ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS


 

PARECER n. 00016/2018/DECOR/CGU/AGU

 

NUP: 00400.001584/2017-84

INTERESSADOS: RIO SUL LINHAS AEREAS S A

ASSUNTOS: SÓCIO / ACIONISTA

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. ART. 37, XX, CRFB. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. DISPENSA DE LICITAÇÃO. DIREITO EMPRESARIAL PÚBLICO. REGIME JURÍDICO HÍBRIDO DAS EMPRESAS PÚBLICAS. OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO.  NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO EM LEI PARA DETERMINADOS ATOS EMPRESARIAIS. ECT. PECULIARIDADES NORMATIVAS. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 24, XXIII, DA LEI Nº 8.666/93INVESTIMENTOS. PARTICIPAÇÕES MINORITÁRIAS E SUAS IMPLICAÇÕES.
É juridicamente inviável a dispensa de licitação para a contratação de sociedade empresária da qual as estatais detenham apenas participação acionária, desprovida de controle acionário (mais de 50% das ações com direito a voto), para fins de incidência do art. 24, XXIII, da Lei n. 8.666/93. Por outro lado, o entendimento não impacta os investimentos por empresas estatais que contam com autorização legislativa prévia genérica ou específica para concretizá-los, caso da ECT.

 

Excelentíssimo Coordenador-Geral,

 

I - RELATÓRIO

 

De acordo com os autos, a controvérsia jurídica diz respeito à aquisição parcial das ações da Rio Sul Linhas Aéreas S/A pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que, por sua vez, não encontrou guarida no âmbito do Tribunal de Contas da União, tendo em vista o constante do recente Acórdão 2472/2017 - TCU-Plenário. O fundamento impeditivo principal é que se tratava de participação inferior a 50%, para fins de propiciar a posterior contratação daquela sociedade de economia mista com dispensa de licitação.

A CONJUR-MC/CGU/AGU, no PARECER n. 1589/2012/LBC/CGNS/CONJUR-MC/AGU,  entendeu que o § 3º do art. 1º do Decreto-Lei 509/1969, cuja redação fora alterada pela Lei n. 12.490/2011, permitiu que a ECT realizasse a aquisição de participação acionária minoritária em outras sociedades empresárias privada. No caso, a sociedade empresária que se pretendia adquirir participação tem 99% de sua capacidade operacional dedicada ao transporte de carga dos Correios.

Dessa maneira, com base art. 24, inciso XXIII, da Lei nº 8.666/93, poderia contratar diretamente, por dispensa de licitação, a aquisição de bens ou a prestação de serviços de suas subsidiárias e controladas. A contratação, segundo a unidade consultiva, é viável quando há o exercício de controle em virtude de acordo de acionistas, ainda que a ECT detenha participação minoritária. 

Ademais, aduziu que deveriam ser observados os demais requisitos legais, mormente a compatibilidade do preço com o praticado no mercado, pertinência temática entre o objeto da contratação e o objeto social das entidades, à luz do Enunciado nº 265 da Súmula do Tribunal de Contas da União.

O DEAEX/CGU, de outra banda, manifestou-se no sentido de que a interpretação é inadequada, uma vez que na prática seria viabilizada uma "desestatização tácita" de parte da estatal, ou seja, a sociedade empresária privada passaria a ser parcialmente pública, porém sem configurar uma estatal, por não haver controle acionário (aquisição acionária inferior a 50%). Assim, continuaria a ser uma sociedade empresária privada como quaisquer outras, todavia com aporte de recursos públicos e sem as derrogações de direito público aplicáveis às estatais.

Informa que a própria CONJUR-MC realçou aspectos que reafirmam a necessidade de se interpretar o tema consoante a premissa de não-intervenção estatal no domínio econômico, bem como de preservação das regras de direito público aplicáveis às estatais (art. 173, da CF). São pessoas jurídicas de direito privado, entretanto com subserviência a algumas regras de direito público.

O fato de a Rio Sul Linhas Aéreas S/A ter 99% de sua capacidade operacional dedicada ao transporte de carga do Correio fora sublinhado pelo DEAEX/CGU, especificamente como indício de que a opção por adquirir participação minoritária ou majoritária estava focada apenas em viabilizar uma espécie de dispensa de licitação eterna com quem presta serviços apenas para a ECT, afora a não submissão às regras de direito público por parte da sociedade de economia mista.

Por fim, propôs a formalização de Orientação Normativa que expresse a inviabilidade de dispensa de licitação para contratar sociedade empresária da qual o ente detenha apenas participação acionária de estatais, de modo a exigir o controle acionário - mais de 50% das ações com direito a voto - para a incidência do art. 24, XXIII, da Lei n. 8.666/93.

