ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 01014/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.147208/2020-43
INTERESSADOS: COMPANHIA CATARINENSE DE AGUA E SANEAMENTO CASAN E OUTROS
ASSUNTOS: ISENÇÃO. TAXAS
EMENTA: CONSULTA. ISENÇÃO DE RECEITAS PATRIMONIAIS. EMPRESA PÚBLICA. ARTIGO 2º, I, "B", DO DECRETO-LEI 1.876/1981. LIMITAÇÕES.
I - A isenção das receitas patrimoniais a empresas públicas e sociedades de economia mista, prevista no artigo 2º, I, "b", do Decreto-Lei 1.876/1981, é limitada às transferências imobiliárias para projetos habitacionais ou regularização fundiária. Precendente: PARECER n. 028/2015/DECOR/CGU/AGU .
II - Por tratar-se de institutos distintos, os benefícios previstos por lei à cessão de uso não podem ser estendidos aos que utilizam os imóveis por ato de inscrição de ocupação, face ao princípio da legalidade a que a Administração Pública está subordinada.
I - RELATÓRIO
A Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina submete para exame jurídico, o presente procedimento que trata de isenção de taxas de ocupação e laudêmio para a COMPANHIA CATARINENSE DE AGUAS E SANEAMENTO - CASAN, conforme consulta formulada na Nota Técnica SEI nº 50861/2022/ME.
A mencionada Nota Técnica aduz:
SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Trata-se de reanálise de pedido de isenção feito pela COMPANHIA CATARINENSE DE AGUAS E SANEAMENTO - CASAN, em 23/06/2020, no Pedido SC01652/2020 (8820955).
2. Os imóveis objetos da demanda são descritos:
2.1. Pelo RIP 8327000072286, com área de 368,20m², na Rua Heriberto Hulse, nº 200, em Barreiros, São José/SC, terreno de marinha, sob regime de ocupação.
2.2. Pelo RIP 8327000065743, com área de 364,00m², na Rua Heriberto Hulse, nº 218*, em Barreiros, São José/SC, terreno de marinha, sob regime de ocupação.
(...)
3. Os débitos em discussão, assim, são as taxas anuais de ocupação, código de receita 2090, havendo sido pagas até 2018, restando de 2019 a 2022 em cobrança.
4. A CASAN, CNPJ **.808.433/***-**, possui natureza jurídica de Sociedade de Economia Mista, conforme documentos copiados do Processo nº 10154.151615/2020-55, aqui nos Anexos 29505452 e 29505456.
5. Como lemos no Despacho 10557205, aprovado pelo Sr. Superintendente em 29/09/2020, o pedido de isenção foi indeferido, por não se vislumbrar enquadramento legal para a concessão do benefício em favor da empresa.
6. A questão restou judicializada, conforme Processo nº 10154.146750/2022-41 aqui relacionado.
7. Da Petição feita pela empresa em Juízo (27062200), extraio este item da pág. 3, como relevante a esta reanálise administrativa:
"Como instrumento estatal para atingir a tão pretendida universalização do saneamento básico e acesso à água potável em nosso país, in casu no âmbito catarinense, foi instalada uma Estação Elevatória, localizada na Rua Heriberto Hulse, n. 200 e 2018, no bairro Barreiros em São José/SC (matrículas do registro de imóveis em anexo), primordial para o bombeamento do esgoto coletado em boa parte da região continental para remessa a Estação de Tratamento de Esgoto no bairro Potecas. Referida estação elevatória margeia o mar, conforme descrição das matrículas juntadas, o que começou a gerar a cobrança de taxa de ocupação, via SPU, desde o ano de 2020 (anteriormente não ocorreu qualquer cobrança pela requerida, sendo que a estação elevatória está há décadas no local), conforme placa de inauguração:"
8. O Ofício 01093/2022/COREPAMNE/PRU4R/PGU/AGU (28156622) informou que "...foi deferida tutela de urgência, determinando à União que não exija a remuneração decorrente da taxa de ocupação pelas terras de marinha no local em que se encontra instalada a Estação Elevatória de Barreiros, e que se se abstenha de inscrever a Autora no CADIN, ou, se a inscrição já foi efetuada, que seja providenciada a sua imediata exclusão."
