ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA

COORDENAÇÃO-GERAL DE DEFESA AGROPECUÁRIA, POLÍTICA AGRÍCOLA E INOVAÇÃO​
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS BLOCO D - 6º ANDAR - CEP: 70.043-900 - TELEFONE: (61) 3218-2591


 

INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00008/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU

 

NUP: 00727.001118/2023-64

INTERESSADOS: PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO (PGU/AGU); CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU/AGU); E ​SECRETARIA DE DEFESA AGROPECUÁRIA (SDA/MAPA)​

ASSUNTOS: INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL (IJR). FORNECIMENTO DE SUBSÍDIOS DE DIREITO. REGISTRO DE AGROTÓXICOS. PRAZO PARA ANÁLISE.

 
EMENTA: INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL. AÇÕES JUDICIAIS. FORNECIMENTO DE SUBSÍDIOS DE DEFESA DA UNIÃO. 
I - Informação Jurídica Referencial (IJR). Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 31 de março de 2022.
II - Prestação de subsídios jurídicos para a defesa da União em ações judiciais que tratam do prazo para registro de produtos agrotóxicos. Art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002.
III - Alterações pelo Decreto nº 10.833/2021. Aplicação das regras de transição. Ausência de direito adquirido à aplicação da redação original do art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, não mais vigente.
IV - Elevado número de processos que versam sobre matérias idênticas.
V -  ​Dispensa do fornecimento de subsídios de direito de forma individualizada nas hipóteses e termos delimitados nesta manifestação.
VI - Prazo de validade: 2 (dois) anos a partir da aprovação desta Informação Jurídica Referencial.

 

1. RELATÓRIO

      

Com a edição da Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 31 de março de 2022, instituiu-se a figura da Informação Jurídica Referencial - IJR, manifestação que propõe a padronização e fixação de teses jurídicas a serem utilizadas como subsídios para a defesa da União.

 

Para fins de se conferir objetividade ao presente relatório, convém citar os artigos 8º e 9º da mencionada Portaria Normativa:

 

Art. 8º Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública.
§1º A IJR objetiva otimizar a tramitação dos pedidos e a prestação de subsídios no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas da Administração Direta no Distrito Federal, a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
§2º É requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos.
 
Art. 9º A IJR deverá conter as seguintes informações:
I - em sede de ementa: informação de que se trata de IJR com a inserção do número do processo administrativo que lhe deu origem, órgão ou setor a que se destina e prazo de validade;
II - em sede de preliminar: demonstração de que o elevado volume de processos que tratam de matéria idêntica possa prejudicar a celeridade das atividades desenvolvidas pelo órgão consultivo ou pelo órgão assessorado;
III - em sede de conclusão:
a) o prazo de validade com informação sobre data de exaurimento ou evento a partir do qual não produzirá mais efeitos;
b) encaminhamento do processo à Procuradoria-Geral da União e a seu órgão de execução que solicitou os subsídios, com registro de que se trata de IJR; e
c) encaminhamento do processo ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas.
(grifou-se)

 

Desse modo, em conformidade com a mencionada Normativa, objetiva-se com a presente manifestação fixar e apresentar as teses jurídicas elaboradas e reiteradas por esta CONJUR-MAPA em resposta às diversas solicitações de subsídios em defesa da União nas ações judiciais envolvendo o prazo para registro de produtos agrotóxicos.

 

É o que importa relatar.

 

2. PRELIMINAR: Apresentação das premissas metodológicas e atendimento aos requisitos que justificam a emissão da IJR 

 

Conforme determina o art. 8º, § 2º, c/c art. 9º, inciso II, cumpre justificar a utilização de IJR a partir da existência de elevado volume de processos que tratam de matéria idêntica, a qual possa prejudicar a celeridade das atividades desenvolvidas pelo órgão consultivo ou pelo órgão assessorado.

 

Pois bem. Melhor delimitando o tema recorrentemente tratado nas ações judiciais em perspectiva, tem-se que todas se dedicam ao mesmo: a questionar o prazo para a conclusão da indispensável avaliação técnico-científica, capitaneada pelos órgãos federais competentes – no caso, ANVISA, IBAMA e MAPA –, prévia à concessão ou reavaliação do registro dos produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins de que trata o Decreto nº 4.074, de 2002, e, consequentemente, o prazo para a sua definitiva concessão ou reavaliação.

