ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00050/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.005621/2023-34

INTERESSADOS: SECRETARIA DO AUDIOVISUAL

ASSUNTOS: DIREITO INTERNACIONAL. PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO.

 

 

 

EMENTA: I. Protocolo de cooperação entre o Ministério da Cultura de Portugal/Instituto do Cinema e do Audiovisual - ICA, e o Ministério da Cultura do Brasil/ Agência Nacional do Cinema – Ancine, para o fomento à coprodução cinematográfica. II. Direito Internacional. III. Possibilidade jurídica. Recomendações.

 

 

RELATÓRIO 

 

1.  Por meio do Ofício nº 114/2023/SAV/GAB/SAV/GM/MinC (1128837), a Chefe da Secretaria do Audiovisual encaminha, para análise e manifestação desta Consultoria, o processo em epígrafe, que trata de Protocolo de Cooperação a ser celebrado entre o Ministério da Cultura de Portugal/Instituto do Cinema e do Audiovisual - ICA, e o Ministério da Cultura do Brasil/Agência Nacional do Cinema – Ancine, com o objetivo de fomentar a coprodução cinematográfica entre os dois Países.

 

2. Segundo informa o expediente, pretende-se que o instrumento seja assinado pela Sra. Ministra de Estado da Cultura, por ocasião da Reunião de Cúpula Brasil-Portugal, em 22 do presente mês, com a presença do Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

3. De acordo com o histórico constante da minuta em análise, em 3 de fevereiro de 1981, foi celebrado um Acordo de Coprodução Cinematográfica Luso-Brasileiro, com o propósito de promover e desenvolver a atividade cinematográfica entre os dois países. Ao abrigo do mesmo Acordo, as Partes firmaram um Protocolo, em 12 de agosto de 1994, o qual foi subsequentemente atualizado em seus termos, devido a necessidades de atualizações tecnológicas no âmbito da produção cinematográfica, em 1997, em 2007, em 2014, e em 2016.

 

4. O referido Acordo e os subsequentes Protocolos não foram juntados aos autos.

 

5. Considerando a necessidade de ajustes na execução do último Protocolo, as partes decidiram estabelecer um novo Protocolo, que ora se apresenta para análise por esta Consultoria Jurídica.

 

6. Para o que interessa à presente análise, constam dos autos a minuta de Protocolo de Cooperação que se pretende celebrar (1128773), a Nota Técnica n. 2/2023, da Secretaria do Audiovisual (1128776), e manifestações da ANCINE sobre o instrumento: Proposta de Ação – PA n. 3-E/2023/SEF/GDM e a Deliberação de Diretoria Colegiada n. 324-E, de 2023, que aprovou a Proposta de Ação (1126545 e 1126542).

 

ANÁLISE

 

7. A Consultoria Jurídica procede à análise com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).
 

8. Assim, cumpre esclarecer que não compete a esta Consultoria Jurídica a análise do mérito administrativo do instrumento que se pretende aprovar, cabendo à autoridade administrativa competente sopesar a conveniência e/ou oportunidade na edição do mencionado ato. Às consultorias jurídicas compete apenas a aferição do aspecto jurídico-legal das minutas cuja análise lhe são submetidas.

 

9.  O ato em análise é um de Protocolo de Cooperação que se pretende celebrar entre o Ministério da Cultura de Portugal/Instituto do Cinema e do Audiovisual - ICA, e o Ministério da Cultura do Brasil/ Agência Nacional do Cinema – Ancine, visando o fomento à coprodução cinematográfica (1128773).

 

10. Com relação ao mérito do ajuste, no âmbito do Ministério da Cultura, a proposta foi avaliada pela Secretaria do Audiovisual, por meio da Nota Técnica nº 1/2023, que concluiu favoravelmente à celebração do Protocolo.