9. Consta agendada audiência de conciliação para a data de 17/11/2022, às 17h (28561726).
10. Passemos à análise.
ANÁLISE
11. As taxas anuais de ocupação se caracterizam por contrapartidas obrigatórias a esta utilização concedida na forma da lei 9.636/98:
"Art. 7o A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)" (grifos nossos)
12. Assim, é importante frisar que não procede a argumentação citada no item 7 acima, de que a SPU não haveria jamais, antes de 2020, lançado cobranças. Isso se comprova pelos Extratos nos Anexos 29512675 e 29535979 (débitos dos RIP) e 29512678 e 29536038 (créditos dos RIP). O primeiro débito lançado possuía data de vencimento em 30/04/1987, foi lançado em nome da CASAN e efetivamente pago, assim como todos os demais exercícios, até 2018.
13. Esclarecido este ponto, podemos voltar à reanálise aqui pretendida de todos os elementos que envolvem a hipótese de isenção para a empresa responsável, o que passa por verificar a natureza jurídica da empresa e por tratar do uso dado ao imóvel.
14. Parecia assistir razão ao NUREP, quando do indeferimento, ao não verificar enquadramento na legislação comum à isenção patrimonial, em virtude da ênfase que a Norma dá à situação de carência da maioria dos beneficiados pelo Legislador:
"Portanto, o pedido NÃO está em conformidade com o art. 2º, parágrafo único, do Decreto Lei nº 1.876, de 15 de julho de 1981, com redação dada pela Lei nº 11.481 de 2007 e pela Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017."
15. Entretanto, o Decreto Lei nº 1.876, de 15 de julho de 1981 trata de pessoas físicas em situação de carência. Já o art. 2º, ao tratar da isenção de laudêmio (valor cobrado para autorização transação onerosa), assim acrescenta:
" Art. 2o São isentas do pagamento de laudêmio as transferências de bens imóveis dominiais pertencentes à União:
I - quando os adquirentes forem:
a) os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como as autarquias e as fundações por eles mantidas ou instituídas; e
b) as empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos, nas transferências destinadas à realização de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social;
c) as autarquias e fundações federais;II - quando feitas a pessoas físicas, por qualquer das entidades referidas neste artigo, desde que vinculadas a programas habitacionais de interesse social.
Parágrafo único. A isenção de que trata este artigo abrange também os foros e as taxas de ocupação enquanto os imóveis permanecerem no patrimônio das referidas entidades, assim como os débitos relativos a foros, taxas de ocupação e laudêmios constituídos e não pagos até 27 de abril de 2006 pelas autarquias e fundações federais. (grifos nossos)
16. Aqui, nasce uma dúvida jurídica:
A parte final da alínea b do art. 2º criou uma condicionante aos 3 Entes ali arrolados ou apenas aos fundos públicos, notoriamente empregados em questões de regularização fundiária?
Se a resposta for pela condição imposta apenas aos fundos públicos, automaticamente as empresas públicas e as sociedades de economia mista teriam direito ao benefício da isenção?
17. Prosseguindo, temos ainda para este caso concreto a redação do art. 18 da Lei 9.636/98, debaixo da SEÇÃO VI - Da Cessão - Que assim traz:
"Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde;II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional. § 1o A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, aplicando-se, inclusive, em terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas que se enquadrem no inciso II do caput deste artigo.[...]§ 8o A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
18. Aqui, estamos diante de uma segunda dúvida jurídica:
Na Seção em que lemos o art. 18, §8º da lei 9.636/98, tratamos de utilização por instrumento de cessão. Contudo, aquela regra ali contida se aplicaria para uma instituição que faz exatamente o mesmo uso ali descrito de uma área da União, mas sob regime de ocupação?
