ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 23/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 72031.000922/2023-65

INTERESSADA: Ministra de Estado da Cultura

ASSUNTO: Tombamento. Homologação ministerial.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL.
I - Ato administrativo. Servidão administrativa. Tombamento. Processo nº 0943-T-1976, no IPHAN.
II - Minuta de portaria da Ministra de Estado da Cultura que homologa o tombamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição da Ilha de Araçatuba, no município de Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. Processo administrativo previamente analisado pela procuradoria do IPHAN.
III - Regularidade formal da portaria de homologação. Recomendações para o exercício do poder de supervisão ministerial sobre os regulamentos do IPHAN para processos de tombamento.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Cuidam os presentes autos de minuta de portaria da Ministra de Estado da Cultura (SEI/MinC 0929338) que homologa, para os efeitos do Decreto-lei nº 25/1937, o tombamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição da Ilha de Araçatuba, no município de Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, que já se encontra em sua segunda retificação, tendo em vista a extensão da área total tombada procedida pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (CCPC) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O tombamento em questão, já nos novos termos da retificação, foi aprovado pelo CCPC/IPHAN em sua 76ª reunião, ocorrida em 11 de setembro de 2014, e conduzido no bojo do  Processo de Tombamento nº 0943-T-1976 (processo administrativo nº 01450.004930/2018-34 no âmbito do IPHAN), anexado aos presentes autos nos docs. SEI/MinC 0905223 e 0905237. A ata da referida reunião do CCPC na qual foi aprovado o tombamento do novo polígono da área tombada, encontra-se às fls. 541 a 569 do referido processo, sendo que a deliberação em questão encontra-se especificamente na página 568 (linhas 1831 a 1883 da ata).

A proposta de tombamento foi encaminhada pelo Presidente do IPHAN à Ministra de Estado da Cultura por meio do Ofício nº 177/2023/GAB-PRESI/PRESI-IPHAN (SEI/MinC 0929340; SEI/IPHAN 4136867). Os autos e seus anexos foram encaminhados a esta Consultoria Jurídica pela Secretaria-Executiva por meio do Ofício nº 350/2023/GSE/GM-MinC (SEI/MinC 0929341), solicitando parecer jurídico sobre o tombamento em si, bem como sobe a minuta de portaria homologatória apresentada.

É o relatório. Passo à análise.

​A homologação de ato de tombamento de patrimônio histórico pela Ministra de Estado da Cultura procede-se por meio de portaria, ato administrativo em sentido estrito, de efeitos concretos, sem caráter propriamente normativo. Logo, não se encontra a minuta sujeita aos requisitos do Decreto nº 9.191/2017, o que torna opcional a utilização de ementa, entre outros aspectos formais adotados na proposta.

Contudo, no que tange aos fundamentos de validade do ato, observo, particularmente quanto ao seu fundamento constitucional, que o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição refere-se às competências normativas dos Ministros de Estado, o que não se aplica ao caso em exame, que trata do exercício de competência administrativa homologatória de decisão proferida por autarquia sujeita a sua supervisão. Logo, recomenda-se a seguinte redação para o preâmbulo:

A MINISTRA DE ESTADO DA CULTURA, no uso das atribuições conferidas pelo inciso I do parágrafo único do art. 87 da Constituição e pelo art. 1º da Lei nº 6.292, de 15 de dezembro de 1975, e tendo em vista o parecer do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural proferido em sua 76ª reunião ordinária, ocorrida em 11 de setembro de 2014, RESOLVE:

Com relação aos demais requisitos do ato administrativo, verifica-se que a Ministra de Estado da Cultura é a autoridade competente para a homologação, nos termos da Lei nº 6.292/1975, citada no preâmbulo. Além disso, o objeto é adequado ao instituto jurídico do tombamento, uma vez que se trata de bem material, cujo valor cultural é já reconhecido pelas instâncias competentes do IPHAN, na forma da lei.

Com relação ao processo administrativo que conduziu à aprovação do tombamento pelo CCPC/IPHAN, foi instruído com farta documentação pela Superintendência Regional e pelo Departamento de Patrimônio Material (DEPAM) da autarquia. Da documentação, denota-se que as inscrições nos livros do Tombo Histórico e do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico são adequadas à tutela pretendida, não apenas no que se refere às ruínas do Forte de Nossa Senhora da Conceição, situadas na Ilha de Araçatuba, mas de toda a paisagem ao sul da Ilha de Santa Catarina no entorno do forte, o que abrange uma série de outros elementos paisagísticos e arquitetônicos, a saber: a própria Ilha de Araçatuba, parte da Ilha do Papagaio Grande, a Ponta dos Naufragados, o Forte Marechal Moura e o Farol dos Naufragados.

Ocorre que, da forma como a retificação do polígono do tombamento foi levada ao CCPC, várias áreas particulares no entorno dos fortes e do farol passaram a ser atingidos pelas restrições impostas pelo tombamento, o que deu ensejo a diversas impugnações. As impugnações opostas por particulares apontaram, em síntese, violações ao devido processo legal, na medida em que tais proprietários não teriam sido pessoalmente notificados do tombamento provisório, que dá início ao processo de tombamento perante terceiros, na forma do art. 9º do Decreto-lei nº 25/1937.

Conforme disposto no art. 17 do Decreto-lei nº 25/1937, bens tombados não podem ser destruídos, demolidos ou mutilados, nem sequer podem ser reparadas, pintadas ou restauradas sem autorização prévia do IPHAN, o que em tese pode caracterizar o tombamento como servidão administrativa, conforme as restrições que sejam impostas no ato que o concretiza.

