsto no contrato, aqui “previsto” no sentido de “por causa do”, “devido a”, “por efeito de” etc.

Assim, em tese, o serviço de atendimento à saúde enquadrável no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, seria alcançável pelo instituto do ressarcimento ao SUS.

Entretanto, não se pode olvidar que o ressarcimento é precedido de processo administrativo, com contraditório, ou seja, no qual é cabível impugnação, que será julgada pelo Diretor da DIDES, com possibilidade de recurso para a DICOL.

Como já visto no presente parecer, entende-se que não cabe à ANS disciplinar os requisitos do dispositivo em comento, de forma que, sem essa competência, e possuindo o referido dispositivo conceitos indeterminados, cuja aplicação, sem regulamentação/regulação, gera uma série de questões, como reveladas pelas manifestações de DIFIS e DIPRO no presente processo, a ANS, no caso de ressarcimento, assim como se concluiu para a fiscalização, não tem parâmetros objetivos, claros e preestabelecidos para, no processo administrativo de ressarcimento ao SUS, julgar se estavam ou não preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, ou seja, se a cobertura era devida ou não in casu por força do dispositivo em questão.

Vale recordar trecho do que restou estabelecido na decisão do STF que julgou a constitucionalidade do art. 32 da Lei nº 9.656/1998 (ADI 1931/DF):

A par disso, a sistemática inaugurada pelo ato atacado, e complementada pela Instrução Normativa nº 54/2014, da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, assegura que o ressarcimento seja precedido de processo administrativo, com ampla defesa, contraditório e direito a recurso. Nesse processo, a empresa pode opor inúmeras circunstâncias ao reembolso, como a carência contratual, o inadimplemento do segurado e a execução da avença em regime de coparticipação. A responsabilidade do plano de saúde, portanto, não é absoluta, mas vinculada aos limites da cobertura contratual. Nada há de desproporcional no mecanismo.

Assim, qualquer tentativa de aplicação do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, sem parâmetros objetivos, claros e preestabelecidos que permitam o exercício do contraditório pelas operadoras, tornaria a responsabilidade do plano absoluta, o que seria desproporcional, considerando a visão do próprio STF.

Além disso, considerando, pelas razões já explicitadas no presente parecer, que o rol da ANS continua taxativo, entende-se que o quadro jurídico atual não recomenda qualquer mudança no processo de ressarcimento ao SUS como estabelecido na RN 502/2022 e nos processos de trabalho da DIGES.

Um ponto que merece ser abordado, no que tange aos requisitos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, é o fato de, diante de qualquer conceito jurídico indeterminado, haver sempre uma zona de certeza negativa (o que não é) e uma zona de certeza positiva (o que é), ou, nas palavras de Gustavo Binenbojm, “quando é possível identificar os fatos que, com certeza, se enquadram no conceito (zona de certeza positiva) e aqueles que, com igual convicção, não se enquadram no enunciado (zona de certeza negativa)” (Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito Administrativo. RJ: Renovar, 2006. p. 220).

Isso significa que, diante de conceitos jurídicos indeterminados, a ausência de regulamentação/regulação não afasta por completo a possibilidade de sua aplicação, sendo possível dar-lhes aplicação nas zonas de certeza e se abster de aplicá-los nas zonas de incerteza, de penumbra.

É verdade que, considerando tal manejo dos conceitos jurídicos indeterminados, e considerando a segurança jurídica e, como corolário, a não surpresa que deve nortear as ações da ANS em relação a consumidores, operadora e prestadores, poder-se-ia chegar à inusitada situação de a ANS acabar tendo de criar um “rol positivo do extrarrol” (que seria o que indiscutivelmente preenche os requisitos do dispositivo em estudo) e um “rol negativo do extrarrol” (que seria o que indiscutivelmente não preenche os requisitos do dispositivo em estudo), a fim de dar densificação ao dispositivo capaz de torná-lo passível de aplicação pela fiscalização ou pelo ressarcimento ao SUS.