A precariedade pela qual se caracteriza a inscrição de ocupação talvez a torne, para estes fins, análoga à cessão. Se pesado o valor defendido pelo Legislador, ficamos com a impressão de que poderia se aplicar a isenção, mas não nos é permitido concluir, tecnicamente, por envolver interpretação de normas.
(...)
RECOMENDAÇÃO
23. Proponho:
23.1. Envio dos autos à CJU, com as dúvidas jurídicas expostas nos itens 16 e 18 acima e
23.2. Envio ao NUREP para tratar, no processo nº 10154.146750/2022-41, dos débitos do RIP v, com a urgência que o caso requer.
(...)
Os autos vieram a esta Consultoria Jurídica da União especializada por meio de acesso externo ao sistema SEI acostado-se ao Sistema sapiens permissão ao acesso externo via link https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2470465&infra_hash=1fe69850e075401268f8bf54250c43e2 o qual contem os seguintes documentos:
8820949 | Anexo | 23/06/2020 | ||
8820950 | Anexo | 23/06/2020 | ||
8820951 | Anexo | 23/06/2020 | ||
8820953 | Anexo | 23/06/2020 | ||
8820954 | Anexo | 23/06/2020 | ||
8820955 | Requerimento | 23/06/2020 | ||
9598227 | Consulta | 31/07/2020 | ||
9598253 | Despacho | 31/07/2020 | ||
10557205 | Despacho | 16/09/2020 | ||
29505452 | Certidão Simplificada Digital | 11/11/2022 | ||
29505456 | Estatuto Social | 11/11/2022 | ||
29512675 | Anexo Débitos RIP 8327000065743 | 11/11/2022 | ||
29512678 | Anexo Créditos RIP 8327000065743 | 11/11/2022 | ||
29535979 | Anexo Débitos RIP 8327000072286 | 16/11/2022 | ||
29536038 | Anexo Créditos RIP 8327000072286 | 16/11/2022 | ||
29481534 | Nota Técnica 50861 | 10/11/2022 | ||
29580179 | Despacho | 17/11/2022 | ||
29591624 | Despacho | 17/11/2022 |
Em apertada síntese é o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Em relação à isenção questionada nos autos, pautada com fulcro no art. 2º, inciso I, alínea "b" e parágrafo único, do Decreto-Lei 1.876/81, verifica-se a seguinte redação:
"Art. 2o São isentas do pagamento de laudêmio as transferências de bens imóveis dominiais pertencentes à União: (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
I - quando os adquirentes forem:
a) os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como as autarquias e as fundações por eles mantidas ou instituídas; e
b) as empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos, nas transferências destinadas à realização de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) . (grifamos).
(...)
Parágrafo único. A isenção de que trata este artigo abrange também os foros e as taxas de ocupação enquanto os imóveis permanecerem no patrimônio das referidas entidades, assim como os débitos relativos a foros, taxas de ocupação e laudêmios constituídos e não pagos até 27 de abril de 2006 pelas autarquias e fundações federais. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) (grifos nosso).
Do teor dos dispositivos supra colacionados, verifica-se ser inconteste que a própria norma impõe, na parte final do inciso “b”, uma condição para a sua efetiva aplicação, advindo a interpretação de que o supracitado dispositivo impõe uma limitação para a concessão de isenção de aforamentos e taxas de ocupação para empresas públicas, sociedades de economia mista e os fundos públicos, qual seja, a de concedê-la somente quando as transferências forem para realizar programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, seja ela para quaisquer das três ali nominadas.
Nesse sentido, trazemos aqui trecho do pronunciamento da conceituada CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, no seu PARECER n. 00555/2018/EMS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, fazendo assim parte integrante desta manifestação:
"EMENTA: MINUTA DE PORTARIA. ATIVIDADE PORTUÁRIA. CANCELAMENTO DE DÍVIDAS. IMPOSSIBILIDADE. ISENÇÃO DE RECEITAS PATRIMONIAIS. EMPRESAS ESTATAIS. LIMITAÇÕES. FISCALIZAÇÃO DE IMÓVEIS. COMPETÊNCIA DA SPU. ATO DE OUTORGA. INEXIGIBILIDADE. MULTAS CONTRATUAIS. INDISPENSABILIDADE DA APROVAÇÃO DO EIA-RIMA. VIABILIDADE DA PROPOSTA.
