ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00001/2023/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 00688.000717/2019-98
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTO: INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS
EMENTA: LEI 14.133, DE 2021. ART. 74, III. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. REQUISITOS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE SINGULARIDADE DO SERVIÇO CONTRATADO.
I. RELATÓRIO
Trata-se de processo distribuído pela Exma. Coordenadora da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Advocacia-Geral da União, tendo em vista a reunião de trabalho da CNLCA ocorrida em 10 de março de 2023 (Termo de Reunião juntado no doc. 149), para que os presentes signatários elaborem parecer acerca da “desnecessidade da singularidade para contratação do inciso III do artigo 74 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021”.
Dessa forma, a presente manifestação jurídica visa analisar os aspectos que envolvem a exegese do art. 74, inciso III, da Lei nº 14.133/2021, buscando definir os requisitos para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, com o propósito de uniformizar a aplicação da norma no âmbito da Administração Pública federal.
É o breve relatório.
II. ANÁLISE JURÍDICA
Como se sabe, a obrigatoriedade do procedimento licitatório para realização de obras, serviços, compras e alienações pela Administração Pública decorre de mandamento constitucional previsto no art. 37, inciso XXI, da Magna Carta de 1988, assegurando-se igualdade de condições a todos aqueles que acudirem ao chamado do órgão ou ente público para participação do certame.
A não realização de licitação, também pelo dispositivo constitucional acima aludido, pode acontecer, mediante casos ressalvados em legislação que estabeleça normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas, hipóteses que podem ser caracterizadas ou pela dispensa ou pela inexigibilidade de licitação.
Desde o Código de Contabilidade Pública da União, Decreto-legislativo nº 4.536/22, que pela primeira vez tratou de forma sistemática a respeito da obrigatoriedade de a Administração Pública realizar licitação prévia para a contratação de bens, serviços e obras, já se admitia a dispensa de licitação (chamada à época de concorrência) “para o fornecimento do material ou de generos, ou realização de trabalhos que só puderem ser effectuados pelo productor ou profissionaes especialistas” (art. 51, “b”).
O Decreto-lei nº 200/67 manteve o delineamento geral do Decreto-legislativo nº 4.536/22, considerando dispensável a licitação para “contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização” (art. 126, § 2º, “d”).
Portanto, durante o período de vigência desta legislação, bastava a notória especialização do profissional ou empresa para autorizar a contratação direta.
O Tribunal de Contas da União, entretanto, conforme Súmula nº 39, de 04 de dezembro de 1973, exigia não apenas a notória especialização da empresa ou profissional a serem contratados, mas, também, que os serviços fossem “inéditos ou incomuns”, assim considerados aqueles serviços que exigissem, na seleção da empresa a ser contratada, “um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação”:
“A dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea "d" do art. 126, § 2º, do Decreto-lei 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.”
A exigência de que o serviço fosse “incomum” foi posteriormente incorporada à legislação, por meio do Decreto-lei nº 2.300/86, que revogou o Decreto-lei nº 200/67, e passou a exigir não apenas a notória especialização do profissional ou empresa, mas, também, que os serviços fossem de “natureza singular”:
“Art 12. Para os fins deste decreto-lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultarias técnicas e auditorias financeiras;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
§ 1º A contratação dos serviços previstos neste artigo com profissionais ou empresas de notória especialização dispensa licitação.”
Posteriormente, por força do Decreto-lei nº 2.348/87, que alterou o art. 23 do Decreto-lei nº 2.300/86, a contratação direta de serviços técnicos especializados de natureza singular prestados por empresa de notória especialização passou a ser considerada “inexigibilidade” de licitação:
“Art. 23. É inexigível a licitação, quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(…)
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 12, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização;”
Ademais, passou-se a dispor sobre o conceito de notória especialização:
“Art. 12 (omissis)
Parágrafo único. Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato."
Em 1993, o Decreto-lei nº 2.300/86 foi revogado pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, cujas regras sobre a inexigibilidade de licitação, nos casos de contratação de profissionais ou empresas de notória especialização, coincidiam, em parte, com a norma que a precedeu:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;”
Nota-se que a Lei nº 8.666/93, assim como o Decreto-lei nº 2.300/86, estabelece ser inexigível a licitação para a contratação de profissionais ou empresas de notória especialização, exigindo-se, para tanto, (i) que o serviço técnico conste de uma relação numerus clausus, inserta no seu art. 13, (ii) que o serviço seja de natureza singular e, por fim, (iii) que o profissional ou a empresa detenha notória especialização na prestação do serviço.
