ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

PARECER n. 00225/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 00745.016690/2021-48

INTERESSADOS: LUCIO JOSE CORREA MENDES E OUTROS

ASSUNTOS: POSSE

 

EMENTA: Entendimento Administrativo sobre validade de doação já registrada. Ratificação pela Consultoria. Desnecessidade. Consulta facultativa.
Considerações sobre a doação a título de contribuição. Ato jurídico perfeito e direito adquirido.

 

Relatório.

 

Trata-se de processo originário de pedido de informações formulado pela PRU da 4ª Região para instruir ação petitória.

 

Como consignado na Nota 00006/2023/CGPAT/CONJUR-MGI/CGU/AGU:

 

1. A Procuradoria-Regional da União da 4ª Região, por meio do OFÍCIO n.00094/2023/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU (seq. 19), solicita informações acerca da propriedade da União sobre a área objeto da ação judicial n. 0001344-33.2007.4.04.7207, em relação à qual se reconheceu o direito à posse por parte de particulares.
2. De acordo com o Ofício, o questionamento já havia sido encaminhado ao antigo Ministério da Economia por meio do OFÍCIO n. 00178/2022/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU, tendo-se destacado, na época, a necessidade de o órgão jurídico ratificar o entendimento externado pela Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina - SPU/SC sobre o assunto.
3. Na ocasião, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN reencaminhou a solicitação à Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio, uma vez que "tanto o contrato originário como as manifestações que analisaram os questionamentos da PRU-4ª Região tramitaram na Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina, inexistindo nos autos qualquer manifestação do órgão central de patrimônio da União, ao qual esta Procuradoria presta assessoria (cf. Portaria Conjunta CGU PGFN nº 01, de 2019)." (DESPACHO n. 00889/2022/PGFN/AGU, seq. 11).
(destaquei).

 

O entendimento exposto pela SPU encaminhado pela PRU para ratificação foi o seguinte:

 

8. Questionamento 3 - "examinada a validade da doação do município de Tubarão à União;"
- Resposta: Entende-se que seja um ato convalidável, pois o interesse público deve sempre sobrevalecer ao interesse privado. É fato que as áreas do Estado e do Município acima destacadas foram adquiridas com intuito de compor o Campo de Instrução São João, e, inclusive, o contrato de doação realizado por esta Superintendência, que validou o registro em nome da União, conforme a Matrícula 36.304, foi aprovada pela Procurador-Chefe da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1980, data anterior à Lei nº 1.079, de 29 de fevereiro de 1983, que declarou sem efeitos a Lei nº 526/71. Parece que por algum motivo político, alheio a toda pretensão pública e ao trabalho realizado em gestões anteriores, o prefeito da época desfez os atos da gestão anterior, que já haviam produzido efeitos e direitos.
8.1. O artigo 107 do Código Civil Brasileiro prevê: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”, assim o negócio/contrato verbal é válido, salvo nas hipóteses em que a lei exige sua formalidade.
8.2. Nessa feita, sabe-se que negócio jurídico/contrato tem requisitos, também previstos no Código Civil para que tenha validade:
 
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
 
8.3. Logo, independente da assinatura havia-se um contrato verbal que é válido e exigível juridicamente, observando-se o disposto nos artigos 104 e 107 do Código Civil, ou seja, há documentos que comprovam a vontade declarada pelo despachos do Exército, desta Superintendência e da Procuradoria da Fazenda no bojo do Processo físico 10-79-039489-88, bem como destes autos, a exemplo da Lei 526/71, a declaração de Armando Manoel Mendes às pgs. 227 do Processo Administrativo (SEI nº21157969) e, em especial, o Memorial Descritivo de fls. 231/234 do Volume I desse processo, pgs. 397/400, de 17 de outubro de 1979, manifestando a vontade do Município sobre o feito, enviado pelo Comandante do Grupamento do Leste Catarinense ao Comandante da 5ª Região Militar para apreciação, com diversas considerações sobre a propriedade/doação advinda do Estado/Município e a importância de sua utilização, segundo Ofício nº 89-E/4, de 29 de outubro de 1979 (fls. 235/241, pgs. 401/407). Logo se o contrato de doação foi assinado posteriormente, pode-se entender que houve uma convalidação com efeitos retroativos e de mera formalidade, assim tornando-se a Lei a partir do contrato assinado, posteriormente, devendo-se considerar seus efeitos retroativos, de modo que a Lei Municipal nº 1079, de 29 de dezembro de 1983, que revogou a 526/71, já era considerada sem efeitos pelo ente Municipal.
 