 

De forma contumaz, alega-se que, aos pedidos de concessão ou reavaliação de registro de agrotóxicos apresentados à Administração Pública antes de 08/10/2021, deve-se aplicar o prazo estipulado pelo art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002 na sua redação original, digo, cento e vinte dias, e não o prazo diferenciado previsto pelo Decreto nº 10.833, de 2021, arguindo haver direito adquirido à aplicação da norma vigente à data do pedido de registro, no caso, ao procedimento administrativo com as feições que o Decreto de 2002 originalmente o delineou.

 

Em suma, os subsídios prestados pela CONJUR-MAPA constituem-se reiteração de teses idênticas desenvolvidas ao longo de anos, as quais, em apertada síntese, i) sustentam a aplicabilidade do prazo de até 4 (quatro) anos para avaliação dos processos de registro de agrotóxicos após a publicação do Decreto nº 10.833, de 2021; e/ou ii) reafirmam a necessidade de atenção ao princípio da isonomia, impessoalidade, supremacia do interesse público sobre o privado, bem como o princípio da separação dos poderes; e/ou iii) evidenciam que a dinâmica do prazo de registro de agrotóxicos não atrai tutela de urgência em razão da ausência de probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, bem com em razão de o seu deferimento se confundir com o próprio mérito da demanda.

 

No que diz respeito ao volume de demandas, com apoio em dados levantados pela Coordenação-Geral de Apoio Jurídico e Contencioso Extrajudicial - CGAJUR, verifica-se que, nesta Coordenação-Geral, as peças de informações envolvendo o tema supra delimitado, no ano de 2023, constituíram 140 (cento e quarenta) manifestações de natureza idêntica - isto é, de manifestações de cunho jurídico para subsidiar a defesa da União (informações, informações em mandado de segurança, informações em controle de constitucionalidade). Ainda com relação às demandas judiciais relativas ao ano de 2023, sabe-se que essas peças representaram elevado percentual do total de manifestações de efeitos amplos desenvolvidas por esta CGDPI.

 

De outra parte, em se cotejando as mencionadas peças de informação com o total de manifestações de efeitos amplos, o total de manifestações de efeitos restritos e o total de informações judiciais que esta Coordenação-Geral elaborou em 2023, constata-se que elas representaram um elevado percentual percentual desse total.

 

Assim, os números acima sistematizados avultam o elevado potencial de demandas judiciais de elaboração de subsídios jurídicos em processos relacionados ao tema em tela desvirtuarem o fluxo de trabalho usual deste órgão de assessoramento jurídico, de caráter eminentemente consultivo.

 

Para além disso, considerando que a dinâmica atribuída a ações judiciais atrai a necessidade de respostas ágeis – seja para que o cumprimento de eventuais decisões proferidas nos autos ocorra o quanto antes, seja para que a elaboração de subsídios possa ser apresentada a tempo de se efetivamente auxiliar as Procuradorias da União requisitantes –, sopesa-se, inclusive, se o número de demandas judiciais sobre esse mesmo tema não acabam por afetar o andamento de outras demandas, consultivas ou não, desta Especializada.

 

Diante desse cenário, reputa-se que a elaboração de subsídios em processos judiciais envolvendo o prazo para concessão ou reavaliação do registro de agrotóxicos representa impacto negativo na celeridade e eficiência das atividades realizadas por esta Coordenação, sendo que a utilização de IJR para esses casos permitirá não apenas que a CONJUR-MAPA possa priorizar outras demandas internas - as quais não admitem aplicação de manifestações padronizadas -, como também reduzirá eventual tempo de resposta aos Órgãos de representação judicial da União.    

 

3. SUBSÍDIOS DE DIREITO 

 

Demonstrados os requisitos que justificam a elaboração desta IJR, é devido esclarecer como é rigoroso o procedimento de registro e autorização de defensivos agrícolas no Brasil, até mesmo para dilucidar o papel de cada um dos órgãos federais que dele participam – ANVISA, IBAMA e MAPA.

 

Em seguida, minuciaremos o contexto normativo que rege a matéria, além de sistematizar as teses de defesa da União aplicáveis.

