ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

PARECER n. 00028/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 04921.000523/2011-86.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA ECONOMIA/SECRETARIA ESPECIAL DE DESESTATIZAÇÃO, DESINVESTIMENTO E MERCADOS/SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - ME/SEDDM/SCGPU/SPU-MS) E MUNICÍPIO DE BRASILÂNDIA-MS.

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO DE IMÓVEL A UNIÃO COM ENCARGO. TERMO DE RERRATIFICAÇÃO DO INSTRUMENTO CONTRATUAL. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE
DIREITO PÚBLICO.  BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DOADO À UNIÃO. ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO COM ENCARGO. RERRATIFICAÇÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
I. Direito Administrativo. Licitações e contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres.
II. Escritura pública de Doação com encargo. Aquisição imobiliária mediante Escritura Pública (Título Aquisitivo).
III. Matrícula 7.153, Livro nº 2 - Registro Geral. Imóvel com área de 800,00 m² (oitocentos metros quadrados), doado pelo Município de Brasilândia-MS a União. INEXISTÊNCIA NO REGISTRO E NA AVERBAÇÃO DE QUALQUER REFERÊNCIA QUANTO A REPRESENTAÇÃO INDEVIDA/INADEQUADA DA UNIÃO.
IV. A aquisição imobiliária do imóvel mediante doação concretizada por meio de Escritura Pública (Título Aquisitivo) está regular sob o aspecto do arcabouço registral.
V. A RERRATIFICAÇÃO da Escritura Pública de Doação é inócua para efeitos de retificação do registro e averbação imobiliárias, pois ausente qualquer vício em relação à legítima e regular titularidade da União no tocante ao domínio (propriedade) do bem doado pelo Município de Brasilândia-MS.
VI. Questões suscitadas pelo Cartório do 1º Ofício de Registros Públicos e de Protestos de Títulos Cambiais da Comarca de Brasilândia-MS.
VII. Procedimento de dúvida levantado por cartório. Constitui atribuição do órgão de execução da Procuradoria-Geral da União (PGU) a representação da União nos procedimentos de dúvidas levantadas por cartórios junto ao Poder Judiciário.
VIII. A natureza administrativa da decisão emitida no procedimento de dúvida registral (art. 204 da Lei 6.015/1973 - LRP) não desnatura a condição da demanda judicial em extrajudicial.
IX. ORIENTAÇÃO EM TEMA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO. E-MAIL CIRCULAR 099/2020. NOTA JURÍDICA n. 01335/2019/PGU/AGU (NUP: 00405.005950/2019-96).
X. Valor de referência do imóvel doado: R$ 692.000,00.
XI. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.

 

 

I - RELATÓRIO

 

O Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio do OFÍCIO SEI 311993/2022/ME, de 16 de dezembro de 2022, assinado eletronicamente na mesma data (SEI nº 30336419), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) em 09 de janeiro de 2023, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.

 

Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a recusa do Cartório do 1º Ofício de Registros Públicos e de Protestos de Títulos Cambiais da Comarca de Brasilândia-MS em proceder a averbação do Termo de Retificação e Ratificação - Rerratificação (SEI nº 27739539) da Escritura Pública de Doação com Encargo (SEI nº 26734746), celebrada entre o MUNICÍPIO DE BRASILÂNDIA, pessoa jurídica de direito público interna, inscrito(a) no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) sob o nº 03.184.058/0001-20, na qualidade de doador, e a UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, na qualidade de donatário, referente ao imóvel com área de 800,00 (Oitocentos metros quadrados), localizado na Rua Bartolomeu Viana Cavalcante, nº 183, Bairro Jardim Camargo, Município de Brasilândia, Estado de Mato Grosso do Sul, cadastrado no Sistema de Gerenciamento  dos Imóveis de Uso Especial da União (SPIUnet) sob o Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) 9045.00003.500-8, registrado sob a matrícula 7.153, do Livro nº 02, do Cartório do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca e Município de Brasilândia, Estado de Mato Grosso do Sul, para construção da sede própria do Cartório da 41ª Zona Eleitoral do Município de Brasilândia-MS.

