ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00111/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.146656/2022-95
INTERESSADOS: JOSE DE MORAES CORREIA NETO
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. ANULAÇÃO DE AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA
I - RELATÓRIO
Trata-se de processo encaminhado pela Superintendência do Patrimônio da União no Piauí - SPU/PI através do OFÍCIO SEI Nº 19727/2023/ME (31413410), datado em 05 de novembro de 2021 e assinado em 06 de fevereiro de 2023, para análise e manifestação acerca de dúvidas suscitadas na Nota Técnica SEI nº 3628/2023/ME (31327679).
O Órgão Assessorado objetiva esclarecimento de dúvidas quanto ao requerimento feito por José de Moraes Correia Neto pleiteando a anulação do Registro Imobiliário Patrimonial - RIP 1113.0100179-29 (30170457) e a anulação da Averbação AV-2/5.283, datada de 02/09/2014, constante na matrícula nº 5.283, Livro de Registro Geral nº 2-CI, fls. 025 (28063125), feita pela SPU/PI, na qual excluiu o particular como proprietário e titularizou a União.
Os autos encaminhados a esta e-CJU foram anexados ao Sistema Sapiens por meio de acesso externo ao Sistema SEI através da liberação dos link's:
1. <https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2575859&infra_hash=74303fbdabbf1512670ffae4edd49f81>, contendo os seguintes documentos:
2. <https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2576110&infra_hash=96ab2c3a11aba6419d04d786ff6d45ea>, contendo destacadamente os seguintes documentos:
É o relatório.
II - DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada, no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio dos textos das minutas dos contratos e seus anexos.
A função da Consultoria Jurídica da União é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar que o exame dos autos processuais se restringe aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, parte-se da premissa de que a autoridade competente se municiou dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
Nesse sentido vale lembrar que o Enunciado n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU recomenda que “o Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade”.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características e requisitos tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
Além disso, vale esclarecer que, em regra, não é atribuição do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Cabe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.
Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos bem como os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a priori, óbice ao desenvolvimento do processo.
Por fim, em relação à atuação desta Consultoria Jurídica, é importante informar que embora as observações e recomendações expostas não possuam caráter vinculativo, constituem importante instrumento em prol da segurança da autoridade assessorada, a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações, ressaltando-se, todavia, que o seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
III - DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Compulsando os autos, extraiu-se que o Órgão Consulente, por meio do Ofício n° 491/2014-SPU/MP, de 23 de junho de 2014 (28064303), solicitou ao Cartório do 1° Tabelionato de Notas e Ofício de Registros Públicos de Luís Correia/PI, retificação da Matrícula do terreno acrescido de Marinha, registrado sob o n° 5.283, Livro2-C1, fls. 25, em nome JOSE DE MORAES CORREIA NETO, para constar do registro a UNIÃO FEDERAL como proprietária do imóvel conforme transcrito:
(...)
... retificação da Matrícula 5.283, Livro2-C1, fls. 25, datada de 01/08/2003, fazendo constar como proprietária a União e como ocupante regularmente inscrito a empresa Maricultura Macapá Ltda, CNPJ n° 04.393.763/0001, tendo em vista a inobservância do art. 198, do Decreto-Lei n° 9.760, de 1946 e a ausência dos procedimentos legais para transações envolvendo imóveis da União na forma do parágrafo 2°, e art. 3°, do Decreto-Lei n° 2.398, de 21 de dezembro de 1987, com redação conferida pela Lei n° 9.636/98, dentre outra irregularidades.
Ressaltamos que o não atendimento por parte deste serviço cartorial poderá acarretar reclamação a ser dirigida a Corregedoria Geral da Justiça no Estado do Piauí.
Neste contexto, o referido Cartório procedeu com a averbação Av.2/5.283 em 02/09/2014, fazendo constar a União Federal como Proprietária e a empresa Maricultura Macapá Ltda como ocupante, conforme Registro Imobiliário Patrimonial 1113.0100179-29 (28064303).
Por seu turno, o particular Sr. José de Moraes Correia Neto, questionou o feito, juntando aos autos Escritura de Compra e Venda do imóvel, bem como, apresentou duas petições requerendo à SPU/PI:
Doc. SEI n° 28063125
(...)
a) o CANCELAMENTO da AV-2/5.283, datado de 02/09/2014, constante na matrícula nº 5.283, Livro de Registro Geral nº 2-CI, fls. 025;
b) a instauração de novo Processo Administrativo para apurar o motivo do cancelamento unilateral do RIP anterior em desfavor proprietário JOSÉ DE MORAES CORREIA NETO;
c) a notificação do procurador do requerente sobre quaisquer decisões constantes no processo ou eventuais diligências necessárias.
