ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

NOTA JURÍDICA n. 00011/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 04911.002258/2017-85.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO PIAUÍ - MGI/SPU/SPU-PI) E VICENTE DE PAULA MELO.

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. CONCESSÃO DE AFORAMENTO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

Após a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no PARECER n. 00894/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 16 de novembro de 2022 (SEI nº 29610899), o Superintendente Substituto do Patrimônio da União no Estado do Piauí, por intermédio do OFÍCIO SEI 23468/2023/ME, datado de 10 de fevereiro de 2023, assinado eletronicamente em 14 de fevereiro de 2023 (SEI nº 31603812), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no SAPIENS em 10 de abril de 2023, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.

 

Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a consulta envolvendo enquadramento jurídico para concessão de aforamento referente ao terreno de natureza urbana, conceituado como acrescido de marinha, com área de 192,00 (Cento e noventa e dois metros quadrados), localizado na Avenida Governador Chagas Rodrigues, nº 360, Bairro Nossa Senhora do Carmo, Município de Parnaíba, Estado do Piauí, CEP nº 64.200-000, cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA) sob o Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) 1153.0000546-00.

 

Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever parcialmente fragmentos da Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345), elaborada pelo Núcleo de Destinação Patrimonial da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Piauí (NUDP/SPU-PI), no qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:

 

(...)

 

"ANÁLISE
2. O interessado formalizou o exercício da Preferência ao Aforamento Gratuito referente a imóvel da União, independentemente do pagamento do valor relacionado a este direito, por se enquadrar nos critérios de preferência de que tratam os arts. 105 e 215 do Decreto- Lei nº 9.760, de 1946, nos termos da do Artigo 10 da Instrução Normativa Nº 3/2016.

 

3. Em razão do exercício do direito de preferência ao aforamento gratuito pelo interessado, não foi expedida a notificação de que trata o Art. 104 do Decreto - Lei nº 9.760, de 1946, com redação da Lei nº 9636/1998.

 

4. O pedido tem respaldo nos Decretos- leis nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, nº 3.438, de 17 de julho de 1941, nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, nas Leis nº 9.636, de 15 de maio de 1998, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 11.481, de 31 de maio de 2007, nº 13.139, de 26 de junho de 2015, e nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, bem como no Decreto nº 3.725, de 10 de janeiro de 2001 e na Portaria CONJUR nº 2, de 10 de abril de 2013, e será analisado em conformidade com a Instrução Normativa Nº 3, de 09/11/2016 que estabelece os procedimentos administrativos para a constituição, caducidade, revigoração e remição do aforamento de imóveis dominiais da União.

 

Da Instrução Processual
5. O processo foi instruído, inicialmente, com as seguintes documentações, enviadas pela solicitante:
5.1. Requerimento Solicitando a mudança de Regime para Aforamento: (13887932);
5.2. Documentação de Identificação do solicitante, sua esposa e certidão de casamento: (13887904), (13887905), (13887906), (13887907) e (13887908);
5.3. Títulos relacionados à Registros e Transações referentes ao imóvel: (13887909), (13887910), (13887911), (13887912), (13887913), (13887914) e (13887915);
5.4. Planta, Memorial descritivos e Fotos do imóvel: (13887916), (13887917), (13887918), (13887919), (13887920), (13887921), (13887922), (13887923), (13887924), (13887925), (13887926), (13887927), (13887928), (13887929), (13887930) e (13887931).

 

Do imóvel
6. O imóvel requerido em aforamento está classificado como terreno acrescido de marinha, conforme consulta feita ao Sistema SIAPA, sob o número RIP 1153 0000546-00, registrado inicialmente através do processo nº 05059.000273/2002-72, com área de 1.249,95 m².