8.4. Inclusive, não faz sentido o Município, criar lei, desapropriar/adquirir imóveis de particulares como se pode ver nas escrituras/registros dos Lotes 1, 9, 14, 16, 17-19, 21-22, 24-26, 28, 31-36, 38, 39-43, 45-49, 51-52, 54-58, 60-86, bem como o Estado em relação aos demais lotes, conforme listagem e documentos das fls. 1-A a 218 (pgs. 8-384) do Processo Físico Volume 1 (SEI nº 22135076) do NUP 10-79-039489-88, para não haver nenhuma destinação pública, a qual comprovadamente ser perfaz pelo uso/posse do Exército sobre o Campo de Instrução, que contempla a área em litígio. Há contrato de concessão à Empresa Interligação Elétrica Sul S/A - IESUL sobre parcela desse Campo (vide fls. 334/336, pgs. 44/46dos Processo Físico Volume 2 -SEI nº 22135337).

 

A PRU da 4ª Região assim ser manifestou:

 

Desse modo, considerando que não competia ao órgão técnico se manifestar definitivamente acerca de questão jurídica, solicitou-se, por meio do OFÍCIO n. 00178/2022/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU, de 20 de abril de 2022, NUP00745.004895/2022-61, se o órgão consultivo do antigo Ministério da Economia ratificava o entendimento da SPU/SC de que foi  perfectibilizada a doação do Município à União. Foi solicitado também fossem prestados eventuais subsídios fáticos e jurídicos complementares para embasar a ação judicial que será ajuizada pela União em face dos particulares.

 

Cabe observar que o processo esteve nesta Coordenação anteriomente, quando foi lavrada a COTA n. 00039/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, e que houve redistribuição em razão de afastamento médico, conforme Despacho n. 00043/2023/PROT/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU.

 

Tudo lido e analisado, é o relatório.

 

Análise.

 

Da desnecessidade de ratificação.

 

Inicialmente, pedimos vênia para divergir do entendimento da PRU da 4ª Região, no que diz respeito à necessidade de ratificação da manifestação da SPU/SC.

 

A SPU tem competência para interpretar e aplicar as normas jurídicas no exercício de seu mister, atividade que não se confunde com àquelas exclusivas da AGU. A submissão de entendimento administrativo já bem estabelecido à Consultoria só seria obrigatória nas hipóteses previstas em lei, sendo facultativa nos demais casos. 

 

Neste caso, trata-se consultoria facultativa e não havendo provocação nem dúvida por parte do Órgão interessado, não é caso de ratificação, razão pela qual submeto a questão ao Exmo. Coordenador.

 

Para evitar indas e vindas, segue análise da validade da doação efetuada pelo Município. Se o Exmo. Coordenador entender que é caso de ratificação, já segue o entendimento adotado. Caso entenda que não é caso de ratificação, a análise segue a título de mera contribuição para apreciação da douta PRU. 

 

Da análise da validade da doação pelo Município. Ato Jurídico Perfeito.

 

Em resposta à Cota 00039/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, a SPU/SC esclareceu aspectos muito importantes da doação:

 

a) Existem dois Contratos do Doação? Anexar cópias se possível.
 