 

3.1 Do Rigoroso Controle do Registro e Autorização de Uso de Defensivos Agrícolas no Brasil

 

A legislação federal de agrotóxicos – Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989 e Decreto n° 4.074, de 04 de janeiro de 2002, além das Instruções Normativas, Portarias, Resoluções e Atos Administrativos complementares – são os instrumentos legais que determinam todos os procedimentos que devem ser adotados para o registro e autorização de uso dos agrotóxicos, no Brasil.

 

O registro de agrotóxico é um ato jurídico-administrativo do tipo complexo, pois envolve a participação direta de três órgãos governamentais federais no procedimento de avaliação e controle, no caso, este Ministério da Agricultura e Pecuária, o Ministério da Saúde (pela ANVISA) e o Ministério do Meio Ambiente (pelo IBAMA).

 

Antes da promulgação da Lei nº 7.802, de 1989, a matéria era regida pelo Decreto-Lei nº 24.114, de 24 de abril de 1934, também conhecido como Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal. A competência de avaliação e controle dos agrotóxicos, então conhecidos como “defensivos agrícolas”, era apenas do Ministério da Agricultura e da Secretaria de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde.

 

Com a mudança normativa da matéria e de acordo com o art. 5º, inciso II, do Decreto nº 4.074, de 2002, cabe a este Ministério da Agricultura e Pecuária: conceder o registro, inclusive o RET – Registro Especial Temporário, de agrotóxicos, produtos técnicos, pré-misturas e afins para uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas florestas plantadas e nas pastagens, atendidas as diretrizes e exigências dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Confira-se a dicção do art. 5º do Decreto nº 4.074, de 2002:

 

Art. 5° Cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:
I - avaliar a eficiência agronômica dos agrotóxicos e afins para uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas florestas plantadas e nas pastagens; e,
II - conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos, produtos técnicos, pré-misturas e afins para uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas florestas plantadas e nas pastagens, atendidas as diretrizes e exigências dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

 

Nos termos do art. 10 do Decreto nº 4.074, de 2002, para se obter o registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, o interessado deve apresentar, a cada um dos órgãos federais responsáveis pelos setores de agricultura, saúde e meio ambiente, requerimento acompanhado dos respectivos relatórios e de dados e informações exigidos por aqueles órgãos em normas complementares. Os estudos necessários estão indicados no Anexo II do Decreto nº 4.074, de 2002.

 

Ainda quanto às competências afetas a esta Pasta Ministerial, tem-se que o MAPA é o órgão federal registrante da maioria dos agrotóxicos, em especial aqueles com uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas florestas plantadas e nas pastagens, atendidas, conforme já assinalado, as diretrizes e exigências dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

 

Além disso, o MAPA é também responsável pela avaliação da segurança e eficiência agronômicas e pela emissão do certificado de registro. Realiza a fiscalização dos agrotóxicos nas importações, exportações e nas fábricas, coordenando as ações de fiscalização em todo o Brasil, sendo responsável pelas publicações de quaisquer medidas restritivas quanto ao registro desses produtos, o que inclui a sua suspensão e cancelamento.

 

Ministério da Saúde, por sua vez, é responsável pela avaliação toxicológica dos agrotóxicos, definição dos limites máximos de resíduos, monitoramento toxicológico. É representado no sistema de registro pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sendo a competência da pasta definida pelo artigo 6º do Decreto 4.074, de 2002:

 

Art. 6° Cabe ao Ministério da Saúde:
I - avaliar e classificar toxicologicamente os agrotóxicos, seus componentes, e afins;
II - avaliar os agrotóxicos e afins destinados ao uso em ambientes urbanos, industriais, domiciliares, públicos ou coletivos, ao tratamento de água e ao uso em campanhas de saúde pública, quanto à eficiência do produto;
III - realizar avaliação toxicológica preliminar dos agrotóxicos, produtos técnicos, pré-misturas e afins, destinados à pesquisa e à experimentação;
IV - estabelecer intervalo de reentrada em ambiente tratado com agrotóxicos e afins;
V - conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos, produtos técnicos, pré-misturas e afins destinados ao uso em ambientes urbanos, industriais, domiciliares, públicos ou coletivos, ao tratamento de água e ao uso em campanhas de saúde pública atendidas as diretrizes e exigências dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente; e
VI - monitorar os resíduos de agrotóxicos e afins em produtos de origem animal.

