ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


PARECER n. 223/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

PROCESSO: 10154.111369/2023-41

ORIGEM: SPU/SC - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM SANTA CATARINA

INTERESSADA: ORAN PARTICIPAÇÕES LTDA

 

EMENTA: I. Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). II. O direito de prioridade processual do sócio idoso não se estende à pessoa jurídica empresária. III.  Recomendação em torno de se adotar medidas de celeridade processual.
 
 

Trata-se de processo administrativo encaminhado pela Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina, em que solicita manifestação jurídica sobre pedido formulado por única sócia da Sociedade Limitada Unipessoal ORAN PARTICIPA PARTICIPAÇÕES LTDA em que requer prioridade na tramitação de seus processo em razão do previsto no artigo 71, do Estatuto do Idoso, qual seja, possuir idade superior a 60 (sessenta) anos.

Os autos vieram por meio de acesso externo ao sistema Sei, sendo disponibilizado no supersapiens o link https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2651932&infra_hash=50bd65ef54a57760269805af08baa224.

Constam os seguintes documentos:

Lista de Protocolos (12 registros):

         
  32157071 Anexo versao_1_Título Aquisitivo/Documento de Trans 04/01/2023  
  32157074 Anexo versao_1_Ato Constitutivo, estatuto ou contra 04/01/2023  
  32157075 Anexo versao_1_Documento de designação do represent 04/01/2023  
  32157077 Anexo versao_1_Documento de identificação com foto 04/01/2023  
  32157082 Anexo versao_1_MATRICULAS.pdf 04/01/2023  
  32157083 Anexo versao_1_PROCURAÇÃO.pdf 04/01/2023  
  32157084 Anexo versao_1_CNH PROCURADOR.pdf 04/01/2023  
  32157085 Anexo versao_1_DARF LAUDEMIO.pdf 04/01/2023  
  32157087 Anexo versao_1_PAGAMENTO LAUDEMIO.pdf 04/01/2023  
  32157090 Requerimento versao_1_SC00030_2023.pdf 04/01/2023  
  32488610 E-mail - solicita atendimento prioritário 17/03/2023  
  32488642 Despacho 17/03/2023  

 

 

Em apertada síntese, é o relatório.

 

DOS FUNDAMENTOS

Questiona o órgão consulente se poderia ser atendido o pleito, concedendo-se a prioridade na tramitação de seu processo, já que o imóvel estaria registrado em nome da  Sociedade Limitada Unipessoal ORAN PARTICIPA PARTICIPAÇÕES LTDA.

Pois bem, a questão não se revela nova, tendo já sido objeto de manifestação no âmbito desta Advocacia-Geral da União no PARECER n. 00277/2021/CONJUR-MME/CGU/AGU (NUP: 48340.002207/2021-27), o que afasta maiores elucubrações por parte deste, tamanha a sua completude.

De fato, dispôs referido Parecer:

 

  1. Como se sabe, à luz de basilares lições de direito empresarial, empresa é atividade exercida profissionalmente pelo empresário por meio da articulação de fatores de produção, com a finalidade de produzir e circular bens e serviços. Ainda, empresário é aquele que exerce a empresa (atividade), podendo adquirir a forma de empresário individual ou de sociedade empresária. A articulação dos fatores de produção, marca da atividade empresária organizada, é representada pela junção de mão-de-obra, matéria-prima, capital e tecnologia. Fazer com que haja circulação de bens serviços, fim último da empresa, significa reunir os recursos financeiros necessários (capital), humanos (mão-de-obra), materiais (insumos) e tecnológicos.
  2. (...)
  3. De fato, in casu, o titular do processo minerário é a empresa Fonte da Lagoa Comércio e Exploração de Águas Minerais - Ltda., isto é, uma sociedade empresária constituída pelos sócios que apresentam responsabilidade limitada, nos termos dos art.1.052 e seguintes do Código Civil.
  4. Na forma do Código Civil de 2002, art. 1.052, “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Ainda, estabelece o art. 1.024 que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.
  5. Nesse contexto, o supramencionado art. 1.024 consagra o Princípio da Autonomia Patrimonial das pessoas jurídicas e constitui numa importantíssima ferramenta jurídica que consagra a limitação de responsabilidade. Nesse sentido leciona Rubens Requião:

 

 
Entende-se por pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram. (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. Revista dos Tribunais, v. 410, p.12-24, dezembro, 1969).
 
