ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00341/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10380.012407/94-60
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: Doação com cláusula de reversão em caso de extinção. Validade. Ato Jurídico perfeito.
Transferência do imóvel da LBA para o INAMPS. Validade. Cláusula de reversão em caso de extinção não implica em inalienabilidade.
"A expressão "opera de pleno direito" prevista nos art. 474 CC não enseja a ideia de que o contrato esteja extinto automaticamente, mas a de que ao credor é dado o direito de resolver o contrato sem a intervenção do judiciário e sem que seja legítima a negativa do devedor" (Parecer n. 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU).
O requerimento do doador para exigir a volta do bem ao seu patrimônio está sujeito ao prazo prescricional e, ao que consta dos autos, não foi exercido tempestivamente.
Imóvel que deve ser incorporado ao Patrimônio da União.
Trata-se de consulta encaminhada pela SPU/CE nos termos da Nota Informativa SEI nº 10778/2023/MGI:
1. Trata o presente processo de incorporação do imóvel localizado na rua Cel. Antonio Luiz n° 989, bairro Pimenta, no Município do Crato, Estado do Ceará, oriundo do acervo imobiliário do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS extinto em 1993, pela Lei nº 8.689 de 27/07/93, art. 2º, e regulamentada pelos Decretos nº 907, de 31/08/93 e nº 987, de 17/11/93. O imóvel é objeto da Transcrição n° 3.647 do livro 3-F do Cartório do 2 ° Ofício da Comarca de Crato.
2. A Lei nº 8.689/93, a qual extinguiu o INAMPS, determinou que seus bens imóveis fossem incorporados ao patrimônio da União, desde que ocorresse a efetiva prestação de serviço de atendimento médico nos imóveis a serem transferidos, não se considerando como locais de prestação de assistência médica os locais de apoio administrativo tais como escritórios: de apoio, de cadastro, de registro, de arquivo, dentre outros, salvo quando absolutamente associados ao edifício ou unidade de efetiva prestação de assistência médica.
3. O imóvel foi transferido ao patrimônio do INAMPS por doação feita pela Fundação Legião Brasileira de Assistência - FLBA, que por sua vez adquiriu o imóvel por meio de doação realizada pela Sociedade Beneficente Hospital São Francisco de Assis do Crato.
4. Conforme esclarecido por meio da Nota Informativa 5811 (6943936), a Consultoria Jurídica da União no Estado do Ceará — CJU, foi consultada para manifestação quanto à viabilidade de incorporação do imóvel à União em face da existência de cláusula de reversão na Escritura Pública de doação lavrada em 06 de novembro de 1946 (6943663), entre a Sociedade Beneficente Hospital São Francisco de Assis do Crato e a FLBA, a qual condiciona a doação nos seguintes termos: "... no entanto, se a donatário, como Sociedade Civil vier a extinguir-se, reverterão ao domínio e posse da doadora o terreno ora doado, compreendendo as benfeitorias e dependências, nelas existentes". Observou-se que a transferência ao INAMPS se deu antes da extinção da FLBA.
5. Em resposta, foi emitida a Cota nº 103/2011-FS/CJU/CE/CGU/AGU, de 16/11/11, a qual solicita cópia autenticada do estatuto da Sociedade Beneficente Hospital São Francisco de Assis do Crato, acompanhada de documentos relativos a eventuais modificações contratuais, bem como ata da assembleia geral que elegeu a atual diretoria, e em caso de extinção, documento que comprove a dissolução.
6. Tendo em vista o tempo decorrido da consulta inicialmente realizada e diante da ausência de resposta às solicitações realizadas à Fundação Padre Ibiapina, via Ofício 63833 (6944484) e Ofício 221148 (10363589), sugere-se realizar nova consulta à Consultoria Jurídica da União para manifestação quanto à viabilidade de incorporação do imóvel à União, objeto da Transcrição nº 3.647 (11770148), em face da existência de cláusula de reversão, observando que a transferência ao INAMPS se deu antes da extinção da FLBA.
6. Segue Ofício 37533 (33723764) para apreciação e assinatura do Sr. Superintendente. Após à Coordenação, para disponibilização de acesso externo à CJU ao processo, conforme autorização contida no retrocitado Ofício.
No sistema SAPIENS o processo tem 2 (dois) sequenciais, contendo o OFÍCIO SEI Nº 37533/2023/MGI e o e-mail com dados para acesso externo ao SEI.
No SEI consta um processo com 27 (vinte e sete) registros e na opção "gerar PDF" é disponibilizado um processo com 177 (cento e setenta e sete) páginas e o seguinte conteúdo:
"o referido imóvel está ocupado pela Sociedade Beneficente São Camilo, encontrando-se em ótimo estado de conservação, funcionando no prédio o laboratório de análises clínicas da referida sociedade que administra o Hospital São Francisco. Ademais, por força de cláusula de reversão presente na escritura pública de doação lavrada no 10 Tabelionato da Comarca de Crato-CE em 06 de novembro de 1946, entre a Sociedade Beneficente Hospital São Francisco de Assis como doadora e a Comissão Estadual da Legião Brasileirade Assistência (LBA) como donatária, o referido imóvel hoje não mais pertence à donatária."
não foi possível encontrar os documentos que fundamentaram a transferência do imóvel registrado no livro 3-F sob o numero3.647 em nome do Instituto de Nacional de Assistência Social -INAMPS.
Nada mais existe nos sistemas. Tudo lido e analisado, é o relatório.
Na base de dados foi possível identificar alguns pareceres correlatos, dos quais destacamos:
A rigor, nenhum dos precedentes identificado trata de caso idêntico ao imóvel objeto de análise. Aqui tratamos, em síntese:
Portanto, se o imóvel foi transferido para o INAMPS antes da extinção da LBA, não poderia constar do inventário da LBA, o que afasta a aplicação direta do entendimento adotado no r. Parecer n. 01259/2018/CJU-SP/CGU/AGU, que tratou de imóvel objeto do processo de liquidação e por descumprimento de encargo.
Também não são aplicáveis diretamente os r. Pareceres 00639/2018/CJU-RS/CGU/AGU, 00211/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGUe 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, que trataram de encargo, e não de reversão por extinção.
Da mesma forma, não é aplicável diretamente a Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 04/2020, que trata de revogação "em razão da inexecução do encargo".
A distinção é relevante pois, como bem tratado no Parecer n. 00211/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, (NUP: 04988.005550/2005-22) "o encargo não se confunde com a condição resolutiva".
No entanto, apesar desta necessária distinção fática, os fundamentos adotados nos referidos pareceres (transcritos no anexo) são relevantes para o caso concreto e serão aqui adotados, como tratado a seguir.
A escritura pública de doação (Processo ADM (2972004) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 40) onde a Sociedade Beneficente Hospital São Francisco de Assis do Creta doa à Legião Brasileira de Assistência (LBA) o imóvel sob análise foi lavrada em 06 de novembro de 1946. Portanto, na vigência do Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), que já previa:
Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Portanto, a cláusula era (e é), perfeitamente lícita. A propósito, no Informativo 693 do STJ[1] constou:
REsp 1.922.153/RS, Rel. min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021.
Doação. Direito intertemporal. Cláusula de reversão em favor de terceiro. Validade à luz do código civil de 1916. Doação com cláusula de reversão em favor de herdeiros do donatário. Implemento da condição após a entrada em vigor do código civil de 2002. Possibilidade.
Na hipótese, levando-se em consideração que o contrato de doação foi celebrado em 1987, a validade da cláusula de reversão em apreço deve ser aferida à luz das disposições do CC/1916, não havendo que se cogitar da aplicação do novo Código Civil para esse mister.
Feita essa consideração, cumpre verificar, portanto, se, no sistema anterior ao advento do CC/2002, era possível inserir a referida cláusula em contrato de doação.
No que diz respeito ao seu conteúdo, tanto o art. 1.174 do CC/1916, quanto o caput do art. 547 do CC/2002, admitem a denominada cláusula de reversão, também denominada de cláusula de retorno ou de devolução:
CC/1916, Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário;
CC/2002, Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
Observa-se dos dispositivos legais acima mencionados que, ao contrário do CC/2002, o diploma anterior, a despeito de autorizar a cláusula de reversão em favor do doador, nada dizia acerca da reversão em favor de terceiro.
A rigor, seria até desnecessário analisar se a cláusula é legal ou não, uma vez que o próprio Decreto nº 1.686, de 26 de outubro de 1995 já determinava a observância e respeito à cláusula de reversão, o que implica em reconhecer a validade:
Art. 2º O Inventariante da extinta LBA representará a União nos atos relativos à alienação ou doação dos bens, mediante prévia anuência dos Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado e da Previdência e Assistência Social.
Parágrafo único. Fica o Inventariante da extinta LBA autorizado a promover a reversão, aos doadores originários, dos imóveis cuja propriedade tenha sido transferida àquela Fundação com esta cláusula no caso da sua extinção.
Mais do que isso: se a cláusula fosse nula, também seria nula a doação, matéria já bastante pacificada. Por todos, observe-se o STJ n o já referido REsp nº 1.922.153-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi:
75. Por fim, importa destacar que, fosse a referida cláusula nula, como pretende o recorrente, toda a doação seria maculada de nulidade, porquanto tratar-se-ia de condição juridicamente impossível, nos termos do inciso I do art. 123 do CC/2002 (correspondente ao art. 166 do CC/1916).
76. Nesse sentido, Agostinho Alvim, em obra clássica sobre o tema, leciona que “a invalidade, se tivesse de ser decretada, teria que incidir sobre a doação, e não somente sobre a cláusula de reversão, uma vez que neste caso haveria impossibilidade jurídica, a qual não anula só a condição, mas o ato” (ALVIM, Agostinho. Da doação. São Paulo: RT, 1963, p. 157).
Portanto, conclui-se que a cláusula de reversão em caso de extinção é lícita.