 

"Do Histórico do imóvel
7. A cadeia sucessória  está delineada e assim descrita:

 

7.1. Primeiramente, cabe informar que foi elaborado uma Nota Técnica anterior a essa (Nota Técnica SEI nº 46161/2022/ME - 28664240) que trazia com amparo legal para a concessão do aforamento os critério estabelecido no inciso IV do art. 14 da In 03/2016, de 09 de novembro de 2016, a saber:

 

"Art. 14. Tem preferência ao aforamento gratuito, conforme o art. 105 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946:
...
IV - os ocupantes efetivamente inscritos até o ano de 1940, ainda que o atual ocupante tenha sido cadastrado em data posterior, hipótese em que a cadeia possessória efetivamente lançada nos arquivos da Administração deve retroagir ininterruptamente àquele ano, e desde que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos;"

 

 

7.2 Entretanto, após a análise do teor do parecer PARECER n. 00894/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (29610899), que trás nos seus itens 23 e 24 as seguintes iformações:

 

"23. Considerando os elementos e documentos existentes na instrução processual, aparentemente há contradição na informação existente no item 10 da NOTA TÉCNICA SEI 44201/2022/ME (SEI nº 28366827), pois se a INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO FOI IMPLEMENTADA/PROVIDENCIADA EM 16/10/1941, em princípio não seria juridicamente possível a concessão do aforamento com fundamento no artigo 105, item 4º, do Decreto-Lei Federal nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, c/c com o artigo 14, inciso IV, da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, pois o ordenamento jurídico exige que os ocupantes estejam efetivamente inscritos até o ano de 1940, ainda que o atual ocupante tenha sido cadastrado em data posterior, hipótese em que a cadeia possessória efetivamente lançada nos arquivos da Administração deve retroagir ininterruptamente àquele ano.

 

24. Para viabilizar a concessão do aforamento com fundamento no artigo 105, item 4º, do Decreto-Lei Federal nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, c/c com o artigo 14, inciso IV, da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, a SPU-PI DEVERÁ ESCLARECER SE A INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO OCORREU DESDE 1939, COMPROVADA PELO PAGAMENTO DAS TAXAS EM 1939, nos termos do ALVARÁ DE LICENÇA 40/80 expedido pelo Serviço do Patrimônio da União (SEI nº 13887931)."

 

7.3. No que concerne ao trecho da legislação que diz que o "ordenamento jurídico exige que os ocupantes estejam efetivamente inscritos até o ano de 1940, ainda que o atual ocupante tenha sido cadastrado em data posterior, hipótese em que a cadeia possessória efetivamente lançada nos arquivos da Administração deve retroagir ininterruptamente àquele ano", destaca-se que a União não tinha amparo firmado em contrato (entre ela e o particular) para cobrar uma Taxa de Ocupação anterior a data da efetiva Inscrição  ocupação. Ora, o Fato Gerador das taxas cobradas pela União, só se dariam depois que o imóvel estivesse devidamente Inscrito. Mas, mesmo sem esse amparo contratual e com base na legislação prevista à época, a União cobrava pelas anos anteriores em que o ocupante já ocupava o imóvel de Propriedade da União. Dessa forma, entende-se que este fato praticado pela União teve o condão de retroagir a Inscrição de Ocupação do Ocupante à data dos pagamentos retroativos exigidos por ela (União). A Inscrição de Ocupação é um Instrumento de Destinação (contrato), em que a União permite que o Particular use um imóvel da União, e por sua vez, o particular se obriga ao pagamento de uma taxa, em contra-partida. O que se verifica no caso concreto referente a este imóvel, é que a cobrança realizada pela União de forma retroativa pelo uso da área se revestiu, na verdade, de uma Inscrição de Ocupação retroativa, reconhecida pela União, pois se revestiu de todas características inerentes a Inscrição de Ocupação, qual seja: uso da área da União mediante pagamento de taxa para esse fim.

