ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

PARECER n. 00034/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.004722/2023-98

INTERESSADOS: TERCEIRO INTERESSADO

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA: 
I - Análise e manifestação acerca da Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, e das Emendas Parlamentares apresentadas à MP.  
II - Organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Estrutura do Ministério da Cultura (Capítulo II, Seção IV, art. 21 - Do Ministério da Cultura).
III. Emendas Parlamentares que sugerem a supressão do inciso IV do art. 21 a partir das alterações sugeridas às competências do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
IV. Pela manutenção do texto original da Medida Provisória. 

 

 

I. RELATÓRIO

 

Trata-se de expediente encaminhado pela Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos (Ofício-Circular nº 13/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC), por conduto da qual solicita a manifestação sobre a Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, a qual estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.

 

2. Acompanham o texto original da MP, ainda, 99 (noventa e nove) propostas de emendas parlamentares.

 

3. É o sucinto relatório. Passo à análise. 

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. Preliminarmente, impende tecer breve consideração sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

 

5. Sabe-se que a Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a advocacia pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

6. O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

7. Nesta esteira, o art. 11, inciso I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União -, estabeleceu, no que concerne à atividade de consultoria ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

8. Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

9. Elaboradas essas considerações preliminares, adentra-se à análise da proposta.

 

10. A Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Sabe-se que o referido ato normativo encontra embasamento constitucional, a partir da competência privativa do Presidente da República de editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62 da Constituição (competência enumerada no inciso XXVI do art. 84 da Constituição[1]).

 

11. No que concerne às competências afetas a este Ministério da Cultura  - sobre o que se concentra a presente análise - é de se depreender que a MP criou o Ministério da Cultura, antes alçado à categoria de Secretaria Especial dentro do Ministério do Turismo. Referida competência, aliás, encontra previsão no art. 61 da Constituição, ao dispor que são de iniciativa privativa do Presidente da República leis que disponham sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública (art. 61, II, "e"[2]), considerando que a medida provisória tem força de lei e é de competência do Presidente da República.  

 

12. Nesse contexto, o Ministério da Cultura encontra-se inserido no rol de Ministérios de que trata o art. 17 da MP, senão, veja-se:

 

CAPÍTULO II
DOS MINISTÉRIOS
Seção I
Da estrutura ministerial
Art. 17. Os Ministérios são os seguintes:
I - (...)
II - (...)
III - Ministério da Cultura;
(...)

 

13. As competências do Ministério da Cultura, por sua vez, encontram-se na seção II desse mesmo Capítulo II:

 

Seção IV
Do Ministério da Cultura
Art. 21.  Constituem áreas de competência do Ministério da Cultura:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e a política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

14. O dispositivo supra encontra-se em harmonia com os comandos constitucionais, notadamente, na competência concorrente da União e demais entes da federação para legislar sobre o tema (art. 24, incisos VII e IX[3]), bem como na seção II do Capítulo III da Constituição - arts. 215 - 216-A. 

 

15. No que concerne ao teor das propostas apresentadas pelos parlamentares, verificou-se que as alterações que podem alcançar as competências do Ministério da Cultura decorrem, em verdade, das alterações apresentadas às competências do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, de modo que passam a sugerir a supressão do inciso IV do art. 21 supra (isto é: "assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos."). São as emendas de nº 4, 6, 10, 12, 25, 28, 41, 45 e 49.

 

16. Ainda que se trate de competência a ser exercida em parceria a outra Pasta Ministerial, nas ações de regularização fundiária envolvendo as comunidades quilombolas, referida atribuição é de essencial importância, de modo a que reste garantida não só a questão da propriedade fundiária às referidas comunidades - em consonância, mais uma vez, com texto expresso da Constituição[4] - mas, especialmente, no que concerne à preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, de modo a conferir aplicabilidade a preceitos constitucionais, senão, veja-se:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
(...)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:(...) [grifo nosso]

 

17. Trata-se, pois, de um dever cívico-histórico cuja competência se amolda com propriedade ao rol das atribuições dispostas a este Ministério da Cultura, razão pela qual se conclui pela imprescindibilidade da manutenção do texto original da Medida Provisória, sem supressão do inciso IV do art. 21 da MP. 

 

18. Quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que à Medida Provisória se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

 

III. CONCLUSÃO

 

19. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, depreende-se que a Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, em seu texto original e no que concerne às atribuições afetas a este Ministério da Cultura, encontra-se em harmonia com os dispositivos constitucionais, conforme exposto na presente manifestação, reiterando-se, por fim, pela viabilidade jurídica do texto original, sem a supressão do inciso IV do art. 21, conforme sugestão das emendas parlamentares. 

 

20. Devolvam-se os autos à Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos, em resposta ao Ofício-Circular nº 13/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC​.

 

 

 

Brasília, 02 de abril de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

SOCORRO JANAINA M. LEONARDO

Advogada da União

Consultora Jurídica Substituta

 

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400004722202398 e da chave de acesso bd214bfa

Notas

  1. ^ Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...)XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
  2. ^ Art. 61 caput§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:(...)II - disponham sobre:(...)e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; 
  3. ^ Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(...)VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;(...)IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;(...)
  4. ^ Art. 216 caput(...)§ 5º  Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.(...)ADCT: Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. 



Documento assinado eletronicamente por SOCORRO JANAINA MAXIMIANO LEONARDO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1136274172 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): SOCORRO JANAINA MAXIMIANO LEONARDO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 02-04-2023 08:21. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.