ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 50904.101122/2021-40
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM ESPÍRITO SANTO - SPU/ES
ASSUNTOS: DOMÍNIO PÚBLICO
EMENTA: Consulta. Interpretação do contrato de concessão do Porto Organizado de Vitória. Competência da Consultoria Jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, conforme Decreto 11.354 de 1º de janeiro de 2023.
Efeitos do contrato. Mais de uma interpretação possível. Situação em que não cabe a manifestação jurídica substituir a deliberação do gestor, mas tão somente demonstrar a diversidade de opções jurídicas disponíveis e fornecer ao Administrador os elementos necessários à eficiente fundamentação de sua decisão, consoante o art. 50 da Lei nº 9.784, de 1999. BPC nº 19.
Trata-se de processo encaminhado pela SPU/ES para solução de dúvida jurídica sobre os efeitos do contrato de Concessão do Porto Organizado de Vitória na cobrança dos foros não lançados antes do Edital de Licitação.
O processo disponibilizado no SEI conta com 256 páginas com o seguinte conteúdo (o número entre parênteses refere-se à página do pdf gerado pelo SEI):
"baixa dos terrenos de Aracruz (códigos patrimoniais 0280001720-000, 0280001720-001, 0280001720-002 e 0280001720-003) e Capuaba (códigos patrimoniais 0280004085-000 e 0280004085-001), em consonância com o deliberado na sua Assembleia Geral Extraordinária,ocorrida em 13 de janeiro de 2022."
1. Versa esta consulta dos efeitos das cláusulas/itens 16.2. e 16.2.5. do Contrato n.º 01/2022¹ sobre os foros relativos ao RIP SIAPA n.º 5703010082162, lançados em julho/2022 em desfavor da Companhia Docas do Espírito Santo - CODESA.
2. Tais lançamentos, que somam hoje a importância de R$ 22.175.093,13 [ver em “Lista de foros não pagos no RIP SIAPA 5703010082162 (33019812)”], foram feitos em data posterior ao lançamento de Edital que culminou com a concessão dos portos organizados de Vitória e de Barra do Riacho, publicado em 21/01/2022 (https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=21/01/2022&jornal=530&pagina=33).
3. Em virtude das questões de ordem temporal envolvendo o lançamento dos foros relativos ao RIP SIAPA n.º 5703010082162 e a publicação do Edital de concessão dos portos organizados, especial atenção deve ser dada às cláusulas/itens 16.2. e 16.2.5. do Contrato de Concessão, in verbis:
16.2. A Concessionária não é responsável pelos seguintes riscos relacionados à Concessão, cuja responsabilidade é do Poder Concedente²:
(...)
16.2.5. Eventuais débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado; e (grifos nossos)
4. As plantas acostadas na ocorrência “Planta APO de Vitória e RIP 5703010082162 ( 33020857)” deste processo mostram que a área relativa ao RIP SIAPA n.º 5703010082162 (em verde, com 972.714,09 m²), possui partes dentro e fora da área do porto organizado de Vitória (em vermelho).
5. Nessa perspectiva quanto à análise da extensão dos eventuais efeitos da cláusula/item 16.2.5. do contrato de concessão, parece-nos que o citado comando não abrange as áreas fora dos limites do porto organizado de Vitória.
6. A Figura 1 a seguir identifica os limites dos dois trechos.
[vide original]
7. Frente à regra posta nos citados itens do contrato de concessão, formulamos os seguintes questionamentos à essa Consultoria Jurídica acerca dos lançamentos dos foros efetuados por esta Superintendência, e que congregam toda a área em verde na figura anterior:
7.1. é possível manter a cobrança dos foros lançados por esta Superintendência relativamente a toda a área em verde da FIGURA 1, mesmo que algumas de suas partes estejam contidas na área do porto organizado de Vitória (em vermelho)?
7.2. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for positiva, a CODESA deve ser mantida como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
7.3. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for negativa, esta Superintendência pode relançar os foros dos trechos das áreas em verde na FIGURA 1 que não se sobreponham à superfície em vermelho que representa a área do porto organizado de Vitória?
