ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 83/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.006635/2023-75

INTERESSADA:  Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas

ASSUNTO: Prestações de contas de ações executadas pela Lei nº 14.017/2020

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. FOMENTO À CULTURA.
I - Fomento à cultura. Fomento direto. Ações emergenciais para o setor cultural executadas com respaldo na Lei nº 14.017/2020. Consulta sobre a possibilidade de aplicação dos procedimentos de prestações de contas do Decreto nº 11.453/2023 às avaliações de resultados previstas no Decreto nº 10.464/2020.
II - O Decreto nº 11.453/2023 estabelece normas gerais para utilização dos mecanismos de fomento à cultura estabelecidos em diversas leis, incluindo procedimentos padronizados de prestação de contas para instrumentos não previstos em legislação específica.
III - A Lei nº 14.017/2020 trata de ações emergenciais realizadas por Estados e municípios com recursos de transferências obrigatórias da União, cabendo a Estados e municípios analisar as prestações de contas devidas, segundo as regras aplicáveis aos instrumentos jurídicos aplicados em cada ação.
IV - Cabe à União, por meio do Ministério da Cultura, realizar a avaliação de resultados do programa a partir dos relatórios de gestão de Estados e municípios, podendo instaurar tomada de contas especial em caso de omissão ou irregularidades na prestação de contas perante os entes da federação.
V - Possibilidade de regulamentação de critérios e procedimentos de avaliação por instrução normativa ou portaria ministerial.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Por meio da Nota Técnica nº 7/2023 (SEI/MINC nº 1162698), a Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas do Ministério da Cultura apresenta consulta a esta Consultoria Jurídica acerca da legislação aplicável às avaliações de resultado previstas no Decreto nº 10.464/2020, para as ações emergenciais destinadas ao setor cultural executadas com os recursos da Lei nº 14.017/2020.

Citando o novo arcabouço normativo estabelecido no Decreto nº 11.453/2023 para análise de prestações de contas de projetos culturais executados com recursos de fomento à cultura, inspirado no modelo recentemente instituído pela Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), e estendido a outras modalidades de fomento cultural direto ou indireto, a referida unidade técnica questiona se o referido decreto também pode ser considerado aplicável às avaliações de resultados realizadas sobre ações e projetos executados com os recursos da Lei nº 14.017/2020 (Lei Aldir Blanc 1) ainda pendentes de análise.

É o breve relato do necessário. Passo à análise.

O Decreto nº 11.453/2023 estabelece normas gerais para utilização dos mecanismos de fomento à cultura estabelecidos em diversas leis, incluindo procedimentos padronizados de prestação de contas para instrumentos não previstos em legislação específica. Aplica-se aos mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura de que trata o inciso VI do § 2º do art. 216-A da Constituição, e instituídos em diversas políticas estabelecidas em leis infraconstitucionais, a saber: o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), de que trata a Lei nº 8.313/1991 (Lei Rouanet); a Política Nacional de Cultura Viva, de que trata a Lei nº 13.018/2014; e a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, de que trata a Lei nº 14.399/2022 (Lei Aldir Blanc 2); além das ações emergenciais destinadas ao setor cultural previstas na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).

Com efeito, o Decreto nº 11.453/2023 unifica os sistemas de financiamento da cultura, permitindo o tratamento uniforme dos mecanismos orçamentários e das modalidades de fomento comuns às políticas e programas existentes na legislação. Com ele, consolida-se em um único ato normativo todas as modalidades do chamado fomento direto à cultura, executado com recursos de dotações orçamentárias diversas ou do Fundo Nacional de Cultura. Tais modalidades, encontram-se hoje previstas nas diversas leis que o decreto regulamenta, e são concretizadas por meio de instrumentos jurídicos já previstos em tais leis, a saber: (i) acordos de cooperação, termos de fomento ou termos de colaboração, quando firmados com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, na forma da Lei nº 13.019/2014 (MROSC); (ii) termos de compromisso cultural, quando se tratar-se ações inseridas na Política Cultura Viva da Lei nº 13.018/2014; (iii) ou termos de execução cultural, para a execução de recursos da Lei nº 14.399/2022 (Lei Aldir Blanc 2) e da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo); sem prejuízo de outros instrumentos que venham a ser previstos em legislação específica, federal, estadual ou municipal, como por exemplo editais de premiação e de bolsas, que possuem regulamentos especiais derivados da Lei Rouanet.