Como relatado, o imóvel foi transferido da LBA para o INAMPS antes da extinção da Fundação. A transferência, mesmo na existência de cláusula de de reversão - que não se confunde com cláusula de inalienabilidade - é perfeitamente lícita, conforme art. 127 do Código Civil vigente (art. 119 do Código de 1916), respectivamente:
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 119. Se for resoluta a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas, verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue, o direito a que ela se opõe.
Parágrafo único. A condição resoluta da obrigação pode ser expressa, ou tácita; operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo.
Aplica-se, no entanto, o disposto no art. 1.359 do Código Civil:
Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.
Assim, não se vislumbra qualquer ilegalidade na transferência da LBA para o INAMPS.
O acima mencionado Parecer n. 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP: 10154.177558/2020-34) adotou o seguinte entendimento:
A expressão "opera de pleno direito" tem ensejado entendimentos divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência, principalmente quando a grande maioria da doutrina é voltada para interpretações isoladas do Código Civil sem observar a norma cogente prevista nos §§ 1º e 4º, art. 17, da Lei de Licitações.
Orlando Gomes ao comentar sobre o parágrafo único do art. 119 do Código Civil de 1916 (dispositivo de correspondência ao art. 474 do Código Civil atual), asseverou:
"Posto se subentenda a cláusula resolutiva em todo contrato que produza obrigações recíprocas, nada impede que as partes, para reforçar o efeito da condição, a pactuem expressamente. Tal estipulação chama-se pacto comissório expresso. Nesse caso, a faculdade de resolução cabe apenas ao contratante prejudicado com o inadimplemento, jamais ao que deixou de cumprir as obrigações. O fundamento do pacto comissório expresso encontra-se no princípio da força obrigatória dos contratos. Uma vez que é estipulada no contrato, a faculdade de resolução se exerce, obviamente, pela forma convencionada, mas, diferentemente do que se verifica com a cláusula resolutiva tácita, entendem alguns que a resolução dispensa a sentença judicial. Havendo pacto comissório expresso, o contrato se resolve de pleno direito. Quando muito, o juiz, em caso de contestação, declararia a resolução, não lhe competindo pronunciá-la, como procede quando a cláusula resolutiva é implícita. Porque se opera ipso jure, a parte em favor da qual se deu a resolução não pode preferir a execução do contrato. A resolução somente se justifica se o devedor está em mora, devendo ser precedida de interpelação judicial se o cumprimento da obrigação não estiver subordinado a termo. Quando se aplica a regra dies interperllat por homine, a mora do devedor – mora solvendi – se constitui independentemente de interpelação. No direito pátrio, a regra relativa à cláusula resolutiva não distingue entre a condição expressa e a tácita, entendendo alguns que, em qualquer hipótese, a resolução do contrato há de ser requerida ao juiz. Todavia, outra disposição declara que a condição resolutiva expressa opera de pleno direito. É de se admitir que, havendo sido estipulada, seja dispensável a resolução judicial, pois, do contrário, a cláusula seria inútil".
Em lado outro, estão as lições de André Luiz dos Santos Nakamura:
"2.1 A cláusula de reversão do bem público doado por descumprimento da finalidade pública que justificou a doação
Necessário se faz perquirir a natureza jurídica da cláusula que impõe a reversão do bem doado em caso de descumprimento da finalidade que justificou a liberalidade. Poder-se-ia, num primeiro momento, cogitar que seria uma cláusula resolutória expressa que, na forma do art. 474 do Código Civil, operaria de pleno direito, e, rescindiria o contrato mediante a intervenção direta do próprio interessado, sem necessidade de provimento judicial. Dessa forma, se assim fosse, os efeitos jurídicos da doação recebida pelo donatário pelo Estado não mais subsistiriam, e, assim, não seria necessária qualquer providência para reverter o bem. Entretanto, não é o que ocorre, como demonstraremos abaixo.
Ressalte-se que a mera revogação da lei que autorizou a doação não opera qualquer efeito. A lei que autoriza a doação é uma lei de efeito concreto, com natureza de ato administrativo. Este não pode ser objeto de revogação se já exauriu os seus efeitos; a revogação não retroage os efeitos do ato, mas apenas impede que um ato continue a produzir efeitos. Se estes já se exauriram, não cabe falar em revogação. Assim, a revogação da lei que autorizou a doação não reverte o imóvel para o doador, o qual deve providenciar a reversão pela via amigável ou judicial.
O art. 555 dispõe que “a doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”. Também, o art. 562 do Código Civil traz a seguinte redação: “A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora”. Disso se conclui que, em relação à doação com encargo, a inexecução do encargo apenas dá fundamento a uma pretensão rescisória da doação, que não se se opera ipso iure, afastando, assim, a disciplina do art. 474 do Código Civil.
Segundo a doutrina, “incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doação, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador”.
Havendo o descumprimento da finalidade de interesse público que justificou a doação pelo donatário, necessária a formalização de um ato de reversão da propriedade para a Administração Pública. Necessário um ato de alienação, mediante uma escritura pública de revogação da doação (em caso de concordância do donatário que descumpriu o encargo) ou mediante registro de sentença que reconheça o descumprimento do encargo e determine a reversão. Ao ser feita a doação, há a celebração de um ato jurídico perfeito, o qual transmite a propriedade e que depende de outro ato para reverter a transmissão já feita.
A aquisição da propriedade, mesmo resolúvel, é um direito adquirido e para ser desfeito, deve se submeter aos princípios do direito imobiliário, dentre os quais o princípio da continuidade, conforme ensinou Pontes de Miranda:
O direito que tem a pessoa a que se atribuiu a propriedade depois de alguma indicação ou termo, de cujo advento resulte resilição, é direito expectativo, registrável, subjetivo, real. Esse ponto é da maior importância, no terreno da teoria geral do direito e do direito processual: é direito adquirido, penhorável, arrestável, sequestrável; se relativo a imóvel, hipotecável. Direito expectativo, e não simples expectativa. Se concernente a imóvel, os princípios do direito imobiliário são-lhe aplicáveis.
Também, no mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo ensina que “todos os contratos que envolvem a previsão da resolução da propriedade representam, porém, uma verdadeira compra e venda. Representam aquisição de propriedade”.
Assim, a revogação da doação por inexecução do encargo não tem efeitos retroativos. Nesse sentido:
A revogação da doação não tem efeitos retroativos. O donatário não é obrigado a restituir os frutos percebidos antes da citação válida. Após a citação na ação de revogação da doação, frutos deverão ser restituídos, uma vez que este ato de notificação constitui o donatário em mora e transforma a posse, que de boa-fé passa a ser considerada de má-fé. Uma vez julgada procedente a ação, o donatário deve devolver a coisa doada em espécie ou, se isso não for possível, indenizar o valor correspondente.1
Para reverter uma propriedade regularmente constituída, em respeito ao princípio da continuidade registral, faz-se necessária, em caso de reversão amigável, a lavratura de nova escritura pública para ser registrada no fólio real já existente, com todas as formalidades inerentes a um ato de transmissão de propriedade. Nesse sentido já se manifestou o Colégio Registral do Rio Grande do Sul:
Um dos princípios fundamentais do registro é o da continuidade, que determina o imprescindível encadeamento, ou seja, um histórico ininterrupto das titularidades jurídicas de cada imóvel. Por conseguinte, Registrada a Doação mediante escritura pública, R2, fl. 53, a Rescisão Bilateral da Doação, distrato, deverá ser feita mediante escritura publica e posterior registro, com todas as formalidades inerentes ao ato.
Também, mesmo que se entenda que a resolução da propriedade se opera de pleno direito, tal entendimento encontraria obstáculos na formalização da reversão da propriedade.
Toda transferência de propriedade imóvel necessita do registro, no Cartório de Registro de Imóveis, de um negócio jurídico formalizado mediante escritura pública em que se reconheça a ocorrência do inadimplemento do encargo e se transfira/ reverta a propriedade ou de decisão judicial.
A reversão, assim, não se dá de forma automática no registro de imóveis, pois não cabe ao Registrador verificar a ocorrência da hipótese da reversão, salvo em caso de escritura feita pelas partes ou mandado judicial. Nesse sentido: Careceria de previsão legal a averbação da ocorrência da condição resolutiva expressa a operar automaticamente nova transmissão de domínio. Também, se compreendido ser possível tal materialização, sem o devido exame judicial das provas, estaríamos transmutando ao registrador a verificação de fato não objetivo e que requer na prática produção de prova e contraditório... possível o registro de contrato de compra e venda onde haja disposição acerca da condição resolutiva em caso de inadimplemento, que, repita-se, ocorre de pleno direito, mas cuja averbação de sua ocorrência no fólio real carece, inexoravelmente, de mandado judicial.
Dessa forma, a reversão não se opera de pleno direito, devendo ser formalizado um instrumento de transferência de propriedade (alienação) onde é reconhecido o descumprimento do encargo proposto; caso não exista concordância do donatário na reversão, necessário provimento judicial determinando o retorno do bem ao doador. A reversão se submete a prazo prescricional o qual, no Código Civil vigente, é de dez anos (art. 205) ( In Doação de bens imóveis pela Administração Pública. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 159, maio 2014. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=117666>. Acesso em: 13 abr. 2020).
Longe, portanto, um consenso doutrinário. E em que pese o reconhecimento ao preclaro administrativista, verifica-se que ele nega categoricamente a natureza de "revogação" para a reversão da propriedade expressamente prevista no Código Civil, bem como a natureza de cláusula resolutória de que trata o art. 474 do Código Civil, querendo atribuir-lhe o condão de um novo pacto contratual, o que s.m.j. são duas teses que parecem não consistir.
