ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO-GERAL PARA ASSUNTOS CONTENCIOSOS
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS BLOCO 'L' SALA 720 7º ANDAR PLANO PILOTO 70047-900 BRASÍLIA - DF (61) 2022-7476/2022-7471


 

INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00003/2023/CONJUR-MEC/CGU/AGU

 

NUP: 00732.002068/2020-11

INTERESSADOS: MAYARA MARTINS LOPES E OUTROS

ASSUNTOS: AUXÍLIO-MORADIA MÉDICOS RESIDENTES

 

EMENTA:
I - Informação Jurídica Referencial – IJR. Ações judiciais em que se discute concessão de auxílio moradia a médico residente. 
II - Ausência de atribuição do Ministério da Educação em prover moradia ao médico residente. 
III - O direito à moradia deve ser estabelecido conforme regulamento próprio da instituição responsável por ofertar o Programa de Residência Médica, nos termos do disposto no inciso III, §5º, do art. 4º da Lei nº 6.932, de 1981 (com alterações da Lei 12.514/11). Proposta de Decreto Presidencial em análise neste Ministério.
​IV - IJR destinada a todos os órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União – PGU. Dispensa de análise individualizada pela CONJUR/MEC para casos idênticos e recorrentes;
V - Processo administrativo nº 00732.002068/2020-11. NOTA TÉCNICA Nº 60/2023/CGRS/DDES/SESU/SESU. Residência médica. Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, art. 4º,§5º, inciso III. Responsabilidade da Instituição de Ensino.
VI - Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, e Portaria CONJUR/MEC nº 01/2021;
VII - Validade: 2 anos, a partir de sua aprovação. 

 

 

Senhora Coordenadora-Geral,

 

 

INTRODUÇÃO

 

​Trata-se da elaboração de Informação Jurídica Referencial – IJR a respeito dos pedidos de subsídios, de fato e de direito, solicitados pelas Procuradorias Regionais da União para defesa da União em ações judiciais em que se discute concessão de auxílio moradia a médico residente, visando a atualizar o PARECER n. 00991/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU, de 19 de agosto de 2020, aprovado pelo DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU e pelo DESPACHO n. 02320/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU.

A presente manifestação tem por fim, portanto, dispensar a análise individualizada desta Consultoria Jurídica acerca das questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes sobre o tema, nos termos do que autoriza a Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014, do Advogado-Geral da União, a Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, e a Portaria CONJUR/MEC nº 01, de 2021.

O presente processo administrativo está instruído, em síntese, com a NOTA TÉCNICA Nº 60/2023/CGRS/DDES/SESU/SESU, de 05 de abril de 2023, com os subsídios técnicos  atualizados sobre a matéria, com o PARECER n. 00991/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU, de 19 de agosto de 2020, aprovado pelo DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU e pelo DESPACHO n. 02320/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU a ser atualizado.

 

REQUISITOS DA MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL 

 

A Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, prevê a possibilidade de elaboração de manifestação jurídica referencial para questões jurídicas envolvendo matérias idênticas e recorrentes, de forma que, nos pedidos subsequentes de subsídios, ateste-se que o caso se amolda ao parecer referencial, não havendo necessidade de manifestação individualizada. Vejamos o seu teor:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 55, DE 23 DE MAIO DE 2014. 
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 56377.000011/2009-12, resolve expedir a presente orientação normativa a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
I - Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação.
II - Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos:
a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
Referência: Parecer nº 004/ASMG/CGU/AGU/2014
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS 

 

Em síntese, a manifestação jurídica referencial consiste em parecer jurídico genérico, vocacionado a balizar todos os casos concretos, cujos contornos se amoldem ao formato do caso abstratamente analisado. Trata-se, portanto, de ato enunciativo perfeitamente afinado com o princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), que, seguramente, viabilizará o adequado enfrentamento de questões que, pela intensa repetição de casos, terminavam por tumultuar o fluxo de trabalho desta Consultoria Jurídica, dificultando a dedicação de tempo às questões jurídicas de alta reflexão. 

Tal medida já havia sido expressamente recomendada pelo Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, consoante se infere da leitura do Enunciado nº 33, abaixo transcrito:

 

Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica. (Enunciado nº 33, do Manual de Boas Práticas da Advocacia-Geral da União). 