7.4. se a resposta ao questionamento no item 7.3. for positiva, a CODESA deve ser colocada como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Resumindo o que ocorreu: antes da privatização e concomitante concessão (objeto do Leilão nº 01/2022 - PPI/PND[1] e Contrato n.º 01/2022) a CODESA era foreira do imóvel RIP 5703010082162, onde funcionava (e funciona) o cais de Capuaba, em Vila Velha, ES.
Quando foi decidido que a CODESA seria privatizada, uma das providências foi retornar o domínio útil do referido imóvel RIP 5703010082162 para a União, conforme Resolução CPPI nº 188, de 7 de junho de 2021, art. 3º,
Art. 3º Deverão ser realizados, previamente à efetivação da transferência do controle acionário,os seguintes ajustes na CODESA:
(...)
II - transferência, para os acionistas, dos direitos reais que a CODESA possui, mediante redução de capital social de forma proporcional à participação de cada um dos acionistas, relativos aos seguintes imóveis:
a) área localizada no Porto Organizado de Barra do Riacho no Estado do Espírito Santo,registrada sob a matrícula nº 827 do CRI de Aracruz/ES, na qual a CODESA é proprietária, registrada em seu imobilizado pelo valor de R$ 338.202,29 (trezentos e trinta e oito mil duzentos e dois reais e vinte e nove centavos); e
b) área denominada "Área 1 - Principal Capuaba", localizada no Porto Organizado de Vitória no Estado do Espírito Santo, registrada na matrícula nº 1.767 do 1º CRI de Vila Velha/ES, na qual a CODESA é foreira, registrada em seu imobilizado pelo valor de R$ 7.923.036, 00 (sete milhões novecentos e vinte e três mil e trinta e seis reais); e
Quando a CODESA devolveu o imóvel, a SPU constatou a existência de diversos foros vencidos, conforme "Relatório rip 5703010082162 debitos (26488483) SEI 50904.101122/2021-40 / pg. 388", muitos já cancelados por decadência.
Em seguida, constatou-se que o Contrato de Concessão n.º 01/2022 firmado entre União e CODESA trouxe previsão expressa tratando da responsabilidade entre concessionária e poder concedente em relação aos "débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado".
A SPU constatou também que a área objeto de concessão (Contrato nº 01/2022) não coincide exatamente com a área do RIP 5703010082162, e formula a consulta acima transcrita.
Tudo lido e analisado, é o relatório.
A competência da e-CJU especializada em Patrimônio hoje está fixada pela Portaria Normativa CGU/AGU nº 10, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe:
Art. 3º São competências específicas da e-CJU:
V - Patrimônio: a análise dos processos e consultas que tratem do patrimônio imobiliário da União, incluindo os procedimentos de transferência, onerosa ou não, bem como os atos antecedentes necessários; e
§ 1º A competência da e-CJU Patrimônio prevista no inciso V do caput inclui a análise de processos e consultas que versam sobre:
(...)
I - cessão, permissão, autorização e concessão de uso em todas as suas modalidades, exceto cessões de uso para atividades de apoio;
II - aforamento e concessão de direito real de uso;
III - compra, venda, doação, permuta, usucapião, sucessão patrimonial, incorporação, reversão, registro por apossamento vintenário, transferência e arrendamento ou congênere;
IV - registro, averbação, inscrição de ocupação e demarcação; e
V - autorização e regularização de construção, reforma e demolição
A presente consulta indaga qual é o efeito do contrato de Concessão do Porto Organizado na cobrança das taxas patrimoniais referentes à área da concessão não lançadas até a publicação do Edital.
Como ressaltado pela própria SPU/ES, a dúvida é "quanto à análise da extensão dos eventuais efeitos da cláusula/item 16.2.5 do contrato de concessão".
Logo, a análise não se enquadra na competência desta Especializada, sendo, smj, da competência da douta Consultoria Jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, conforme Decreto 11.354 de 1º de janeiro de 2023.