A Lei nº 14.017/2020, por seu turno, trata de ações emergenciais realizadas por Estados e municípios com recursos de transferências obrigatórias da União. Tal lei não institui nenhuma modalidade específica de parceria para fomento direto ou indireto. As parcerias firmadas pelos entes subnacionais com os repasses federais de tal lei são executados nos moldes dos instrumentos jurídicos vigentes à época da execução de tais recursos. Portanto, as prestações de contas de tais parcerias e iniciativas culturais estão sujeitas à legislação específica de regência dos instrumentos celebrados – MROSC, Cultura Viva, Lei Rouanet etc. – bem como de seus respectivos editais de chamamento público, conforme cada caso em concreto. 

Embora similar à Lei Aldir Blanc 2 (Lei nº 14.399/2022), a Lei Aldir Blanc 1 (Lei nº 14.017/2020) não se encontra prevista expressamente no Decreto nº 11.453/2023 porque, além de não trazer um regime jurídico específico de celebração de parcerias, utilizando-se dos instrumentos já previstos em outras leis, também já não possuía mais eficácia quando da publicação do decreto. Em ambas as leis, as prestações de contas dependem das legislações aplicáveis aos instrumentos que venham a ser celebrados com seus recursos. Ocorre que, com o advento do decreto que unificou os sistemas de fomento à cultura e criou uma nova modalidade de parceria – o termo de execução cultural –, a aplicação de tal decreto tornou-se uma possibilidade concreta no âmbito da Lei Aldir Blanc 2. No momento em que tal instrumento passa a ser uma nova alternativa de parceria, as parcerias da Lei Aldir Blanc 2 ainda estão sendo firmadas.

Certamente seria possível que dispositivos do Decreto nº 11.453/2023 viessem a ser aplicados também no âmbito da Lei Aldir Blanc 1 (Lei nº 14.017/2020se ainda houvesse possibilidade concreta de celebração de termos de execução cultural com os recursos de tal lei. No entanto, conforme previsto no § 2º do art. 14 da Lei nº 14.017/2020, os recursos repassados que não tenham sido objeto de programação orçamentária até 31/12/2021 foram restituídos à União na forma e prazos estabelecidos no Decreto nº 10.464/2020, inclusive com cancelamentos de empenho e de restos a pagar não executados até tal data.

Ademais, é necessário ainda observar que a Lei nº 14.017/2020 institui modalidades de ações emergenciais viabilizadas por meio de auxílios, e não apenas por parcerias. em seu art. 2º, a lei estabelece que os recursos da União entregues aos Estados, Distrito Federal e municípios terão destinados na forma de: (i) renda emergencial mensal a trabalhadores e trabalhadoras da cultura; (ii) subsídio mensal para empresas, instituições e organizações culturais; e (iii) editais, chamadas públicas, prêmios e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços e de atividades e manifestações culturais. Apenas estas últimas atividades são viabilizadas por meio de instrumentos de parceria. Nas hipóteses de renda emergencial e de subsídio mensal, os recursos assumem feição de auxílio, com regras específicas de controle.

No caso da renda emergencial, o controle é feito na habilitação ao benefício, nos termos do art. 4º do Decreto nº 10.464/2020, sem necessidade de prestação de contas, uma vez que não há exigências quanto ao uso do benefício. Apenas excepcionalmente admite-se apuração de irregularidades em momento posterior ao recebimento do benefício, em havendo indícios de fraude.

No caso do subsídio mensal para empresas e organizações culturais em geral, a prestação de contas se dá nos termos do art. 7º do Decreto nº 10.464/2020, mediante comprovação de que os valores recebidos a título de subsídio mensal foram utilizados em despesas autorizadas.