 

7.4. Desta maneira, frente ao posicionamento firmado pela CJU que diz que a "SPU-PI DEVERÁ ESCLARECER SE A INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO OCORREU DESDE 1939, COMPROVADA PELO PAGAMENTO DAS TAXAS EM 1939, nos termos do ALVARÁ DE LICENÇA 40/80 expedido pelo Serviço do Patrimônio da União (SEI nº 13887931)", questionamos se a cobrança feita pela União e paga pelo particular, de forma retroativa, pois não se tinha assinado o contrato de Inscrição de Ocupação ainda, teve o condão de trazer a Inscrição de Ocupação àquela data (data dos pagamentos feitos de forma retroativa pelo particular). A União agiu como se existisse um contrato entre ela e o particular (contrato de Inscrição de Ocupação) mesmo sem ainda existir. Dessa forma, feita as considerações acima, pedimos novamente o enquadramento da concessão do aforamento com base no fundamento no artigo 105, item 4º, do Decreto-Lei Federal nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, c/c com o artigo 14, inciso IV, da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, caso a CJU entenda ser possível, frente ao caso concreto exposto.

 

7.5. Alternativamente, caso a Consultoria Jurídica, em sua análise, entenda não ser possível a aplicação do enquadramento legal acima mencionado, trago a possibilidade de enquadramento do Aforamento deste imóvel segundo os parâmetros do art. 15 da Instrução Normativa 03, de 09 de novembro de 2016, assim descrita: 

 

"Art. 15. Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo único. Para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal."

 

7.6. O art. 20, do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, trás a seguinte redação:

 

"Art. 20. Aos atuais posseiros e ocupantes é permitido regularizar sua situação, requerendo o aforamento do terreno até 16 de outubro do corrente ano."

 

7.7. Nesse sentido, Maria da Graça Moraes Santos efetivamente foi inscrita em 16/10/1941, entretanto a Superintendência do Patrimônio da União reconheceu sua posse bem anterior a essa data, pois nessa época a Superintendência exigia, para a inscrição, que o particular pagasse retroativamente todo o período em que ocupava de forma informal a área da União.

 

7.8. Dessa maneira, no processo consta uma taxa referente a esse pagamento retroativo efetuado por Maria da Graça Moraes Santos, datado de 1939 (13887931), demonstrando que a SPU reconheceu sua posse anterior a data estipulada no art. 15 da Instrução Normativa 03, de 09 de novembro de 2016, em consonância com o estabelecido no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941.

 

7.9. Logo, a União cobrou retroativamente do particular as taxas pelo uso da área da União pelo requerente, e de forma consensual o requerente pagou, como comprovado no documento SEI (13887931). Esse fato enseja que a União reconheceu que o particular usava a área da União como se Inscrito fosse. Ou seja, o particular pagou as taxas à União para lhes garantir todos os direitos inerentes do Possuidor (Construir, plantar, gerir, restringir o acesso de terceiros). Reconhecendo, a União, que o particular tinha o Animis Domini sobre a área.

 

7.10. Diante disto, pede-se a análise da Consultoria Jurídica da União quanto à possibilidade de enquadramento do aforamento com base art. 15 da Instrução Normativa 03, de 09 de novembro de 2016."

 

 

No que tange à indagação formulada no subitem 7.4. Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345) no sentido de que a cobrança feita pela União e paga pelo particular, de forma retroativa, teria aptidão para comprovar a inscrição de ocupação em 1939, entendo, data vênia de entendimento divergente, não ser juridicamente possível adotar tal premissa, pois o ordenamento jurídico exige que os ocupantes estejam efetivamente inscritos até o ano de 1940, tendo o próprio órgão de gestão patrimonial reconhecido expressamente no item 10 da NOTA TÉCNICA SEI 44201/2022/ME (SEI nº 28366827) e no subitem 7.7. da Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345) que a INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO FOI IMPLEMENTADA/PROVIDENCIADA EM 16/10/1941, fato que não se coaduna com a pretensão do órgão assessorado (SPU-PI).

 

Em relação ao enquadramento cogitado no subitem 7.5. da Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345), para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal 3.438, de 17 de julho de 1941, c/c o artigo 15, parágrafo único, da  Instrução Normativa SPU 003, de 9 de novembro de 2016, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal.