 

Ressalte-se que a iniciativa foi analisada e aprovada pelo Tribunal de Contas da União – TCU, conforme notícia divulgada no Informativo TCU nº 218, de 2014:

 

Informativo TCU nº 218/2014. É possível a utilização, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes. Embargos de Declaração opostos pela Advocacia-Geral da União (AGU), em face de determinação expedida pelo TCU à Comissão Municipal de Licitação de Manaus e à Secretaria Municipal de Educação de Manaus, alegara obscuridade na parte dispositiva da decisão e dúvida razoável quanto à interpretação a ser dada à determinação expedida. Em preliminar, após reconhecer a legitimidade da AGU para atuar nos autos, anotou o relator que o dispositivo questionado “envolve a necessidade de observância do entendimento jurisprudencial do TCU acerca da emissão de pareceres jurídicos para aprovação de editais licitatórios, aspecto que teria gerado dúvidas no âmbito da advocacia pública federal”. Segundo o relator, o cerne da questão “diz respeito à adequabilidade e à legalidade do conteúdo veiculado na Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, que autoriza a emissão de ‘manifestação jurídica referencial’, a qual, diante do comando (...) poderia não ser admitida”. Nesse campo, relembrou o relator que a orientação do TCU “tem sido no sentido da impossibilidade de os referidos pareceres serem incompletos, com conteúdos genéricos, sem evidenciação da análise integral dos aspectos legais pertinentes”, posição evidenciada na Proposta de Deliberação que fundamentou a decisão recorrida. Nada obstante, e “a despeito de não pairar obscuridade sobre o acórdão ora embargado”, sugeriu o relator fosse a AGU esclarecida de que esse entendimento do Tribunal não impede que o mesmo parecer jurídico seja utilizado em procedimentos licitatórios diversos, desde que trate da mesma matéria e aborde todas as questões jurídicas pertinentes. Nesses termos, acolheu o Plenário a proposta do relator, negando provimento aos embargos e informando à AGU que “o entendimento do TCU quanto à emissão de pareceres jurídicos sobre as minutas de editais licitatórios e de outros documentos, nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, referenciado nos Acórdãos 748, de 2011, e 1.944, de 2014, ambos prolatados pelo Plenário, não impede a utilização, pelos órgãos e entidades da administração pública federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e que seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes, cumprindo as exigências indicadas na Orientação Normativa AGU nº 55,de 2014, esclarecendo, ainda, de que a presente informação é prestada diante da estrita análise do caso concreto apreciado nestes autos, não se constituindo na efetiva apreciação da regularidade da aludida orientação normativa, em si mesma”. Acórdão 2674, de 2014, Plenário, TC 004.757/2014-9, relator Ministro Substituto André Luís de Carvalho, 8 de outubro de 2014. 

 

Do acima exposto, pode-se concluir que a manifestação jurídica referencial uniformiza a atuação do órgão jurídico relativamente às consultas repetitivas, assim como sua adoção torna desnecessária a análise individualizada de processos que versem sobre matéria que já tenha sido objeto de análise em abstrato, sendo certo que as orientações jurídicas veiculadas através do parecer referencial aplicar-se-ão a todo e qualquer processo com idêntica matéria.

Nos termos da Orientação Normativa AGU nº 55, de 2014, a elaboração de manifestação jurídica referencial depende da confluência de dois requisitos objetivos, a saber: i) a ocorrência de embaraço à atividade consultiva em razão da tramitação de elevado número de processos administrativos versando sobre matéria repetitiva e ii) a singeleza da atividade desempenhada pelo órgão jurídico, que se restringe a verificar o atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos; e a dispensa do envio de processos ao órgão jurídico para exame individualizado fica condicionada ao pronunciamento expresso, pela área técnica interessada, no sentido de que o caso concreto se amolda aos termos da manifestação jurídica referencial já elaborada sobre a questão.

Como se pode observar, a Orientação Normativa trouxe dois importantes requisitos, quais sejam, o volume elevado de processos com impacto sobre a atuação da CONJUR e sobre a celeridade dos serviços administrativos; e a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento às exigências legais a partir da conferência de documentos.

No âmbito da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação - CONJUR-MEC, foi editada a Portaria CONJUR/MEC nº 01, de 2021, que, alinhada com os requisitos antes mencionados, estipulou:

 

Art. 3º Para a elaboração de parecer jurídico referencial, devem ser observados os seguintes requisitos:
I - o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes acarretar sobrecarga de trabalho devidamente comprovada e que venha a impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
II - a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos. 