Não, existe somente um contrato de doação realizado tanto pelo Município quanto pelo Estado em um mesmo instrumento, referenciado na Nota Técnica 7280 (22659208), e já anexado neste processo em Título de Transferência SC 05-0121 - I (21766425), Título de Transferência SC 05-0121 - II (21766426), Título de Transferência SC 05-0121- III (21766428), Título de Transferência SC 05-0121 - IV (21766429), Título de Transferência SC 05-0121 - V(21766432), Título de Transferência SC 05-0121 - VI (21766433), Título de Transferência SC 05-0121 - VII(21766434), Título de Transferência SC 05-0121 - VIII (21766435) e Título de Transferência SC 05-0121 - IX(21766430). Tais imagens do contrato anexas são oriundas do Sistema de Gerenciamento dos Imóveis de Uso Especial - SPIUnet, listadas no espelho Anexo SPIUnet - Campo Instrucao Sao Joao (21766392), sistema no qual o imóvel foi cadastrado segundo Registro do Imobiliário Patrimonial - RIP nº 8367 00018.500-4 e sua utilização entregue ao Exército.
 
b) Ambos tiveram a assinatura dos signatários do Estado e do Município?
 
O contrato conjunto, sim.
 
c) Ambos foram lavrados em livro próprio no âmbito desta Superintendência? Se positivo quais as datas? Juntar Cópiado registro se possível.
 
O contrato conjunto, sim, segundo consta da Certidão nº 018/89, acostada às fls. 778 do Processo Fisico Volume 1 (22135076), proveniente da digitalização do processo físico 0168-01248/1980, no bojo do NUP 10-79-039489-88, relacionado a estes autos (pelo qual se pormenorizou a doação conjunta), este foi lavrado às fls. 34v a 38v do Livro nº 03 de Termos Diversos e Escrituras, em 22/08/1980 (22 de agosto de mil novecentos e oitenta).
 
d) Ambos os contratos foram averbados no Registro de Imóveis? Se positivo quais as datas? Juntar cópia se possível.
 
O contrato envolvendo a doação pelo Estado e pelo Município foi devidamente averbado na Matrícula nº 36.304, fls. 025V, conforme R.1/36.304, em 23 de agosto de 1989, anexo em Matrícula do Imóvel SC 05-0121 - II (21766396), outorgando plenos direitos sobre o terreno situado no lugar São João, margem esquerda de Rio Tubarão, no Município de Tubarão, com área de 2.545.969,27 m², cadastrado sob o RIP Imóvel nº 8367 00018.500-4, no SPIUnet. Inclusive,em R.2 foi retificada a área pelo órgão a qual foi entregue (Ministério do Exército - Comando Militar do Sul) para 2.547.812,72 m², conforme levantamento topográfico apresentado.
 
e) Qual contrato de Doação a SPU considera para fins de justificar sua legalidade/validade?
 
A doação já havia sido aprovada conforme descrito no item 8 da Nota Técnica 7280 (22659208), em 1980, havendo todo um trabalho de levantamento de registros, indenizações, lei autorizativas etc., inclusive, não somente do Município mas como também do Estado, com a devida entrega e posse do Exército sobre a área, prevalecendo o interesse público sobre qualquer interesse privado. Embora não tenha ocorrido assinatura da doação naquele ano, em 1989 sob a gestão de novo Prefeito o ato foi convalidado. A revogação da Lei Municipal descrita nesse item, pode ter ocorrido por conta da demora em regularizar a situação e possivelmente por questão política alheia, sendo convalidada posteriormente pelo Prefeito em exercício à época sem a devida formalidade legal junto à câmara municipal. De modo semelhante ocorre com áreas da União, a exemplo das diversas áreas da Rede que são afetadas pelos Municípios para fins públicos, como praças, ruas etc. mas sem ter firmado contrato junto à RFFSA/União. Se fossemos entrar com ações para descaracterizá-las haveria um grande impacto. Logo, como definido no art. 8º da Lei nº 12.348, de 15 de dezembro de 2010, pode ocorrer uma lei municipal para convalidar tais situações ou mesmo ser reivindicada perante o município para que haja convalidação legal, sobre pena de não convalidação/impetração de demandas judiciais pertinentes a quaisquer desapropriação realizada sem o devido instrumento formal da União(doação, venda, cessão etc.). Veja-se o citado dispositivo:
 
"Art. 8o Ficam convalidadas as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007.
§ 1o A União fica autorizada a celebrar acordos, renunciar valores, principais e acessórios, nas ações de que trata o caput, até a quitação total dos precatórios, desde que as áreas desapropriadas estejam sendo utilizadas ou sejam destinadas a projeto de reabilitação de centros urbanos, funcionamento de órgãos públicos ou execução de políticas públicas, sem fins lucrativos.
§ 2o Poderão ser realizados acordos em relação à parcela da área desapropriada que cumpra os requisitos do § 1o,seguindo a desapropriação em relação ao restante do imóvel.
§ 3o Não serão devidas quaisquer devoluções de valores já pagos em decorrência dos acordos com fundamento no §1o."
 