I - Análise de minuta de portaria que regulamentará a destinação de áreas da União para atividade portuária pública e privada.
II - À míngua de previsão legal, não é possível o cancelamento de dívidas relativas a quaisquer receitas patrimoniais, ainda que os bens sejam utilizados por delegatários de portos públicos ou pelas Companhias das Docas.
III - A isenção das receitas patrimoniais a empresas públicas e sociedades de economia mista, prevista no artigo 2º, I, "b", do Decreto-Lei 1.876/1981, é limitada às transferências imobiliárias para projetos habitacionais ou regularização fundiária.
(...).
1. Trata-se de consulta formulada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para análise de minuta de portaria a ser publicada para revisão da Portaria SPU n° 404, de 28 de dezembro de 2012, especificamente no que diz respeito à destinação de áreas da União para a execução de atividade portuária pública e privada.
(...)
3. Desse modo, além da análise formal e material do texto encaminhado, a SPU solicita a manifestação desta Consultoria Jurídica quanto aos seguintes questionamentos:
1.1 Há amparo legal para o cancelamento das dívidas relativas a taxas de ocupação não pagas por delegatários de portos públicos e pelas Companhias Docas Federais? O mesmo se aplica aos foros e laudêmios?
1.2 Há amparo legal para isentar as Companhias Docas Federais de foros e laudêmios, equiparando-as às demais delegatárias e submetê-las ao mesmo encargo previsto no art. 3º, § 2º, da Lei n.º 9.277, de 1996?
(...)
Companhia das Docas e isenção de receitas patrimoniais
12. As Companhias Docas são sociedades de economia mista responsáveis pela administração de determinados portos organizados, que são aqueles bens públicos construídos para "atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária" (art. 2º, I, da Lei nº 12.815/2013).
(...)
15. Pois bem. O artigo 2º do Decreto-Lei 1.876/1981 confere isenção de pagamento de receitas patrimoniais nas seguintes situações:
(...)
16. Esta Consultoria Jurídica já analisou a amplitude da isenção das receitas patrimoniais a empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive demonstrando a distinção com o instituto imunidade tributária, cuja aplicação fora pleiteada pela Companhia Docas do Ceará. Confira-se trecho do PARECER n. 00174/2015/RMD/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU:
"A isenção prevista para o inciso I (entes federativos e suas autarquias e fundações) não se amolda a este caso, já que a CDC é uma sociedade de economia mista. No inciso II mencionam empresas públicas e sociedades de economia mista (além dos fundos públicos), mas a isenção só ocorreria se houvesse transferência de imóvel destinado para a realização de programa habitacional ou de regularização fundiária de interesse social. O inciso III também não adéqua ao caso. Portanto, o parágrafo único não pode ser interpretado isoladamente, pois ele deve guardar alguma relação com o artigo a que está vinculado.
O raciocínio utilizado pela Assessoria Jurídica da Secretaria de Portos expressamente afasta a incidência de imunidade tributária para a CDC pelo fato de o foro não ser tributo, mas receita patrimonial. O conceito de imunidade pode ser compreendido como uma proteção que a Constituição Federal confere aos contribuintes, constituindo uma hipótese de não incidência tributária constitucionalmente qualificada. Assim, ela é uma barreira que veda a instituição de tributos sobre algo ou alguém.
Já a isenção, tendo caráter tributário ou não, configura-se na dispensa legal do pagamento. Logo, o ente político tem competência para instituir/cobrar um valor creditício, mas, ao fazê-lo, opta por dispensar o pagamento em determinados casos. Portanto, opera no âmbito do exercício da competência.