A resposta da consulta depende da interpretação da cláusula no contrato de concessão. Não há, rigorosamente, nenhuma discussão de matéria patrimonial. Pedimos vênia para repetir as perguntas:
7.1. é possível manter a cobrança dos foros lançados por esta Superintendência relativamente a toda a área em verde da FIGURA 1, mesmo que algumas de suas partes estejam contidas na área do porto organizado de Vitória (em vermelho)?
7.2. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for positiva, a CODESA deve ser mantida como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
7.3. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for negativa, esta Superintendência pode relançar os foros dos trechos das áreas em verde na FIGURA 1 que não se sobreponham à superfície em vermelho que representa a área do porto organizado de Vitória?
7.4. se a resposta ao questionamento no item 7.3. for positiva, a CODESA deve ser colocada como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Em outros termos simplificados: qual o efeito do contrato nos foros não lançados? pode cobrar alguma coisa? De quem?
Portanto, a discussão é sobre o alcance do contrato de concessão e, portanto, é competência da Consultoria Jurídica junto ao Ministério tratar do tema, razão pela qual submeto a questão ao Exmo. Coordenador.
Para evitar maiores transtornos, caso seja adotado entendimento for diverso - de que a competência é desta e-CJU/Patrimônio - segue abaixo o parecer.
Prevalecendo o entendimento de que a competência é da douta Consultoria Jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, a análise que se segue não terá validade institucional - prejudicada por incompetência - servindo como mero registro.
Como relatado, a questão nodal é compreender o alcance dos itens 16.2 e 16.2.5 do Contrato de Concessão:
16.2. A Concessionária não é responsável pelos seguintes riscos relacionados à Concessão, cuja responsabilidade é do Poder Concedente²:
(...)
16.2.5. Eventuais débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado; e
É uma cláusula muito específica, que não deixa margens para maiores interpretações. Basta reorganizar o texto: "A Concessionária não é responsável pelos (...) eventuais débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital (...) cuja responsabilidade é do Poder Concedente".
Portanto, o Poder Concedente (União) absorveu os débito não lançados, por norma contratual expressa.
Inclusive, a especificidade reforça a necessidade de ouvir o Ministério de Portos e Aeroportos, pois a própria existência de tal previsão contratual expressa sugere que o tema foi discutido em algum momento durante o processo de concessão, sendo que a própria Resolução CPPI nº 188, de 7 de junho de 2021 já falava em aforamento.
De qualquer forma, tendo o Poder Concedente assumido a responsabilidade pelos débitos não lançados até a data da publicação do Edital, ocorre a confusão entre credor e devedor e a obrigação se extingue.
Cabe, entretanto, apurar o que provocou o atraso no lançamento e eventuais responsabilidades.
Como visto acima, o contrato trouxe previsão específica:
16.2. A Concessionária não é responsável pelos seguintes riscos relacionados à Concessão, cuja responsabilidade é do Poder Concedente²:
(...)
16.2.5. Eventuais débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado; e (destaquei)
A SPU informa que:
4. As plantas acostadas na ocorrência “Planta APO de Vitória e RIP 5703010082162 ( 33020857)” deste processo mostram que a área relativa ao RIP SIAPA n.º 5703010082162 (em verde, com 972.714,09 m²), possui partes dentro e fora da área do porto organizado de Vitória (em vermelho).
5. Nessa perspectiva quanto à análise da extensão dos eventuais efeitos da cláusula/item 16.2.5. do contrato de concessão, parece-nos que o citado comando não abrange as áreas fora dos limites do porto organizado de Vitória.
Também aqui, o problema é essencialmente de interpretação do contrato de concessão e do Contrato de Compra e Venda de Ações (disponíveis em https://hubdeprojetos.bndes.gov.br/pt/projetos/CODESA/eb228ac3-187d-11eb-929e-0242ac11002b), evidenciando a necessidade de ouvir o Ministério responsável.
Não obstante, parece-nos que ao menos duas interpretações igualmente plausíveis podem ser extraídas da cláusula contratual:
a) o item 16.2.5 excluiu tão somente débitos que estão dentro da poligonal do Porto Organizado que foi concedido em 2022.
b) o item 16.2.5 exclui os débitos que estavam dentro da poligonal do Porto Organizado que existia no momento da publicação do Edital.