Com efeito, partindo de uma interpretação mais ampla de todas as normas acima colacionadas, verifica-se que a intenção fixada nas expressões "operar de pleno direito" contidas nos arts. 397 e 474 do Código Civil é fixar o entendimento de não ser necessário a participação do judiciário para reconhecer ou declarar o inadimplemento de um contrato. A compreensão mais lógica é a de que uma vez operada a cláusula resolutiva expressa (ou o termo que fixa a mora), a parte lesada tem o direito de exigir o término do contrato sem que seja legítimo a recusa da outra parte. Em caso de recusa da parte, porém, uma manifestação judicial teria o efeito simplesmente de declaração da extinção contratual, sem a longa etapa do procedimento jurisdicional quanto ao conhecimento do fundo do direito própria ao contratos com cláusula resolutiva tácita.
Nesse último caso, a sentença que reconhece a resolução expressa é declaratória (efeitos ex tunc), enquanto a que reconhece a condição resolutiva tácita é constitutiva (efeitos ex nunc).
Outro fundamento para a expressão é fixar o prazo inicial da prescrição para uma eventual ação de revogação, que surge com o termo fixado na cláusula resolutória que identifica o descumprimento do encargo.
É o que Nelson Rosenvald[2] explica: "A cláusula resolutiva expressa, ou pacto comissório, verifica-se de pleno jure, por via do exercício do direito potestativo da parte interessada à outra", isto é, os efeitos da cláusula independem de interpelação judicial. Dessa forma, quando existente cláusula resolutiva expressa, a resolução opera-se de acordo com a forma convencionada, sem a necessidade primeira de levar a questão ao Judiciário.
Por outro lado, parece equivocada a leitura de que o contrato estará automaticamente acabado quando configurada o inadimplemento contratual. Necessário é que em se tratando de reversão de propriedade imóvel, o doador constitua prova irrefutável a ser apresentada ao Oficial de Registro capaz de revogar o contrato, como sói acontecer quanto à apresentação de certidão de óbito do donatário (no caso da doação prevista no art. 547 CC), como na da comprovação do inadimplemento do devedor, nos casos do art. 562 do Código Civil.
Reputa-se, portanto, que nos casos de contratos administrativos em que a reversão é uma imposição legal, qualquer documento emanado do donatário, de preferência após garantido o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular, tem o condão de comprovar a constituição da mora e por consequência a revogação do contrato de doação com a reversão do imóvel. Nesse contexto, parece ser um dever da Entidade Pública, diante da certeza de que não houve o cumprimento do encargo, devolver o bem ao doador quando constituída a mora, já que se assim continua na posse do bem, incorre no uso ilegal do mesmo, podendo vir a responder por perdas e danos.
Note-se que não há necessidade de novo registro para que o imóvel volte ao patrimônio do interessado, pois não se trata de novo negócio e sim, de restauração da situação primitiva, bastando a simples averbação do cancelamento do registro da doação, nos moldes do art. 167, II, 2, da Lei 6.015/73:
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro:
...
I - a averbação:
(...)
2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais;
Walter Ceneviva[3], ao discorrer acerca da averbação explica:
"A ocorrência que, por qualquer modo, altere o registro deve ser averbada ao pé daquele, dele sendo distinguida na forma do art. 232, esteja ou não incluída nas hipóteses do art. 167.
A averbação é acessória, em relação ao registro, mas nem por isso deve ser examinada com menor atenção pelo serventuário".
Ademais, ao disciplinar acerca da extinção do contrato, o Código Civil prescreve:
CAPÍTULO II
Da Extinção do Contrato
Seção I
Do Distrato
Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Seção II
Da Cláusula Resolutiva
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Diante das regras colacionadas, é fácil concluir que se o legislador quisesse que a revogação do contrato de doação (reversão do imóvel) se desse por escritura pública, teria exigido como o fez para o distrato. E ao não fazê-lo, é porque reconhece que não há novo contrato, mas simplesmente a execução e desiderato do negócio outrora já firmado.
Essa tese parece ter sido encampada pela Secretaria do Patrimônio da União, posto ter a Instrução Normativa nº 22, de 22 de fevereiro de 2017, que disciplina os procedimentos para a aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis em nome da União, previsto no art. 52:
Art. 52 A formalização e a efetivação da reversão dar-se-ão pelo cancelamento do registro anterior, a ser requerido ao Oficial de Registro de Imóveis competente.
§1º O requerimento a que se refere o caput, firmado pelo Superintendente do Patrimônio da União, deverá ser instruído com os seguintes elementos, sem prejuízo de outros documentos:
I - contrato original;
II - portaria do Superintendente do Patrimônio da União autorizando a reversão, se decorrente de doação;
III - ato pelo qual a União retomar o direito real limitado;
IV - comprovação da notificação do donatário ou concessionário de direito real limitado quanto às condições de resolução.
§2º Para elaboração da portaria a que se refere o inciso II do parágrafo precedente, deverá ser utilizado o modelo constante do Anexo XXXII desta IN.
§3º A instrução processual da reversão de imóvel ao patrimônio da União dar-se-á no âmbito do processo administrativo correspondente ao respectivo contrato resolvido.”
Muito embora tal procedimento destine-se apenas à reversão de imóveis ao Patrimônio da União, não se configuraria equivocado segui-lo no modo transverso, tomando por substituição à SPU, o Ente Municipal, posto ser esse a figura detentora do direito potestativo de revogar a doação.
(...)
b) a expressão "opera de pleno direito" prevista nos art. 474 CC não enseja a ideia de que o contrato esteja extinto automaticamente, mas a de que ao credor é dado o direito de resolver o contrato sem a intervenção do judiciário e sem que seja legítima a negativa do devedor;
No mesmo sentido, Monografia de Felipe William Ramos Alves (https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/revogacao-clausula-reversao-nas-doacoes.htm#indice_1):
Explica Lôbo (2011, p.302) que está cláusula torna a liberalidade personalíssima, intuitu personae, é um ato exclusivo da vontade doador. [...] Por razões pessoais, não deseja o doador que o bem possa ser transferido a herdeiros ou sucessores do donatário. [...] O doador na realidade, deseja instituir a si mesmo como sucessor do donatário. O requerimento do doador para exigir a volta do bem ao seu patrimônio, prescreve em dez anos, conforme a regra geral elencada no artigo 205 Código Civil “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor."
A Cláusula contratual, como ressaltado pela SPU, é a seguinte:
"no entanto, se a donatário, como Sociedade Civil vier a extinguir-se, reverterão ao domínio e posse da doadora o terreno ora doado, compreendendo as benfeitorias e dependências, nelas existentes"
(Nota Informativa 10778 (33656171) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 172)
O r. Parecer n. 01259/2018/CJU-SP/CGU/AGU (04977.011096/2018-92), na parte transcrita no anexo (ao qual nos reportamos), fornece detalhes da história da LBA e deixa evidente que a LBA foi extinta em com a edição da Medida Provisória nº 813, de 1º de janeiro de 1995.
Assim, apesar de lícita a cláusula, não é possível desconsiderar que no caso concreto a Doadora, ao que consta dos autos, jamais tentou exercer seu direito, mesmo sendo a extinção da LBA fato público e notório, decorrente de lei. Inexiste nos autos qualquer requerimento do doador exigindo o retorno do bem ao seu patrimônio.
A única manifestação da doadora nos autos é a que se opõe à transferência para o INAMPS sem manter a cláusula de reversão (Processo ADM (2972004) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 36 e Carta Fundação Ibiapina (6943772) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 148).
No Ofício 02/2007 a doadora somente solicita cópia do ato de extinção da LBA (Processo ADM (2972004) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 91). Este ato, inclusive, é prova inequívoca do conhecimento da extinção.
Anote-se, por fim, o seguinte entendimento do STJ:
5. Por outro lado, na linha do entendimento desta Corte, o fato acolhido pelo Tribunal de origem não implica renúncia à prescrição. Isso porque, em se tratando de Fazenda Pública, a renúncia à prescrição pressupõe expressa lei autorizativa. Assim, o instituto da renúncia à prescrição, norma de caráter essencialmente privado, não se compatibiliza com os princípios que regem a Administração Pública, de modo que a irrenunciabilidade da prescrição, no âmbito do regime de direito público, é consequência da própria indisponibilidade dos bens públicos. Nesse sentido: REsp 747.091/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 6.2.2006; AgRg no REsp 907.869/ES, 2ª Turma, Rel.Min. Humberto Martins, DJe de 18.12.2008. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1196773/PA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 29/10/2013).
Ante o exposto, considerando que o requerimento do doador para exigir a volta do bem ao seu patrimônio está sujeito ao prazo prescricional e não foi exercido tempestivamente, parece-nos que o imóvel deve ser definitivamente incorporado ao Patrimônio da União para, em seguida, ser regularizada sua utilização, considerando a informação contida no Relatório de Vistoria, de que o imóvel "está ocupado pela Sociedade Beneficente São Camilo" (Processo ADM (2972004) SEI 10380.012407/94-60 / pg. 81).
Não sendo detectada divergência interna, dispensada a aprovação do Exmo. Coordenador, na forma do art. 22 do Regimento Interno.
É o parecer.
Brasília, 09 de maio de 2023.
LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 103800124079460 e da chave de acesso 11ca4eb4
Anexo: trechos selecionados dos pareceres pesquisados:
PARECER n. 00639/2018/CJU-RS/CGU/AGU (NUP 04902.000505/2005-84).
... passados mais de 35 anos da referida doação sem que fosse alegado qualquer descumprimento de encargo por parte da LBA, não tendo sido juntado o contrato nos autos, e já estando o imóvel incorporado ao patrimônio da União, não é crível que se concorde com a pretendida reversão.
PARECER n. 01259/2018/CJU-SP/CGU/AGU (04977.011096/2018-92):
A HISTÓRIA DA LBA - LEGISLAÇÃO
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi fundada em 28 de agosto de 1942, pela então primeira-dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial, contando com o apoio da Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional da Indústria.
Em 05 de setembro do mesmo ano, os seus estatutos foram registrados como uma sociedade civil, sendo que, pela Portaria nº 6.013, de 1º de outubro de 1942, do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, deu-se a sua organização definitiva e funcionamento.
