ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00080/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.007951/2023-64

INTERESSADOS: SECRETARIA DO AUDIOVISUAL

ASSUNTOS: DIREITO INTERNACIONAL. PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO.

 

 

EMENTA: I. Protocolo de Cooperação negociado entre a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais da Argentina (INCAA). II. Direito Internacional. III. Possibilidade jurídica. Recomendações.

 

 

RELATÓRIO 

 

1.  Por meio do Ofício-Circular nº 71/2023/GM/MinC (1185739), o Chefe de Gabinete da Ministra encaminha, para análise e manifestação desta Consultoria, o processo em epígrafe, que trata de Protocolo de Cooperação negociado entre a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA), da Argentina (1185595), tendo por objeto a execução de um programa de concessão, pelas Autoridades Cinematográficas, de apoio a projetos de filmes de longa-metragem nos gêneros ficção, documentário ou animação, e destinados a serem exibidos prioritária e inicialmente nas salas de cinema.

 

2. Segundo informa o Ofício nº 32/2023/AEAI/GM/MinC, em virtude de sua natureza, esse tipo de ajuste costuma ser negociado e assinado diretamente pela Ancine, na qualidade de autoridade cinematográfica brasileira. Entretanto, em virtude da realização do Mercado das Indústrias Culturais Argentinas (MICA), entre 1º e 4 de junho do corrente, e que, nessa edição, terá o Brasil como país convidado de honra, pretende-se realizar ato simbólico de assinatura do protocolo pela Ministra de Estado da Cultura  e o homólogo argentino.

 

3. De acordo com o histórico constante da minuta em análise, o instrumento fundamenta-se no Acordo de Coprodução Cinematográfica celebrado entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Argentina em 18 de abril de 1988.

 

4. Para o que interessa à presente análise, constam dos autos a minuta de Protocolo de Cooperação que se pretende celebrar (1185595), a Nota Técnica n. 16/2023, do Gabinete da Ministra (1195148), e Deliberação de Diretoria Colegiada da Ancine n.º 693-E, de 2023, realizada na 880ª Reunião Ordinária de Diretoria Colegiada, de 12 de maio de 2023 (1185599).

 

ANÁLISE

 

5. A Consultoria Jurídica procede à análise com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

6. Assim, cumpre esclarecer que não compete a esta Consultoria Jurídica a análise do mérito administrativo do instrumento que se pretende aprovar, cabendo à autoridade administrativa competente sopesar a conveniência e/ou oportunidade na edição do mencionado ato. Às consultorias jurídicas compete apenas a aferição do aspecto jurídico-legal das minutas cuja análise lhe são submetidas.

 

7. Nesse sentido, com relação ao mérito do ajuste, no âmbito do Ministério da Cultura, a proposta foi avaliada pelo Gabinete da Ministra, por meio da Nota Técnica nº 16/2023, que concluiu favoravelmente à celebração do Protocolo, nos seguintes termos:

 

3.2. É importante destacar que a Ministra de Estado da Cultura recebeu, em 14 de fevereiro de 2023, ofício de seu homólogo argentino, Tristán Bauer, para que o Brasil seja o País convidado de honra da sétima edição do Mercado de Indústrias Culturais Argentinas (MICA), que ocorrerá no período de 1º a 4 de junho, em Buenos Aires. Realizado a cada dois anos desde 2011, o MICA tem como objetivos potencializar a produção, dar visibilidade e fortalecer as indústrias culturais, gerar empregos de qualidade e promover a comercialização de produtos e serviços na Argentina e no mundo.
3.3. Para atender ao convite, esta pasta está desenvolvendo uma série de ações que visam a garantir a participação brasileira no MICA, tais como: i) edital para a seleção de 90 profissionais que participarão das rodadas de negócios do MICA, ii) apresentações artísticas e showcases (apresentações artístico-comerciais voltadas para compradores), além de iii) participação de comitiva do Ministério da Cultura do Brasil em reuniões bilaterais, palestras e painéis a serem realizados no MICA.
3.4. Adicionalmente, a Argentina, como detentora da Presidência Pro Tempore do Mercosul, aproveitará a ocasião do MICA para realizar as reuniões técnicas do Mercosul Cultural e a Reunião de Ministros de Cultura do Mercosul, quando passará, simbolicamente, a Presidência Pro Tempore para o Brasil.
3.5. O aperfeiçoamento e fortalecimento institucional do Mercosul desde sua criação, em 1991, tem papel fundamental na agenda da integração regional.  Apesar de ter sido criado com o objetivo de se tornar um mercado comum, ou seja, com viés essencialmente econômico, o Mercosul tem contribuído para aprofundar a integração política, social e cultural no decurso dos últimos 32 anos. Nesse sentido, o Mercosul é bloco regional de atuação prioritária do MinC no contexto internacional, em razão da prioridade conferida pela política externa brasileira a esse foro multilateral, da forte identidade cultural entre os países, das relações culturais fronteiriças e da identificação de áreas culturais de interesse comum para o estabelecimento de projetos de cooperação e intercâmbio na região.
3.6. A configuração desta atuação do MinC no âmbito regional tem por base o Protocolo de Integração Cultural do Mercosul, de 1996, que permitiu aos Ministros da Cultura do Mercosul assinarem, em 2008, a Declaração de Integração Cultural do Mercosul. Esse ato reconhece a cultura como elemento primordial do processo de integração regional, cuja dinâmica é fator determinante de enriquecimento mútuo, que leva ao fortalecimento dos valores da democracia e da convivência nas sociedades. Além disso, há também um eixo fundamental relativo ao processo de reconstrução e inclusão social, indispensável para alcançar o desenvolvimento regional sustentável.
3.7. Nesse sentido, aproveitando a sua passagem pela referida capital e os compromissos a serem realizados, a Ministra tenciona chancelar de forma simbólica o referido Protocolo visando fortalecer os laços.
(...)
4.1. Nesse sentido, sugere-se avaliação da Consultoria Jurídica quanto aos termos do Protocolo, haja vista que a Ministra de Estado da Cultura chancelará o instrumento de forma simbólica.