Quanto a esse ponto, cabe a ANS verificar as possibilidades e reais utilidades de um proceder nesse sentido, levando-se em conta que, como destacado no Parecer nº 268, de 2022-PLEN/SF, sobre o PL nº 2.033/2022, que se transformou na Lei nº 14.454/2022, “com as mudanças trazidas pela Lei nº 14.307, de 3 de março de 2022, que modificou a sistemática de atualização do REPS – agora feita mediante a instauração de processo administrativo junto à ANS, por interessados na incorporação de terapias na saúde suplementar –, espera-se, à medida que o tempo passa, que a autorização de procedimentos que não estejam listados no rol seja cada vez menos necessária” (grifo nosso).

Por todo o exposto, conclui-se que:

1) O entendimento que vem sendo aplicado pela ANS quanto à sua competência para estabelecer a “amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar” resulta daquilo que se pode logicamente extrair dos próprios significantes constantes da lei e, assim sendo, é plenamente defensável, não obstante órgãos do judiciário e de defesa do consumidor possam adotar compreensões diferentes da questão, as quais não invalidam o entendimento adotado pela ANS, considerando a autonomia que foi legalmente conferida à agência (art. 1º, par. único, da Lei nº 9.961/2000 e art. 3º da Lei nº 13.848/2019).

2) Considerando que, desde a inclusão na Lei nº 9.656/1998 do § 4º do art. 10 pela MP nº 2.177-44/2001 até a recente redação que lhe foi conferida pela Lei nº 14.454/2022, não houve alteração vernacular que lhe afetasse o alcance e sentido, nenhuma alteração quanto ao entendimento sobre a taxatividade do rol se impõe à ANS.

3) O § 12, acrescentado ao art. 10 da Lei nº 9.656/1998 pela mesma Lei nº 14.454/2022, ao dizer que o rol “constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde” também não representou qualquer inovação vernacular, vez que apenas repete o que está no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000, o qual diz que “o rol de procedimentos e eventos em saúde ... constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656/1998”.

4) Antes da inclusão do § 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, o STJ, julgando Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp 1886929/SP), firmou decisão que corrobora o entendimento da ANS pela taxatividade do rol, admitindo, entretanto, a cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS de forma pontual, quando demonstrada a efetiva necessidade, por meio de prova técnica.

5) Embora, após tal decisão, o rol da ANS tenha passado a ser denominado de “taxativo mitigado”, a mitigação, na realidade, foi da competência da ANS para definir a amplitude da cobertura no âmbito da saúde suplementar, admitindo-se que a cobertura de um tratamento possa ser obrigatória, apesar de não prevista no rol da ANS (ou no contrato), em hipóteses excepcionais e restritas.

6) Diante da expressa previsão legal (§ 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022), certo é que a regra fundamental estabelecida na regulamentação da ANS segundo a qual, para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde, necessita de revisão. Mas não de revisão quanto ao caráter taxativo do rol.

7) Sugere-se redação que, salvo melhor juízo, deixa mais claro o que é dever e o que é faculdade da operadora, qual seja: “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, devendo, no entanto, as operadora de planos de assistência à saúde oferecer cobertura de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que nele não esteja previsto, desde que preenchido algum dos requisitos alternativos previstos nos incisos I e II do § 13 da Lei nº 9.656, de 1998, acrescentado pela Lei nº 14.452, de 2022, ou desde que expressamente previsto no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde, bem como podendo oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa”.

8) Conforme se extrai do Parecer nº 268, de 2022-PLEN/SF, do Senador Romário, Relator no Senado do PL nº 2.033/2022, que se transformou na Lei nº 14.454/2022, a intenção é conferir, preenchidos pelo menos um dos requisitos elencados no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022, direito a cobertura de procedimentos e serviços de saúde “sem pronunciamento da ANS”.