 

Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, é responsável pelas avaliações ecotoxicológicas, destino ambiental e monitoramento ambiental. É representado no sistema de registro pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. A competência desse ministério está prevista no artigo 7º do Decreto 4.074, de 2002, in verbis:

 

Art. 7° Cabe ao Ministério do Meio Ambiente:
I - avaliar os agrotóxicos e afins destinados ao uso em ambientes hídricos, na proteção de florestas nativas e de outros ecossistemas, quanto à eficiência do produto;
II - realizar a avaliação ambiental, dos agrotóxicos, seus componentes e afins, estabelecendo suas classificações quanto ao potencial de periculosidade ambiental;
III - realizar a avaliação ambiental preliminar de agrotóxicos, produto técnico, pré-mistura e afins destinados à pesquisa e à experimentação; e
IV - conceder o registro, inclusive o RET, de agrotóxicos, produtos técnicos e pré-misturas e afins destinados ao uso em ambientes hídricos, na proteção de florestas nativas e de outros ecossistemas, atendidas as diretrizes e exigências dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde.

 

Convém salientar que o registro de um produto agrotóxico só pode ser autorizado pelo órgão registrante se houver evidências comprovadas por resultados de testes e pesquisas com os produtos que atestem que os mesmos não possuam as características impeditivas de registros definidas na legislação vigente e de que, se utilizados de acordo com as recomendações estabelecidas nos seus registros pelos órgãos avaliadores, não terão impacto na saúde humana e no meio ambiente.

 

Segundo explica uma publicação especializada do IPEA, tem-se que:

 
Como a anuência destes órgãos é necessária, existem no Brasil três veto players, assim definidos: “veto players são atores coletivos ou individuais cuja concordância é necessária para uma mudança do status quo” (Tsebelis, 2002, p. 446, tradução nossa). A aprovação do uso ocorre quando há sobreposição de avaliações positivas, o que George Tsebelis denominou de winset do status quo. Este é o conjunto de resultados que levariam a uma mudança do status quo, neste caso a autorização para o uso de um novo ingrediente ativo ou o banimento de um ingrediente cujo uso havia sido previamente autorizado. Como cada um destes órgãos possui burocracias com identidades diferentes e responsabilidades que abrangem impactos em áreas interdependentes (performance agronômica, saúde humana ou meio ambiente), o tamanho do winset é menor do que seria caso houvesse apenas um ator responsável pelas decisões.
(grifou-se)

 

Assim, imperioso ter em mente que o procedimento atualmente adotado no Brasil para registro de produto agrotóxico não é composto tão-somente de etapas de conferência documental ou só de outras atividades meramente burocráticas, antes, dado o risco à saúde humana, ao meio ambiente e à alimentação associados, o Estado-Administração, ele próprio, assume proceder, por seus órgãos públicos federais competentes, à análise técnico-científica necessária ao seu registro.

 

Disso já é possível extrair, ao menos, duas conclusões:

 
1) que, em matéria de registro de agrotóxicos, a Administração Pública federal se esmera, ela mesma, em realizar os vários estudos de alta complexidade técnico-científica (avaliação toxicológica, avaliação ecotoxicológica e avaliação de eficiência agronômica), que comprovem o não oferecimento de riscos para a saúde humana (seja de risco ocupacional seja de risco para consumidores) ou para o meio ambiente, além de serem eficientes em nível de performance agronômica; e
 
2) que o Ministério da Agricultura e Pecuária, órgão registrante, por força da Lei nº 7.802, de 1989, e do Decreto nº 4.074, de 2002, não pode conceder registro de produtos agrotóxicos e afins sem antes saber os resultados das análises técnico-científicas levadas a cabo pela ANVISA e pelo IBAMA, as quais podem concluir pela não aprovação do registro do produto, em constatando o seu potencial danoso à saúde pública, à saúde do trabalhador ou ao meio ambiente.