 

8. Vale destacar, ainda, que a Ancine aprovou a proposta por meio de Deliberação de Diretoria Colegiada n.º 693-E, de 2023, realizada na 880ª Reunião Ordinária de Diretoria Colegiada, de 12 de maio de 2023  (1185599).

 

9.  Dito isso, observo que o ato em análise é um de Protocolo de Cooperação que se pretende celebrar entre Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA), da República Argentina, e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE), visando o apoio a projetos de filmes de longa-metragem nos gêneros ficção, documentário ou animação, e destinados a serem exibidos prioritária e inicialmente nas salas de cinema (SEI 1185599).

 

10. A denominação dada aos atos internacionais é variada. Embora o termo escolhido não influencie o caráter do instrumento, ditado pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

 

11. No Brasil, os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, após firmados, devem ser remetidos à apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, em cumprimento à determinação contida no art. 49, I, combinado com o artigo 84, VIII, da Constituição Federal, que dispõem:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
(...)
 

12. Assim, em atenção às regras de competência estabelecidas no art. 49, inciso I e art. 84, VIII, da Constituição, os instrumentos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional deverão ser encaminhados ao Congresso Nacional, a fim de que este delibere sobre o ajuste, uma vez que é da sua competência "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

 

13. No caso do Protocolo de Cooperação que ora se pretende celebrar, observa-se que este é decorrência de um Acordo de Coprodução Cinematográfica celebrado entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Argentina em 18 de abril de 1988. Referido Acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro por meio do Decreto Legislativo no 69, de 16 de setembro de 1992 e promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto n. 3.054, de 7 de maio de 1999 [1].

 

14. Portanto, a minuta de Protocolo de Cooperação em análise é uma decorrência do Acordo anteriormente aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, e pretende avançar no processo de implementação de ações diretas e concretas que estimulem a integração entre as indústrias cinematográficas dos dois Países, conforme exposto em seus consideranda.

 

15. A minuta em tela estabelece o seguinte quanto ao apoio às coproduções de que trata:

2. APOIOS À COPRODUÇÃO
2.1. Os apoios consistirão em recursos financeiros a serem destinados exclusivamente à produção dos projetos de coprodução cinematográfica selecionados segundo o estabelecido no artigo 3º do presente protocolo.
2.2. As autoridades competentes tornarão público, anualmente, o montante global dos apoios financeiros a serem concedidos aos projetos de coprodução selecionados, bem como o limite máximo a ser atribuído a cada projeto e as condições que deverão ser observadas para sua inscrição nos respectivos concursos.
 2.3. O número total de projetos a serem beneficiados e o valor do apoio a ser concedido a cada projeto serão definidos por ocasião da seleção dos projetos.
2.4. O INCAA repassará os apoios financeiros aos produtores argentinos dos projetos em coprodução Brasil-Argentina selecionados, com participação argentina minoritária, ao passo que a ANCINE repassará os apoios financeiros aos produtores brasileiros dos projetos em coprodução Argentina-Brasil selecionados, com participação brasileira minoritária.
2.5. Os apoios atribuídos no âmbito do presente protocolo poderão ser suplementares a outros mecanismos de financiamento existentes em cada país, a depender do estabelecido na normativa referente à utilização desses últimos.
2.5.1. No que diz respeito à ANCINE, os apoios serão concedidos a título de investimento retornável; e, no que se refere ao INCAA, como aporte ao fomento da atividade cinematográfica não restituível.
2.5.2. Os apoios estarão sujeitos à prestação de contas de sua correta aplicação, em conformidade com os critérios a serem estabelecidos por cada uma das Autoridades Cinematográficas.
3. SELEÇÃO DOS PROJETOS
3.1. A seleção, a cada ano, dos projetos que receberão os apoios será realizada por uma Comissão Binacional de Seleção composta por personalidades de nacionalidade argentina e brasileira com notório conhecimento sobre cinematografia, podendo  igualmente participar representantes do INCAA e da ANCINE.
(...)
4. PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO
4.1. As Partes lançarão simultaneamente, em seus respectivos países, editais de concurso, de forma pública e oficial, com o objetivo de selecionar os projetos que farão jus aos apoios supramencionado
(...)
(destaques nossos)