 

11. Vale destacar, ainda, que a Ancine manifestou-se sobre a Proposta por meio do documento PA n. 3-E/2023/SEF/GDM, seguido de Deliberação de Diretoria Colegiada n. 324-E, de 2023, que aprovou a Proposta de Ação (1126545 e 1126542). A justificativa para o Protocolo complementar consta do seguinte trecho do doc. 1126542:

 

2.6 Atualização do protocolo: principais alterações
As alterações realizadas no protocolo de cooperação com o ICA, ora submetidas através da minuta sita em (2719732), buscaram primordialmente simplificar a redação do documento e incluir critérios que ofereçam um quadro normativo flexível que permita que os institutos de cinema possam a cada ano melhor moldar o edital às necessidades do mercado audiovisual, em constante mudança e progressão, e as particularidades de cada órgão.
Foram incluídos, também, critérios que buscam garantir a exequibilidade do projeto audiovisual selecionado, pontuando e incentivando o bom planejamento e a otimização da política audiovisual, potencializando o número de obras concluídas e o posterior acesso aos produtos brasileiros.

 

12. Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

 

13. No Brasil, os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, após firmados, devem ser remetidos à apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, em cumprimento à determinação contida no art. 49, I, combinado com o artigo 84, VIII, da Constituição Federal, que dispõem:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
(...)
 

14. Assim, em atenção às regras de competência estabelecidas no art. 49, inciso I e art. 84, VIII, da Constituição, os instrumentos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional deverão ser encaminhados ao Congresso Nacional, a fim de que este delibere sobre o ajuste, uma vez que é da sua competência "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

 

15. No caso do Protocolo de Cooperação que ora se pretende celebrar, observa-se que este é decorrência de um Acordo de Coprodução Cinematográfica entre os Governos da República Portuguesa e da República Federativa do Brasil, celebrado entre os dois países em 3 de fevereiro de 1981, a fim de estabelecer as regras gerais para a coprodução entre os dois Países, especialmente no que diz respeito à proporção das futuras contribuições dos coprodutores.

 

16. Referido Acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 40, de 25 de setembro de 1984, e promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 91.332/85, de 14 de junho de 1985.

 

17. Portanto, a minuta de Protocolo de Cooperação em análise (SEI 1128773) é uma decorrência do Acordo anteriormente aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, atualizando as diretrizes para o co-financiamento de produções entre os dois Países.

 

18. A minuta em tela estabelece o seguinte quanto ao Apoio Financeiro (item II) e ao Co-financiamento (item III):

 

II
APOIO FINANCEIRO
 
1. O apoio financeiro atribuído no âmbito do presente Protocolo dar-se-á: (i) na modalidade de subsídio a fundo perdido, a ser concedido pelo ICA, I.P. aos coprodutores minoritários portugueses; e (ii) na modalidade de investimento retornável, a ser concedido pela ANCINE aos coprodutores minoritários brasileiros.
 
2. As partes signatárias estabelecem conjuntamente os limites do apoio financeiro a atribuir em cada ano e o valor máximo a atribuir por projeto nas coproduções minoritárias.
 
III
CO-FINANCIAMENTO
 
1. As partes signatárias comprometem-se a co-financiar os projetos aprovados ao abrigo do presente Protocolo.
 
2. Em desenvolvimento do determinado no número 1, estabelece-se o seguinte:
 
2.1. As partes signatárias comprometem-se a co-financiar de forma equilibrada, anualmente, pelo menos quatro filmes, dois minoritariamente brasileiros e dois minoritariamente portugueses até aos montantes disponíveis e limites máximos estabelecidos por projeto.
 
2.2. Por filme, entendem-se obras cinematográficas de longa-metragem, de ficção, animação ou documentário.
 
2.3. Os recursos financeiros do co-financiamento serão atribuídos por cada país aos coprodutores minoritários de cada projeto, ou seja, para os filmes de realizadores portugueses, a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) atribuirá o financiamento estabelecido ao abrigo do presente Protocolo ao coprodutor minoritário brasileiro; e, para os filmes de realizadores brasileiros, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) atribuirá o financiamento estabelecido ao abrigo do presente Protocolo ao coprodutor minoritário português.
 
2.4. Apenas são admitidas candidaturas por parte de entidades que se encontrem devidamente inscritas no Registo de Empresas Cinematográficas e Audiovisuais efetuado pelo ICA.
 
2.5. Apenas são admitidas candidaturas por parte de entidades devidamente registradas na ANCINE.
 
3.  Nos termos e para os efeitos do Art. V do Acordo de Coprodução Cinematográfica Luso-Brasileiro, referido na cláusula I do presente Protocolo, fica estabelecido que a participação do coprodutor minoritário será, no mínimo, de 20%.
 