Doc. SEI n° 30456730
(...)
a) Envio de ofício ao cartório para solicitar o cancelamento das averbações anteriormente protestadas desfavoráveis à propriedade do sr. José de Moraes no imóvel de matrícula 5.283 na parcela que lhe cabe, pois desarrazoadas; b) A regularização da ocupação e a inscrição em RIP da área de 4.886,86 m² no imóvel de matrícula 5.283 (do total de 25.000 m²) em nome do sr. José Moraes, tendo em vista inexistir documento anterior de tal espécie que assegure seus direitos.
Destaca-se dentre os argumentos levantados pelo requente a VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, a NECESSIDADE DE CITAÇÃO PESSOAL DO INTERESSADO, os PROCEDIMENTOS DEMARCATÓRIOS DA UNIÃO OCORRERAM APÓS A AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE EM NOME DO PARTICULAR, e a SOBREPOSIÇÃO ENTRE O PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE CONCEDEU O RIP À MACAPÁ LTDA.
A SPU-PI, ao analisar os argumentos apresentados pelo requerente, proferiu o DESPACHO DECISÓRIO Nº 117/2023/ME (31018713), em 19 de janeiro de 2023, contendo a seguinte decisão:
1. Anular a decisão administrativa conferiu da inscrição de ocupação (RIP nº.1113.0100179-29) (Nota Técnica nº. 54912 (SEI nº. 30170457, item 19.2);
2. Determinar que seja oficiado o 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis (Tabelionato Manoel Barbosa) para que desconstitua as averbações requestada no ofício nº. 491/2014-SPU/MP, de 23 de junho de 2014, voltando-se ao status quo ante;
3. Determinar a instauração de novel processo administrativo em estrita observância ao devido processo legal administrativo.
Proceda-se às intimações de praxe ex vi do art. 26 da Lei 9.784/99.
Cumpra-se.
Diante do requerimento do particular e a decisão prolatada, o Núcleo de Destinação Patrimonial da SPU/PI, por meio da Nota Técnica SEI nº 3628/2023/ME (31327679), solicitou manifestação desta e-CJU, acerca "do cancelamento do RIP com ausência de Contraditório e Ampla Defesa para o atual ocupante, que vem ocupando a área desde 2001 e com suas taxas de ocupação em dia, e que foi inscrito como ocupante seguindo os trâmites da legislação, com processo instruído para tal fim", questionando ainda "se poderia ser desconstituída as averbações realizadas no Cartório. Dessa maneira, voltando à condição anterior, o particular iria voltar a ser proprietário de uma área que por lei pertence à União".
Passando a análise dos questionamentos, observa-se inicialmente que o teor do Ofício n° 491/2014-SPU/MP, de 23 de junho de 2014 (28064303), partiu da revisão da posição da Linha Preamar Média de 1981, "no trecho compreendido entre a cidade de Luiz Correia e a localidade de Carnaubinha, ambas as margens do Rio Portinho, nos municípios de Luiz Correia e Parnaíba, Estado do Piauí" (6443489), Processo n° 05059. 000774/2001-78, fls. 02.
O processo referenciado seguiu os ditames legais e administrativos referente a revisão e a demarcação da LPM/1981, comunicando a Procuradoria da Fazenda Nacional (Ofício 058/2001/GRPU-PI), o Município de Luiz Correia (Ofício n° 057/2001/GRPU-PI), a Procuradoria da República no Estado do Piauí (Ofício n° 059/2001/GRPU-PI), bem como a publicação do Edital n° 001/2001/GRPU/PI, no Diário Oficial do Estado do Piauí n° 190 (02.10.2001), n° 194 (08.10.2001) e n° 197 (11.10.2001), transcrito:
EDITAL N° 001/2001
Pelo presente, afixado e publicado segundo o disposto no art. 12 do Decreto-lei n° 9.760, de 5 de setembro de 1946, ficam convidados todos os interessados na revisão da determinação da posição da Linha Preamar Média de 1831 - LPM, no trecho compreendido entre a margem esquerda do rio Portinho, no Município de Parnaíba, seguindo pela lagoa do Portinho, atravessando a divisa dos Municípios de Parnaíba e Luiz Correia, passando pela cidade de Luiz Correia, seguindo pela praia do Italaia, praia Peito de Moça, praia do Barro Preto, praia do Coqueiro, praia do Itaqui, praia do Arrombado, lagoa do Sobradinho até a praia da Carnaubinha, no Município de Luiz Correia, Estado do Piauí, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da publicação deste, conforme estabelece o art.11 do decreto-lei, oferecer a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho acima indicado, a fim de possibilitar a melhor execução dos trabalhos demarcatórios, a cargo desta Gerência Regional.