​Embora o tombamento bens imóveis possa também se caracterizar como mera limitação administrativa, quando não imponha ônus reais aos imóveis, mas meras sujeições genéricas e abstratas a condições que não afetam concretamente seu uso, gozo ou fruição, é certo que, em regra, o tombamento histórico e artístico consiste em servidão que afeta o bem tombado de forma individualizada, impondo restrições que impedem a fruição integral do direito de propriedade, tanto no que se refere aos bens localizados no polígono do tombamento, quando naqueles localizados no polígono do entorno, que quando também é delimitado, atrai a incidência do art. 18 do Decreto-lei nº 25/1937.

Em se tratando de servidão administrativa, é certo que o tombamento tem potencial de depreciar o valor dos imóveis situados na área a ser tombada, em face da restrição imposta sobre o direito de edificação. Contudo, tal circunstância precisa ser avaliada em concreto, uma vez que o oposto também pode ocorrer, acarretando o tombamento substancial valorização, não obstante as restrições que lhe são inerentes.

Ademais, quando o tombamento não se dá de forma individualizada sobre um determinado bem, mas sobre um conjunto arquitetônico ou paisagístico (como ocorre no presente caso), a generalidade das restrições impostas uniformemente a todos os proprietários dos imóveis da região pode vir a ser caracterizada como mera limitação administrativa, ainda que não provenha de lei em sentido estrito, mas de ato administrativo. Todavia, é importante ressaltar que o simples fato de um tombamento ser de um conjunto arquitetônico, e não de imóvel individualizado, não é, por si só, o bastante para descaracterizá-lo como servidão administrativa. Em regra, pelos efeitos que produz, e pela natureza usual de ato administrativo de efeitos concretos, trata-se de servidão e, portanto, exige o devido processo legal com ampla defesa a todos os interessados certos potencialmente afetados, isto é, todos que sejam identificáveis pelo título de propriedade.

Conforme previsto no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.784/1999, toda intimação em processo administrativo deve conter a identificação do interessado e lhe assinalar prazo razoável para manifestação. Em seu § 3º, o referido artigo ainda ressalta que a intimação pode ser feita por vários meios, "desde que assegure a certeza da ciência do interessado". Em seu § 4º, o referido artigo estabelece claramente que a intimação por meio de edital apenas pode ser realizada no caso de interessados "indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido", o que não se aplica ao caso em exame.

Não resta dúvida, portanto, de que a previsão de intimação por edital no regulamento do IPHAN sobre tombamento, por se tratar de regra que não diferencia interessados certos de incertos, não encontra guarida no atual ordenamento jurídico constitucional. E, não tendo sido recepcionada pela Constituição de 1988, não é a intimação editalícia uma opção discricionária do poder público, como sugere o art. 15 da Portaria nº 11/1986/SPHAN.

Entretanto, examinando o caso concreto que se apresenta nos autos, verifica-se que os interessados, embora não tenham sido efetivamente notificados por meio de intimação pessoal, manifestaram-se no processo e puderam exercer seu direito à ampla defesa, tendo sido suas razões rejeitadas no mérito pelo CCPC. Neste sentido, é relevante destacar que o próprio art. 26 da Lei nº 9.784/1999, em seu § 5º, que "as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade".

Portanto, considerando que os interessados tiveram oportunidade de apresentar suas impugnações, e que tais impugnações foram efetivamente juntadas aos autos e consideradas na decisão do CCPC/IPHAN, reputa-se convalidada a nulidade arguida, e viabilizada a finalização do tombamento por meio da homologação ministerial e posterior inscrição nos respectivos livros do tombo.

Porém, é importante anotar que, em tese, o tombamento em questão ainda estará sujeito a impugnação de eventuais outros interessados que, não intimados pessoalmente, somente em momento posterior tomem conhecimento das restrições administrativas impostas, quando estes eventualmente se sujeitem ao poder de polícia fiscalizatório do IPHAN. Em tal hipótese, o ato de tombamento estará fragilizado e sujeito a anulação parcial ou cancelamento na forma do art. 19, § 2º, do Decreto-lei nº 25/1937, caso demonstrado o prejuízo patrimonial.

​Ante o exposto, sugiro o encaminhamento dos autos ao Gabinete da Ministra de Estado da Cultura, reputando regularmente saneado o processo de tombamento em exame, e viabilizada a publicação de portaria homologatória, conforme minuta apresentada pelo IPHAN, observados os ajustes no preâmbulo apontados no § 6 do presente parecer.

Por oportuno, recomenda-se ainda que este ministério, no uso de suas atribuições de supervisão e tendo em vista sua competência homologatória em processos de tombamento, promova tratativas com o IPHAN a fim de avaliar a possibilidade de criação de grupo de trabalho com vistas a uma revisão geral da Portaria nº 11/1986/SPHAN, e do próprio Decreto-lei nº 25/1937, a fim de adequar seus procedimentos ao ordenamento jurídico constitucional vigente.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 20 de março de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


Processo eletrônico disponível em https://supersapiens.agu.gov.br por meio do NUP 72031000922202365 e da chave de acesso b611e4a4




Documento assinado eletronicamente por OSIRIS VARGAS PELLANDA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1122898587 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): OSIRIS VARGAS PELLANDA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 20-03-2023 17:02. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.