 

O processo está instruído com os seguintes documentos:

 

  PROCESSO/DOCUMENTO TIPO  
  20380405 Termo    
  20380407 Memorando    
  20380408 Matrícula    
  20380409 Anexo    
  20380410 Memorial    
  20380411 Anexo    
  20380412 Despacho    
  20380413 Anexo    
  20380414 Despacho    
  20380415 Anexo    
  20380417 Despacho    
  20380418 Anexo    
  20380419 Ofício    
  20380420 Despacho    
  20380421 Despacho    
  20380422 Despacho    
  20380424 Despacho    
  20380425 Planta    
  20380427 Memorial    
  21092057 Nota Técnica 60513    
  21182140 Ofício 338921    
  21241874 Despacho    
  21255736 E-mail    
  21328304 Matrícula    
  22209812 Relatório    
  23082177 Nota Técnica    
  25368023 Planta    
  25375295 Relatório    
  25376623 Relatório    
  25386832 Relatório de Valor de Referência de Imóvel 982    
  26562633 Termo    
  26566353 Extrato    
  26568931 Despacho    
  26670304 Despacho    
  26695898 Publicação    
  26699795 Despacho    
  26734746 Escritura    
  26735230 Lei    
  26739848 Espelho    
  26739878 Despacho    
  26762964 Despacho    
  26877872 Nota Técnica 34894    
  26906452 Despacho    
  26926607 Despacho    
  26927319 Minuta de Termo de Contrato    
  27099528 Ofício 220620    
  27104027 E-mail    
  27154163 Ofício    
  27600993 Ofício    
  27602616 Parecer    
  27739539 Termo    
  27741514 Despacho    
  27741706 Ofício 239211    
  27815546 E-mail    
  28235589 Nota    
  28570123 Ofício 264397    
  28577567 Despacho    
  28589751 E-mail    
  28833149 Aviso de Recebimento - AR    
  30246082 Nota Devolutiva    
  30322975 Nota Técnica 55704    
  30336419 Ofício 311993    
  30651452 E-mail    
  30776808 Comprovante  

 

 

II PRELIMINARMENTE FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionária da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.   

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever os seguintes fragmentos da Nota Técnica SEI 55704/2022/ME (SEI nº 30322975) elaborada pelo Núcleo de Destinação Patrimonial da  Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Mato Grosso do Sul (NUDEP/SPU-MS), na qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:

 

(...)

 

"SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Trata o presente processo, de doação com Encargos, feita pelo Município de Brasilândia/MS, à União, para uso Tribunal Regional Eleitoral neste Estado, de Retificação e Ratificação da Escritura Pública de Doação do lote de terreno urbano, com de área de 800,00 m², determinado pelo Lote C1-B da quadra C, Jardim Camargo, Brasilândia/MS; registrado sob a matrícula nº 7.153, livro 02, do Serviço de Registro de Imóveis de Brasilândia/MS.

 

ANÁLISE
2. No tocante à Escritura Pública de Doação lavrada em 22 de agosto de 2.008, Doc SEI nº 20380418, verifica-se incompatibilidade na indicação do representante legal da União Federal, de acordo com a Lei de Doação, uma vez que no ato da outorga da escritura pública de doação foi indicado, equivocadamente, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso do Sul como representante legal da União Federal, já que esse órgão é apenas vinculado à União Federal, sendo a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União,

 

3. Na escritura lavrada, constou como donatário a União - Tribunal Regional Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso do Sul, tendo sido a União indevidamente representada neste ato pela Excelentíssima senhora Dr. ROSÂNGELA ALVES DE LIMA FÁ­VERO, brasileira, casada, portadora da Cédula de Identidade RG. nº  1.5 05.380- SSP/MS. e inscrita no CPF. nº 775.181.369-53, Juíza da 41ª Zona Eleitoral de Brasilân­dia-MS., nomeada através da Portaria nº 262/08-PRE., expedida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, Gabinete da Presidência, assinado pelo Desembargador OSWALDO RODRIGUES DE MELO, Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, em data de 06 de junho de 2.008), caracterizando assim, a existência de vícios de nomeação do adquirente, e do representante legal da União, além da aceitação da liberalidade.