A favor da primeira interpretação importante anotar que o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.561, de 13 de julho de 1977 determina:
Art. 1º - É vedada a ocupação gratuita de terrenos da União, salvo quando autorizada em lei.
Também é razoável alegar que o contrato deve ser sempre interpretado de acordo com a Lei, não sendo correto presumir que dispôs de modo a contrariá-la.
Além disso, o aforamento é direito real que só se desfaz com a alteração no Registro, sendo o foro devido enquanto não desconstituído no CRGI.
Ainda, sob o ponto de vista fiscal, a cláusula de renúncia de receita deve ser interpretada restritivamente.
Embora plausível e acolhida pela SPU/ES ("parece-nos que o citado comando não abrange as áreas fora dos limites do porto organizado de Vitória"), não é a única possível.
Analisando o contrato e o modelo de concessão, parece-nos possível concluir que o Poder Concedente quis a União retirar do risco do empreendimento qualquer passivo relacionado com o patrimônio imobiliário do "antigo Porto Organizado".
Ao considerar os débitos não inscritos como "risco relacionado à Concessão", a União de admite implicitamente a dificuldade de lidar com tal passivo, que são decorrentes de uma legislação arcaica e "remendada" ao longo dos anos, e de dificílima interpretação/aplicação.
E analisando o Contrato de Cessão sob Regime de Aforamento (Contratos de Cessão sob regime de Af 1984 a 1995 (10150241) SEI 10154.160143/2020-21), fica claro que a área do RIP 5703010082162 era para o funcionamento do porto:
"instalação de benfeitorias necessárias e úteis, adequadas à ampliação das atividades portuárias em Capuaba" (cláusula terceira, pg. 468)
Ao que mostra a imagem na consulta da SPU (Ofício 24654 (33023023) SEI 50904.101122/2021-40 / pg. 524) não são imóveis distintos, separados do porto; é o próprio porto. A área não sobreposta é uma fração contínua que ficou de fora do "novo porto" após o redesenho da poligonal, provavelmente em razão da cobertura vegetal.
Finalmente, parece-nos que neste contexto específico não seria possível fracionar o foro para cobrar só a parte que ficou de fora do "novo porto". Isso porque a cessão sob regime de aforamento não pode ser tratado como uma ocupação irregular, onde não há contrato e a taxa decorre da mera utilização.
O contrato é, acima de tudo, um ajuste de vontades, e não se pode presumir que o ajuste firmado existiria em outras condições. O que implica em dizer que não se pode "cortar'" um pedaço do contrato para aproveitar somente aquela parte. Sendo assim, o contrato de concessão absorveria o débito do foro como um todo, sem deixar "resíduos".
Também atentaria contra a própria ideia de boa-fé inserir uma cláusula no contrato dizendo que o risco relacionado "a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado" para depois dizer que "um pedaço" ficou de fora porque não faz parte do novo porto, mas do antigo. A própria existência de tal distinção, só agora claramente revelada para cobranças, favorece o entendimento de que se pretendia dispensar o passivo do "velho porto".
Nesse ponto, pedimos vênia para transcrever pertinente acórdão do TJDF:
“Com efeito, os deveres de conduta emanados da probidade e da boa-fé objetiva devem permear todas as fases do contrato, consoante dispõe o art. 422 do Código Civil:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
O Enunciado nº 170 do Conselho da Justiça Federal, também, oriente que “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.
De acordo com a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, o princípio da boa-fé objetiva é a mais imediata tradução do princípio da confiança e impõe aos contratantes a atuação de acordo com determinados padrões de lisura, retidão e honestidade, de modo a não frustrar a legítima expectativa e confiança despertada em outrem. Confira-se:
Em sentido diverso, o princípio da boa-fé objetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da “confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio.
O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.
A boa-fé objetiva pressupõe: (a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; (b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bônus pater famílias; (c) reunião de condições suficiente para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado. (in Teoria Geral e Contrados em Espécie, 6ª ed., Editora Jus Podivm, pág. 174/175).