Os interessados serão atendidos, nos dias úteis, das 9h00 às 17h00, na sede da Gerência regional localizada na Rua Gervásio Sampaio, 685 - Centro - Parnaíba.
Parnaíba-PI, 01 de junho de 2001.
Ao disciplinar a demarcação dos terrenos de marinha, o DECRETO-LEI Nº 9.760, DE 5 DE SETEMBRO DE 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.139, de 2015, quanto a notificação dos interessados, estabelece:
Art. 12-A. A Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão fará notificação pessoal dos interessados certos alcançados pelo traçado da linha demarcatória para, no prazo de 60 (sessenta) dias, oferecerem quaisquer impugnações. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
§º 1º Na área urbana, considera-se interessado certo o responsável pelo imóvel alcançado pelo traçado da linha demarcatória até a linha limite de terreno marginal ou de terreno de marinha que esteja cadastrado na Secretaria do Patrimônio da União ou inscrito no cadastro do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou outro cadastro que vier a substituí-lo. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
§ 2º Na área rural, considera-se interessado certo o responsável pelo imóvel alcançado pelo traçado da linha demarcatória até a linha limite de terreno marginal que esteja cadastrado na Secretaria do Patrimônio da União e, subsidiariamente, esteja inscrito no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) ou outro que vier a substituí-lo. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
§ 3º O Município e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no prazo de 30 (trinta) dias contado da solicitação da Secretaria do Patrimônio da União, deverão fornecer a relação dos inscritos nos cadastros previstos nos §§ 1º e 2º. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
§ 4º A relação dos imóveis constantes dos cadastros referidos nos §§ 1º e 2º deverá ser fornecida pelo Município e pelo Incra no prazo de 30 (trinta) dias contado da solicitação da Secretaria do Patrimônio da União.
§ 5º A atribuição da qualidade de interessado certo independe da existência de título registrado no Cartório de Registro de Imóveis. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
Art. 12-B. A Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão fará notificação por edital, por meio de publicação em jornal de grande circulação no local do trecho demarcado e no Diário Oficial da União, dos interessados incertos alcançados pelo traçado da linha demarcatória para, no prazo de 60 (sessenta) dias, apresentarem quaisquer impugnações, que poderão ser dotadas de efeito suspensivo nos termos do parágrafo único do art. 61 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
Ao estabelecer os procedimentos administrativos a serem adotados, no âmbito da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, nos processos de demarcação dos terrenos de marinha e dos terrenos marginais, a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 2, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2016, quanto às notificações, dispõe:
Da notificação pessoal dos interessados certos
Art. 34. A SPU solicitará ao Município e/ou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, por ofício (ANEXOS IX e X), a relação dos inscritos no cadastro do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU ou do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - CNIR, assim como dos respectivos imóveis, cuja reposta deverá ser fornecida no prazo de 30 (trinta) dias, contado da solicitação da SPU.
Parágrafo único. A SPU/UF deverá fornecer, anexado ao ofício, as plantas da demarcação, assim como listagem das ruas cobertas pelos terrenos de marinha ou marginais e seus respectivos acrescidos.
Art. 35. Para cumprimento do disposto no art. 12-A do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946, deverá ocorrer a notificação pessoal dos interessados certos (cadastrados na SPU ou no Município, se área urbana, e na SPU ou no INCRA, se área rural), cujos imóveis foram cobertos pela faixa de terreno de marinha ou terrenos marginais, e seus acrescidos, por meio de ofício para, no prazo de 60 (sessenta)dias, oferecerem impugnações (ANEXO XI e XII).
§ 1º A SPU/UF deverá fornecer, anexado ao ofício, as plantas da demarcação, assim como listagem das ruas cobertas pelos terrenos de marinha ou marginais e seus respectivos acrescidos.