 

Mais recentemente, coube à Consultoria-Geral da União, por intermédio da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, regulamentar a matéria no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas junto aos órgãos da Administração Direta no Distrito Federal e, para o caso específico de subsídios para a defesa da União, estabeleceu o instituto da Informação Jurídica Referencial, trazendo a seguinte definição:

 

Art. 8º Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública. 
§ 1º A IJR objetiva otimizar a tramitação dos pedidos de subsídios no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas da Administração Direta no Distrito Federal, a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União. 
§ 2º É requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou celeridade dos serviços administrativos. 

 

No caso concreto, verifica-se que tramitam nesta Coordenação-Geral para Assuntos Contenciosos – CGAC vários processos referentes a pedido de subsídios em ações judiciais em que a parte autora requer a concessão de auxílio moradia por ser médico residente.​

Tal fato implica dedicação de trabalho desta Consultoria, tanto no aspecto jurídico quanto no administrativo cujo mérito da demanda judicial é idêntico podendo ser tratado de forma uniforme, mormente considerando o fato de que essa CGAC encontra-se, atualmente, com apenas 4 (quatro) Advogados da União.

Assim, o volume de processos sobre o tema causa impacto sobre a atuação deste órgão consultivo, o que compromete a celeridade dos serviços administrativos prestados, além de reduzir o tempo que dispõe o Advogado da União para examinar processos mais complexos e que exigem uma análise jurídica mais detida e profunda.

Por fim, a atividade jurídica exercida em tais casos se confina à prestar os mesmos subsídios repetidamente em todas as ações judiciais, já que estas apresentam praticamente os mesmos pedidos e questionamentos, pois derivados dos mesmos fatos e fundamentos jurídicos.

Além disso, verifica-se que essa Consultoria já adotava o PARECER n. 00991/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU, de 19 de agosto de 2020, aprovado pelo DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU e pelo DESPACHO n. 02320/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU (inseridos nesse mesmo NUP) como referencial para as demandas similares. Todavia, visando a adequar tal manifestação às determinações da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, faz-se necessária atualização de referidas informações.

Portanto, demonstrando o preenchimento dos requisitos para a informação jurídica referencial, passa-se ao exame do mérito em si.

 

 

SUBSÍDIOS

 

Da Ausência de Atribuição do Ministério da Educação em Prover Moradia ao Médico Residente

 

A concessão do direito à moradia ao médico residente é tratada no art. 4º da Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, com as alterações operadas pela Lei nº 12.514, de 28 de outubro de 2011, que dispõe o seguinte:

 

Art. 4º Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais.
§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:
I - condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os  plantões;
II - alimentação; e
III - moradia, conforme estabelecido em regulamento.
§ 6º O valor da bolsa do médico-residente poderá ser objeto de revisão anual.” (NR)
 

Como visto, não cabe ao Ministério da Educação prover tal direito, em primeiro lugar porque, consoante preconiza o dispositivo acima mencionado, essa responsabilidade cabe à instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica e, de outro lado, o oferecimento da moradia depende do estabelecido em regulamento.

Veja-se o que diz jurisprudência do STJ sobre o tema:

 

AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ADMINISTRATIVO. RESIDÊNCIA MÉDICA. PERÍODO DE VIGÊNCIA DA LEI 10.405/2002. INEXIGÊNCIA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REFERENTE À ALIMENTAÇÃO E MORADIA. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR DESPROVIDO.1. Com o advento da Lei 10.405/2002 foi revogada a determinação que exigia o pagamento de auxílio-moradia e alimentação aos médicos residentes, benefício que somente veio a ser restabelecido com a edição da MP 536/2011, convertida posteriormente na Lei 12.514/2012.Precedentes: AgInt no REsp. 1.561.677/RS, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 30.3.2017; AgInt no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp.1.389.990/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2016.2. Hipótese em que o período em discussão - fevereiro de 2007 a janeiro de 2009 - está totalmente inserido na vigência da Lei 10.405/2002, pelo que não se exige da Instituição de Ensino o depósito dos valores, sendo indevida a reparação pugnada.3. Agravo Interno do Particular desprovido. (AgInt na Pet 9868 / RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 28/08/2019;
(Original sem grifo)
 

Neste sentido, não havendo que se falar em obrigação do Ministério da Educação em prover direito a moradia do residente médico, não cabe, portanto, em consequência, qualquer debate acerca de condenação a pagamento de danos morais decorrentes, a ser ressarcido por este Ministério.

É sabido que as instituições de ensino possuem autonomia e personalidade jurídica própria, que não se confunde com a personalidade jurídica da União, devendo, assim, responder pelos seus atos de gestão.

