ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00082/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.007936/2023-16

INTERESSADOS: ASSESSORIA PARLAMENTAR DO MINISTÉRIO DA CULTURA - ASPAR/MINC

ASSUNTOS: ATOS LEGISLATIVOS. PROJETO DE LEI.

 

EMENTA: Processo Legislativo. Projeto de Lei nº 721, de 2022. Altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições. Inexistência de vício de inconstitucionalidade formal ou material. Necessidade de manifestação técnica do mérito da proposição legislativa. Análise quando ao interesse público.

 

I. RELATÓRIO

 

Trata-se de análise e manifestação desta Consultoria Jurídica (CONJUR) acerca do Projeto de Lei nº 721, de 2022 (SEI nº 1185222), de autoria do Senhor Deputado Marcelo Ramos (PSD/AM), que “Altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições".

 

Em síntese, a proposta legislativa visa incluir no artigo 36-A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, o § 4º, contendo a seguinte redação:

 

“Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
..........................................................................................................
§ 4º Não há impedimento para que o artista manifeste seu posicionamento político, por meio de seu trabalho, em shows e apresentações, seja antes, durante ou depois do período eleitoral.
...........................................................................................................” (NR)

 

Em consulta ao ​sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, verifica-se que a proposta encontra-se, no âmbito legislativo, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

É o relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Inicialmente, convém destacar que compete a esta unidade da Advocacia-Geral da União - AGU , nos termos do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, prestar assessoramento sob o prisma estritamente jurídico, não lhe cabendo adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que são reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

 

A manifestação desta Consultoria Jurídica possui natureza opinativa e, portanto, não é vinculante para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa da emanada deste PARECER.

 

Registre-se que as questões técnicas, bem como as relativas à conveniência e oportunidade, próprias e exclusivas da Administração, escapam da competência desta Consultoria Jurídica, nos termos do Enunciado BPC nº 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

Cabe averiguar a competência setorial do Ministério da Cultura para examinar se o escopo do presente Projeto de Lei tem pertinência setorial com esta Pasta, conforme dispõe o art. 23 da Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023:

 

Art. 21.  Constituem áreas de competência do Ministério da Cultura:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
(...)
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e a política de economia criativa;
(...)

 

Como o objetivo do referido Projeto de Lei é assegurar a manifestação política de artistas em seus shows ou apresentações, seja antes, durante ou depois do período eleitoral, afigura-se a existência da competência deste Ministério da Cultura para avaliar o assunto.

 

 

II.1- ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL

 

 

II.1.1- ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR OBSERVÂNCIA DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E DE INICIATIVA

 

Após a leitura e análise do Projeto de Lei em tela constata-se, no que tange à constitucionalidade formal,  que foram obedecidos os dispositivos constitucionais que tratam da competência legislativa privativa da União para disciplinar matéria que envolva direito eleitoral.

 
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;"

 

O objeto do Projeto de Lei insere-se na competência geral podendo qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional dispor sobre as matérias referidas à luz do art. 48, caput, da Constituição Federal, in verbis:

 

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...)
 

Vale destacar que a matéria tratada não se enquadra na iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, §1º da Constituição Federal.

 

Também não se trata de Medida Provisória ou Lei Delegada, hipóteses em que a regulamentação do direito eleitoral é vedada para estas espécies normativas, respectivamente, nos termos do art. 62, §1º, "a" e art. 68, §1º, II, ambos da CRFB.

 

Quanto à competência legislativa, portanto, o Projeto de Lei apresenta-se consentâneo com o texto constitucional.

 

 

II.1.2- ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR OBSERVÂNCIA DA ESPÉCIE NORMATIVA ADEQUADA

 

Quanto à espécie normativa utilizada, verifica-se que a escolha por projeto de lei ordinária revela-se adequada, já que não se trata de matéria reservada a lei complementar. 

 

 

 II.2- ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

 

Conforme já foi mencionado alhures, o presente Projeto de Lei visa assegurar a manifestação política de artistas em seus shows ou apresentações, seja antes, durante ou depois do período eleitoral.