Ademais, foi mantido na Lei nº 8.666/93 o mesmo conceito de notória especialização previsto no Decreto-lei nº 2.300/86:
“Art. 25 (omissis)
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Em 2011, para adequá-la ao texto da Lei nº 8.666/93, o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 1.427/11 – Plenário, alterou a redação da Súmula nº 39, cujo enunciado passou a ter a seguinte redação:
“A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.”
Portanto, alterou-se a exigência de que o serviço fosse “incomum”, para que fosse “singular”, conceitos, entretanto, equivalentes.
Enquanto o enunciado da Súmula TCU nº 39 caracterizava como “incomum” o serviço “capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação”, no Acórdão nº 2.762/11 – Plenário, o tribunal definiu como serviço “singular” aquele “capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos.”
Nunca, entretanto, conseguiu-se definir de forma segura e satisfatória o conceito de serviço singular, o que levou a que a definição das hipóteses de inexigibilidade de licitação previstas no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93 fosse feita de forma casuística, gerando enorme insegurança justamente a respeito de uma situação de excepcionalização do dever constitucional de licitar, que, por se tratar de norma excepcional, demandaria uma maior precisão conceitual, segundo o princípio geral de que as exceções à regra geral interpretam-se restritivamente (Exceptiones Sunt Strictissimoe Interpretationis).[1]
Segundo Joel de Menezes Niebuhr:[2]
“O conceito de singularidade é indeterminado, bastante subjetivo e, por via de consequência, de difícil aplicação, o que abre espaços para excessos dos órgãos de controle que acabam por inviabilizar hipóteses de inexigibilidade legítimas previstas pelo legislador e por responsabilizar agentes administrativos e pessoas contratadas que atuam de boa-fé e em acordo com a legalidade.”
Em razão da insegurança jurídica decorrente da indefinição do conceito, o estatuto jurídico das empresas estatais, Lei nº 13.303/16, excluiu a exigência de singularidade do serviço, admitindo a contratação direta desde que o serviço seja técnico especializado e o prestado por profissional de notória especialização:
“Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de competição, em especial na hipótese de:
(…)
II - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Já a Lei nº 14.039/20 optou por considerar singular qualquer serviço profissional de advogado e contador. Assim o fez, acrescentando o art. 3º-A na Lei nº 8.906/94 e os §§1º e 2º no art. 25 do Decreto-Lei nº 9.295/46:
“Art. 1º. A Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 3º-A:
Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Art. 2º. O art. 25 do Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§1º e 2º:
Art. 25 (…)
§1º Os serviços profissionais de contabilidade são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
§2º Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de profissionais de contabilidade cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Portanto, a Lei nº 14.039/20 considera singulares os serviços de advocacia e contabilidade desde que executado por profissional de notória especialização, vale dizer, a singularidade decorre automática e diretamente da especialização do profissional.
A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, por sua vez, seguiu a Lei nº 13.303/16, afastando a exigência de que o serviço prestado tenha natureza singular:
“Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
[...]
III - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;
[...]
§ 3º Para fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 4º Nas contratações com fundamento no inciso III do caput deste artigo, é vedada a subcontratação de empresas ou a atuação de profissionais distintos daqueles que tenham justificado a inexigibilidade.”
Observa-se, desta forma, que a exclusão da exigência de comprovação de singularidade do objeto não é um mero acidente ou casualidade, mas constitui-se em verdadeira política legislativa, que tem o claro propósito de autorizar a contratação direta de serviços técnicos profissionais especializados independentemente de prova de eventual singularidade do objeto.
Sem embargo, parte da doutrina especializada ainda permanece se utilizando dos conceitos elaborados na legislação anterior, para defender que a contratação direta com fulcro no art. 74, III, da Lei nº 14.133/21 exige a comprovação da singularidade do serviço.
Luciano Taques Ghignone e Rita Tourinho,[3] por exemplo, ao discorrerem especificamente em relação à contratação de serviços advocatícios por inexigibilidade de licitação, asseveram ser a singularidade um requisito implícito na Lei nº 14.133/21:
“Por essa razão, sempre será necessário averiguar se a competição é possível e, para isso, não há como se fugir à identificação do objeto contratual, de forma que a avaliação da singularidade do objeto é condição incontornável para a averiguação da possibilidade de competição, encontre-se ou não aquela expressamente prevista como requisito legal para a inexigibilidade.