Anos decorridos, a sociedade civil transformou-se em uma fundação, por meio do Decreto-lei nº 593, de 27 de maio de 1969, com o nome de Fundação Legião Brasileira de Assistência, mantendo-se a mesma sigla - LBA, agora vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Ressalte-se o artigo 10 do Decreto-lei nº 593 de 1969:
Art. 10. Em caso de dissolução da Fundação, seus bens e direitos passarão, a integrar o patrimônio da União, depois de satisfeitos seus compromissos.
A Fundação Brasileira de Assistência – LBA foi extinta com a edição da Medida Provisória nº 813, de 1º de janeiro de 1995:
Art. 19. Ficam extintos:
I - as Fundações Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), vinculadas ao Ministério do Bem-Estar Social;
II - o Ministério do Bem-Estar Social;
III - o Ministério da Integração Regional;
IV - no Ministério da Justiça:
a) o Conselho Superior de Defesa da Liberdade de Criação e Expressão;
b) a Secretaria de Polícia Federal;
c) a Secretaria de Trânsito.
V - a Secretaria de Projetos Especiais, no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado.
A MP 813 foi retificada em 03 de janeiro de 1995 e reeditada várias vezes até ser, finalmente, convertida em lei, a Lei nº 9.469 de 1998, conforme relação abaixo:
RETIFICAÇÃO: 03/01/1995
REEDITADA PELA MPV 886 DE 30/01/95; 931, DE 01/03/1995; 962, DE 30/03/1995; 987 , DE 28/04/1995; 1.015, DE 26/05/1995; 1.038, DE 27/06/1995; 1.063, DE 27/07/1995; 1.090, DE 25/08/1995, 1.122, DE 22/09/1995; 1.154, DE 24/10/1995; 1.190, DE 23/11/1995; REEDITADA E REVOGADA PELA 1.226, DE 14/12/1995; 1.263, DE 12/01/1996; 1.302, DE 09/02/1996; 1.342, DE 12/03/1996; 1.384, DE 11/04/1996; 1.450, DE 10/05/1996; 1.498, DE 07/06/1996; 1.498-19, DE 09/07/1996; 1.498-20, DE 08/08/1996; 1.498-21, DE 05/09/1996; 1.498-22, DE 02/10/1996; 1.498-23, DE 31/10/1996; 1.498-24, DE 29/11/1996; REVOGADA E REEDITADA PELA MPV 1.549, DE 18/12/1996; 1.549-26, DE 16/01/1997; 1.549-27, DE 14/02/1997; 1.549-28, DE 14/03/1997; 1.549-29, DE 15/04/1997; 1.549-30, DE 15/05/1997; 1.549-31, DE 13/06/1997; 1.549-32, DE 11/07/1997; 1.549-33, DE 12/08/1997; 1.549-34, DE 11/09/1997; 1.549-35, DE 09/10/1997; 1.549-36, DE 06/11/1997; 1.549-37, DE 04/12/1997; 1.549-38, DE 31/12/1997; 1.549-39, DE 29/01/1998; 1.549-40, DE 26/02/1998; 1.642-41, DE 13/03/1998; REVOGADA E REEDITADA PELA MPV 1.651-42, DE 07/04/1998; 1.651-43, DE 05/05/1998; CONVERTIDA NA LEI 9.649, DE 27/05/1998.
O seu texto inicial já ostentava dispositivo (artigo 30) acerca do destino do patrimônio da Fundação extinta, como se denota da reprodução que segue:
Art. 30. O acervo patrimonial dos órgãos referidos no art. 19 desta medida provisória será transferido para os Ministérios e órgãos que tiverem absorvido as correspondentes atribuições, facultado ao Poder Executivo, após inventário, alienar o excedente ou doá-lo aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou, mediante autorização legislativa específica, a instituições de educação, de saúde ou de assistência social, sem fins lucrativos, reconhecidas na forma da lei.
A regulamentação do artigo 30 coube ao Decreto nº 1.686, de 26 de outubro de 1995:
Art. 1º Após exercido o direito de preferência pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, o acervo patrimonial da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA, devidamente inventariado, poderá ser alienado ou doado aos Estados, Distrito Federal e Municípios onde tenha sua localização, desde que hajam manifestado interesse em recebê-lo, para desenvolvimento de serviços de assistência social a eles descentralizados.
Parágrafo único. Quando se tratar de imóvel edificado, em que haja interesse de utilização de parcela de sua área pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, manifestada nos termos do caput deste artigo, a alienação ou doação far-se-à com cláusula que garanta essa utilização, sem qualquer ônus para o Ministério.
Art. 2º O Inventariante da extinta LBA representará a União nos atos relativos à alienação ou doação dos bens, mediante prévia anuência dos Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado e da Previdência e Assistência Social.
Parágrafo único. Fica o Inventariante da extinta LBA autorizado a promover a reversão, aos doadores originários, dos imóveis cuja propriedade tenha sido transferida àquela Fundação com esta cláusula no caso da sua extinção.
Art. 3º Os bens móveis adquiridos com recursos de convênio celebrado pela extinta LBA com entidades de assistência social poderão ser doados caso sejam necessários à continuidade do programa para a respectiva entidade convenente.
Art. 4º O Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social poderá delegar à Secretaria de Assistência Social a competência para a prática dos atos de sua atribuição, previstos neste Decreto.
Art. 5º As normas previstas no Decreto nº 99.658, de 30 de outubro de 1990, não se aplicam às alienações ou doações do acervo patrimonial da extinta LBA.
A respeito da destinação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, é importante observar o teor da Mensagem do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional, de 15 de fevereiro de 1996, enfatizando a finalidade precípua de doação dos bens móveis e imóveis aos Estados e Municípios, de modo a permanecerem na mesma função de suporte às ações de assistência social:
A criação do Programa Comunidade Solidária e a extinção da Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA significam profunda alteração no modelo de assistência social adotado. Nesse novo desenho, cabe ao Governo a coordenação e a normatização das ações de assistência social de abrangência nacional, ficando descentralizada para os Estados e Municípios a coordenação das atividades no seu âmbito de competência. Dessa forma, dar-se-á cumprimento à LOAS, que preceitua o desenvolvimento de ações articuladas entre as administrações federal, estadual e municipal, a descentralização político-administrativa da assistência social, com participação da sociedade, e o direcionamento de recursos e a transferência de competências às administrações estaduais e municipais.
A extinção da LBA foi realizada sem prejuízo dos convênios firmados com as entidades assistenciais. Por força do Decreto nº 1.496/95, foram firmados 657 novos convênios. Terminado o inventário dos bens móveis e imóveis daquele órgão, os quais serão doados aos Estados e Municípios, permanecendo na mesma função de suporte às ações de assistência social, e determinado o destino de seu corpo funcional, o procedimento de extinção da LBA ter-se-á completado. (g.n.)
Por fim, o Decreto, de 29 de maio de 1996, do Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, decretou o encerramento dos trabalhos de inventariança da extinta Fundação Brasileira de Assistência – LBA.
O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, da Constituição, DECRETA:
Art. 1º Ficam encerrados os trabalhos de inventariança da extinta Fundação Brasileira de Assistência - LBA.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de maio de 1996; 175º da Independência e 108º da República.
Em 1998, a Medida Provisória converteu-se em lei, a Lei nº 9.649, de 27 de maio, tendo permanecido incólume o regramento atinente ao patrimônio da LBA, agora sob o manto do artigo de número 27 (correspondente ao artigo 30 da MP):\
Art. 27. O acervo patrimonial dos órgãos referidos no art. 19 será transferido para os Ministérios, órgãos e entidades que tiverem absorvido as correspondentes competências, facultado ao Poder Executivo, após inventário, alienar o excedente ou doá-lo aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou, mediante autorização legislativa específica, a instituições de educação, de saúde ou de assistência social, sem fins lucrativos, reconhecidas na forma da lei.
DESTINAÇÃO DO ACERVO DA LBA E OS LIMITES ESTABELECIDOS PELA LEI nº 9.649/98 E DECRETOS Nºs 1.398 E 1.686/95
É possível concluir sobre o acervo da LBA que, após o inventário dos bens, restou facultado ao Poder Executivo, por atribuição ao inventariante, dar as seguintes destinações aos imóveis remanescentes:
1. promover a reversão, aos doadores originários dos imóveis cuja propriedade tenha sido transferida àquela Fundação com esta cláusula no caso da sua extinção;
2. promover a alienação ou doação de imóveis aos Estados, Distrito Federal e Municípios onde tenha sua localização, desde que hajam manifestado interesse em recebê-lo, para desenvolvimento de serviços de assistência social a eles descentralizados;
3. promover a alienação ou doação, mediante autorização legislativa específica, a instituições de educação, de saúde ou de assistência social, sem fins lucrativos, reconhecidas na forma da lei.
Para tanto, necessária a manifestação tempestiva dos interessados (doadores originários, Estados, Municípios e Distrito Federal), durante o procedimento de inventariança, vez que, com o encerramento desse procedimento, o excedente deveria ser incorporado ao patrimônio da União (art. 10 do Decreto nº 593, de 1969), o que, de fato, ocorreu com o imóvel em apreço, consoante nos informa o cadastro do SPIUnet sob nº 6847 00014.500-9.
No que tange especificamente à reversão dos imóveis aos doadores originários, é possível asseverar que, ao contrário das hipóteses de alienação ou doação, cumpridos os requisitos legais, não estava condicionada à manutenção do desenvolvimento de serviços de assistência social.
Ultimadas as providências no que concerne à Inventariança, tendo sido incorporado o patrimônio remanescente ao acervo da União, as destinações deveriam seguir seu curso com observância das regras gerais da Lei nº 9.636, de 1998. Isto porque, parece que o regime específico de destinação do acervo da LBA estava delimitado ao procedimento de inventariança, cujo encerramento se deu em 29 de maio de 1996 (por Decreto sem numeração, do Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, acima citado) e final extinção da fundação, momento a partir do qual os imóveis remanescentes, tal como os destinados ao Ministério da Previdência e Assistência Social, passaram, mediante o respectivo termo de incorporação, a integrar o Patrimônio da União.