9) Nesse quadro, parece correto compreender que não foi conferida à ANS competência para disciplinar questões relativas ao preenchimento dos requisitos previstos no § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, acrescentado pela Lei nº 14.454/2022. Reforça essa compreensão o fato de o parágrafo em comento não conter previsão de regulamentação/regulação pela ANS de qualquer um dos elementos que compõem a regra de cobertura por ele estabelecida.

10) A regulamentação/regulação pela ANS de qualquer dos requisitos estabelecidos no dispositivo sob análise implicaria na realização de escolhas regulatórias com o efeito de ampliar ou reduzir o âmbito de casos concretos nos quais seria o novo dispositivo passível da aplicação, o que, salvo melhor juízo, significaria o exercício de uma competência que não se quis conferir à ANS.

11) O entendimento em sentido contrário, de uma “competência implícita” da ANS para a disciplina dessas questões, necessitaria da apresentação de forte e ampla justificativa nesse sentido, eis que o reconhecimento de qualquer competência implícita é sempre excepcional e deve ser amplamente justificada e ancorada em uma competência expressa.

12) Diante da ausência de critérios claros, objetivos e previsíveis em relação a diversos aspectos do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, incluído pela Lei nº 14.454/2022, cumpre entender que, enquanto não sobrevier regulamentação/regulação de qualquer aspecto relacionado à cobertura extrarrol por ele criada (que depende de decisão da DICOL após prévio exame de questões técnicas e jurídicas no âmbito de processo administrativo normativo), a fiscalização não terá como aplicar penalidades a partir de situações relacionadas ao referido dispositivo.

13) Qualquer tentativa de aplicação do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998, introduzido pela Lei nº 14.454/2022, sem parâmetros objetivos, claros e preestabelecidos que permitam o exercício do contraditório pelas operadoras no processo de ressarcimento ao SUS, tornaria a responsabilidade do plano absoluta, o que seria desproporcional, considerando a visão do próprio STF. Além disso, considerando, pelas razões já explicitadas no presente parecer, que o rol da ANS continua taxativo, entende-se que o quadro jurídico atual não recomenda qualquer mudança no processo de ressarcimento ao SUS como estabelecido na RN 502/2022 e nos processos de trabalho da DIGES.

14) Diante de conceitos jurídicos indeterminados, a ausência de regulamentação/regulação não afasta por completo a possibilidade de sua aplicação, sendo possível dar-lhes aplicação nas zonas de certeza e se abster de aplicá-los nas zonas de incerteza, de penumbra. É verdade que, considerando tal manejo dos conceitos jurídicos indeterminados, e considerando a segurança jurídica e, como corolário, a não surpresa que deve nortear as ações da ANS em relação a consumidores, operadora e prestadores, poder-se-ia chegar à inusitada situação de a ANS acabar tendo de criar um “rol positivo do extrarrol” (que seria o que indiscutivelmente preenche os requisitos do dispositivo em estudo) e um “rol negativo do extrarrol” (que seria o que indiscutivelmente não preenche os requisitos do dispositivo em estudo), a fim de dar densificação ao dispositivo capaz de torná-lo passível de aplicação pela fiscalização ou pelo ressarcimento ao SUS. Quanto a esse ponto, cabe a ANS verificar as possibilidades e reais utilidades de um proceder nesse sentido.

É, smj, o Parecer.

À consideração superior.

 

Rio de Janeiro, 07 de dezembro de 2022.

 

 

JOÃO PAULO PEREIRA DE SOUZA

PROCURADOR FEDERAL

MAT. 1380666

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 33910033056202251 e da chave de acesso 93a9a5c3

 




Documento assinado eletronicamente por JOÃO PAULO PEREIRA DE SOUZA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1054803882 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): JOÃO PAULO PEREIRA DE SOUZA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 07-12-2022 12:35. Número de Série: 77218269410488336199396275606. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.