§ 2º A SPU/UF enviará o ofício em papel acompanhado de Aviso de Recebimento - AR e, em caráter complementar, via correio eletrônico do SEI no processo administrativo da demarcação.
§ 3º Para os interessados certos não localizados deverá ser publicado edital (ANEXO XIII), em jornal de grande circulação no local do trecho demarcado e no Diário Oficial da União, para apresentação de impugnação no prazo de 60 (sessenta) dias.
Art. 36. Os Superintendentes poderão dotar as impugnações apresentadas de efeito suspensivo nos termos do parágrafo único do art. 61 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Parágrafo único. Uma vez deferido, o efeito suspensivo aplicar-se-á apenas à demarcação do trecho impugnado, salvo se o fundamento alegado na impugnação for aplicável a trechos contíguos, hipótese em que o efeito suspensivo será estendido a todos eles.
Seção II
Da notificação por edital dos interessados incertos
Art. 37. A SPU providenciará a publicação de notificação por edital (ANEXO XIV) dos interessados incertos, em jornal de grande circulação no local do trecho demarcado e no Diário Oficial da União, para apresentação de impugnação no prazo de 60 (sessenta) dias.” (grifos e destaques)
A previsão atual da notificação pessoal do interessado certo no procedimento demarcatório visa a impugnação do traçado do local dos terrenos de marinha pelo interessado, bem como, garantir o devido processo legal em âmbito administrativo, de modo a oportunizar a ampla defesa e o contraditório.
No ordenamento jurídico vigente, a Constituição ocupa o topo da hierarquia das regras jurídicas, consubstanciando a fonte de validade de todas as demais e, portanto, o fundamento do próprio sistema, sendo suas regras e princípios normas de natureza estruturante de toda a ordem jurídica estabelecida.
Já os princípios são dotados de força normativa e representam o mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce que se irradia sobre todas as normas, servindo também como critério de interpretação da ordem jurídica. Assim, o aplicador do Direito deve utilizar os princípios constitucionais como verdadeiros vetores a direcionar suas condutas a uma correta interpretação e aplicação das leis infraconstitucionais.
Sobre o princípio do devido processo legal, e os seus corolários princípios do contraditório e da ampla defesa, destaca-se o texto constitucional:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes. (negritei)
Verifica-se que a Constituição não deixa dúvidas ao consagrar garantias destinadas à defesa de posições jurídicas não só perante o Poder Judiciário, mas também perante a Administração Pública, devendo os processos administrativo e judicial oportunizar aos litigantes e acusados o amplo direito de defesa e o contraditório.
Quanto à necessidade de intimação dos atos que venham a resultar obrigações, ônus, sanções ou restrições aos administrados, Fernanda Marinela, na obra Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p -1060, doutrina que:
Os processos administrativos são públicos, estando seus atos sujeitos à divulgação oficial, ressalvado sigilo previsto em lei, conforme previsão do art. 5°, LX, da CF.
Os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse, estão sujeitos à intimação. Tal medida deve ser feita pelo órgão competente que cuida de sua tramitação, constituindo-se com a ciência no próprio processo, ou por via postal com aviso de recebimento, com telegrama ou ainda qualquer outro meio que atenda ao seu objetivo de levá-la ao conhecimento da parte. Já para os interessados indeterminados ou desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
No ato de intimação, devem constar as seguintes informações: identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa; finalidade da intimação; data, hora e local em que deve comparecer; se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar, informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento; indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
Quando se tratar de intimação para comparecimento, é indispensável a antecedência mínima de três dia úteis.
Caso a intimação não atenda as prescrições legais, será ato nulo, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.
Estando a parte intimada, a sua ausência e não apresentação de defesa não geram os efeitos da confissão ficta, isto é, não resultam no reconhecimento da verdade dos fatos, nem na renúncia do direito pelo administrado.
Importante grifar a proibição do art. 2º, parágrafo único, inciso XI, da Lei n. 9.784/99, quanto a cobrança de despesas processuais, permitindo somente as previstas em lei, o que na prática é muito comum, mesmo sem a autorização legal.
No presente caso concreto, o interessado ao questionar a necessidade de notificação pessoal nos procedimentos demarcatórios da união, argumenta que estes ocorreram após a aquisição de propriedade em nome do particular.