Contudo, o entendimento da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão faz determinada ressalva, conforme alertado no Parecer nº 43/2013 da lavra do Advogado da União, Carlos Eduardo Malta Cravo, do qual pedimos vênia para reproduzir o seguinte trecho:
17. De início, não podemos olvidar que a Medida Provisória nº 813, de 1995 e posteriores reedições deu origem à Lei nº 9.649, de 1998, por conversão da Medida Provisória nº 1.651-42.
18. Em um exame perfunctório, é possível concluir que o Decreto nº 1.686/95, art. 1º, extrapolou os termos do artigo 27 da Lei 9.649, de 1998, que disciplina o regime do acervo patrimonial das entidades extintas pelo artigo 19, dentre elas a LBA, na medida em que determina que o imóvel poderá ser alienado ou doado aos Estados, Distrito Federal e Municípios onde tenha sua localização, desde que hajam manifestado interesse em recebê-lo, para desenvolvimento de serviços de assistência social a eles descentralizados.
19. No entanto, por meio de interpretação teleológica-axiológica e com fundamento no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, SMJ, podemos concluir que o artigo 1º do Decreto nº 1.686/95 está em consonância com a finalidade da norma estabelecida no artigo 27 da Lei 9.646, de 1998, qual seja, a descentralização do sistema de assistência social, com a destinação do acervo patrimonial aos Estados, Municípios e Distrito Federal.
20. O método teleológico, nas palavras de LUIS ROBERTO BARROSO, refere-se à interpretação pela busca da finalidade ou do espírito da lei, e procura revelar o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito[1].
[1] Barroso, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ªed. SP: Saraiva, p. 138.
21. Porém, em qualquer hipótese, nos parece que o regime específico de destinação do acervo da LBA estava delimitado ao procedimento de inventariança, cujo encerramento deu-se em 29 de maio de 1996 (por Decreto sem numeração, do Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, acima citado) e final extinção da fundação, momento a partir do qual os imóveis remanescentes, tal como os destinados ao Ministério da Previdência e Assistência Social, passaram, mediante o respectivo termo de incorporação, a integrar o Patrimônio da União.
22. Após a incorporação ao Patrimônio da União, ao MPAS seriam entregues os imóveis sob os quais exerceu o direito de preferência, mediante termo, ficando a destinação dos imóveis remanescentes sob égide do regime geral.
(...)
POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DO IMÓVEL AO PATRIMÔNIO DO MUNICÍPIO DE PENÁPOLIS
Uma vez delineada a moldura jurídica relativa aos imóveis da União oriundos da extinta LBA, impende analisar as especificidades do caso em tela.
O pedido formulado pela Prefeitura Municipal é claro ao pugnar pela reversão da doação feita à LBA, por descumprimento do encargo que lhe fora imposto por ocasião da liberalidade.
Em relação ao acerco patrimonial da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência, o citado Decreto nº 1.686, de 26 de outubro de 1995 assim dispôs:
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Art. 1º Após exercido o direito de preferência pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, o acervo patrimonial da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA, devidamente inventariado, poderá ser alienado ou doado aos Estados, Distrito Federal e Municípios onde tenha sua localização, desde que hajam manifestado interesse em recebê-lo, para desenvolvimento de serviços de assistência social a eles descentralizados.
Art. 2º O Inventariante da extinta LBA representará a União nos atos relativos à alienação ou doação dos bens, mediante prévia anuência dos Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado e da Previdência e Assistência Social.
Parágrafo único. Fica o Inventariante da extinta LBA autorizado a promover a reversão, aos doadores originários, dos imóveis cuja propriedade tenha sido transferida àquela Fundação com esta cláusula no caso da sua extinção.
Como se vê, além da possibilidade de reversão por descumprimento do encargo, havia a reversão prescrita no parágrafo único do artigo 2º, ou seja, se os doadores originários tivessem previsto tal cláusula em seus contratos na hipótese de extinção da LBA.
Durante o período de atividade da LBA não houve por parte do Município nenhuma iniciativa no sentido de reaver o bem por descumprimento do encargo.
Assim, restaria, apenas, promover a incorporação do bem na época da extinção da LBA, se tal cláusula tivesse sido instituída nesses termos,
Não encontramos na lei de autorização da doação a inclusão do indigitado dispositivo.
Por outro lado, não tivemos acesso à escritura de doação firmada entre o Município e a LBA para verificar se a escritura publica de doação apenas reproduziu a lei municipal ou se instituiu cláusula de reversão para o caso de extinção da LBA.
De todo modo, parece-nos que essa possibilidade devia ter sido examinada no decorrer dos trabalhos da Inventariança da LBA há muitos anos atrás, consoante já destacado em linhas anteriores:
Para tanto, necessária a manifestação tempestiva dos interessados (doadores originários, Estados, Municípios e Distrito Federal), durante o procedimento de inventariança, vez que, com o encerramento desse procedimento, o excedente deveria ser incorporado ao patrimônio da União (art. 10 do Decreto nº 593, de 1969), o que, de fato, ocorreu com o imóvel em apreço, consoante nos informa o cadastro do SPIUnet sob nº 6847 00014.500-9.
Como não consta no processo que o Município tenha reivindicado o imóvel nos moldes da legislação apontada, ou que a Inventariança tenha analisado a possibilidade de reversão ao fazer a administração do passivo imobiliário da Fundação, forçoso se torna concluir que o bem já está definitivamente integrado ao patrimônio da União, carecendo de amparo legal o deferimento do pedido feito pelo Município.
PARECER n. 01425/2020/ALVS/CJU/RS/CJU-RS/CGU/AGU (NUP: 04902.000143/2017-65):
Legalidade
1 - Lei municipal Sant'ana do Livramento/RS nº 0911/73,
art. 3º- O imóvel descrito no art. 1º reverterá ao Patrimônio do Município nos seguintes casos:
b - se for utilizado para fins diversos do estabelecido nesta Lei.
2 - Código Civil - Lei nº 10.406/2002
Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.
(...)
Conclusão
Entendo da possibilidade de proceder a reversão nos termos propostos na minuta de fls (78/79), sendo a mesma apta a prosperar.
PARECER n. 00211/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, (NUP: 04988.005550/2005-22):
De fato, analisando-se os documentos trazidos aos autos, em particular a Ata de Formal de Partilha/Folha de Pagamento, datados de 06 de outubro de 2005 (doc. 10655677), e Termo de Audiência (doc. 10656630), não consta, dos mesmos, cláusula expressa de reversão do imóvel aos doadores, caso o encargo não seja cumprido. Sequer houve estipulação de prazo para o cumprimento do sobredito encargo, que seria a construção do Fórum e Anexo do Tribunal Regional Eleitoral da Comarca de Boa Viagem-CE.
Considerando-se que a doação é instituto de direito privado, devendo deste modo seguir as regras estabelecidas no Código Civil, convém citar os seguintes dispositivos do referido diploma que julgamos aplicáveis ao caso aqui concreto:
(...)
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
(...)
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.
Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.
(...).
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
(...).
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
(...)
Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.
Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.
(...)
Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.
(...)
Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.
(...)
Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.
(...).
A simples leitura dos dispositivos acima citados firma a ideia de que o encargo não se confunde com a condição resolutiva. Observe-se que os artigos 555 e 562 utilizam a expressão “pode ser”, que, no âmbito do direito privado corresponde à ideia de faculdade. Com efeito, o direito de revogar é personalíssimo e a inexecução do encargo é simples fundamento para uma pretensão do doador, que pode ser exercida ou não, e que, como tal, se sujeita à prescrição.
Sobre o assunto, pedimos aqui permissão para reproduzir parte do bem apresentado PARECER n. 00964/2020/CJU-MG/CGU/AGU:
“II.2. Da Reversão da Doação.
12. O Parecer n.º 00349/2020/CJU-MG/CGU/AGU c/c o respectivo Despacho de aprovação n.º 00618/2020/CJU-MG/CGU/AGU (NUP 04926.000020/2015-94), firmaram o entendimento no sentido de que o descumprimento do encargo não se confunde com a condição resolutiva, e não implica a reversão de pleno direito da doação pelo seu não implemento.
13. Segundo a i Parecerista, "o direito de revogar é personalíssimo e a inexecução do encargo é simples fundamento para uma pretensão do doador, que pode ser exercida ou não, e que, como tal, se sujeita à prescrição." Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do Despacho nº 00618/2020/CJU-MG/CGU/AGU:
"5. Cabe ainda acrescentar que não havendo manifestação de interesse pelo recebimento do imóvel pelo donatário originário e ultrapassado o prazo prescricional de 10 (dez) anos a que alude o art. o art. 205 do Código Civil Brasileiro, contado do término do prazo para cumprimento do encargo, que parece ter-se iniciado em 21 de julho de 2016 (SEI 4185659), a propriedade consolidar-se-á na pessoa da União Federal, podendo esta dar destinação que lhe aprouver."
14. Do entendimento jurídico exposto nas referidas manifestações é possível extrair três premissas no que se refere à reversão de bem do patrimônio imobiliário da União em benefício do doador:
1) Ao ser feita a doação, há a celebração de um ato jurídico perfeito, o qual, mesmo resolúvel, transmite a propriedade, dependendo, em atenção ao princípio da continuidade registral, de outro ato ulterior para que a transmissão já feita seja revertida;
2) Necessidade de que o ato de reversão conte com a participação de ambos os interessados (doador e donatário) para se perfazer, no bojo de um instrumento de transferência de propriedade onde seja reconhecido o descumprimento do encargo proposto. Não havendo comunhão de interesses no sentido da reversão do bem, a pretensão deve ser submetida à apreciação judicial;
3) Transcorrido o prazo expressamente concedido sem que o donatário tenha se desincumbido do cumprimento do encargo, tem-se por iniciado o prazo prescricional, ao final do qual a propriedade do bem consolidar-se-à em favor do donatário independentemente do cumprimento do encargo.