Não se ignora a ausência do termo “singular” na redação do art. 74, III, da Lei no 14.133/2021 como requisito para a contratação por inexigibilidade de licitação. Porém, não se vislumbra como se separar a notória especialização do prestador do serviço do caráter único (singular) da demanda da Administração Pública. Para que haja a inexigibilidade de licitação por inviabilidade de competição, faz-se necessária a especialidade da demanda a ser suprida por um profissional cuja especialização seja essencial ao seu atendimento. Sem uma demanda especial, ou seja, singular, a exigência de notória especialização não se sustenta, o que volta a atrair a licitação por técnica e preço.
Para a contratação por inexigibilidade, é preciso que o serviço apresente singularidade tal, que necessite de resposta específica, que somente poderá ser fornecida por profissional com notória especialização para aquela matéria, não comportando a contratação resultante de processo licitatório impessoal. Há obrigatoriedade de se demonstrar a compatibilidade da formação do profissional contratado em relação as especificações do serviço demandado pela Administração. Logo, a singularidade do serviço é característica implícita, necessária à avaliação da notória especialização do profissional a ser contratado para atender a demanda da Administração Pública.”
No mesmo sentido, Joel de Menezes Niehbur,[2] Ricardo Alexandre Sampaio,[4] Francisco Sérgio Maia Alves.[5]
Afastando-se da corrente que pugna pela comprovação da singularidade do objeto, Jacoby Fernandes[6] afirma que a escolha do prestador de serviço está no âmbito do poder discricionário do gestor público, cabendo a este agente estatal comprovar que sua escolha recaiu entre um dos vários prestadores de serviço que detêm notória especialização em sua área de atuação. O que tornará a licitação inexigível é a comprovação de que há maior grau de confiança neste prestador a ponto de entender que nenhum outro, mesmo aqueles também detentores de notória especialização, poderia suprir a necessidade da Administração Pública. Eis suas conclusões:
“Portanto, a conclusão a que se chega é que, mesmo não mais sendo a singularidade do objeto requisito essencial da contratação, não foi generalizada a contração de notórios especialistas. Satisfeitos os demais requisitos exigidos expressamente em lei, a motivação do ato deve evidenciar por que o gestor público considera que uma empresa ou profissional, já notório especialista nos termos da lei, é ‘essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’.
[...]
A exigência da lei ficou agora mais clara e objetiva; sai da discussão de singular, que poderia até ser sinônimo de único no mundo, para uma discussão de confiar que uma empresa ou um profissional é o mais adequado para a execução do serviço.”
Este também o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 669.347/SP:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. AÇÃO PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. CONTRATAÇÃO DIRETA DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. REQUISITO DE SINGULARIDADE DO SERVIÇO SUPRIMIDO PELA LEI N. 14.133/2021. CARÁTER INTELECTUAL DO TRABALHO ADVOCATÍCIO. PARECER JURÍDICO FAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DE EFETIVO PREJUÍZO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. A consumação do crime descrito no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei n. 14.133/2021), exige a demonstração do dolo específico de causar dano ao erário, bem como efetivo prejuízo aos cofres públicos.
2. O crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 é norma penal em branco, cujo preceito primário depende da complementação e integração das normas que dispõem sobre hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitações, agora previstas na nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133/2021).
3. Dado o princípio da tipicidade estrita, se o objeto a ser contratado estiver entre as hipóteses de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, não há falar em crime, por atipicidade da conduta.
4. Conforme disposto no art. 74, III, da Lei n. 14.133/2021 e no art. 3º-A do Estatuto da Advocacia, o requisito da singularidade do serviço advocatício foi suprimido pelo legislador, devendo ser demonstrada a notória especialização do agente contratado e a natureza intelectual do trabalho a ser prestado.
5. A mera existência de corpo jurídico próprio, por si só, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de serviço específico para o ente público.
6. Ausentes o dolo específico e o efetivo prejuízo aos cofres públicos, impõe-se a absolvição do paciente da prática prevista no art. 89 da Lei n. 8.666/1993.