Nesse sentido, houve uma afetação da União que prevalece sobre interesse privado e que foi corroborada pelo ente municipal em 1989, porém sem o devida formalidade legal (revogando-se a Lei nº 1.079, de 29 de fevereiro de 1983). Portanto o contrato que deve ser considerado é o que foi assinado em livro, possuindo força de escritura pública nos termos do art. 74 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, enunciado na alínea "a".
 
f) As áreas doadas pelo Estado e Município têm matrículas distintas no Registro de Imóveis? Informar as matrículas e respectivas áreas?
 
Ambas áreas foram congregadas na Matrícula nº 36.304, anexa em Certidão do Registro de imóveis fl 01 (21766439)e Certidão do Registro de imóveis fl 02 (21766440). Frisa-se que, conforme item 7.2 da Nota Técnica 7280(22659208), as áreas do Estado componentes do Lote 13, 20 e 23 são originárias dos registros nº 65.761, 65.772e 65.739, respectivamente, enquanto as do Município (Lotes 22 e 16) tem origem no registro 65.770.
 
g) A área de litígio se sobrepõe a qual área?
 
Essa resposta foi delineada no item 7 ao 7.2.4. da Nota Técnica 7280 (22659208), do qual se extrai:
"7.1. Nas fls. 1-A a 5 (pgs. 8-12) do Processo Fisico Volume 1 (SEI nº 22135076) do NUP 10-79-039489-88, consta alista/índice de 86 lotes que compõem o citado Campo de Instrução, com a indicação das folhas correspondentes aos títulos de propriedade ou comprovantes de posse e o nome de seu antigo proprietário ou posseiro, o Estado ou Município de Tubarão.
7.2. Em consulta ao referido índice, verificou-se que:
7.2.1. O Lote 13 nessa planta, consta como antigo proprietário/posseiro, Alfredo Luiz da Rosa. Nas fls. 36/37(pgs. 64/66) consta a Escritura Pública de repasse da propriedade dele ao Estado de Santa Catarina, com odevido registro do imóvel sob o nº 65.761, de 6 de abril de 1971, em nome desse ente federativo.
7.2.2. O Lote 20, com 15.092,00 m² de área total, adquirido pelo Estado de Santa Catarina, em 7 de abril de1971, por meio do registro de nº 65.772 (vide fls. 100-101, pgs. 179-180).
7.2.3. Os Lotes 22 (30.184,00 m² de área total) e 16 (12.905,20 m² de área total) constam como antigoproprietário/posseiro, respectivamente Andiara da Rosa e Geraldina da Rosa de Medeiros. Nas fls. 47/54v (pgs.85/98) consta a Escritura Pública de repasse da propriedade desses particulares ao Município de Tubarão, com odevido registro do imóvel sob o nº 65.770, de 7 de abril de 1971, em nome desse ente federativo.
7.2.4. O Lote 23 consta como antigo proprietário/posseiro Aparício Luiz da Silva. Nas fls. 43/46v (pgs. 78/84) consta a Escritura Pública de repasse da propriedade desse senhor ao Estado de Santa Catarina, com o devido registro do imóvel sob o nº 65.739, de 30 de março de 1971, em nome do Estado."
 
h) Existe uma precisão definitiva da área sobreposta?
Não, segundo item 13 da citada Nota deve ser realizado um novo levantamento georreferenciado com ART, no caso, como o imóvel foi entregue ao Ministério do Exército cabe aos técnicos desse órgão realizar tal levantamento.
 
i) Responder de forma direta e objetiva ao questionamento do item 2 do OFÍCIO n.3/2021/PSUCCM/PRU4R/PGU/AGU? Entende-se que esse item foi objetivamente respondido de acordo com o item 7 da Nota Técnica 7280 (22659208), no sentido de que
 
"...a área em litígio levantada pela autoria indica sobrepor os lotes 13 (Estado de Santa Catarina), 16 (Município de Tubarão/SC), 20 (Estado de Santa Catarina), 22 (Município de Tubarão/SC) e 23 (Estado de Santa Catarina). ".
 