A Assessoria Jurídica da Secretaria de Portos, embora afaste a imunidade, acaba utilizando uma interpretação analógica, tendo como sustentáculo a extensão de imunidade tributária, para isentar a CDC de pagamento do foto pelo fato de, mesmo sendo um ente privado, apresentar características de ente público. Também foi sustentado pelo órgão de assessoramento jurídico da Secretaria de Portos o fato de a CDC exercer um mister considerado como serviço público (o que a aproximaria de uma autarquia ou fundação pública). Essa dinâmica ocorreu ao tratar da isenção prevista no art. 2º, parágrafo único, do Decreto-lei 1.876/81.
A própria CRFB aduz que a imunidade tributária não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados. Fica evidenciada, portanto, a inviabilidade de aplicação do substrato jurídico da imunidade como pilar argumentativo para sustentar a isenção.
Afinal, a isenção relativa a receitas patrimoniais tem um regramento legal próprio, constituindo exceção à regra geral que obriga os ocupantes e foreiros de imóveis da União ao pagamento da contraprestação pecuniária. Sendo assim, tal exceção deve ser interpretada restritivamente, não se podendo ampliar seu alcance aplicando-se por analogia critérios relativos à imunidade tributária.
Deve ser destacado que a possibilidade de isenção prevista no Decreto-lei 1.876/81 para empresas públicas e sociedades de economia mista abrange apenas programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, o que, evidentemente, não é o tema deste processo. Dessa maneira, entendemos que utilizar o prisma analógico da imunidade para viabilizar a isenção do foro para a CDC é algo que não merece prosperar, haja vista estarmos diante de institutos diversos, além de haver disposições legais restritivas que garantem isenção.
Diante de tais fatos, concluímos pela impossibilidade de concessão de isenção do Decreto-lei nº 1.876/81 para a CDC, entendimento que contraria o que foi esposado pela Assessoria Jurídica da Secretaria de Portos. Assim, diante dessa controvérsia, acolhemos a proposta de remessa dos autos à Consultoria-Geral da União - CGU, a fim de que esta dirima a disparidade de entendimentos emanados.
17. O posicionamento deste órgão de assessoramento jurídico foi acolhido pelo Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União, por meio do PARECER n. 028/2015/DECOR/CGU/AGU, segundo o qual o artigo 2º do DL nº 1.876/1981 "só tem o condão de abranger os aforamentos e taxas de ocupação quando as empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos realizam programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, o que não é o caso presente".
Com efeito, o PARECER n. 028/2015/DECOR/CGU/AGU, aprovado por despacho n. 186/2015 do Senhor Consultor-Geral da União, portanto, vinculante a todos os órgãos integrantes da CGU/AGU, adota-se aqui as seguintes orientações:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. AFORAMENTO E TAXA DE OCUPAÇÃO.
I – Foro e taxa de ocupação integram a dívida ativa não tributária da Fazenda Pública, não sendo alcançados pelo instituto da imunidade tributária.
II – A isenção prevista no art. 2º do Decreto-Lei nº 1.876/81 não se aplica à hipótese de utilização de área pública por empresa estatal para a realização da sua atividade-fim.
III – Sugestão de provocação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal para a resolução do problema.
(Cod. Ement. 26.1)
(…)
19. Solicitou que fosse analisada a possibilidade de aplicação do instituto da imunidade tributária, em um primeiro momento, nos moldes em que foi agraciada com a imunidade do IPTU e, caso não fosse possível, alternativamente, que se verificasse a possibilidade de manutenção dos valores pagos com base nos anos anteriores a 2008.
(...)
21. No que diz respeito ao primeiro pedido, sobre a aplicação do instituto da imunidade tributária, a ASJUR/SEP se manifestou de forma desfavorável, uma vez que taxa de ocupação e aforamento não constituiriam tributo,
22. Realmente, nos termos do art. 39, § 2º da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, foros e taxas de ocupação, quando inadimplidos, integram a dívida ativa não tributária. Versa referido dispositivo o seguinte:
"Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979)
(...)
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979) (Destaque nosso.)"