Tratando-se de Universidade Federal, a Constituição Federal, em seu artigo 207, estabelece que “as universidades gozam de autonomia-didática, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.

Nesse mesmo sentido, a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) atribui às Universidades, bem como a outras Instituições de Ensino Superior, autonomia para "elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes", in verbis:

 

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;           (Regulamento)
II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;
III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;
IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;
V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;
VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;
VII - firmar contratos, acordos e convênios;
VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;
IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;
X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

 

Observa-se o evidenciado pela SESu na NOTA TÉCNICA Nº 60/2023/CGRS/DDES/SESU/SESU, de 05 de abril de 2023:

(...)
Nesse sentido, foi estabelecido que é dever da instituição responsável pelo Programa de Residência Médica a oferta de moradia durante todo o período da residência, nos termos de regulamento. Em síntese, a lei impõe, às instituições de saúde responsáveis pelos Programas de Residência Médica (PRM), a obrigação de garantir ao profissional um local para permanência fixa, enquanto durar a residência médica.
A concessão de moradia ao médico-residente corresponde a um benefício previsto em lei específica, afeto à natureza da relação (ensino-trabalho) estabelecida com o profissional médico pós-graduando, isto é, tem natureza de benefício estudantil, não constituindo elemento que possa configurar vínculo empregatício para qualquer efeito.
Oportuno esclarecer que o Ministério da Educação responde, unicamente, pelo orçamento que custeia as bolsas-estudo de residência médica, das universidades federais e de hospitais universitários vinculados a elas, cujo pagamento é realizado por meio de Termos de Execução descentralizada(TEDs), celebrados anualmente e não contemplam o pagamento de qualquer outro benefício ou vantagem. Por tal razão, não deve ser confundido com a concessão de benefício de moradia, que embora sem regulamentação, é de responsabilidade das instituições responsáveis pelos PRMs, nos termos da lei, muito menos com eventual conversão do benefício em pecúnia.
Em acréscimo, consigne-se que, embora os Programas de Residência Médica (PRM) estejam vinculados aos hospitais universitários federais, não há que se cogitar em responsabilidade da União para prover o benefício à moradia, notadamente, porque as universidades, como integrantes da Administração Pública Indireta, com natureza jurídica de autarquias, possuem personalidade jurídica própria, gozando, nos termos do art. 207 da CRFB, de 1988, de autonomia-didática, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, fundado em tal direito constitucional o art.53, inciso V, da Lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), confere-lhes as prerrogativas para elaboração de seus regramentos internos, in verbis:
(...)
Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;
(...)
Logo, não há dúvida de que a universidade detém com exclusividade a responsabilidade pela regulamentação e delimitação do necessário para a efetivação da concessão do benefício.
(...)

 

Sendo assim, considerando que a lei não imputa à União a obrigação de conceder moradia ao médico residente, sugere-se que seja arguida sua ilegitimidade ad causam. Não se verifica, por outro lado, respaldo jurídico para que haja responsabilidade subsidiária da União.

 

Das Decisões Judiciais Determinando a Conversão em Pecúnia e da Futura Regulamentação da Matéria

 

Conquanto não haja nenhuma disposição no sentido de que referido direito à moradia seja convertido em pecúnia, várias decisões judiciais tem sido proferidas nesse sentido, com o entendimento de que, tendo em vista a ausência de regulamentação pelo poder público da concessão "in natura" do direito deve haver indenização ao médico residente.

Frisa-se, contudo, que a jurisprudência fixou-se no sentido de que o benefício da concessão de moradia somente foi restabelecido posteriormente com a Medida Provisória n. 536/2011, convertida na Lei n. 12.514/2012, sendo que, no período de 10/01/2002 à 31/10/2011 não há que se falar em direito dos médicos residentes às referidas vantagens, já que o art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.932/1981 com a redação dada pela Lei n. 8.138/1990, juntamente com todos os demais artigos, foi revogado pela Lei n. 10.405/2002, senão vejamos  jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESIDÊNCIA MÉDICA. AUXÍLIO-MORADIA. REEMBOLSO. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 10.405/02. RESTABELECIMENTO COM MEDIDA PROVISÓRIA, CONVERTIDA NA LEI N. 12.514/12. CONVERSÃO EM PECÚNIA. PRECEDENTES.1. O presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do novo Código de Processo Civil, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo n. 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016.2. A Lei n. 10.405/2002 revogou os dispositivos que asseguravam o direito dos médicos residentes ao reembolso parcial da contribuição previdenciária e à disponibilização de alimentação e moradia. Esses benefícios somente foram restabelecidos posteriormente, com a Medida Provisória 536/2011, convertida na Lei n. 12.514/2012.3. No período de 10/1/2002 a 31/10/2011, não há que se falar em direito dos médicos residentes às referidas vantagens, visto que o art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.932/1981, com a redação dada pela Lei n. 8.138/1990, juntamente com todos os demais artigos, foi revogado pela Lei n. 10.405/2002, não se limitando os efeitos da referida revogação ao caput do referido dispositivo.4. Verifica-se que a agravada esteve inserida no programa de residência médica nos períodos de 1/3/2018 a 28/2/2021, fazendo jus à indenização pelos gastos decorrentes do não fornecimento de moradia e respectiva conversão em pecúnia.5. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1945596 / RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA​, DJe 20/03/2023;