Tais áreas foram delimitadas como se observa nos itens 7.1 ao 7.2.4, em tela na alínea "g" doitem 3 deste despacho.
 
j) Se possível anexar croqui identificando a área de litígio, sobreposições, detalhando a posse.
 
O croqui foi apresentado junto à citada nota, a partir da Planta de Caracterização (22621696), Memorial Descritivo 22622149 e Planta de Caracterização - Área de Sobreposição (22651829).
 
k) Informar se a SPU/SC é detentora de outros argumentos, fatos, provas documentais para subsidiar a defesa da propriedade além das apresentadas nas ações possessórias anteriores? Se positivo, quais?
 
Não, somente os constantes neste processo e no 10-79-039489-88.
 
l) Outras informações que a SPU entenda pertinente ao caso.
 
Ratifica-se a manifestação constantes da Nota e o único adendo que se poderia fazer é no sentido de buscar junto ao Município que convalide a doação, como observado no item 3, alínea "e" deste despacho, se for o caso.

 

Portanto, no caso analisado a propriedade da União sobre o imóvel decorre do Registro do Título em Cartório, conforme art. 1.245 do Código Civil e art. 20, I, da CF, respectivamente:

 

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2 Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
 
Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

 

Como visto, até que seja declarado inválido, por ação judicial, o adquirente é havido como proprietário. E consignou a SPU:

 

"Ambas áreas foram congregadas na Matrícula nº 36.304, anexa em Certidão do Registro de imóveis fl 01 (21766439) e Certidão do Registro de imóveis fl 02 (21766440). Frisa-se que, conforme item 7.2 da Nota Técnica 7280 (22659208), as áreas do Estado componentes do Lote 13, 20 e 23 são originárias dos registros nº 65.761, 65.772e 65.739, respectivamente, enquanto as do Município (Lotes 22 e 16) tem origem no registro 65.770".

 

Ou seja, o imóvel está regularmente registrado.

 

Além disso, o título levado a registro também é perfeitamente válido:

 

b) Ambos tiveram a assinatura dos signatários do Estado e do Município?
O contrato conjunto, sim.
c) Ambos foram lavrados em livro próprio no âmbito desta Superintendência? Se positivo quais as datas? Juntar Cópiado registro se possível.
O contrato conjunto, sim, segundo consta da Certidão nº 018/89, acostada às fls. 778 do Processo Fisico Volume 1 (22135076), proveniente da digitalização do processo físico 0168-01248/1980, no bojo do NUP 10-79-039489-88, relacionado a estes autos (pelo qual se pormenorizou a doação conjunta), este foi lavrado às fls. 34v a 38v do Livro nº 03 de Termos Diversos e Escrituras, em 22/08/1980 (22 de agosto de mil novecentos e oitenta).
 
o contrato de doação realizado por esta Superintendência, que validou o registro em nome da União, conforme a Matrícula 36.304, foi aprovada pela Procurador-Chefe da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1980, data anterior à Lei nº 1.079, de 29 de fevereiro de 1983

 

Ou seja, feito o contrato de doação, devidamente assinado, foi lavrado o devido termo na forma do Decreto-Lei nº 147 de 3 de fevereiro de 1967, art. 13, inciso VI, que posteriormente foi levado a registro no CRGI:

 
Art 13. Às Procuradorias da Fazenda Nacional, sob a imediata autoridade da respectiva chefia, compete, no âmbito da sua jurisdição:
(...)
VI - Fazer lavrar, no livro próprio da repartição competente, os atos relativos à aquisição, alienação, cessão, aforamento, locação, entrega e outros concernentes a imóveis do patrimônio da União, que terão fôrça de escritura pública.            (Redação dada pela Lei nº 5.421, de 1968)
 

Portanto, a doação foi válida e autorizada em Lei Municipal nº 526 de 14.01.1971.