15. No presente caso, verifica-se que o doador manifestou expressamente seu interesse em ter o bem revertido ao seu patrimônio. Do mesmo modo, o órgão assessorado reconhece o descumprimento do encargo por parte da União e manifesta concordância quanto a pretendida reversão.
16. Ocorre que, embora haja comunhão de interesses, referida solução esbarra em um óbice jurídico: o transcurso in albis do prazo prescricional para o doador exercer sua pretensão de reverter o imóvel perante o donatário.
(...)”.
No âmbito da jurisprudência, cita-se aqui decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que assim se manifestou quanto a submissão da reversão a prazos prescricionais:
PROCESSUAL CIVIL. DOAÇÃO COM ENCARGO. CLÁUSULA DE REVERSÃO. AÇÃO DESCONSTITUTIVA POR DESCUMPRIMENTO DO ENCARGO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. OCORRÊNCIA DA MORA. .
1. Trata-se, na origem, de pretensão deduzida pelo Município de Betim/MG com o objetivo de reversão da doação de imóvel efetuada em favor do Estado de Minas Gerais em 18.4.2000, com encargo, alegadamente não cumprido, da construção de uma unidade do Corpo de Bombeiros pelo prazo de 24 meses.
2. Fixado prazo prescricional de dez anos pelo Tribunal de origem, este fixou como termo inicial a data da celebração da doação e, por conseguinte, declarou prescrita a ação (o ajuizamento ocorreu em ).
3. Pretende o recorrente que o termo inicial seja definido a partir da mora no cumprimento do encargo, já que ele tem a natureza de condição suspensiva da doação.
4. Em regra, o encargo não impede a aquisição do direito, mas o Código Civil de 1916 (art. 128) e o de 2002 (art. 136) preveem a possibilidade de a imposição do ônus ao donatário gerar efeito suspensivo do direito, merecendo reforma o acórdão recorrido nesse ponto.
5. Está assentado no decisum combatido que o contrato de doação previa a hipótese de reversão do ato em caso de descumprimento do encargo de construção da sede do Corpo de Bombeiros, não sendo o caso, pois, de encargo como condição suspensiva da doação.
6. Não obstante, o direito de ação que visa à reversão da doação onerosa pode ser excercido, à luz do princípio da actio nata, somente quando o devedor resiste ao cumprimento do encargo, materializando, assim, a mora (Parágrafo único do art. 1.181 do CC/1916: "A doação onerosa poder-se-á revogar por inexecução do encargo, desde que o donatário incorrer em mora").
7. No caso específico dos autos, a mora no cumprimento do encargo só ocorreu após o decurso do prazo de 24 meses a contar da doação (18.4.2002), momento que deve ser considerado como o termo inicial da prescrição da ação que busca a reversão da doação.
8. Tendo a ação sido ajuizada em 1º.10.2010, não incide a prescrição decenal (art. 205 do CC/2002), devendo os autos retornar à primeira instância para prosseguimento do julgamento da ação.
9. Recurso Especial provido.
(REsp 1565239 / MG, 2ª Turma, Ministro HERMAN BENJAMIN, j. em 05/12/2017).
Ao se referir às doações de imóveis privados à União, destaca-se da recente Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 04/2020, o seguinte item:
“Orientação Normativa e-CJU/Patrimônio nº 04/2020:
REVERSÃO DE IMÓVEL DOADO À UNIÃO. INADIMPLEMENTO DO ENCARGO. FORMALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE APROVAÇÃO DA AGU.
- Nos contratos de doação em que a União figure como donatária, a reversão do imóvel ao doador, pelo inadimplemento do encargo, opera-se de pleno direito, ou seja, sem necessidade de interveniência do Poder Judiciário.
- Cabe ao ente doador cobrar da donatária (União) a comprovação do cumprimento do encargo e, na sua ausência, solicitar ao Oficial de Registro o cancelamento do contrato de doação e a reversão do imóvel, mediante apresentação de prova irrefutável do descumprimento da obrigação, que deve ser obtida após procedimento administrativo em que seja garantido o contraditório e a ampla defesa.
- Em princípio, não se faz necessária a lavratura de escritura pública para a reversão do imóvel, bastando a emissão de qualquer ato formal pela União (v.g., Termo de Reversão) apto a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à necessidade de averbação do cancelamento do registro de doação.
- Nas doações de imóveis privados à União, o direito de revogar em razão da inexecução do encargo é uma faculdade do doador. Simples Termo de Reversão emitido pela União sem a participação do doador, atestando o descumprimento do encargo e a eventual inexistência de interesse público na manutenção do imóvel, não pode ser considerado documento hábil a formalizar a entrega do imóvel e/ou a formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis quanto à possibilidade de averbação do cancelamento do registro da doação.
- A reversão do bem doado em razão do inadimplemento de encargo, como ato unilateral de resolução contratual, não se enquadra nas vedações da Lei nº 9.504/97. Referências: NUPs 00688.001091/2020-71 e 10154.177558/2020-34”.
Como antes já mencionado, no presente caso - embora irrelevante para o deslinde do questionamento - não houve estipulação de cláusula resolutiva (cláusula de reversão). Não houve, sequer, prazo para o cumprimento do encargo, aplicando-se, então a regra geral do artigo 205 para a prescrição:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Que não há nos autos notificação por parte dos doadores para a União cumprir o encargo.
Salienta-se, também, que no presente caso, não há nos autos pedido de reversão da doação por parte dos donatários (herdeiros dos bens deixados pelo falecimento de FRANCISCO DAS CHAGAS VIANA e sua mulher dona MARIA DE ASSIS UCHOA), não se justificando, salvo melhor entendimento, que espontaneamente a União retire de seu patrimônio bem que legalmente lhe pertence pela sobredita doação, com renúncia da prescrição que consolida o bem e/ou direito no domínio da União.
Levando-se em conta que a doação estipulou como finalidade a construção e funcionamento do Fórum do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, em respeito ao princípio da primazia do interesse público e à vontade dos doadores, recomenda-se que ao imóvel seja dado finalidade semelhante - utilização em serviço público – por órgãos da própria União, ou mediante repasse por instrumentos legalmente previstos a outros órgãos.
III – CONCLUSÃO
Diante dos elementos ora constantes dos autos e fundamentação supra, entende-se que a União, no presente caso, não está submetida a devolver aos doadores o bem que lhe fora legalmente doado, recomendando-se que ao mesmo seja dado finalidade semelhante, conforme parágrafo 12 acima.
PARECER n. 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP: 10154.177558/2020-34):
DOS FUNDAMENTOS
Verifica-se diante do narrado que a questão controversa reside em saber se a reversão, como consequência de descumprimento de encargo previsto em contrato de Doação modal, opera-se automaticamente, ou se constitui natureza contratual de desfazimento do negócio a demandar nova escritura pública.
As doações de imóveis públicos são regidas pelo art. 17 da Lei de Licitações a saber:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
(...)
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)
(...)
§ 1o Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.
(...)
§ 4º. A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.
Em complemento, submetem-se ao disposto no Código Civil, que prescreve:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
(...)
Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.(...)Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.(...)
Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.
Do teor colacionado, de logo é possível verificar que a reversão da propriedade em caso de inexecução do encargo é consequência da revogação do contrato de doação - modalidade de extinção do contrato por iniciativa unilateral de uma das partes - e assim definida por Orlando Gomes, quando ao distingui-la da denúncia:
"a denúncia põe fim, diretamente, à relação obrigacional, enquanto que aquela extingue o contrato e, só como consequência imediata, a relação, fazendo cessar, ex tunc ou ex nunc, os efeitos do negócio.
O ato de revogação requer cumprimento pelo próprio sujeito que praticou o ato que se revoga e deve destinar-se a impedir que este produza seus efeitos próprios. Contudo, o vocábulo revogação é empregado em sentido mais amplo. Tal como a denúncia, consiste a revogação numa declaração receptícia de vontade, que opera extrajudicialmente, e, como ela, é direito potestativo".(grifos nosso)
No mesmo passo, Nelson Nery Júnior afirma que "espécie de resilição, a revogação é a retirada da voz por vontade unilateral. Consiste em declaração unilateral de vontade, cujo objetivo é extinguir direito ou relação jurídica, deixando-a sem efeito" .
É de bom alvitre registrar que muito embora, os dispositivos do Código Civil expressem a revogação como uma possibilidade (...pode ser...), não se deve esquecer de que todos os contratos administrativos firmados nos Nups mencionados no relatório trazem cláusula resolutiva expressa de reversão quando não cumprido o encargo no prazo acordado. Essa imposição contratual afasta a ideia de faculdade prevista no Código Civil, para fazer valer o entendimento de obrigatoriedade da extinção do contrato. E isso se dá porque, ao contrário do Direito Privado onde a reversão pode ser negociada entre as partes, os §§1º e 4º do art. 17 da Lei n. 8.666/93 não dão margem à hipótese de renúncia à reversão, caracterizando-a como um direito potestativo indisponível do doador público. E ainda que se venha a afirmar que o Parágrafo 1º teve a sua eficácia suspensa por liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADIN 927-3, em relação aos demais entes federativos que não a União, o disposto no §4º continua eficaz, continuando a cláusula de reversão obrigatória por imposição legal.
Desse modo, uma vez configurada a "inexecução do encargo" ao final do prazo estipulado, incorre o donatário incontinentemente em mora, e se assim continua na posse do bem, incorre no uso ilegal do mesmo, por cessadas as razões que justificaram a doação, segundo a exegese tanto da Lei de Licitações como a do art. 397 do Código Civil:
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Socorrendo-nos novamente dos ensinamentos de Nelson Nery Júnior[4] , temos:
"3. Mora ex re. A norma cuida da mora automática, ou mora ex re, vale dizer, encontra-se na própria coisa (in re ipsa), independendo de notificação ou interpelação para constituir-se o devedor em mora. O só fato do inadimplemento constitui o devedor, automaticamente, em mora. No mesmo sentido: Pontes de Miranda, Tratado,v. XXIII, §202, p.140...)"