 

Enfatizou a SESU que:

 

(...)
Sobre o tema, um aspecto relevante a ser mencionado é a diferenciação entre a concessão de moradia, “in natura”, que corresponde à disponibilização de local destinado à habitação enquanto durar o Programa de Residência, e o pagamento de auxílio-moradia em pecúnia, que configura espécie de vantagem pecuniária, adicional, para despesas com habitação, institutos que não podem ser confundidos, em especial, pelos reflexos e impactos no orçamento das instituições responsáveis.
Outro ponto relevante, que merece destaque, é que o benefício é um direito decorrente do simples fato de o médico ter ingressado em um Programa de Residência Médica, independentemente de qualquer outro juízo de valor acerca de condições econômicas, distância do domicílio de origem ao local de exercício da atividade, etc. O direito, como estabelecido em lei, foi assegurado a todos, não cabendo a norma inferior inovar no ordenamento, ou mesmo ao intérprete trazer considerações não previstas em lei.
A lacuna legislativa sobre a oferta de moradia aos médicos-residentes abriu espaço para a judicialização de ações que visam o provimento jurisdicional para a concessão do benefício, ou, condenação das instituições responsáveis pelos PRMs ao pagamento de indenização, em pecúnia, pelo descumprimento da obrigação, em todo o período de duração dos Programas de Residência, cujo início tenha ocorrido após a entrada em vigência da Lei nº 12.514, de 2011, a depender do caso concreto, a fim de assegurar resultado prático equivalente.
Tais decisões oportunizam uma avalanche de demandas futuras, idênticas, que poderão impactar, em razão da ausência de uniformização da própria jurisprudência, diretamente, a criação de novas vagas, a diminuição das existentes, e, em especial, a própria manutenção dos Programas vigentes, uma vez que cria obrigação sem qualquer previsão da fonte de custeio.
Sobre a atuação judicial nestes casos, o Superior Tribunal de Justiça, no acordão em Recurso Especial nº 813.408/RS, proferiu o seguinte entendimento:
(...)
Se o Poder Público insiste em desconsiderar a norma, fazendo dessa previsão letra morta, caberá controle e intervenção do Judiciário, uma vez que, nestes casos, deixa-se o critério da razoabilidade para adentrar-se a seara da arbitrariedade, fato que, em último grau, caracteriza a omissão como ilegal.
A partir do momento em que opta pela inércia não autorizada legalmente, a Administração Pública se sujeita ao controle do Judiciário da mesma forma que estão sujeitas todas as demais omissões ilegais do Poder Público, tais como aquelas que dizem respeito à consecução de políticas públicas (v., p. ex., STF, AgR no RE 410.715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJU 3.2.2006)
(...)
Embora o pedido de conversão do benefício à moradia em pecúnia não encontre respaldo em qualquer previsão legal, os provimentos jurisdicionais têm sido concedidos sob o fundamento de que uma vez que o Poder Público permaneceu inerte em face de obrigação imposta pela lei, a omissão ilegal resta caracterizada, o que justifica o controle e intervenção judicial, que assegure resultado prático equivalente, ainda que em sede de compensação de lesão ao direito destes profissionais.
Considerando a reiteração de demandas em que se discute a concessão de auxílio-moradia aos residentes médicos, recebidas por esta Secretaria de Educação Superior, a Consultoria Jurídica do Ministério da Educação, instada a se manifestar, proferiu o Parecer nº 991/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU (2206467), aprovado pelo Despacho nº 030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU (2206468) e pelo Despacho nº 2320/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU (2206473), o qual foi eleito como parecer referencial a ser apresentado em todas as demandas em que se discute a concessão de auxílio-moradia aos residentes médicos, com posicionamento acerca da ilegitimidade ad causam da União para prover tal direito.
Apesar disso, considerando a relevância da matéria, a premente necessidade de dirimir futuras demandas, a necessária observância ao princípio da eficiência, respeito à coerência e proporcionalidade, a preservação da segurança jurídica e a pacificação das relações jurídicas, bem como a preservação da supremacia do interesse público sobre o privado, com estabelecimento de regras uniformes a serem observadas pelas instituições responsáveis pelos PRMs, informa-se que, no bojo do Processo SEI/MEC nº 23000.035170/2022-24, há uma proposta de edição de Decreto Presidencial que regulamenta o art. 4º, §5º, inciso III, da Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, com redação dada pela Lei nº 12.514, de 28 de outubro de 2011, para fins de estabelecer os requisitos para a concessão de moradia ao médico-residente. Necessário esclarecer que, a Consultoria Jurídica junto a este Ministério da Educação não apresentou óbice à proposta elaborada por esta Secretaria de Educação Superior, conforme o Parecer nº 00064/2023/CONJUR-MEC/CGU/AGU (3808237).
Ressalta-se que a referida proposta, encaminhada pela SESu/MEC, contou com a contribuição de representantes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Diante do exposto, esta Coordenação-Geral de Residência em Saúde (CGRS) entende que é clara a imputação à instituição de saúde responsável pelo Programa de Residência Médica o oferecimento da alimentação e da moradia ao médico residente, por meio de regulamento próprio, ou seja, cabe à própria instituição, com base no exercício de sua autonomia, oferecer alimentação e moradia ao médico residente e elaborar os seus estatutos e regimentos, em consonância com as normas gerais atinentes que regulamentam o direito dos residentes à alimentação e ao auxílio-moradia.