 

E o título é válido, pois lavrado na forma da lei vigente à época, com força de escritura pública. Não há qualquer vício de vontade ou de forma que prejudique a transferência de propriedade, sendo que eventual demora no registro ou em algum trâmite interno não desnatura o ato.

 

E o registro no Cartório de Imóveis é perfeitamente válido, não havendo sequer impugnação do ato cartorial.

 

Portanto, trata-se de ato jurídico perfeito e direito adquirido que a Lei Municipal posterior não poderia desfazer, conforme art. 5º, XXXVI da CF e art. 6º da LINDB, respectivamente:

 

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
 
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.                  (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.                      (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.                     (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

 

A revogação posterior da lei autorizativa, promovida pelo Município com Lei nº 1.079, de 29 de fevereiro de 1983, só pode ser entendida como uma medida para reduzir o arcabouço normativo municipal e simplificar a pesquisa e catálogo, suprimindo atos que tiveram seus efeitos já exauridos. É incorreto adotar justamente a interpretação (de que a lei revogou o ato jurídico perfeito e suprimiu a propriedade da União)  que leva à inconstitucionalidade.

 

Portanto, o registro no Cartório de Registro de Imóveis é hígido e o título levado a registro é perfeitamente válido, razão pela qual entendemos que a doação é perfeitamente lícita, não podendo a lei municipal posterior atingir o ato jurídico perfeito.

 

Outras considerações sobre eventual nulidade.

 

A douta Procuradoria da União em Santa Catarina, ao contestar a ação 2007.72.07.001344-6 (fls. 117 a 137 no PDF gerado pelo Sapiens) bem enfrentou as alegações do interessado, inclusive com sólidas preliminares de ilegitimidade ativa ("não detêm os autores qualquer legitimidade para impugnar, ainda mais pela via eleita, a doação levada a cabo pelos entes federativos envolvidos...") e prescrição ("a insurgência central da parte adversa, relativa a doação de terras à ora ré, encontra-se fulminada pela prescrição"), que não foram enfrentadas naquela ação, que acabou só tratando da posse.

 

Se houvesse a nulidade, aqui para argumentar, o imóvel continuaria sendo público (Municipal), sem induzir à posse (súmula 619 do STJ), inapto ao usucapião (súmula 340 do STF) e sem proveito algum para o detentor atual.

 

Da imprecisão da sobreposição.

 

Por outro lado, a SPU apontou um problema potencial para a ação petitória "pura", ao observar que a atual delimitação da área é imprecisa:

 

Existe uma precisão definitiva da área sobreposta?

 

Não, segundo item 13 da citada Nota deve ser realizado um novo levantamento georreferenciado com ART, no caso, como o imóvel foi entregue ao Ministério do Exército cabe aos técnicos desse órgão realizar tal levantamento.

 

Smj, na ação anterior, as decisões foram desfavoráveis à União essencialmente por ter o Juízo entendido que havia a controvérsia sobre os limites dos imóveis.

 

Assim, parece-nos ser necessário obter o georreferenciamento com ART com o Exército antes de prosseguir, ou, assumir ser incerta a área a ser vindicada e analisar a viabilidade de utilizar a ação demarcatória (que é espécie do gênero petitória - REsp 1.655.582/MT, Rel: Ministra NANCY ANDRIGHI, etc).

 

Conclusão.

 

Ante o exposto, entendemos que não é caso de convalidação do entendimento da SPU/SC. Submeto a questão ao Exmo. Coordenador.

 

Entendendo ser caso de convalidação, adota-se o entendimento de que a doação efetuada pelo Município foi perfeitamente lícita, configurando ato jurídico perfeito praticado em conformidade com as leis vigentes à época, sendo que os argumentos do detentor não são suficientes para afastar o direito de propriedade sobre o bem imóvel que está devidamente incorporado ao Patrimônio da União.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 29 de março de 2023.

 

 

LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


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