Enfim, a boa-fé é um arquétipo ou modelo de comportamento social que nos aproxima de um conceito ético de proceder de forma correta.
Toda pessoa deverá ajustar o seu agir negocial a este padrão objetivo.
A conduta esperada é a conduta devida, de acordo com parâmetros sociais.
A boa-fé consiste em uma ideia que insere uma suavização e uma correção em uma inteligência demasiadamente estrita do pacta sunt servanda, introduzindo modulações que possam ser exigidas nas circunstâncias do caso concreto.
Trata-se de uma fórmula indutora de uma certa dose de moralização na criação e no desenvolvimento das relações obrigacionais, propiciando a consideração de uma série de princípios que a consciência social demanda, mesmo que não estejam formulados pelo legislador ou pelo contrato (ob. cit., pág. 179). (grifou-se).”
Acórdão 1290939 , 07113605220198070001, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no DJE: 03/11/2020
Portanto, plausível a interpretação adotada pela SPU/ES, mas também é bem razoável o entendimento de que a cláusula contratual abrange a área do "antigo" cais de Capuaba, e não somente a área da concessão de 2022. E, em consequência, seria inviável cobrar a área não sobreposta. Ao nosso Juízo, este é o melhor entendimento.
No entanto, havendo mais de uma solução jurídica plausível e sustentável, não cabe a manifestação jurídica substituir a deliberação do Gestor, mas tão somente fornecer ao Administrador os elementos necessários para a tomada de decisão, conforme art. 50 da Lei 9.784.
É exatamente este entendimento divulgado no Manual de Boas Práticas Consultivas (4ª edição revista, ampliada e atualizada, 2016):
BPC nº 19
Enunciado: Se a consulta possibilitar mais de uma solução jurídica igualmente plausível e sustentável, convém que a manifestação consultiva leve ao conhecimento do consulente também o entendimento jurídico alternativo e sua respectiva fundamentação.
Fonte: Visto que a orientação do Órgão Consultivo se destina ao controle de legalidade dos atos da Administração, e não à substituição da deliberação do gestor, a manifestação jurídica que descortine eventuais alternativas legais contribuirá para demonstrar a diversidade de opções jurídicas disponíveis e propiciará ao administrador todos os elementos necessários à eficiente fundamentação de sua decisão, consoante o art. 50 da Lei nº 9.784, de 1999.
Diante dos fundamentos acima, é possível responder objetivamente os questionamentos lançados:
7.1. é possível manter a cobrança dos foros lançados por esta Superintendência relativamente a toda a área em verde da FIGURA 1, mesmo que algumas de suas partes estejam contidas na área do porto organizado de Vitória (em vermelho)?
Não. Por intermédio do Contrato nº 01/2022 Poder Concedente (União) assumiu a responsabilidade pelos débitos não lançados até a data da publicação do Edital;
7.2. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for positiva, a CODESA deve ser mantida como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Prejudicado.
7.3. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for negativa, esta Superintendência pode relançar os foros dos trechos das áreas em verde na FIGURA 1 que não se sobreponham à superfície em vermelho que representa a área do porto organizado de Vitória?
Duas interpretações plausíveis. Entendendo que a expressão "a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado" refere-se ao "futuro" porto organizado, a cobrança será possível; entendendo que a expressão abrange a Área antes ocupada pela CODESA, a cobrança será inviável.
7.4. se a resposta ao questionamento no item 7.3. for positiva, a CODESA deve ser colocada como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Se alguma cobrança for efetuada, após a decisão do gestor, a devedora é a CODESA, foreira do imóvel.
Ante o exposto, entendemos que a competência para apreciar a consulta é da Consultoria Jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, conforme Decreto 11.354 de 1º de janeiro de 2023 e submeto a questão à apreciação do Exmo. Coordenador.
Caso seja adotado o entendimento de que a competência desta E-CJU, o parecer adotado o exposto acima.
À consideração superior.
Vitória, ES, 12 de abril de 2023.
LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 50904101122202140 e da chave de acesso 920724fd
Notas