Desse modo o particular interessado e não notificado pessoalmente, apresentou requerimento à SPU/PI, questionando o teor da AV-2/5.283 decorrente do Ofício n° 491/2014-SPU/MP, conforme segue o recorte:
(...)
... o manifesto descabimento das atitudes tomadas por esta SPU ao não promover a regular intimação do Senhor José de Moraes sobre o andamento de tais procedimentos frente a entendimento jurisprudencial pacificado que preza pela citação pessoal.
Assim, faz-se necessária a instauração de novo Processo Administrativo com vistas à apuração dos motivos que levaram ao cancelamento do RIP anterior sem qualquer intimação do antigo proprietário.
Pois bem, consigno que o Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, em sede de medida cautelar deferida na ADI nº 4264 (DJE 25.03.2011), declarou à necessidade de intimação pessoal nos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha, como bem asseverado pelo requerente, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.481/2007. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OCORRÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
I - Ofende as garantias do contraditório e da ampla defesa o convite aos interessados, por meio de edital, para subsidiar a Administração na demarcação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831, uma vez que o cumprimento do devido processo legal pressupõe a intimação pessoal.
II - Medida cautelar deferida, vencido o Relator. (ADI 4.264 MC, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/2011, DJe-102. Publicação 30/05/2011).
No que pertine ao referido entendimento da Suprema Corte, cita-se ainda o entendimento do Ministro Cezar Peluzo, ao enfatizar que "os interessados são chamados a apresentar os documentos e títulos que tenham, com o propósito de demonstrar que a eventual linha pretendida pela União, por exemplo, pode invadir terreno particular".
Neste contexto, observa-se que eventual erro na alocação da linha pode desencadear restrição ao exercício de direitos, influenciando diretamente na perda da propriedade. Portanto, o ato requer notificação pessoal do interessado, facultando-lhe o direito de impugnar a demarcação.
A medida adotada pela SPU/PI, ao proceder com ato demarcatório sem a notificação pessoal do Sr. José de Moraes Correia Neto, cerceou lhe o direito de impugnar o traçado do local dos terrenos de marinha, padecendo o ato de vício de legalidade, o que macula de nulidade os atos subsequentes, entre os quais o cadastro no Registro Imobiliário Patrimonial sem a devida observância. Portanto, o cancelamento do RIP 1113.0100179-29 nos termos levantados na NT 3628 (31327679) é medida necessária para o curso do devido processo legal.
Quanto ao segundo questionamento "se poderia ser desconstituída as averbações realizadas no Cartório. Dessa maneira, voltando à condição anterior, o particular iria voltar a ser proprietário de uma área que por lei pertence à União", ressalta-se o DECRETO-LEI Nº 9.760, DE 5 DE SETEMBRO DE 1946, bem como, na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 2, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2016, citados nos itens 21 e 22 deste parecer. Ou seja, sem a devida participação dos particulares atingidos, a demarcação reconhecendo a propriedade da União Federal tornou-se questionável, devendo permanecer como propriedade do particular até que se demonstre o contrário.
Ressalta-se por fim, que o procedimento de demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos não atinge o direito de propriedade de particulares, pois não se pode retirar a propriedade de quem nunca a teve, bastando tão somente a União apresentar plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado, o que nos parece ter sido realizado no Processo n° 05059. 000774/2001-78 para compor a celeuma e prosseguir com a titularização da União sem ofender o Princípio Constitucional do Devido Processo Legal.
IV - CONCLUSÃO
Ante o exposto, nos limites da consulta formulada, considerando que a orientação promovida por este consultivo especializado é quanto ao controle de legalidade da Administração, não implicando conferência de documentos, matérias de cálculo, técnicas ou financeiras, ou mesmo deliberação, que é prerrogativa do gestor público, recomenda-se o encaminhamento da presente manifestação jurídica ao órgão consulente, com as ponderações feitas acima, por entender que restaram dirimidas as dúvidas jurídicas apresentadas pelo órgão patrimonial no bojo da Nota Técnica SEI nº 3628/2023/ME (31327679), motivo pelo qual se sugere a devolução do feito para a SPU/PI.
Brasília, 22 de fevereiro de 2023.
JOÉLIA DE LIMA RODRIGUES
ADVOGADA DA UNIÃO CJU-RR/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739146656202295 e da chave de acesso 1d40e0fc