 

3.2 Contexto Normativo: dos prazos estabelecidos pelo art. 15 do Decreto nº 4.074/2002 antes e depois da alteração engendrada pelo Decreto nº 10.833, de 07/10/2021

 

Como se viu, o Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, regulamenta a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

 

O art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, tratava sobre os prazos para concluir a avaliação técnico-científica prévia e indispensável ao registro ou reavaliação do registro. Em sua versão original, era a seguinte a sua redação:

 

Art. 15.  Os órgãos federais competentes deverão realizar a avaliação técnico-científica, para fins de registro ou reavaliação de registro, no prazo de até cento e vinte dias, contados a partir da data do respectivo protocolo.
§ 1o A contagem do prazo será suspensa caso qualquer dos órgãos avaliadores solicite por escrito e fundamentadamente, documentos ou informações adicionais, reiniciando a partir do atendimento da exigência, acrescidos trinta dias.
§ 2o A falta de atendimento a pedidos complementares no prazo de trinta dias implicará o arquivamento do processo e indeferimento do pleito pelo órgão encarregado do registro, salvo se apresentada, formalmente, justificativa técnica considerada procedente pelo órgão solicitante, que poderá conceder prazo adicional, seguido, obrigatoriamente, de comunicação aos demais órgãos para as providências cabíveis.
§ 3o Quando qualquer órgão estabelecer restrição ao pleito do registrante deverá comunicar aos demais órgãos federais envolvidos.
§ 4o O órgão federal encarregado do registro disporá de até trinta dias, contados da disponibilização dos resultados das avaliações dos órgãos federais envolvidos, para conceder ou indeferir a solicitação do requerente.
(grifou-se)

 

Quer dizer, até aquele momento, o texto normativo enunciava que o prazo para a realização das avaliações técnico-científicas era de até 120 (cento e vinte) dias, a contar da data do protocolo, ressalvada a causa suspensiva pontualmente prevista no seu § 1o.

 

No entanto, com a publicação do Decreto nº 10.833, subscrito em 7 de outubro de 2021 e publicado no DOU do dia seguinte, o dispositivo contido no artigo 15 sofreu alterações, presume-se, com o fito de mais satisfatoriamente reger a vida social, buscando incrementar a eficiência administrativa.

 

Nessa esteira, o retrocitado normativo passou a diferenciar os prazos para a decisão final nos processos de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, erigindo categorias de precedência de análise, com base em critérios objetivos, da forma como se haure da sua redação, a seguir reproduzida:

 

Art. 15.  Os prazos estabelecidos para a decisão final nos processos de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins considerarão os critérios de complexidade técnica e as priorizações estabelecidas pelos órgãos federais competentes. 
§ 1º A aplicação dos critérios a que se refere o caput determinará o enquadramento do pleito submetido à avaliação nas seguintes categorias de precedência: 
I - prioritária; ou
II - ordinária. 
§ 2º O prazo para a conclusão da avaliação dos processos de registro a que se refere o caput será para: 
I - a categoria prioritária, de até:
a) doze meses para os casos de novos produtos técnicos, contados da data da publicação da priorização; 
b) seis meses para os casos de produtos técnicos equivalentes, contados da data da publicação da priorização; 
c) seis meses para os casos de produtos formulados, contados da data do registro dos respectivos produtos técnicos; e
d) seis meses para os casos de produtos formulados cujo produto técnico já esteja registrado, contados da data da publicação da lista de prioridade; e
II - a categoria ordinária, de até: 
a) trinta e seis meses para o caso de novo produto técnico, contados da data do protocolo do pedido; 
b) vinte e quatro meses para os casos de produtos técnicos equivalentes, contados da data do protocolo do pedido; 
c) vinte e quatro meses para os casos de produtos formulados cujo produto técnico já esteja registrado, contados da data do protocolo do produto formulado;  
d) vinte e quatro meses para os casos de produtos formulados, cujo produto técnico não esteja registrado, contados da data do registro do produto técnico; 
e) doze meses para os casos de novos produtos formulados, contados da data do registro dos respectivos novos produtos técnicos; 
f) doze meses para as alterações de registro do produto técnico, contados da data do protocolo do pedido; e
g) doze meses para as alterações de registro de produto formulado, contados da data do protocolo do pedido.
§ 3º Os pleitos de registro de produtos formulados da categoria prioritária serão selecionados e publicados pelo órgão registrante e terão a tramitação de seus processos priorizada nos órgãos federais de agricultura, saúde e de meio ambiente. 
§ 4º Será priorizado automaticamente um produto técnico por ingrediente ativo para cada produto formulado que conste da lista de prioridade. 
§ 5º Para o cumprimento do disposto no § 4º, o requerente deverá indicar os produtos técnicos utilizados nos estudos do produto formulado.  
§ 6º Os prazos para avaliação de pré-misturas corresponderão aos prazos atribuídos aos produtos formulados. 
§ 7º O disposto na alínea “e” do inciso II do § 2º aplica-se aos novos produtos formulados protocolados no prazo de até três meses, contado da data do protocolo do pedido do novo produto técnico.
§ 8º Quando houver solicitação, pelos órgãos federais competentes, de esclarecimentos, de dados complementares ou de estudos, a contagem dos prazos de que trata o § 2º será suspensa até que essa solicitação seja atendida.
§ 9º O não atendimento às solicitações de que trata o § 8º no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação, implicará o arquivamento do processo e o indeferimento do pleito pelo órgão federal responsável do registro.
§ 10. Na hipótese prevista no § 9º, o órgão solicitante poderá conceder prazo adicional ao requerente, desde que este apresente justificativa técnica considerada procedente.
§ 11. O órgão que estabelecer restrição ao pleito do registrante deverá comunicá-la aos demais órgãos federais envolvidos.
§ 12.  O órgão federal registrante disporá do prazo de trinta dias, contado da data de disponibilização dos resultados das avaliações dos órgãos federais envolvidos para conceder ou indeferir a solicitação do requerente.
 