 

Neste sentido, no subitem 7.7. da Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345) consta a informação de que "Maria da Graça Moraes Santos efetivamente foi inscrita em 16/10/1941, entretanto a Superintendência do Patrimônio da União reconheceu sua posse bem anterior a essa data, pois nessa época a Superintendência exigia, para a inscrição, que o particular pagasse retroativamente todo o período em que ocupava de forma informal a área da União".

 

O NUDEP/SPU-PI esclareceu no subitem 7.8. da Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345) que "no processo consta uma taxa referente a esse pagamento retroativo efetuado por Maria da Graça Moraes Santos, datado de 1939 (13887931), demonstrando que a SPU reconheceu sua posse anterior a data estipulada no art. 15 da Instrução Normativa 03, de 09 de novembro de 2016.

 

Considerando as informações prestadas pela SPU-PI na Nota Técnica SEI 54493/2022/ME (SEI nº 30083345) e documento(s) a que alude, constata-se que o processo encontra-se instruído com a documentação do imóvel referente à inscrição da ocupação em 1941 e pagamento de taxas de ocupação retroativamente ao ano de 1939, anterior, em princípio, a data de publicação do Decreto-Lei Federal 3.438/1941.

 

Ressalte-se que no âmbito do Direito Administrativo a(s) informação(ões) prestada(s)/emanada(s) de autoridade(s) e agente(s) público(s) goza(m) do(s) atributo(s) de presunção (juris tantum) ou relativa de legitimidade e certeza. Tal(is) atributo(s) confere(m) não apena(s) veracidade sobre o(s) fato(s) no(s) qual(is) se baseia(m) (certeza), mas também permite inferir que foi(ram) realizado(s) em conformidade com os ditames legais (legitimidade), razão pela qual aquela(s) manifestação(ões) deve(m) ser presumida(s) como expressão verídica de uma realidade fática.

 

Com efeito, a presunção de legitimidade implica tomar por suposição que o Poder Público age em conformidade com as determinações legais, tendo em vista atender a interesses públicos concretos. Em razão da presunção de veracidade e como consequência da presunção de que o Estado não declara informações falsas, dados constantes de certidões, atestados, declarações e informações fornecidas pelo Poder Público são dotados de pública.

 

Para melhor contextualização da presunção (juris tantum) ou relativa de legitimidade que se revestem os atos administrativos, reputo relevante transcrever o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho[1] referente a tal atributo do ato administrativo, litteris:

 

(...)

 

"4. Ato Administrativo

 

(...)

 

IV. CARACTERÍSTICAS

 

(...)

 

2. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE 

 

Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normais legais, como bem anota DIEZ. Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutura do Estado.

 

Vários são os fundamentos dados a essa característica. O fundamento precípuo, no entanto, reside na circunstância de que se cuida de atos emanados de agentes detentores da parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger. Desse modo, inconcebível seria admitir que não tivessem a aura de legitimidade, permitindo-se que a todo momento sofressem algum entrave oposto por pessoa de interesses contrários. Por esse motivo é que se há de supor que presumivelmente estão em conformidade com a lei.

 

É certo que não se trata de presunção absoluta e intocável. A hipótese é de presunção  juris tantum (ou relativa), sabido que pode ceder à prova em contrário, no sentido de que o ato não se conformou às regras que lhe traçavam as linhas, com se supunha.

 

Efeito da presunção de legitimidade é a autoexecutoriedade, que, como veremos adiante, admite seja o ato imediatamente executado. Outro efeito é o da inversão do ônus da prova, cabendo a quem alegar não se o ato legítimo a comprovação da ilegalidade. Enquanto isso não ocorrer, contudo, o ato vai produzindo normalmente os seus efeitos e sendo considerado válido, seja no revestimento formal, seja no seu próprio conteúdo" (os grifos não constam do original)

 

 

No mesmo sentido a lição de Lucas Rocha Furtado em sua obra Manual de Direito Administrativo,[2] verbis:

 

(...)