(...)
VII
ACORDO DE APOIO FINANCEIRO
 
1. Cumpridas as formalidades referidas na cláusula anterior, as partes signatárias celebram com os produtores brasileiros ou portugueses dos projetos selecionados um acordo de apoio financeiro.
 
2. O acordo de apoio financeiro referido no número anterior respeita as condições de pagamento estabelecidas na regulamentação aprovada por cada uma das partes signatárias, nos termos previstos na Cláusula X do presente Protocolo. 
 
(destaques nossos)

 

19. Observa-se, assim, que a minuta não prevê a transferência de recursos entre as partes, mas estabelece como se dará o financiamento dos projetos cinematográficos apresentados por produtores dos dois Países, de acordo com a legislação vigente no âmbito nacional de cada uma das Partes e com o Acordo previamente celebrado. No âmbito do Brasil, conforme consta do item II/1/ii da minuta, o financiamento se dará por meio de investimentos retornáveis, nos termos do art. 3º, inciso I, da Lei n. 11.437 de 28 de dezembro de 2006.

 

20. Portanto, trata-se aparentemente de instrumento não oneroso, que, salvo melhor juízo, não requer nova chancela do Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, já que se trata de decorrência do Acordo-base já aprovado pelo parlamento brasileiro.

 

21. Quanto à competência para a celebração do instrumento, observo que o Protocolo de Cooperação envolve unicamente obrigações da Ancine (e não do Ministério da Cultura). Assim, tendo em vista que a Agência, por natureza, possui autonomia administrativa e financeira, nos termos da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001 (art. 5º), conclui-se que o Diretor-Presidente da Agência seria a autoridade naturalmente competente para a celebração do ajuste.

 

22. Não obstante, como a Ministra da Cultura estará em Portugal na ocasião, nada impede que ela assine o ato, simbolicamente ou como interveniente-anuente (com ou sem competências próprias). No entanto, o Protocolo deverá ser obrigatoriamente assinado pelo Diretor-Presidente da Ancine, antes ou depois da cerimônia, pelos motivos expostos acima, sob pena de ineficácia.

 

23. Portanto, sob o ponto de vista estritamente jurídico e considerando a seara de competências do Ministério da Cultura, não se vislumbram óbices à celebração do Protocolo de Cooperação internacional em tela conforme proposto, desde que o Diretor-Presidente da Ancine assine o instrumento representando a Agência, e a Ministra de Estado da Cultura conste da minuta como interveniente-anuente.

 

24. Por fim, recomendo que o ajuste seja submetido ao Ministério das Relações Exteriores, a fim de ratificar o exposto no presente Parecer, já que se trata de matéria de sua alçada nos termos do art. 44 da Medida Provisória n. 1.145, de 1º de janeiro de 2023 (art. 44), e do Decreto n. 11.357, de 1º de janeiro de 2023 (art. 1º):

 

Art. 1º  O Ministério das Relações Exteriores, órgão da administração pública federal direta, tem como áreas de competência os seguintes assuntos:
I - assistência direta e imediata ao Presidente da República nas relações com Estados estrangeiros e com organizações internacionais;
II - política internacional;
III - relações diplomáticas e serviços consulares;
IV - coordenação da participação do Governo brasileiro em negociações políticas, comerciais, econômicas, financeiras, técnicas e culturais com Estados estrangeiros e com organizações internacionais, em articulação com os demais órgãos competentes;
(...)
VI - programas de cooperação internacional;
VII - apoio a delegações, a comitivas e a representações brasileiras em agências e organismos internacionais e multilaterais;
(...)
IX - coordenação das atividades desenvolvidas pelas assessorias internacionais dos órgãos e das entidades da administração pública federal, inclusive a negociação de tratados, convenções, memorandos de entendimento e demais atos internacionais;
(...)

 

CONCLUSÃO

 

25. Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices ao prosseguimento do feito, desde que observado o exposto no presente Parecer, em especial no item 23, sem prejuízo de eventuais recomendações específicas da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores quanto aos temas de sua alçada.

 

26. Assim, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo, na sequência, o encaminhamento à Secretaria do Audiovisual, para ciência e providências cabíveis.

 

Brasília, 18 de abril de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

Coordenadora-Geral

 

 


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