A mudança no tablado jurídico promovida pelo Decreto nº 10.833, de 2021, não ocorreu sem que fossem concebidas as devidas regras de transição. A propósito, confira-se o que, textualmente, prevêem os seus arts. 2º, 3º e 4º:

 

Art. 2º A contagem dos prazos de que trata o § 2º do art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, será iniciada a partir da data de publicação deste Decreto em relação às listas de prioridades já publicadas.
Art. 3º Os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos disporão do prazo de quatro anos, contado da data de publicação deste Decreto, para analisar os processos pendentes de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, mediante procedimentos específicos a serem estabelecidos pelos órgãos de agricultura, de saúde e de meio ambiente.
Art. 4º Os prazos de que tratam as alíneas "b", "c", e "d" do inciso II do § 2º do art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, poderão ser prorrogados por vinte e quatro meses em relação aos produtos protocolados no prazo de dois anos, contado da data de publicação deste Decreto.
(grifou-se)

 

Logo, entre 08/01/2002 e 07/10/2021, o dispositivo contido no art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, previu que o prazo para a realização das avaliações técnico-científicas era mesmo de até 120 (cento e vinte) dias, a contar da data do protocolo. Após essa data, passou a estabelecer, para todos os agentes regulados sem exceção, prazos diferenciados para o registro de cada produto agrotóxico, a depender de critérios técnicos objetivos elencados pelo ato normativo regulador da Lei nº 7.802, de 1989.

 

3.3 Das Teses de Defesa da União Aplicáveis ao Tema

 

Relativamente às teses de Defesa da União aplicáveis ao tema, apresentam-se as quatro seguintes.

 

3.3.1. Da ausência de direito adquirido aos prazos do procedimento estabelecido na redação original do art. 15 do Decreto n. 4.074/2002 e o legítimo redimensionamento do prazo razoável do processo administrativo

 

Conforme dito alhures, anteriormente à publicação do Decreto nº 10.833, de 7 de outubro de 2021, que deu nova redação ao art. 15 do Decreto n. 4.074, de 2002, estipulava-se o prazo de 120 (cento e vinte) dias para que os órgãos federais competentes realizassem a avaliação técnico-científica de produtos agrotóxicos, a partir da data do respectivo protocolo.

 

Ocorre que a praxe testemunhou ser aquele prazo muito exíguo, diante da grande complexidade para a avaliação técnico-científica de produtos agrotóxicos, do risco associado e consequente dever de sobrecautela da Administração, bem como da enorme quantidade de processos de registros pendentes de análise e do reduzido número de servidores públicos habilitados para tal atividade.