 

"Capítulo 5
Ato Administrativo

 

(...)

 

5.5 Atributos do ato administrativo

 

(...)

 

5.5.2 Presunção de legitimidade

 

A importância da presunção de legitimidade está ligada à consequência que dela decorre. Quando se afirma que o ato administrativo se presume legítimo, conclui-se que tantos os administradores públicos quanto os particulares afetados pelo ato devem dar-lhe cumprimento. Todos estão obrigados a cumprir os atos administrativos, porque eles se presume legítimos, legitimidade que se mantém até que seja afastada por decisão judicial ou pela própria Administração Pública.

 

(...)

 

A presunção de legitimidade é atributo do próprio ato. Vimos, porém, que os atos administrativos somente podem ser praticados se tiver ocorrido o motivo previsto em lei e necessário à sua prática. (...) Nesse sentido, foi desenvolvida teoria que, além de presumir a legitimidade do ato, presume igualmente verídicos os motivos alegados pela Administração e que justificaram a sua prática. Se a Administração Pública concede aposentadoria compulsória, presume-se como verdade que o servidor completou a idade exigida. A esse aspecto do atributo da presunção de legitimidade do ato se denomina presunção de veracidade dos motivos invocados pela Administração Pública. (os destaques não constam do original)

 

Trata-se de presunção igualmente relativa. Se alguém questiona a validade de certo ato sob o argumento da inexistência ou da ilegitimidade dos motivos de que se serviu a Administração para praticá-lo, esse indivíduo terá o ônus de demonstrar, na via administrativa ou na via judicial, que o motivo não existe ou que não é válido".

 

 

Irene Patrícia Diom Nohara em sua primorosa obra jurídica Direito Administrativo[3] analisou os aspectos relacionados a tal atributo do ato administrativo da seguinte forma:

 

(...)

 

"4
Ato administrativo

 

4.4 Atributos

 

4.4.1 Presunção de legitimidade e veracidade

 

A presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos desdobra-se em dois aspectos:

 

1. presunção de legitimidade: os atos praticados pela Administração Pública presumem-se válidos em face do Direito; e
2. presunção de veracidade: os fatos alegados pela Administração Pública presumem--se verdadeiros.

 

Enquanto a legitimidade ou legalidade diz respeito à conformidade dos atos com os dispositivos legais, a veracidade refere-se às razões fáticas ou ao conjunto de circunstâncias ou eventos afirmados pela Administração.

 

Quando o Estado exercita suas atribuições, ele deve se pautar no princípio da legalidade administrativa, que tem sentido mais rigoroso ou restritivo do que a legalidade obedecida pelos cidadãos. Enquanto os particulares só podem ser obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, sendo a ausência de lei, via de regra, interpretada como autorização, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.

 

A presunção de legitimidade implica tomar por suposição que o Poder Público age em conformidade com as determinações legais, tendo em vista atender a interesses públicos concretos. Ela é estabelecida para que a Administração Pública garanta o cumprimento célere de suas funções. Trata-se, contudo, de presunção relativa (juris tantum), isto é, que admite prova em contrário.

 

Depois de editado o ato, ele produz efeitos como se válido fosse até sua impugnação administrativa ou judicial. Enquanto a impugnação administrativa pode ser feita de ofício pela Administração, com base em seu poder de autotutela ou por provocação do interessado, não há possibilidade de apreciação da legitimidade de um ato administrativo pelo Judiciário sem provocação da parte. No entanto, faz parte da própria definição de ato administrativo o fato de que ele se submete ao controle judicial.