 

4. Portanto, não sendo o Presidente do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL a autoridade detentora da competência legal para dispor do patrimônio imobiliário da União ou conduzir os procedimentos para incorporação do imóvel recebido do Município de Brasilândia/MS, o vício de competência, poderá ser convalidado pela Autoridade Administrativa ante ao que determina o art. 55 da da Lei n° 9.784 , de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

 

(...)

 

5. Contudo, é necessário que se promova a regularização patrimonial, através da retificação e a ratificação do contrato de doação, observados os procedimentos da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 22, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2017, por seus arts. 2º, incisos XXXII e XXXIII, 5º e 46 a 49:

 

(...)

 

6. Na escritura lavrada, constatamos a existência de vícios de nomeação do adquirente, que deveria ter sido a União, de acordo com o Códogo Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2.002  artigo 41, uma vez que os Tribunais e/ou Ministérios são meros desmembramentos administrativos da União, de representação, e falta de aceitação da liberalidade de acordo com os artigos 538 e 539 do Código Civil Brasileiro:

 

7. Entretanto, verificou-se que no ato de outorga do supracitado instrumento de aquisição, houve erro na indicação do adquirente nomeado e, em consequência, no tocante à representação legal da União, não se  verificando,  ainda,  a  expressa  aceitação  da  liberalidade.

 

8. Ressalto, que a Lei autorizativa da doação feita pelo Município de Brasilândia/MS, especifica a obrigatoriedade da destinação do imóvel para Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

9. Ante ao exposto, no sentido de corrigir erro técnico-formal no título aquisitivo, Lavramos o Termo de Retificação e a Ratificação da Escritura Pública de Doação, DOC SEI Nº 27739539, visando corrigir a representação legal da União na incorporação do imóvel, onde o presente Termo passou a ser parte integrante da Escritura Pública de Doação, passando os dois instrumentos a constituir um todo único e indivisível, foi portanto, convalidado os atos de representação da União e de aceitação da doação com encargo praticados por autoridade incompetente, sanando vício de competência, relativos ao imóvel doado pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

10. Embora o Termo de Retificação e Ratificação lavrado por esta Superintendência tem força de Escritura Pública, de acordo com o disposto no art. 74, do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, Decreto-Lei nº 147, de 03 de fevereiro de 1.967, Art 13 e Decreto nº 9.745 de 08 de abril de 2.019, Art 102, pelos motivos expostos nas Notas Devolutivas do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Brasilândia/MS, Docs SEI 28235589, e 30246082, a Senhora Oficial daquele Cartório, recusou-se a fazer a averbação requerida.

 

11. Isso posto, proponho o encaminhamento à CJU/MS, para adoção das providências pertinentes junto ao Juízo competente daquela Comarca, visando solucionar o imbróglio surgido."

 

 

O artigo 172 prescreve que no Registro de Imóveis serão realizados o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

 

Todos os títulos apresentados a registro receberão um número de ordem protocolar (art.182), o qual determinará a prioridade do título (art. 186).

 

Já o inciso I do parágrafo 1º do artigo 176 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de1973, estabelece que cada imóvel terá matrícula própria (princípio da unitariedade matricial), que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência da referida lei. A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do título apresentado e do registro anterior se houver (art. 196).

 

Para melhor compreensão da matéria e do sistema registral brasileiro, considero relevante trazer a lume alguns conceitos e distinções entre a) matrícula imobiliária; b) registro imobiliário; c) título causal imobiliário e d) averbação:

 

a) Matrícula: é a inscrição numerada sequencialmente do imóvel, que o identifica e o especifica. A matrícula é o núcleo do registro imobiliário,[2] indica a individualidade rigorosa do imóvel. É aberta no nome do proprietário que tenha essa condição no momento de sua abertura, depois as transferências de propriedade constarão de registros ao pé da matrícula respectiva. Sua abertura é de iniciativa do oficial, enquanto o registro dotítulo causal e eventuais averbações são de iniciativa do interessado.

 

b) Título: é o documento que instrumenta o direito real, apresentado ao registro imobiliário. Dentre estes, extrai-se do artigo 221 da Lei de Registros Públicos i) as escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros; ii) escritos particulares autorizados em lei, assinado pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas iii)cartas de sentença, formais de partilha. Por outro lado, têm-se, em leis esparsas, outros documentos com força de escritura pública, como aqueles que definem o patrimônio imobiliário da União, visto adrede.