A posição daquele Departamento pode ser extraída tanto da Nota n. 00017/2017/DEAEX-ADV/CGU/AGU, quanto da Nota n. 00021/2017/DEAEX-ADV/CGU/AGU, esta última exarada após a oitiva da CONJUR-MC. 

 

É o relatório. Passa-se à fundamentação. 

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

De saída, é imperioso assentar que o art. 37, XIX e XX, da CF, previu que somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação, assim como depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas e a participação de qualquer delas em empresa privada.

No caso da ECT, transcreva-se a autorização presente no DL nº 509/69, reafirmada pela Lei nº 12.490/11:

 

Art. 1º - O Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) fica transformado em empresa pública, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT; nos termos do artigo 5º, item II, do Decreto lei nº.200 (*), de 25 de fevereiro de 1967. (Vide Decreto-Lei nº 200, de 25.2.1967)
(....)
§ 3º Para a execução de atividades compreendidas em seu objeto, a ECT poderá: (Incluído pela Lei nº 12.490, de 2011)
I - constituir subsidiárias; e (Incluído pela Lei nº 12.490, de 2011)
II - adquirir o controle ou participação acionária em sociedades empresárias já estabelecidas. (Incluído pela Lei nº 12.490, de 2011)
(....)
§ 6º A constituição de subsidiárias e a aquisição do controle ou participação acionária em sociedades empresárias já estabelecidas deverão ser comunicadas à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contado da data da concretização do ato correspondente. (Incluído pela Lei nº 12.490, de 2011)
 

Dessa forma, percebe-se que houve a autorização legislativa para adquirir a participação acionária em sociedades empresárias privadas já estabelecidas, ainda que minoritária. Não há regramento legal que impeça este tipo de aquisição por parte da ECT, fundada em permissão jurídica deliberadamente genérica em prol de determinadas estatais. Em outras palavras, algumas podem praticar o fenômeno da associação empresarial (expressão genérica), sem necessidade de autorização legal prévia de cada participação em sociedades empresárias privadas.

Por outro lado, os referidos comandos normativos têm implicações em face do regime licitatório, porquanto o legislador ordinário previu hipótese de dispensa de licitação no art. 24, XXIII, da Lei nº 8.666/93 para contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. 

Frisa-se, por oportuno, que durante a tramitação do processo neste Departamento esvaiu-se o lapso temporal previsto no art. 91 da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16), segundo o qual a empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei. Desse modo, calha mencionar que o diploma revogou tacitamente o art. 24, XXIII, da Lei nº 8.666/93, mantendo integralmente a sua essência (continuidade normativa): Art. 29, XI - nas contratações entre empresas públicas ou sociedades de economia mista e suas respectivas subsidiárias, para aquisição ou alienação de bens e prestação ou obtenção de serviços, desde que os preços sejam compatíveis com os praticados no mercado e que o objeto do contrato tenha relação com a atividade da contratada prevista em seu estatuto social.

Diante disso, salta aos olhos que para usufruir da referida dispensa é necessário que haja o efetivo controle por parte da estatal em face de outra pessoa jurídica de direito privado. Com efeito, deste relacionamento do direito empresarial público com o direito administrativo, ressai que o afastamento da licitação seria possível justamente porque as envolvidas estão - de maneira híbrida - submetidas a determinadas regras de direito público.

Uma análise sistemática da Lei de Licitações corrobora o sentido, ainda que sejam singelos incisos, como é o caso do VIII do art. 24, acerca da aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

Para não ficar apenas com um inciso, cite-se o XXXIV, nos termos da Lei nº 13.204/15, segundo o qual para a aquisição por pessoa jurídica de direito público interno de insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do inciso XXXII do art. 24, e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

Há influxos do direito administrativo severamente restritivos no que atine ao assunto e, por conseguinte, é inviável juridicamente adquirir participação inferior a 50%, para fins de propiciar a posterior contratação de sociedade de economia mista privada com dispensa de licitação, ainda que haja acordo de acionistas. Não basta que se tenha algum tipo de controle, é condição indispensável a presença de controle acionário. 

O art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas, ainda que tenha aplicação subsidiária, ao tratar dos acordos de acionistas, os quais podem tratar de compra e venda de ações, direito de preferência, exercício do direto a voto ou do poder de controle, não tem força jurídica para fulminar as disposições licitatórias de direito público que regem a ECT, assim como os princípios que regem o regime. Um acordo de acionista pode produzir efeitos entre aquele a quem fora deferido o comando e respectiva controlada, porém cinge-se à órbita empresarial, todavia não pode comprometer e ultrapassar os limites estabelecidos pelo regime de direito público.