 

Nota-se, portanto, que há dois fundamentos jurídicos básicos para a presunção de legitimidade: (1) o fato de que a Administração Pública se submete à legalidade administrativa; e (2) a possibilidade de controle e impugnação de atos que violem ao ordenamento jurídico. Os fundamentos jurídicos se relacionam com um fundamento de ordem prática que, conforme mencionado, compreende a possibilidade de cumprimento mais célere das funções administrativas, pois a burocracia ficaria mais vagarosa se à Administração fosse exigido provar que o que alega é verdadeiro ou mesmo que os atos estão todos de acordo com o Direito.

 

A presunção não exclui o dever de motivar o ato administrativo, que representa a necessidade de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão (art. 2º, parágrafo único, VII, da Lei nº 9.784/99), até porque a ausência de motivação dificulta o controle do ato administrativo.

 

Pela presunção de veracidade, dados constantes de certidões, atestados, declarações e informações fornecidas pelo Poder Público são dotados de pública. Como decorrência da presunção de que o Estado não declara informações falsas, quem duvida dos fatos alegados pelo Estado deve provar que as circunstâncias explicitadas não são aquelas (inversão do ônus de agir[4]).

 

Os documentos editados pelo Estado são dotados de pública e, nos termos do art. 19, II, da Constituição Federal, é vedado aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) recusar-lhes fé. Num Estado federal existe autonomia reconhecida pela Constituição aos entes federativos; no entanto, eles estão vinculados ao todo, sendo expressão clara desse liame o impedimento que pessoas políticas recusem fé a documento expedido por repartição pública vinculada a qualquer esfera federativa". (os destaques não constam do original)

 

 

O insigne Rafael Carvalho Rezende Oliveira em sua célebre obra Curso de Direito Administrativo,[5] ao analisar o atributo/característica do ato administrativo materializado na "presunção de legitimidade" e de "veracidade" discorre o seguinte:

 

(...)

 

"CAPÍTULO 15
ATO ADMINISTRATIVO

 

15.11 ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

 

(...)

 

Os atributos (ou características) dos atos administrativos são:

 

a) presunção de legitimidade e de veracidade;
b) imperatividade; e
c) autoexecutoriedade.

 

 

15.11.1 Presunção de legitimidade e de veracidade
Os atos administrativos presumem-se editados em conformidade com o ordenamento jurídico (presunção de legitimidade), bem como as informações neles contidas presumem-se verdadeiras (presunção de veracidade).[6]

 

A presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos é justificada por várias razões, tais como a sujeição dos agentes públicos ao princípio da legalidade, a necessidade de cumprimento de determinadas formalidades para edição dos atos administrativos, celeridade necessária no desempenho das atividades administrativas, inviabilidade de atendimento do interesse público, se houvesse a necessidade de provar a regularidade de cada ato editado etc. Trata-se, no entanto, de presunção relativa (iuris tantum), pois admite prova em contrário por parte do interessado. (os destaques não constam do original)

 

Os principais efeitos da presunção de legitimidade e de veracidade são a autoexecutoriedade dos atos administrativos e a inversão do ônus da prova."

 

 

Ademais, refoge à competência da e-CJU/PATRIMÔNIO instruir o processo com as informações técnicas e elementos fáticos, bem como documentos hábeis/aptos a comprovar/demonstrar a detenção física em relação ao bem imóvel exigida na Instrução Normativa 03, de 9 de novembro de 2016, pois a atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, discriminação de áreas da União, incluindo as atividades de regularização patrimonial, caracterização, incorporação, cadastramento, controledestinação de imóveis de domínio e posse da União, assim como registro e atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe aos órgãos patrimoniais no âmbito do sistema de gestão do patrimônio imobiliário da União, consiste em atribuição/competência titularizada pela SPU-PI,[7] unidade descentralizada da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão específico singular integrante da estrutura administrativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), nos termos do artigo 2º, inciso II, alínea f), do Decreto Federal nº 11.437, de 17 de março de 2023, que aprovou a Estrutura Regimental daquele Ministério.