 

b.1) Segundo o magistério de Cristiano Chave de Farias,[3] em nosso sistema o título simplesmente serve de causa de futura aquisição de propriedade, pois nosso ordenamento jurídico, diversamente do francês, não reconhece força translativa aos contratos, devendo,assim, ser complementado por modo de aquisição do domínio que seria o registro de tal título no Serviço competente.

 

c) Registro: a função básica do registro imobiliário é constituir o repositório fiel da propriedade imóvel e dos negócios jurídicos a ele referentes, assim, só pode ser objeto de assento imobiliário o título que, por lei, seja obrigado a esse registro.

 

c.1) O objeto do registro é o título.[4] A eficácia do registro sempre será condicionada à validade do título, sendo correto afirmar que qualquer vício intrínseco no negócio jurídico originário poderá, a qualquer tempo, contaminar o registro, acarretando a perda da propriedade pelos adquirentes sucessivos. A aparência registral sempre estará sujeita à realidade jurídica.[5]

 

d) Averbação: é a ocorrência que, por qualquer modo, altere o registro (aquisição,modificação e extinção de direitos). Depende da existência da matrícula e do registro. O que se averba é o título.

 

 

Segundo lição de Serpa Lopes, a averbação "serve, em princípio, para tornar conhecida uma alteração da situação jurídica ou de fato, seja em relação à coisa, seja em relação ao titular do direito real. Representa, além disso, uma medida complementar, tendente a, pelo meio aludido, tornar o Registro de Imóveis um índice seguro do estado do imóvel, do seu desmembramento, da mudança de numeração, bem como da mudança de nome do titular do domínio, das alterações de possam influir na sua capacidade etc."[6]

 

Neste aspecto, reputo oportuno citar o ensinamento de José Manuel de Arruda Alvim Neto quanto ao alcance do ato acessório denominado averbação:[7]

 

"A expressão registro empregada pela norma sob comentário compreende tanto a inscrição quanto, de outro lado, a transcrição de um título.[8] Há, ainda, a averbação. Em princípio, os atos constitutivos de direitos reais são objeto de registro (conforme art. 167, inc. I) e os demais sujeitam-se à averbação (art. 167, inc. II).[9][10]

 

Adota-se, no Brasil, como regra, o sistema da inscrição, que consiste em extrair dos títulos a serem registrados os "dados fundamentais, indicadores de direitos envolvidos, imóveis a que são pertinente e pessoas com interesse no correspondente ato ou negócio jurídico.[11] Em algumas circunstâncias, todavia, o sistema adotado é o da transcrição, como se passa,por exemplo, nos loteamentos e incorporações de condomínio edilício, cujo registro exige o depósito de todos os documentos, em seu interior teor, ou, ainda, v.g., nos casos em que a integral transcrição do título é solicitada pelo interessado (art. 178, VIII, da Lei nº 6.015).[12]

 

Já averbação consiste no ato acessório decorrente de qualquer alteração havida no registro. Reside a sua importância na necessidade existente em dar publicidade à modificação havida na situação jurídica do bem (ou do direito real),ou em relação ao titular deste. Walter Ceneviva, com propriedade, explica: "A ocorrência que, por qualquer modo, altere o registro deve ser averbada ao pé daquele, dele sendo distinguida na forma do art. 232, esteja ou não incluída nas hipóteses do art. 167. (...) Pertinência com um registro dado e alteração dos elementos dele constantes são elementos justificadores da averbação. O que não modifique direito não é objeto do assentamento imobiliário. Exemplo bem característico é o dos protestos, notificações e interpelações judicias, que não são averbáveis à margem de registro existente".[13]

 

 

O artigo 221, inciso I, da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, estabelece que são admitidos registro as escrituras públicas, inclusas as de venda de imóvel, sendo que o artigo 222,preceitua que em todas as escrituras e em todos os atos relativos a imóveis, bem como nas cartas de sentença e formais de partilha, o tabelião ou escrivão deve fazer referência à matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório.