7. Agravo regimental desprovido.” (grifo nosso)
No mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 714.064/SP:
“PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDADE DE LICITAÇÃO E PECULATO. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DE ELEMENTOS MÍNIMOS A EMBASAR A EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE, ADEMAIS, ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA DA PERSECUÇÃO PENAL. PARECER MINISTERIAL PELA CONTINUIDADE DA AÇÃO PENAL.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Cumpre asseverar a impossibilidade deste Sodalício analisar alegação não submetida previamente ao Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância. Dessarte, verifica-se da leitura do acórdão recorrido que tese de que não se pode confundir a responsabilidade do ordenador de despesa com a de consultor jurídico, ora paciente, não foi objeto de debate pela Corte de origem, o que obsta o conhecimento por este Tribunal. Precedentes.
III - O trancamento da ação penal constitui medida de exceção, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da exordial acusatória, atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade. No que concerne à justa causa, ressalte-se que o trancamento da ação somente se justifica se configurada, de plano, por meio de prova pré-constituída, diga-se, a inviabilidade da persecução penal.
IV - In casu, verifica-se que a Corte invocou fundamentos para determinar o prosseguimento da ação penal pela suposta prática dos delitos previstos no art. 89 da Lei n. 8666/1993 e 312 do CP que estão em sintonia com o entendimento deste Sodalício cuja jurisprudência se consolidou no sentido de que, ainda que o art. 74, inc. III, da Lei n. 14.133/2021 tenha suprimido a exigência de singularidade do serviço de advocacia, é necessária a comprovação da notória especialização do agente contratado, o que não ocorreu no presente caso. Com efeito, colhe-se do acórdão recorrido que "a denúncia descreve o dolo específico relativo ao crime previsto no artigo 89 da Lei nº. 8.666/93 ao mencionar que os recorridos concorreram para a dispensa indevida de licitação, sob o fundamento de notória especialização do profissional (artigo 25, inciso II, daquela Lei Extravagante), muito embora o escritório de advocacia contratado não contasse com tal característica" (fl. 49).
V - Outrossim, verifica-se que a exordial acusatória atende aos requisitos previstos no art. 41 do CPP, na medida em que descreve de forma bastante minudente a conduta do paciente e corréus da ação penal, além de demonstrar o elemento subjetivo dos tipos penais e a existência de prejuízo ao erário, conforme exigência deste Sodalício. Assim, para se entender de forma contrária, ainda mais nessa fase processual, seria necessária indevida incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via eleita. Precedentes. Habeas Corpus não conhecido.” (grifo nosso)
A partir da constatação de que a novel legislação não mais exige o requisito da singularidade, Jacoby Fernandes[7] anota a impossibilidade de adoção, em sua inteireza e sem maiores cautelas, dos precedentes elaborados com base na Lei nº 8.666/93:
“Por esse motivo, na interpretação desse dispositivo [art. 74, III], não devem e não podem ser aproveitados na integralidade os precedentes erigidos com fundamentação na Lei nº 8.666/1993. Alterada a redação da norma em parte essencial, não se pode tolerar a pretensão de avocar procedentes aplicáveis à norma anterior, restituindo palavras ou expressões inexistentes no atual texto legal, como ocorre com a exigência de singularidade para a contratação.”
A Lei nº 8.666/93 admitia a inexigibilidade de licitação apenas quando comprovada a singularidade do objeto da contratação. A singularidade do serviço, entretanto, conforme definiu o Ministro substituto do Tribunal de Contas da União, André Luís de Carvalho, “diz respeito a sua invulgaridade, especialidade, especificidade, ou seja, a natureza singular se caracteriza como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional especializado. Envolve os casos que demandam mais do que a simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional” (Acórdão nº 658/10 – Plenário).
Objeto singular não é aquele que é único, pois, nesta hipótese, “seria caso de inexigibilidade por inviabilidade de competição, fulcrada no caput do art. 25, e não pela natureza singular do serviço”, conforme observou o Ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, no Acórdão nº 1.397/22 – Plenário. Serviço singular é aquele que se diferencia dos demais em algum aspecto (não em todos, o que o tornaria único). Não há, entretanto, na legislação, determinação sobre qual aspecto do serviço deve ser diferenciado nem tampouco o critério de discriminem a ser observado, razão pela qual “a exigência de singularidade sempre foi particularmente complexa de ser demonstrada para a contratação de serviços técnicos especializados”, conforme reconheceu o Ministro do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, no julgamento do Acórdão nº 1.397/22 - Plenário. Segundo outro Ministro do tribunal, Augusto Nardes, “as contratações da espécie sempre suscitam contestações acerca da real subsunção do caso concreto na hipótese delineada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.” (Acórdão nº 2.142/07 – Plenário).