23. Em relação à isenção tratada no art. 2º do Decreto-Lei nº 1.876/81, em que pese o esforço empreendido pela ASJUR/SEP para apontar uma saída em prol da CDC, entendemos que assiste razão à CONJUR/MP quando defende que a mesma só tem o condão de abranger os aforamentos e taxas de ocupação quando as empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos realizam programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, o que não é o caso presente.
24. Ante à possibilidade de ajuizamento de uma nova demanda judicial, sugerimos que seja recomendado à empresa verificar se não há condições de submeter a questão à CCAF.
25. A CCAF, nos termos do art. 18, III, do Anexo I do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, é o órgão desta AGU que tem por competência dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios.
-III-
26. Diante do exposto, opinamos que:
a) foro e taxa de ocupação integram a dívida ativa não tributária da Fazenda Pública, não sendo alcançados pelo instituto da imunidade tributária;
b) a isenção prevista no art. 2º do Decreto-Lei nº 1.876/81 não se aplica à hipótese de utilização de área pública por empresa estatal para a realização da sua atividade-fim; e (Ressaltamos).
27. Caso aprovada a presente manifestação, sugerimos que, ante à possibilidade de ajuizamento de uma nova demanda judicial, seja recomendado à empresa verificar se não há condições de submeter a questão à CCAF.”
Assim sendo, respondendo ao primeiro questionamento aposto na Nota Tecnica, verifica-se, portanto, já ser matéria pacificada no âmbito da Advocacia-Geral da União, de que a isenção prevista na parte final do art. 2º, inciso I, alínea "b" e parágrafo único, do Decreto-Lei 1.876/81, exige a condição para realizar programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, seja ela para quaisquer das três ali nominadas, isto é: empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos.
Quanto ao segundo questionamento: se em se tratando de COMPANHIA CATARINENSE DE AGUAS E SANEAMENTO - CASAN, logo companhia concessionária ou delegatária de serviço de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos, poder-se-ia aplicar por analogia a isenção da taxa de ocupação, em virtude de o §8º, art. 18 da Lei 9.636/98 dispor que as cessões nesses casos, podem se dar por dispensa de licitação e sob regime gratuito?
Pois bem, conforme narrado nos autos, a COMPANHIA CATARINENSE DE AGUAS E SANEAMENTO - CASAN utiliza os imóveis sob o regime de ocupação, instituto de utilização de imóvel da União diverso do previsto no art. 18, da Lei 9.636/98, qual seja, a cessão de uso.
Ambos os institutos - ocupação e cessão de uso - não se comunicam por possuirem regramentos distintos: enquanto o primeiro está previsto no art. 7º, o segundo está previsto no art. 18 da Lei 9.636/98. O primeiro configura-se em ato administrativo precário e resolúvel a qualquer tempo; já a a cessão de uso se configura por ato contratual. Para cada um, a Lei exige requisitos específicos, de forma que atrelada ao principio da legalidade, a Administração Pública só poderá estender qualquer benefício quando autorizado por lei.
A respeito, colha-se os ensinamentos expostos no PARECER n. 00802/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU:
"19. É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.
20. O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”.
21. A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.
22. O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas.
23. Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissum, não lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:
"Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)
(...)
26. Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles, abaixo reproduzido:
(...)
“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)
CONCLUSÃO
Por tudo exposto, opina-se que:
a) a isenção prevista na parte final do art. 2º, inciso I, alínea "b" e parágrafo único, do Decreto-Lei 1.876/81, exige a condição para realizar programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, seja ela para quaisquer das três ali nominadas, isto é: empresas públicas, as sociedades de economia mista e os fundos públicos;
b) por tratar-se de institutos distintos, os benefícios previstos por lei à cessão de uso não podem ser estendidos aos que utilizam os imóveis por ato de inscrição de ocupação, face ao princípio da legalidade a que a Administração Pública está subordinada.
É o parecer.
Devolvam-se ao órgão consulente com as considerações de estilo.
Brasília, 12 de dezembro de 2022.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
ADVOGADA DA UNIÃO
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