 

No âmbito da gestão patrimonial da União, a Instrução Normativa SPU 22, de 22 de fevereiro de 2017, que dispõe sobre os procedimentos técnicos e administrativos que regularam a aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis de nome da União. conceitua matrícula (art. 2º, inc. XXIII) como sendo o lançamento numerado efetuado pelo Registrador de Imóveis no livro 2 do cartório, denominado Livro de Registro Geral, que cadastra o imóvel descrevendo-o fisicamente e nominando seu proprietário.

 

registro (art. 2º, inc. XXIX) é definido como o lançamento numerado e sequencial efetuado na folha do livro 2 do cartório de registro de imóveis, logo abaixo do lançamento da matrícula, indicando resumidamente os negócios jurídicos de constituição, extinção e transferência dos direitos reais que recaem sobre o imóvel matriculado. Já a averbação (art. 2º, inc. IV) é conceituada como o lançamento numerado e sequencial, indicando resumidamente os atos e outras ocorrências que por qualquer modo altere a matrícula ou os dados nela constantes.

 

Ao analisar a matrícula 7.153, Livro nº 2 - Registro Geral (SEI nº 20380408), do imóvel com área de 800,00 m² (oitocentos metros quadrados), doado pelo Município de Brasilândia-MS a União, constata-se que no registro e especialmente na AVERBAÇÃO INEXISTE QUALQUER REFERÊNCIA QUANTO A REPRESENTAÇÃO INDEVIDA/INADEQUADA DA UNIÃO pela Juíza da 43ª Zona Eleitoral da Comarca de Brasilândia-MS.

 

Com efeito, a aquisição imobiliária do imóvel mediante doação concretizada por meio de Escritura Pública (Título Aquisitivo) está regular sob o aspecto do arcabouço registral, assim como a respectiva incorporação[14] do bem ao patrimônio imobiliário da União. Constata-se, em síntese, que a RERRATIFICAÇÃO da Escritura Pública de Doação é inócua para efeitos de retificação do registro e averbação imobiliárias, pois ausente qualquer vício em relação à legítima e regular titularidade da União no tocante ao domínio (propriedade) do bem doado pelo Município de Brasilândia-MS.

 

Entretanto, caso o órgão assessorado entenda necessário prosseguir na Rerratificação da Escritura Pública de Doação com Encargo (SEI nº 26734746) e diante  das questões aduzidas pelo Cartório do 1º Ofício de Registros Públicos e de Protestos de Títulos Cambiais da Comarca de Brasilândia-MS no OFÍCIO 93, de 31 de outubro de 2022 (SEI nº 30246082), recomendo manter interlocução junto à Procuradoria da União no Estado de Mato Grosso do Sul (PU-MS), órgão de execução da Procuradoria-Geral da União (PGU), objetivando a representação da União no procedimento de dúvida suscitado por Cartório de Registro de Imóveis junto ao Poder Judiciário, conforme ORIENTAÇÃO EM MATÉRIA/TEMA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO expedida pela Procuradoria-Geral da União por meio do E-MAIL CIRCULAR 099/2020 (documento PDF anexo), nos termos da NOTA JURÍDICA n. 01335/2019/PGU/AGU (NUP: 00405.005950/2019-96 - Sequência "58"), cuja cópia em documento PDF segue anexo a esta manifestação jurídica.

 

A ORIENTAÇÃO PATRIMONIAL está assim redigida no Sumário de Conhecimento, repositório oficial da Procuradoria-Geral da União (PGU):

 

Tema: Patrimônio da União;
Assunto: Competência para a atuação nos procedimentos de dúvida levantados por cartórios junto ao Poder Judiciário;
Ementa: Direito Administrativo. Conflito de atribuição. Procedimento de dúvida levantados por cartórios. Representação pelo órgão de execução da Procuradoria-Geral da União;
Abrangência: Nacional;
Situação/Momento Processual: Assim que intimado ou notificado o órgão da Advocacia-Geral da União para atuação;
Orientações: Cabe aos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União a representação da União nos procedimentos de dúvida levantados por cartórios junto ao Poder Judiciário. Isso porque a natureza administrativa da decisão emitida no procedimento de dúvida registral (art. 204 da Lei 6.015/1973 - LRP) não desnatura a condição da demanda judicial em extrajudicial, tanto é que o art. 202 da LRP enuncia a possibilidade de interposição de apelação da sentença judicial proferida em sede de dúvida registral, devendo este recurso ser julgado pela instância superior do Poder Judiciário, assim como todas as outras impugnações judiciais; (grifou-se)
NUP/Manifestações/Normas: 00567.005447/2017-16;
Id Sapiens: 485821287 (seq. 32), 545798185 (seq. 39), 546797667 (seq. 40), 548554864 (seq. 41), 567806956 (seq. 42), 580902404 (seq. 43).