(...)
6. Cláusula resolutória expressa. Para que incida a regra da mora automática é necessário que haja previsão expressa no contrato, na lei ou em sentença judicial (Reinhold Thode, MûcheKommBCG, v. II, § 284, p. 955). A previsão contratual pode ocorrer por convenção entre as partes, pactuando cláusula resolutória expressa na qual se fixa o termo da obrigação (Palandt-Heinrichs, Komm-BCG, 284,366)".
(...)
8. Obrigação Positiva. É a obrigação de dar ou de fazer (Bevilaqua, CC, v. IV, 960,95) ...
9. Obrigação líquida. É a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto ao seu objeto (CC/1916 1533). O conceito de liquidez pressupõe o de certeza. (...) A certeza da obrigação significa não pairar dúvida quanto ao on debeatur. A liquidez da obrigação implica não haver dúvida relativamente ao quantum debeatur.
10. Obrigação a termo. É a que tem data fixa para seu cumprimento. O dispositivo comentado institui regra caracterizadora do inadimplemento absoluto da obrigação na data do vencimento, considerando-se em mora o devedor em decorrência do próprio fato do inadimplemento, sem necessidade de interpelação: dies interpellat pro homine.
11. (...) A razão de ser da interpelação para constituição em mora é o desconhecimento, por parte do devedor, do termo exato em que deve adimplir a obrigação. Quando a obrigação é a termo não essa dúvida, motivo por que é é despicienda a interpelação: a mora é ex re".
Em paralelo, estão as regras concernentes à condição de que tratam os arts. 127, 128 e 474 do Código Civil, já que é dominante o entendimento de que a reversão da propriedade estipulada nos contratos de doação modal, caracterizam-se em cláusula resolutiva expressa a gerar a dissolução da relação contratual:
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.
(...)
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
(...)
A expressão "opera de pleno direito" tem ensejado entendimentos divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência, principalmente quando a grande maioria da doutrina é voltada para interpretações isoladas do Código Civil sem observar a norma cogente prevista nos §§ 1º e 4º, art. 17, da Lei de Licitações.
Orlando Gomes ao comentar sobre o parágrafo único do art. 119 do Código Civil de 1916 (dispositivo de correspondência ao art. 474 do Código Civil atual), asseverou:
"Posto se subentenda a cláusula resolutiva em todo contrato que produza obrigações recíprocas, nada impede que as partes, para reforçar o efeito da condição, a pactuem expressamente. Tal estipulação chama-se pacto comissório expresso. Nesse caso, a faculdade de resolução cabe apenas ao contratante prejudicado com o inadimplemento, jamais ao que deixou de cumprir as obrigações. O fundamento do pacto comissório expresso encontra-se no princípio da força obrigatória dos contratos. Uma vez que é estipulada no contrato, a faculdade de resolução se exerce, obviamente, pela forma convencionada, mas, diferentemente do que se verifica com a cláusula resolutiva tácita, entendem alguns que a resolução dispensa a sentença judicial. Havendo pacto comissório expresso, o contrato se resolve de pleno direito. Quando muito, o juiz, em caso de contestação, declararia a resolução, não lhe competindo pronunciá-la, como procede quando a cláusula resolutiva é implícita. Porque se opera ipso jure, a parte em favor da qual se deu a resolução não pode preferir a execução do contrato. A resolução somente se justifica se o devedor está em mora, devendo ser precedida de interpelação judicial se o cumprimento da obrigação não estiver subordinado a termo. Quando se aplica a regra dies interperllat por homine, a mora do devedor – mora solvendi – se constitui independentemente de interpelação. No direito pátrio, a regra relativa à cláusula resolutiva não distingue entre a condição expressa e a tácita, entendendo alguns que, em qualquer hipótese, a resolução do contrato há de ser requerida ao juiz. Todavia, outra disposição declara que a condição resolutiva expressa opera de pleno direito. É de se admitir que, havendo sido estipulada, seja dispensável a resolução judicial, pois, do contrário, a cláusula seria inútil".
Em lado outro, estão as lições de André Luiz dos Santos Nakamura:
"2.1 A cláusula de reversão do bem público doado por descumprimento da finalidade pública que justificou a doação
Necessário se faz perquirir a natureza jurídica da cláusula que impõe a reversão do bem doado em caso de descumprimento da finalidade que justificou a liberalidade. Poder-se-ia, num primeiro momento, cogitar que seria uma cláusula resolutória expressa que, na forma do art. 474 do Código Civil, operaria de pleno direito, e, rescindiria o contrato mediante a intervenção direta do próprio interessado, sem necessidade de provimento judicial. Dessa forma, se assim fosse, os efeitos jurídicos da doação recebida pelo donatário pelo Estado não mais subsistiriam, e, assim, não seria necessária qualquer providência para reverter o bem. Entretanto, não é o que ocorre, como demonstraremos abaixo.
Ressalte-se que a mera revogação da lei que autorizou a doação não opera qualquer efeito. A lei que autoriza a doação é uma lei de efeito concreto, com natureza de ato administrativo. Este não pode ser objeto de revogação se já exauriu os seus efeitos; a revogação não retroage os efeitos do ato, mas apenas impede que um ato continue a produzir efeitos. Se estes já se exauriram, não cabe falar em revogação. Assim, a revogação da lei que autorizou a doação não reverte o imóvel para o doador, o qual deve providenciar a reversão pela via amigável ou judicial.
O art. 555 dispõe que “a doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”. Também, o art. 562 do Código Civil traz a seguinte redação: “A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora”. Disso se conclui que, em relação à doação com encargo, a inexecução do encargo apenas dá fundamento a uma pretensão rescisória da doação, que não se se opera ipso iure, afastando, assim, a disciplina do art. 474 do Código Civil.
Segundo a doutrina, “incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doação, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador”.
Havendo o descumprimento da finalidade de interesse público que justificou a doação pelo donatário, necessária a formalização de um ato de reversão da propriedade para a Administração Pública. Necessário um ato de alienação, mediante uma escritura pública de revogação da doação (em caso de concordância do donatário que descumpriu o encargo) ou mediante registro de sentença que reconheça o descumprimento do encargo e determine a reversão. Ao ser feita a doação, há a celebração de um ato jurídico perfeito, o qual transmite a propriedade e que depende de outro ato para reverter a transmissão já feita.
A aquisição da propriedade, mesmo resolúvel, é um direito adquirido e para ser desfeito, deve se submeter aos princípios do direito imobiliário, dentre os quais o princípio da continuidade, conforme ensinou Pontes de Miranda:
O direito que tem a pessoa a que se atribuiu a propriedade depois de alguma indicação ou termo, de cujo advento resulte resilição, é direito expectativo, registrável, subjetivo, real. Esse ponto é da maior importância, no terreno da teoria geral do direito e do direito processual: é direito adquirido, penhorável, arrestável, sequestrável; se relativo a imóvel, hipotecável. Direito expectativo, e não simples expectativa. Se concernente a imóvel, os princípios do direito imobiliário são-lhe aplicáveis.
Também, no mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo ensina que “todos os contratos que envolvem a previsão da resolução da propriedade representam, porém, uma verdadeira compra e venda. Representam aquisição de propriedade”.
Assim, a revogação da doação por inexecução do encargo não tem efeitos retroativos. Nesse sentido:
A revogação da doação não tem efeitos retroativos. O donatário não é obrigado a restituir os frutos percebidos antes da citação válida. Após a citação na ação de revogação da doação, frutos deverão ser restituídos, uma vez que este ato de notificação constitui o donatário em mora e transforma a posse, que de boa-fé passa a ser considerada de má-fé. Uma vez julgada procedente a ação, o donatário deve devolver a coisa doada em espécie ou, se isso não for possível, indenizar o valor correspondente.1
Para reverter uma propriedade regularmente constituída, em respeito ao princípio da continuidade registral, faz-se necessária, em caso de reversão amigável, a lavratura de nova escritura pública para ser registrada no fólio real já existente, com todas as formalidades inerentes a um ato de transmissão de propriedade. Nesse sentido já se manifestou o Colégio Registral do Rio Grande do Sul:
Um dos princípios fundamentais do registro é o da continuidade, que determina o imprescindível encadeamento, ou seja, um histórico ininterrupto das titularidades jurídicas de cada imóvel. Por conseguinte, Registrada a Doação mediante escritura pública, R2, fl. 53, a Rescisão Bilateral da Doação, distrato, deverá ser feita mediante escritura publica e posterior registro, com todas as formalidades inerentes ao ato.
Também, mesmo que se entenda que a resolução da propriedade se opera de pleno direito, tal entendimento encontraria obstáculos na formalização da reversão da propriedade.
Toda transferência de propriedade imóvel necessita do registro, no Cartório de Registro de Imóveis, de um negócio jurídico formalizado mediante escritura pública em que se reconheça a ocorrência do inadimplemento do encargo e se transfira/ reverta a propriedade ou de decisão judicial.
A reversão, assim, não se dá de forma automática no registro de imóveis, pois não cabe ao Registrador verificar a ocorrência da hipótese da reversão, salvo em caso de escritura feita pelas partes ou mandado judicial. Nesse sentido: Careceria de previsão legal a averbação da ocorrência da condição resolutiva expressa a operar automaticamente nova transmissão de domínio. Também, se compreendido ser possível tal materialização, sem o devido exame judicial das provas, estaríamos transmutando ao registrador a verificação de fato não objetivo e que requer na prática produção de prova e contraditório... possível o registro de contrato de compra e venda onde haja disposição acerca da condição resolutiva em caso de inadimplemento, que, repita-se, ocorre de pleno direito, mas cuja averbação de sua ocorrência no fólio real carece, inexoravelmente, de mandado judicial.