A ausência de critérios objetivos para definir a singularidade do objeto resultou em constantes questionamentos da legalidade de inexigibilidades de licitação realizadas com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93, conforme se pode observar pelo elevado número de apontamentos da auditoria do Tribunal de Contas da União a respeito da matéria, gerando enorme insegurança jurídica para os gestores públicos e empresas contratadas pela Administração. No intuito de conceder maior segurança jurídica aos processos de inexigibilidade de licitação, o legislador, em todas as leis ditadas sobre a matéria nos últimos anos, decidiu excluir a exigência de comprovação da singularidade.
As dificuldades vivenciadas pela Administração Pública para comprovar a singularidade do serviço técnico levaram o legislador, na Lei nº 14.133/21, a não prever, para a contratação direta de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, a exigência do requisito singularidade do objeto.
De acordo com Jacoby Fernandes,[8] “o legislador pretendeu resolver polêmicas que proliferaram no âmbito do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, tomando tempo, consumindo recursos e gerando instabilidade jurídica”.
Na disciplina da nova lei de licitações, conforme lição de Luciano Ferraz,[9] o legislador reconhece a inviabilidade de abertura de certame competitivo com base nas características personalíssimas (notória especialização) da empresa ou profissional a ser contratado. Portanto, o legislador já efetuou o juízo de ponderação a respeito da prevalência entre isonomia (abertura de processo licitatório) e eficiência (contratação direta de profissional de notória especialização).
A singularidade do objeto, deve-se ressaltar, sempre esteve intimamente ligada à notória especialização do profissional a ser contratado, conforme bem ressaltou o Ministro Benjamin Zymler no Acórdão nº 2.616/15 - Plenário, em análise à contratação realizada ainda sob a égide da Lei nº 8.666/93:
“29. Adentrando no exame da singularidade do objeto, enfatizo que tal conceito não pode ser confundido com unicidade, exclusividade, ineditismo ou mesmo raridade. Se fosse único ou inédito, seria caso de inexigibilidade por inviabilidade de competição, fulcrada no caput do art. 25, e não pela natureza singular do serviço. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede que exista a contratação amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.
30. Também não concordo totalmente com a correlação realizada pela Selog, no sentido de que não existe singularidade do objeto quando é possível a especificação tanto de qualificação técnica da empresa a ser contratada quanto dos serviços e produtos a serem produzidos, detalhando a metodologia a ser utilizada e os conteúdos dos produtos a serem entregues.
31. Isso porque em alguns tipos de contratação deve ser observada a relação que existe entre a singularidade do objeto e a notória especialização. Embora tal fato não possa ser tomado como uma regra geral, a singularidade do objeto muitas vezes decorre da própria notória especialização de seu executor.” (grifo nosso)
É justamente porque o profissional é diferenciado, possui capacidade técnica superior e comprovada para a execução do objeto, que se justifica a sua contratação direta, por inexigibilidade de licitação. Na hipótese, o legislador considera que a capacitação extraordinária do profissional, que ultrapassa o conhecimento médio dos profissionais de sua área, é razão suficiente para justificar a sua contratação direta. É o que está expressamente disposto no art. 74, § 3º, da Lei nº 14.133/21, que considera de notória especialização o profissional “cujo conceito no campo de sua especialidade [...] permita inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Na hipótese, deverá o administrador demonstrar que a abertura de certame licitatório importará em inaceitável prejuízo ao interesse público, conforme Lição de Ronny Charles Lopes de Torres,[10] membro desta Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Advocacia-Geral da União:
“Sob esse prisma, a inexigibilidade se confunde com a verificação de existência do pressuposto jurídico da licitação (exigência de que a licitação seja apta a satisfazer o interesse da Administração – que difere de interesse do administrador – enquanto indivíduo). Assim, competição inviável não seria apenas aquela em que é impossível haver disputa, mas sim aquela em que a disputa ofereça obstáculos ao interesse público, tornando sua realização inútil ou prejudicial, pelo confronto e contradição com aquilo que a justifica (o interesse público).”