 

 

Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos na rerratificação da Escritura Pública de Doação com Encargo, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) 7.[15]

 

Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.

 

Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) 7, cujo enunciado é o que se segue:

 

"Enunciado

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "20.", "21.", "22.", "23." e "24." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA AGU 72, de 07 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "B" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 49, de 08 de dezembro de 2022, que cria as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados, convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 10 do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Mato Grosso do Sul (SPU-MS) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS.

 

 

Vitória-ES., 17 de janeiro de 2023.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04921000523201186 e da chave de acesso 24eccfbc

 

Notas

  1. ^ "LEGALIDADE - A legalidade é o princípio fundamental da administração, estando expressamente referido no art. 37 da Constituição Federal. De todos os princípios é o de maior relevância e que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou. Tornou-se clássica a ideia lançada por HELY LOPES MEIRELLES, de rara felicidade, segundo o qual "na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal", concluindo que "enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei autoriza". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47.
  2. ^ CENEVIVA, Valter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 17ª Ed., atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 491.
  3. ^ FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 238.
  4. ^ FARIAS, Cristiano Chaves de. Ob. cit., p. 24.
  5. ^ FARIAS, Cristiano Chaves de. Ob. cit., p. 24.
  6. ^ LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos Registros Públicos. 4 Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962, V. IV, p.196
  7. ^ ALVIM NETO, José Manual de Arruda; CLÁPIS, Alexandre Laizo; CAMBLER, Everaldo Augusto. Lei de Registros Públicos Comentada: Lei 6.015/1973. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.544.
  8. ^ Nesta mesma compreensão, escreveu Orlando Gomes que "A nova lei dos registros públicos englobou na designação genérica de registro a inscrição e a transcrião a que se referem as leis civis" (Direitos reais. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, nº 98, p. 165, nota de rodapé 3).
  9. ^ Narciso Orlandi Neto. Retificação de registro de imóveis. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997, p.51.
  10. ^ Já para Afrânio de Carvalho, em classificação que não se nos afigura perfeita, "registro é um termo genérico que cobre vários termos específicos: inscrição, averbação, transcrição" (Afrânio de Carvalho. Registro de Imóveis. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 107). Temos para nós,todavia, que há de ser feita uma distinção, não devendo, a averbação (art. 167, II), vir a ser classificada como espécie, propriamente dita, de registro (art. 167, I). E é o próprio professor Afrânio de Carvalho quem elucida esse ponto, em sua obra, em uma passagem mais adiante: "à luz da sua causa tópica, descobere-se logo que a diferença [entre registro e averbação] consiste em que a inscrição existe por si, ao passo que a averbação depende, para existir, de anterior inscrição, visto como só se apõe verba a escrita preexistente. Ambas cobrem mutações jurídico reais,mais distinguíveis. Simplificando, cabe dizer que a inscrição protege toda aquisição - de propriedade, de direito real e de posição admonitória - ao passo que a averbação resguarda toda movimentação subsequente" (ob. cit. p. 132).
  11. ^ Cf. Walter Ceneviva. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, nº 393.
  12. ^ Cf. Walter Ceneviva. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 370, nº 415.
  13. ^ Cf. Walter Ceneviva. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 370, nº 415.
  14. ^ "INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU 22, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2017 (...) Art. 2º Para fins do disposto nesta IN considera-se: (...) XIX - incorporação: o conjunto de procedimentos, medidas e atos necessários ao cadastro e inserção nos sistema corporativos da SPU e nos Cartórios de Registro de Imóveis, de direitos reais ou possessórios sobre bens imóveis adquiridos pela União;" 
  15. ^ Manual de Boas Práticas Consultivas. 4ª Ed., revista, ampliada e atualizada. Brasília: AGU, 2006.



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