 

16. Observa-se, assim, que a minuta não prevê a transferência de recursos diretamente entre as partes, mas estabelece como se dará o financiamento dos projetos cinematográficos apresentados por produtores dos dois Países, de acordo com as regras vigentes em cada parte. No âmbito do Brasil, conforme consta do item 2.5.1 da minuta, o financiamento se dará por meio de investimentos retornáveis, em conformidade com o disposto no art. 3º, inciso I, da Lei n. 11.437 de 28 de dezembro de 2006.

 

17. Portanto, trata-se aparentemente de instrumento não oneroso, que, salvo melhor juízo, não requer nova chancela do Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, já que se trata de decorrência do Acordo-base já aprovado pelo parlamento brasileiro.

 

18. Quanto à competência para a celebração do instrumento, observo que o Protocolo de Cooperação envolve unicamente obrigações da Ancine (e não do Ministério da Cultura). Assim, tendo em vista que a Agência, por natureza, possui autonomia administrativa e financeira, nos termos da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001 (art. 5º), conclui-se que o Diretor-Presidente da Agência seria a autoridade naturalmente competente para a celebração do ajuste.

 

19. Não obstante, como a Ministra da Cultura estará em Buenos Aires na ocasião, nada impede que ela assine o ato, simbolicamente, ou como interveniente-anuente (com ou sem competências próprias). No entanto, o Protocolo deverá ser obrigatoriamente assinado pelo Diretor-Presidente da Ancine, antes ou depois da cerimônia, pelos motivos expostos acima, sob pena de ineficácia.

 

20. Portanto, sob o ponto de vista estritamente jurídico e considerando a seara de competências do Ministério da Cultura, não se vislumbram óbices à celebração do Protocolo de Cooperação internacional em tela conforme proposto, desde que o Diretor-Presidente da Ancine assine o instrumento representando a Agência.

 

21. Por fim, recomendo que o ajuste seja submetido ao Ministério das Relações Exteriores, a fim de ratificar o exposto no presente Parecer, já que se trata de matéria de sua alçada nos termos do art. 44 da Medida Provisória n. 1.145, de 1º de janeiro de 2023 (art. 44), e do Decreto n. 11.357, de 1º de janeiro de 2023 (art. 1º):

 

Art. 1º  O Ministério das Relações Exteriores, órgão da administração pública federal direta, tem como áreas de competência os seguintes assuntos:
I - assistência direta e imediata ao Presidente da República nas relações com Estados estrangeiros e com organizações internacionais;
II - política internacional;
III - relações diplomáticas e serviços consulares;
IV - coordenação da participação do Governo brasileiro em negociações políticas, comerciais, econômicas, financeiras, técnicas e culturais com Estados estrangeiros e com organizações internacionais, em articulação com os demais órgãos competentes;
(...)
VI - programas de cooperação internacional;
VII - apoio a delegações, a comitivas e a representações brasileiras em agências e organismos internacionais e multilaterais;
(...)
IX - coordenação das atividades desenvolvidas pelas assessorias internacionais dos órgãos e das entidades da administração pública federal, inclusive a negociação de tratados, convenções, memorandos de entendimento e demais atos internacionais;
(...)

 

CONCLUSÃO

 

22. Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices ao prosseguimento do feito, desde que observado o exposto no presente Parecer, em especial no item 19, sem prejuízo de eventuais recomendações específicas da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores quanto aos temas de sua alçada.

 

23. Assim, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo, na sequência, o encaminhamento ao Gabinete da Ministra, para ciência e providências cabíveis.

 

Brasília,  24 de maio de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

Coordenadora-Geral

 

 

[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3054.htm#:~:text=DECRETO%20No%203.054%2C%20DE,o%20Governo%20da%20Rep%C3%BAblica%20Argentina.


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