Desse modo, a comprovação da singularidade do serviço, sob a égide da Lei nº 14.133/21, não é mais exigível. Em seu lugar, imputa-se ao gestor público o dever de motivar sua decisão na comprovação da confiança que tem no prestador de serviço por ela escolhido, medida que também encontra fundamento na Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro, cujo art. 20 estabelece:
“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”
Entretanto, não se pode tampouco chegar à conclusão de que serviços técnicos profissionais especializados serão sempre contratados por inexigibilidade de licitação desde que realizada a contratação com profissional de notória especialização.
Deve-se ressalvar que, ainda que a Lei nº 14.133/21 não exija comprovação de singularidade do objeto, não basta demonstrar que os serviços sejam técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e que o profissional ou empresa a serem contratados possuam notória especialização (requisitos próprios do III do art. 74). Além dos requisitos próprios de cada hipótese de inexigibilidade admitida nos diversos incisos do art. 74, há que se comprovar sempre o cumprimento do requisito geral que permite a contratação direta por inexigibilidade de licitação, qual seja, a inviabilidade de competição. Assim está previsto no caput do art. 74: é inexigível a licitação quando inviável a competição.
Segundo disposto no art. 11 da Lei nº 14.133/21, além da garantia do tratamento isonômico entre os eventuais interessados, a licitação destina-se à obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração. Vantajosidade não se confunde com menor preço, mas com obtenção do bem ou serviço que melhor satisfaça o interesse da Administração. Conforme bem observa Marçal Justen Filho,[11] há situações, por ausência de critérios objetivos para escolha do licitante vencedor, ou, ainda, por ausência de definição objetiva do próprio serviço que será executado, em que a licitação não se apresenta como procedimento apto a satisfazer o interesse da Administração em obter o melhor serviço. Conforme resume Ronny Charles.[12] a inexigibilidade de licitação é cabível “naquelas hipóteses em que a disputa é inútil ou prejudicial ao atendimento da pretensão contratual, pelo confronto e contradição com aquilo que a justifica (o interesse público). Nestas hipóteses, diante da inaptidão para obter a finalidade a qual se destina (garantir a obtenção da proposta mais vantajosa), a licitação perde a sua própria razão de ser.
Portanto, somente se admite a contratação direta por inexigibilidade de licitação prevista no inciso III do art. 74 da Lei nº 14.133/21 quando devidamente justificado pelo órgão licitante que a realização da licitação será inadequada para obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.
Rememora-se que a Lei nº 14.133/21 elenca diversos princípios que devem ser observados em sua aplicação, notadamente os princípios da impessoalidade, da moralidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa e da motivação. Constata-se, dessa forma, que a escolha do notório especialista não ficará adstrita ao arbítrio do gestor público. A motivação para sua escolha será indispensável e, para tanto, a confiança depositada no prestador de serviço torna-se de extrema relevância.
Não se fala, portanto, em singularidade do serviço, na medida em que tantos outros profissionais poderiam prestá-lo, mas na exigência de comprovação de que, por força da confiança depositada em determinado prestador de serviço, apenas ele está apto a atender os anseios do ente público.
Note-se que a regra a ser aplicada ao caso de inexigibilidade de licitação fundada no art. 74, inciso III, da Lei nº 14.133/21 aplica-se a todos os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual listados nas alíneas “a” a “h” daquele inciso.
Não há espaço hermenêutico para estabelecer, por exemplo, regras diversas para contratação de um curso destinado ao treinamento e aperfeiçoamento de pessoal e para contratação de advogado ou escritório de advocacia, de notária especialização. Dessa feita, se não são cobradas regras objetivas para a definição da singularidade de um serviço prestado por um advogado, também não há como se defender a exigência de critérios objetivos para escolha do serviço a ser prestado por qualquer outro daqueles listados nas alíneas do inciso III do art. 74 da nova lei geral de licitações e contratos.
Em todos os casos listados no dispositivo, somente a Administração, na pessoa do agente administrativo responsável pela contratação, pode dizer que aquele serviço é adequado, capaz de atender ao interesse público, na medida em que deposita no prestador de serviço nível de confiança superior aos demais prestadores de serviço. Para tanto, faz-se indispensável comprovar, no bojo do processo de contratação direta, a notória especialização do profissional ou empresa. A definição de notória especialização é dada pelo art. 6º, XIX, da lei, nos seguintes termos:
“XIX - notória especialização: qualidade de profissional ou de empresa cujo conceito, no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permite inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato;”
Infere-se que a qualidade de notória especialização não decorre de um juízo subjetivo do administrador público, mas do reconhecimento do profissional ou da empresa, dentro do campo em que atua, como apto a prestar, com excelência, o serviço pretendido. Essa notoriedade, de acordo com a lei, pode ser comprovada de diversas maneiras, como, por exemplo, desempenho anterior de serviço idêntico ou similar ao almejado pela Administração, publicações em periódicos de elevada qualificação acadêmica, reconhecimento do alto nível da equipe técnica que presta o serviço.