 

Sendo assim, não podendo este órgão de consultoria jurídica subtrair do órgão técnico a atribuição para instruir o processo e atestar expressamente a presença dos requisitos estabelecidos para a concessão do aforamento pretendido, recomendo à SPU-PI que apenas considere atendida a exigência contida no artigo 15 da Instrução Normativa 03, de 9 de novembro de 2016, caso haja prova nos autos quanto ao registro de que "o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941", situação fática que não se confunde com o "pagamento retroativo das taxas vencidas".

 

Considerando o arcabouço legal e normativo que rege a matéria e em consonância com os documentos e informações que instruem o processo, entendo juridicamente possível a concessão do aforamento envolvendo imóvel de domínio (propriedade) da União, com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal 3.438, de 17 de julho de 1941, c/c o artigo 15, parágrafo único, da  Instrução Normativa SPU 003, de 9 de novembro de 2016, desde que observada a recomendação sugerida no item "16.".

 

Em caso de atendimento das recomendações sugeridas nos itens "16." e "17." e optando a SPU-PI pela concessão do aforamento, deverá ser providenciada alteração do FUNDAMENTO LEGAL previsto na minuta do Contrato de Constituição de Aforamento (SEI nº 28573906).

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "4.", "5.", "8.", "9.", "10.", "16.", "17." e "18." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Piauí (SPU-PI) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).

 

Vitória-ES., 24 de abril de 2023.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04911002258201785 e da chave de acesso 7aaba89d

[8]

Notas

  1. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 129.
  2. ^ FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª Ed., revista e ampliada. Belo Horiznonte: Forum, 2010, pp. 280/282.
  3. ^ NOHARA, Irene Patrícia Diom. Direito Administrativo. 11ª Ed., revista, atualizada e ampliada. Barueri [SP]: Atlas, 2022, pp 145/146.
  4. ^ Na verdade, rigorosamente falando, é o ônus de agir que é invertido. Segundo Agustín Gordillo, com apoio em Treves e Micheli, a presunção de legitimidade do ato administrativo inverte o ônus de agir, o que via de regra já ocorre no âmbito processual, isto é, quem afirma que algo não é verdadeiro deve agir para provar o que alega, e não o ônus probatório, pois ele não libera o Estado de aportar as provas de que sua ação foi regular. Não há dúvida em favor do Estado no processo, mas in dubio pro libertate no Estado Democrático. GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. V-22. 
  5. ^ OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 11ª Ed., revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Método, 2023, p. 314.
  6. ^ Alguns autores sustentam a mitigação da presunção de veracidade dos atos administrativos a partir da cláusula do Estado Democrático de Direito e do princípio da publicidade (GUEDES, Demian. A presunção de veracidade e o Estado Democrático de Direito: uma reavaliação que se impõe. Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 241-266).
  7. ^ Portaria ME 335, de 02 de outubro de 2020, que aprovou o Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio dfa União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia "ANEXO REGIMENTO INTERNO SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO CAPÍTULO I DA CATEGORIA E FINALIDADE Art. 1º A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, órgão subordinado à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia tem por finalidade:I - administrar o patrimônio imobiliário da União e zelar por sua conservação;II - adotar as providências necessárias à regularidade dominial dos bens da União;III - lavrar, com força de escritura pública, os contratos de aquisição, alienação, locação, arrendamento, aforamento, cessão e demais atos relativos a imóveis da União e providenciar os registros e averbações junto aos cartórios competentes; (...) V - proceder às medidas necessárias à incorporação de bens imóveis ao patrimônio da União; (...) CAPÍTULO III DAS COMPETÊNCIAS DAS UNIDADES (...) Art. 36. Às Superintendências do Patrimônio da União competem:I - programar, executar e prestar contas das ações necessárias à gestão do patrimônio, incluindo as atividades de caracterização, incorporação, destinação, gestão de receitas patrimoniais e fiscalização conforme as diretrizes da Unidade Central;II - administrar os bens imóveis que estejam sob sua guarda; (...) IX - registrar e atualizar as respectivas informações nas bases de dados da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União;"
  8. ^ CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 129.



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