Nos demais casos, as prestações de contas realizam-se nos termos dos editais e da legislação de regência do instrumento de parceria firmado, no prazo previsto no § 9º do art. 9º do Decreto nº 10.464/2020.

Por fim, é importante diferenciar as prestações de contas da avaliação de resultados da Lei nº 14.017/2020. As prestações de contas são realizadas perante os entes da federação que executam os recursos, isto é, Estados, municípios e Distrito Federal, diretamente responsáveis pela realização dos certames, das parcerias e dos pagamentos realizados aos agentes culturais beneficiados pela política pública.

A avaliação de resultados é atividade a cargo do Ministério da Cultura, na forma dos art. 16 do Decreto nº 10.464/2020, destinada a aferir a regularidade das operações dos entes subnacionais na execução dos recursos recebidos da União. Em princípio, tais avaliações são realizadas com base nos relatórios de gestão encaminhados pelos entes da federação ao ministério, mas podem ensejar a solicitação de informações adicionais que permitam verificar a aplicação regular dos recursos repassados, caso o ministério entenda necessário. Em caso de omissão no encaminhamento dos relatórios de gestão ou dos documentos adicionais que o ministério eventualmente requeira, os entes da federação serão declarados inadimplentes e terão suas prestações de contas reprovadas nos termos do art. 14-E da Lei nº 14.017/2020, sem prejuízo da instauração de tomada de contas especial perante o Tribunal de Contas da União, com matriz de responsabilização que pode incluir tanto os entes da federação quanto os agentes culturais que tenham falhado em prestar contas da adequada utilização dos recursos.

Diante de todo o exposto, pode-se responder pontualmente aos questionamentos formulados pela unidade técnica nos seguintes termos:

(i) Pode o Ministério da Cultura utilizar o disposto no Decreto 11.453, de 23 de março de 2023, em relação às avaliações de resultado previstas no Decreto 10.464 de 17 de agosto de 2020? Resposta: Em se tratando de fomento direto, as disposições do Decreto nº 11.453/2023 aplicam-se às prestações de contas dos instrumentos de parcerias por ele regidos, particularmente o termo de execução cultural e os editais de premiação e bolsas culturais. No que tange ao apoio a ações e projetos celebrados por meio de outros instrumentos jurídicos de parceria, a aplicação do Decreto nº 11.453/2023 é subsidiária, não substituindo a aplicação das normas específicas aplicáveis a tais instrumentos. Logo, tais disposições não se aplicam diretamente às avaliações de resultados do art. 16 do Decreto nº 10.464/2020, as quais são primordialmente focadas nos relatórios de gestão dos entes da federação e subsidiariamente em documentos adicionais solicitados quando identificadas falhas em prestações de contas. 

(ii) Em caso positivo, pode o Ministério da Cultura, com o fundamento no artigo 20-A, decreto nº 10.464/2020, proceder à publicação de normativo próprio para regulamentar a Lei nº 14.017/2020? Resposta: Embora não haja relação direta entre o Decreto nº 11.453/2023 e o Decreto nº 10.464/2020, pode o Ministério da Cultura, na condição de órgão sucessor do Ministério do Turismo no que se refere a políticas públicas de cultura, regulamentar a execução do Decreto nº 10/464/2020, inclusive no que tange a metodologias, critérios e procedimentos para avaliação dos relatórios de gestão, solicitação de documentos adicionais e adoção de providências para elisão de eventuais danos na execução dos recursos da Lei nº 14.017/2020.

(iii) Por consequência, qual seria o normativo adequado para que seja formalizada a referida regulamentação? Resposta: em se tratando de norma de competência da Ministra de Estado da Cultura, autoridade sucessora do então Secretário Especial de Cultura do Ministério do Turismo, tal norma deve ser veiculada por meio de portaria ou instrução normativa ministerial. 

Sendo estas as considerações acerca do tema suscitado, proponho o retorno dos autos à Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomadas de Contas, para ciência.

 

À consideração superior.

Brasília, 23 de maio de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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