A lei, como se vê, não traz uma forma estanque de se comprovar a notória especialização, especialmente por prever a possibilidade de sua comprovação por “outros requisitos relacionados com suas atividades”. O que se torna indispensável, pois, é que esse reconhecimento parta do campo, da área de atuação, do círculo profissional do prestador de serviço. Se outros profissionais do campo de sua especialidade atestam sua notória especialização e a Administração traz aos autos provas robustas nesse sentido, demonstrando, em adição, que deposita especial confiança nesse prestador de serviço, o requisito da notória especialização resta cumprido.
Indispensável, de igual forma, é a juntada aos autos de justificativa do preço da contratação. Ainda que a escolha do prestador de serviço insira-se no âmbito da competência discricionária do administrador público, é seu dever, na realização de qualquer tipo de contratação direta, contratar com preços adequados à realidade do mercado, evitando-se propostas cujos preços possam representar contrariedade aos princípios estampados na lei geral de licitações e contratos, notadamente os da probidade administrativa, da eficácia, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade e da economicidade.
III. CONCLUSÃO
Ante o exposto, em resposta ao questionamento formulado, propomos o presente parecer, com as respectivas conclusões:
a) Para a contratação por inexigibilidade de licitação dos serviços técnicos especializados listados no art. 74, III, da Lei nº 14.133, de 2021, deve a Administração comprovar (i) tratar-se de serviço de natureza predominantemente intelectual, (ii) realizado por profissionais ou empresas de notória especialização; e que (iii) a realização da licitação será inadequada para obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.
b) A comprovação da notória especialização do profissional ou da empresa não decorre de um juízo subjetivo do administrador público, mas do reconhecimento do profissional ou da empresa, dentro do campo em que atua, como apto a prestar, com excelência, o serviço pretendido.
c) A notoriedade, de acordo com a Lei nº 14.133, de 2021, pode ser comprovada de diversas maneiras, como, por exemplo, desempenho anterior de serviço idêntico ou similar ao almejado pela Administração, publicações em periódicos de elevada qualificação acadêmica, reconhecimento do alto nível da equipe técnica que presta o serviço.
d) Além da notória especialização, deve a Administração demonstrar que os preços são adequados à realidade do mercado segundo os critérios de pesquisa de preços determinados pela legislação.
e) Ao administrador público cabe o dever de motivar sua decisão na comprovação da confiança que tem no prestador de serviço por ela escolhido.
f) Em relação ao ponto principal, acerca da não previsão da comprovação da natureza singular do serviço a ser prestado pela empresa ou profissional de notória especialização, pelas razões elencadas neste parecer, manifestamo-nos pela desnecessidade de sua comprovação para a contratação por inexigibilidade de licitação, desde que o administrador adote as cautelas elencadas nas letras "a" a "e" deste item 54 do parecer, de forma que a motivação de seus atos conste expressamente nos autos do procedimento administrativo.
Este é o parecer. À consideração superior.
Brasília, 27 de abril de 2023.
LUCIANO MEDEIROS DE ANDRADE BICALHO
ADVOGADO DA UNIÃO
Relator
VALMIRIO ALEXANDRE GADELHA JÚNIOR
ADVOGADO DA UNIÃO
Relator
Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
Diego Franco de Araújo Jurubeba
Procurador Federal
Fernando Ferreira Baltar Neto
Advogado da União
Liana Antero de Melo
Advogada da União
Marcela Ali Tarif Roque
Procuradora Federal
Michelle Marry Marques da Silva
Advogada da União - Coordenadora
Rafael Sérgio Lima de Oliveira;
Procurador Federal
Ronny Charles Lopes de Torres;
Advogado da União
Tais Teodoro Rodrigues; e
Advogada da União
Thyago de Pieri Bertoldi
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000717201998 e da chave de acesso da73bdc5
Notas