Dessa forma, a reversão não se opera de pleno direito, devendo ser formalizado um instrumento de transferência de propriedade (alienação) onde é reconhecido o descumprimento do encargo proposto; caso não exista concordância do donatário na reversão, necessário provimento judicial determinando o retorno do bem ao doador. A reversão se submete a prazo prescricional o qual, no Código Civil vigente, é de dez anos (art. 205) ( In Doação de bens imóveis pela Administração Pública. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 159, maio 2014. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=117666>. Acesso em: 13 abr. 2020).
Longe, portanto, um consenso doutrinário. E em que pese o reconhecimento ao preclaro administrativista, verifica-se que ele nega categoricamente a natureza de "revogação" para a reversão da propriedade expressamente prevista no Código Civil, bem como a natureza de cláusula resolutória de que trata o art. 474 do Código Civil, querendo atribuir-lhe o condão de um novo pacto contratual, o que s.m.j. são duas teses que parecem não consistir.
Com efeito, partindo de uma interpretação mais ampla de todas as normas acima colacionadas, verifica-se que a intenção fixada nas expressões "operar de pleno direito" contidas nos arts. 397 e 474 do Código Civil é fixar o entendimento de não ser necessário a participação do judiciário para reconhecer ou declarar o inadimplemento de um contrato. A compreensão mais lógica é a de que uma vez operada a cláusula resolutiva expressa (ou o termo que fixa a mora), a parte lesada tem o direito de exigir o término do contrato sem que seja legítimo a recusa da outra parte. Em caso de recusa da parte, porém, uma manifestação judicial teria o efeito simplesmente de declaração da extinção contratual, sem a longa etapa do procedimento jurisdicional quanto ao conhecimento do fundo do direito própria ao contratos com cláusula resolutiva tácita.
Nesse último caso, a sentença que reconhece a resolução expressa é declaratória (efeitos ex tunc), enquanto a que reconhece a condição resolutiva tácita é constitutiva (efeitos ex nunc).
Outro fundamento para a expressão é fixar o prazo inicial da prescrição para uma eventual ação de revogação, que surge com o termo fixado na cláusula resolutória que identifica o descumprimento do encargo.
É o que Nelson Rosenvald explica: "A cláusula resolutiva expressa, ou pacto comissório, verifica-se de pleno jure, por via do exercício do direito potestativo da parte interessada à outra", isto é, os efeitos da cláusula independem de interpelação judicial. Dessa forma, quando existente cláusula resolutiva expressa, a resolução opera-se de acordo com a forma convencionada, sem a necessidade primeira de levar a questão ao Judiciário.
Por outro lado, parece equivocada a leitura de que o contrato estará automaticamente acabado quando configurada o inadimplemento contratual. Necessário é que em se tratando de reversão de propriedade imóvel, o doador constitua prova irrefutável a ser apresentada ao Oficial de Registro capaz de revogar o contrato, como sói acontecer quanto à apresentação de certidão de óbito do donatário (no caso da doação prevista no art. 547 CC), como na da comprovação do inadimplemento do devedor, nos casos do art. 562 do Código Civil.
Reputa-se, portanto, que nos casos de contratos administrativos em que a reversão é uma imposição legal, qualquer documento emanado do donatário, de preferência após garantido o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular, tem o condão de comprovar a constituição da mora e por consequência a revogação do contrato de doação com a reversão do imóvel. Nesse contexto, parece ser um dever da Entidade Pública, diante da certeza de que não houve o cumprimento do encargo, devolver o bem ao doador quando constituída a mora, já que se assim continua na posse do bem, incorre no uso ilegal do mesmo, podendo vir a responder por perdas e danos.
Note-se que não há necessidade de novo registro para que o imóvel volte ao patrimônio do interessado, pois não se trata de novo negócio e sim, de restauração da situação primitiva, bastando a simples averbação do cancelamento do registro da doação, nos moldes do art. 167, II, 2, da Lei 6.015/73:
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro:
...
I - a averbação:
(...)
2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais;
Walter Ceneviva, ao discorrer acerca da averbação explica:
"A ocorrência que, por qualquer modo, altere o registro deve ser averbada ao pé daquele, dele sendo distinguida na forma do art. 232, esteja ou não incluída nas hipóteses do art. 167.
A averbação é acessória, em relação ao registro, mas nem por isso deve ser examinada com menor atenção pelo serventuário".
Ademais, ao disciplinar acerca da extinção do contrato, o Código Civil prescreve:
CAPÍTULO II
Da Extinção do Contrato
Seção I
Do Distrato
Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Seção II
Da Cláusula Resolutiva
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Diante das regras colacionadas, é fácil concluir que se o legislador quisesse que a revogação do contrato de doação (reversão do imóvel) se desse por escritura pública, teria exigido como o fez para o distrato. E ao não fazê-lo, é porque reconhece que não há novo contrato, mas simplesmente a execução e desiderato do negócio outrora já firmado.
Essa tese parece ter sido encampada pela Secretaria do Patrimônio da União, posto ter a Instrução Normativa nº 22, de 22 de fevereiro de 2017, que disciplina os procedimentos para a aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis em nome da União, previsto no art. 52:
Art. 52 A formalização e a efetivação da reversão dar-se-ão pelo cancelamento do registro anterior, a ser requerido ao Oficial de Registro de Imóveis competente.
§1º O requerimento a que se refere o caput, firmado pelo Superintendente do Patrimônio da União, deverá ser instruído com os seguintes elementos, sem prejuízo de outros documentos:
I - contrato original;
II - portaria do Superintendente do Patrimônio da União autorizando a reversão, se decorrente de doação;
III - ato pelo qual a União retomar o direito real limitado;
IV - comprovação da notificação do donatário ou concessionário de direito real limitado quanto às condições de resolução.
§2º Para elaboração da portaria a que se refere o inciso II do parágrafo precedente, deverá ser utilizado o modelo constante do Anexo XXXII desta IN.
§3º A instrução processual da reversão de imóvel ao patrimônio da União dar-se-á no âmbito do processo administrativo correspondente ao respectivo contrato resolvido.”
Muito embora tal procedimento destine-se apenas à reversão de imóveis ao Patrimônio da União, não se configuraria equivocado segui-lo no modo transverso, tomando por substituição à SPU, o Ente Municipal, posto ser esse a figura detentora do direito potestativo de revogar a doação.
Já respondendo, então ao segundo questionamento, isto é, quanto à competência pela instrução processual dessas reversões, reputa-se que, como defendido ao longo deste parecer, em sendo a revogação do contrato de doação uma modalidade de extinção do contrato, por iniciativa unilateral do doador, cabe a ele provocar e exigir a extinção do negócio jurídico, inclusive solicitar a reversão do imóvel junto ao Registro de Imóveis. Nada impede outrossim, que a resolução do contrato se dê por iniciativa da União, que não conseguiu adimpli-lo, até como forma de purgar a mora e evitar indenização por perdas e danos.
Quanto ao questionamento formulado acerca da "necessidade de celebração de termo de reversão nas doações em que o encargo não tenha sido cumprido", reconhece-se que esse é o modo usual pelo qual as Superintendências do Patrimônio da União têm prosseguido ao longo dos anos e que não tendo o mesmo o condão de configurar novo negócio jurídico, mas tão somente de reconhecer o não cumprimento do encargo e atestar a entrega do imóvel, não se vê empecilho a sua realização, se essa for a forma mais fácil para a resolução da avença. Contudo, um "termo de autorização de reversão", seria a terminação mais adequada.
É o entendimento alcançado no PARECER n. 00482/2015/RMD/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, a saber:
"Sobre a reversão propriamente dita, pelos elementos coligidos aos autos virtuais, verifica-se que houve um acordo entre o Município e a União. Desta forma, ante o acordo entre ambas as partes, a CONJUR entende que basta a assinatura de um termo de reversão pela SPU/ES e pelo Município, o que fará materializar a solução acordada".
Contudo, qualquer ato formal de direito administrativo emanado pela União que ateste o descumprimento do encargo é apto para formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis à averbação pelo cancelamento da doação.
(...)
CONCLUSÃO
Por tudo quanto exposto, é o entendimento que:
a) a reversão, como efeito da revogação do contrato de doação modal, é ato unilateral de extinção contratual, fixada por imposição legal nos termos dos §§ 1º e 4º, art. 17 da Lei de licitações e caracterizada como direito potestativo irrenunciável;
b) a expressão "opera de pleno direito" prevista nos art. 474 CC não enseja a ideia de que o contrato esteja extinto automaticamente, mas a de que ao credor é dado o direito de resolver o contrato sem a intervenção do judiciário e sem que seja legítima a negativa do devedor;
c) Como ato de resolução unilateral, cabe ao doador cobrar do donatário a comprovação do cumprimento do encargo e na sua ausência, solicitar ao Oficial de Registro o cancelamento do Contrato de doação, solicitando a reversão do imóvel, mediante apresentação de prova irrefutável do descumprimento da obrigação, obtida após o procedimento administrativo em que seja garantido o contraditório e a ampla defesa;
d) É desnecessária a lavratura de escritura pública para a reversão do imóvel, bastando qualquer ato formal de direito administrativo emanado pela União que ateste o descumprimento do encargo apto para formar a convicção do Oficial de Registro de Imóveis à averbação pelo cancelamento da doação nos moldes do art. 167, II, 2, da Lei 6.015/73;
e) Não há empecilho a realização de um Termo de autorização de Reversão, desde que se restrinja a reconhecer o descumprimento do encargo e a atestar a entrega do imóvel, sem configuração de novo negócio jurídico;
f) A a reversão do bem ao Município como ato unilateral de resolução contratual não se enquadra na vedação de que trata a Lei n. 9.507/97.
Notas