Nesse viés, o acordo de acionistas não se harmoniza com a essência dos demais fatos geradores de dispensa de licitação. Acresça-se que uma empresa pública federal tem capital exclusivamente público, de forma que mesmo a participação de outras pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública tem por base a preservação da maioria do capital votante. 

Não se pode olvidar ainda das disposições da novel Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16), cujos termos expõem ser o estatuto jurídico da empresa pública da União, que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos. 

 

Art. 1º. (....)
§ 7º  Na participação em sociedade empresarial em que a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias não detenham o controle acionário, essas deverão adotar, no dever de fiscalizar, práticas de governança e controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio do qual são partícipes, considerando, para esse fim: 
I - documentos e informações estratégicos do negócio e demais relatórios e informações produzidos por força de acordo de acionistas e de Lei considerados essenciais para a defesa de seus interesses na sociedade empresarial investida; 
(...)
 

Ademais, o art. 165, § 5º, II, da CRFB, preestabelece que quando da elaboração orçamentária, controlada é a sociedade empresária em que a União, direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social com direito a voto que, em filtragem constitucional, irradia efeitos sobre as interpretações de institutos aplicados por quem está submetido de alguma forma ao regime de direito público, ainda que sejam estabelecidas relações decorrentes em parte influenciadas pelo direito privado.

Sobre a crítica de que estatal poderia se subdividir mediante o referido modus operandi, e então chegar a uma verdadeira situação de dupla natureza jurídica, pública e privada, conforme lhe fosse mais conveniente em cada ocasião, há que ser lida cum grano salis. Em sua visão, nesse cenário a estatal poderia contratar livremente pessoal, bens e serviços em geral, sem a submissão às regras do concurso público e da licitação, sendo bastante a utilização de sociedade empresária interposta da qual tenha adquirido participação sem controle acionário.

Entretanto, não se pode vedar os investimentos em outras sociedades empresárias quando o legislador expressamente os autorizou de maneira específica ou genérica. O que não se permite é a deturpação, a qual deve ser analisada caso a caso, por intermédio do controle dos resultados pelos órgãos competentes integrantes da Administração Pública, que deve ser gerencial.

Por exemplo, na seara da ciência e tecnologia, o legislador previu, no art. 5º da Lei nº 10.973/04, que são a União e os demais entes federativos e suas entidades autorizados, nos termos de regulamento, a participar minoritariamente do capital social de empresas, com o propósito de desenvolver produtos ou processos inovadores que estejam de acordo com as diretrizes e prioridades definidas nas políticas de ciência, tecnologia, inovação e de desenvolvimento industrial de cada esfera de governo. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016). Os seus §§ 3º e 4º expressaram, ainda, que a alienação dos ativos da participação societária referida dispensa realização de licitação, conforme legislação vigente, assim como que os recursos recebidos em decorrência da alienação da participação societária referida deverão ser aplicados em pesquisa e desenvolvimento ou em novas participações societárias.

As circunstâncias darão o tom, por exemplo, se há investimento que implique alienação de subsidiária de empresa pública que não contava com autorização legislativa prévia específica ou genérica. De igual sorte, as regras licitatórias não impedem os investimentos quando estiver presente respaldo jurídico. O STF tem consolidado a jurisprudência que confere legitimidade constitucional às autorizações legais amplas e prévias no assunto.     

Frisa-se, por fim, que a depender das circunstâncias de cada caso, é possível que se vislumbre o vício de desvio de finalidade, na hipótese de utilização de determinadas formas previstas em outros ramos para flexibilizar de modo claro e evidente as restritas e excepcionais hipóteses de dispensa de licitações. 

 

III - CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS 

 

Ante o exposto, conclui-se que é juridicamente inviável a dispensa de licitação para a contratação de sociedade empresária da qual as estatais detenham apenas participação, desprovida de controle acionário (mais de 50% das ações com direito a voto), para fins de incidência do art. 24, XXIII, da Lei n. 8.666/93. Por outro lado, o entendimento não impacta os investimentos por empresas estatais que contam com autorização legislativa prévia genérica ou específica para concretizá-los, caso da ECT.

 

Sugere-se que se dê ciência aos órgãos interessados, o DEAEX/CGU, a CONJUR-MC, bem como o Tribunal de Contas da União. 

 

À consideração.

 

Brasília, 01 de março de 2018.

 

 

JOÃO PAULO CHAIM DA SILVA

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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