 

Para este fim, a proposta legislativa visa incluir no artigo 36-A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, o § 4º, contendo a seguinte redação:

 

“Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
..........................................................................................................
§ 4º Não há impedimento para que o artista manifeste seu posicionamento político, por meio de seu trabalho, em shows e apresentações, seja antes, durante ou depois do período eleitoral.
...........................................................................................................” (NR)

 

Sendo um parágrafo dentro do artigo, o conteúdo da inovação submete-se ao caput do dispositivo. Em outras palavras, embora não haja "impedimento para que o artista manifeste seu posicionamento político, por meio de seu trabalho, em shows e apresentações, seja antes, durante ou depois do período eleitoral" (§4º), não pode o artista efetuar pedido explícito de voto, hipótese em que estar-se-ia configurada a propaganda eleitoral antecipada, nos termos do cuput do art. 36-A.

 

Examinando o disposto no projeto de lei em confronto com o texto constitucional, não se vislumbra inconstitucionalidade material no seu conteúdo, encontrando a pretensão também amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

 

A Constituição Federal de 1988 garante o direito à livre manifestação do pensamento e veda toda e qualquer censura política, ideológica e artística, por meio de seu artigo 220, § 2º:

 

CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
 
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

 

No mesmo sentido, a Carta da República elencou como direito fundamental a livre manifestação do pensamento e a livre a expressão da atividade artística, nos seguintes termos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(...)

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar a ADI 5.970/DF (de Relatoria do Ministro Dias Toffoli), que tratava sobre a vedação de realização de showmício nas campanhas eleitorais, permitindo, contudo, a realização de eventos de arrecadação financeira para as campanhas, esclareceu no item 3 a interpretação no sentido de que é “assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato”, o que contemplaria “os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral”.

 

Desse modo, ainda que haja a proibição dos showmícios e eventos semelhantes, tal manifestação não implicaria na liberdade de expressão, “já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas” e sim em regular as formas que as propagandas eleitorais podem ser realizadas no país. 

 

Nos exatos termos da Ementa:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL
EMENTA
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997. Proibição de showmícios ou eventos assemelhados não remunerados. Ausência de contrariedade à liberdade de expressão e ao princípio da proporcionalidade. Artigo 23, § 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/1997. Doações eleitorais mediante promoção de eventos de arrecadação organizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político. Interpretação conforme à Constituição. Possibilidade de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos destinados à arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Pedido julgado parcialmente procedente.
(...)
3. É também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral. A proibição dos showmícios e eventos assemelhados não vulnera a liberdade de expressão, já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas, visto que dela não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações. A norma em tela está a regular a forma com que a propaganda eleitoral pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um conteúdo ou com o embaraço da capacidade de manifestação de opiniões políticas por parte de qualquer cidadão. (destacamos)

 

 

Diante do exposto, não se vislumbra, s.m.j., inconstitucionalidade material no conteúdo do Projeto de Lei nº 721, de 2022.

 

 

II.3. - ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO

 

Em relação ao mérito do Projeto de Lei, adequação ao interesse público ou eventual divergência com política pública adotada por este Ministério, cabe à área técnica competente do Ministério da Cultura se pronunciar. Esta análise escapa ao exame jurídico, nos termos do Enunciado BPC nº 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas, transcrito nesta manifestação.

 

Assim, recomenda-se manifestação do setor competente no âmbito do Ministério da Cultura para que avalie o mérito da proposição legislativa, o que poderá justificar a continuidade do trâmite legislativo, o seu arquivamento no âmbito do Poder Legislativo ou eventual futura prolação de veto político do Presidente da República, em razão da proposição eventualmente contrariar o interesse público (art. 66, CRFB).

 

 

III - CONCLUSÃO

 

Isso posto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, opina-se pela constitucionalidade do Projeto de Lei, estando apto a receber o “visto” desta unidade jurídica.

 

Destarte, são estas as considerações que esta CONJUR, com fulcro no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, encaminha, no cumprimento de sua missão institucional.

 

É o parecer. À consideração superior.

 

 

Brasília, 24 de maio de 2023.

 

 

(assinatura eletrônica)

GUSTAVO ALMEIDA DIAS

Advogado da União

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400007936202316 e da chave de acesso 4efb4255

 




Documento assinado eletronicamente por GUSTAVO ALMEIDA DIAS, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1177492527 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): GUSTAVO ALMEIDA DIAS. Data e Hora: 24-05-2023 16:52. Número de Série: 67603764024508752190194977411. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.