 

Por fim, cumpre evidenciar que, conforme informado pela Procuradoria Nacional de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal no NUP 00732.003020/2023-72 , houve a afetação junto à Turma Nacional de Uniformização da questão relativa ao auxílio-moradia dos médicos residentes.

 

Desta feita, considerando tudo acima esclarecido, observa-se, em síntese, que no âmbito desta Pasta Ministerial a matéria atualmente é tratada da seguinte forma:

 

CONCLUSÃO E ENCAMINHAMENTOS

 

Diante do exposto, sugere-se o acolhimento da presente manifestação jurídica como Informação Jurídica Referencial nos termos da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, que deverá ser adotada como parâmetro nos processos com pedidos de subsídios, de fato e de direito, solicitados pelas Procuradorias Regionais da União para defesa da União em ações judiciais em que se discute a concessão de auxílio moradia a médico residente, visando a atualizar o PARECER n. 00991/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU, de 19 de agosto de 2020, aprovado pelo DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU e pelo DESPACHO n. 02320/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU, com  vigência de 02 (dois) anos a partir de sua aprovação.

Caso seja recebido pedido de subsídios em matéria idêntica à versada nestes autos,  sugere-se que a  presente manifestação seja encaminhada por ofício ao órgão do contencioso oficiante, acompanhada da NOTA TÉCNICA Nº 60/2023/CGRS/DDES/SESU/SESU, da Secretaria de Educação Superior.

Ressalta-se, entretanto, que este órgão consultivo poderá se pronunciar, de ofício ou por provocação específica, visando à retificação, complementação, aperfeiçoamento ou ampliação de posicionamento lançado na presente Informação Jurídica Referencial, ou destinado a adaptá-la a inovação normativa, mutação jurisprudencial ou entendimento de órgão de direção superior da AGU.

Em atenção ao art. 9º, III, "a", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, sugere-se seja dada ciência, com registro de que se trata de IJR, à:

 
a) Procuradoria-Geral da União;
b) às Procuradorias Regionais da União; e
c) ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas da Consultoria-Geral da União.
 

Recomenda-se, também, o envio dos autos à Chefe de Divisão de Gestão e de Apoio Administrativo, para alimentação da página da Consultoria Jurídica, para providenciar a inserção na página do Ministério da Educação e para ciência aos advogados públicos em exercício na CONJUR/MEC.

 

Ainda, à Secretaria de Educação Superior, para ciência. 

 

À aprovação superior. 

 

Brasília, 19 de maio de 2023.

 

 

DÉBORA LARA SOMAVILLA

ADVOGADA DA UNIÃO

(Assinado Eletronicamente)

 

 


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