  1. Assim, uma sociedade empresária apresenta personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial, ou seja, é dotada de patrimônio próprio, o qual responde por seus direitos e obrigações. Isto é, a personalidade jurídica da pessoa jurídica não se confunde com a de seus sócios.
  2. Sobre o direito de prioridade na tramitação processual, dita o art. 71 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) que tem prioridade na tramitação os processos em que figure como parte ou interveniente pessoa com sessenta anos de idade, estendendo-se aos processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Publica da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos Serviços de Assistência Judiciária, senão vejamos:
 
Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.
§ 1o O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo.
§ 2o A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos.
§ 3o A prioridade se estende aos processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Publica da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos Serviços de Assistência Judiciária.
§ 4o Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis.        
§ 5º  Dentre os processos de idosos, dar-se-á prioridade especial aos maiores de oitenta anos. (Grifei)
 
  1. Trata-se de importante instrumento normativo que busca garantir direitos que confiram dignidade humana e maior qualidade de vida às pessoas idosas, concretizando e dando efetividade ao mandamento constitucional estampado no art. 230 da Constituição Federal. Transcrevo:
 
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º  Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
 
  1. No presente caso, a tramitação processual prioritária em razão da idade avançada é um direito assegurado às pessoas físicas, como corolário da dignidade da pessoa humana e da proteção superior aos idosos, não se estendendo à esfera empresarial e societária de seus integrantes. Como exposto, uma empresa apresenta personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial, não aproveitando os atributos próprios dos direitos da personalidade de seus sócios para fins negociais do ente moral, sob pena de desvirtuamento dos fundamentos axiológicos da norma benéfica em prol dos mais velhos.
  2. Com efeito,  a personalidade das pessoas jurídicas não se confunde com a de seus sócios, sendo certo que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. Assim, se o benefício da prioridade é para a pessoa humana, pessoa natural, física, o favor processual não pode atingir a pessoa jurídica, que deve seguir a regra geral de processamento.
  3. Desse modo, assiste razão à SGM/MME ao entender que "a proteção ao idoso é intuito persona e não se estenderia a uma pessoa jurídica que tem direitos, patrimônio e obrigações distintas de seu sócio, ainda que idoso". Como o titular do processo 821.735/1999-73 é a empresa Fonte da Lagoa Comércio e Exploração de Águas Minerais - Ltda., não há falar em prioridade em razão da idade de seu sócio, posto que a benesse é destinada às pessoas naturais e não abrange os entes morais.
 

Acrescente-se que a interessada é pessoa jurídica empresária (“empresa”), que explora atividade econômica com finalidade lucrativa, já que atuará concorrencialmente no mercado, fato que ao estender-lhe tal benefício, estar-se-ia concedendo uma vantagem em detrimento das outras do mesmo ramo imobiliário. E não foi essa a intenção do legislador ao conceder os benefícios unicamente às pessoas naturais.

Com efeito, a Lei nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019, que criou a Sociedade Limitada Unipessoal , foi expressa ao prever que "A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores" (art. 7º),  e ainda, "A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos" (parágrafo único).

Ao trazer tais inovações, essa Lei modificou o Código Civil, prevendo ainda:

Art. 7º  Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:   
(...)

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” (NR)

 

Conceder o pleito requerido, portanto, pode configurar confusão patrimonial, o que está proibido terminantemente pelo legislador.

Por outro lado, o fato de a requerente não apresentar direito à prioridade processual em razão da idade não modifica a premissa de que o trâmite administrativo também deve observar, mutatis mutandis, a duração razoável do processo, pelo que se sugere ao órgão consulente que  busque meios de acelerar e destravar a tramitação processual.

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, abstraindo da discricionariedade administrativa existente para edição do ato e das questões de ordem técnica, financeira ou orçamentária, conclui-se que o benefício da prioridade processual para idosos preconizado pelo Estatuto dos Idoso é de gozo exclusivo das pessoas físicas, não estendendo tal direito às pessoas jurídicas empresárias que apresentam em seus quadros sócios idosos.

É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 22 da PORTARIA NORMATIVA/CGU/AGU Nº 10, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2022 – Dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais.

Ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (E-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo à SPU consulente, para ciência deste, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s), com as considerações de estilo.

 

 

Brasília, 28 de março de 2023.

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADA DA UNIÃO

 


Chave de acesso ao Processo: 33b4fc52 - https://supersapiens.agu.gov.br




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