 

Diante deste quadro, mostrou-se necessário aumentar o prazo para a decisão final da Administração Pública federal nos processos de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins. Foi o que fez o Decreto nº 10.833, de 2021, sem, no entanto, excluir do seu âmbito de aplicação qualquer particular a qualquer pretexto.

 

Por oportuno, traz-se à colação o que a mais abalizada doutrina de direito administrativo pontifica com respeito ao instituto do direito adquirido. Abaixo, segue lição do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, que deslinda que “a alteração legislativa é condição do progresso social” da qual, per si, já decorre a “conveniência de reconhecer-lhe operatividade ampla desde a sua entrada em vigor” para alcançar as relações em curso, ainda não exauridas. Veja-se:

 

1. Todo o problema da aplicação da lei no tempo gira em torno da necessidade de harmonizar duas idéias que parecem antagonizar-se. De um lado, ocorre a impostergável exigência de estabilidade nas relações jurídicas. Este reclamo, advindo do valor segurança, que é conatural ao Direito, postula a imutabilidade das situações constituídas. Daí sua proteção contra alterações que poderiam advir de leis supervenientes, se a estas fosse reconhecido o condão de interferir com os vínculos regularmente constituídos no passado.
De outro lado, milita a convicção de que as regras novas por força se hão de presumir mais satisfatórias para reger a vida social e por isso mesmo não podem ser detidas pelos eventos regulados no passado. Ocorre, ademais, que a alteração legislativa é condição do progresso social, donde a conveniência de reconhecer-lhe operatividade ampla desde sua entrada em vigor.
2. Na verdade, a antinomia entre as duas ordens de valores prezáveis é muito mais aparente que real.
(...)15. Em síntese: as leis novas, em princípio, são expedidas para imediata aplicação. É conseqüência disto, então, que, de um lado, passem a reger todas as relações jurídicas surdidas após sua vigência e, de outro lado, que apanham também as relações em curso, vale dizer, ainda não exauridas. Com efeito, nesta segunda hipótese não se pode dizer que sejam retroativas, pois respeitam os efeitos que precederam a seu advento, alcançando tão-só aqueles efeitos que se estão propagando ainda e que, por isso mesmo, se desenrolam já à época da vigência da lei nova. Retroagir é agir em relação ao passado. Se uma lei apanha relações que existem no presente, não está se reclinando sobre o pretérito; pelo contrário, está incidindo sobre aquilo que se processa na atualidade.
(grifou-se)
 

E, de forma a soterrar qualquer mínima dúvida quanto à propriedade de se alegar “direito adquirido” à aplicação de um dispositivo supervenientemente alterado pela via legítima do devido processo administrativo-normativo, o mesmo doutrinador esclarece que, ad litteris:

 
(...) a noção de direito adquirido. Sua função, portanto, não é a de impedir a retroatividade da lei. Sua função é diversa, qual seja: é a de assegurar a sobrevivência da lei antiga para reger estas situações. O que a teoria do direito adquirido veio cumprir – como instrumento de proteção contra a incidência da lei nova – foi precisamente a garantia de incolumidade, perante os ulteriores regramentos, a direitos que, nascidos em dada época e cuja fruição se protrairá, ingressarão eventualmente no tempo de novas leis. O que se quer é que permaneçam indenes, vale dizer, acobertados pelas disposições da lei velha.
Em suma: o direito adquirido é uma blindagem. É o encasulamento de um direito que segue e seguirá sempre envolucrado pela lei do tempo de sua constituição, de tal sorte que estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei e por isso infenso a novas disposições legais que poderiam afetá-los.
18. Esta é a função do direito adquirido e não alguma outra. E isto aparece com clareza ao se considerar, precisamente, que a lei nova não é retroativa quando se aplica às situações em curso. Se o fora, poder-se-ia pensar que o direito adquirido é instrumento de defesa contra a retroatividade. Não é. Contra a retroatividade basta a noção singela de que a lei vige para seu tempo e não para o tempo pretérito. A noção de direito adquirido não é uma superfetação, mas, o meio jurídico concebido para albergar no manto da lei velha certas situações que, nascidas no passado, querem-se por ela sempre reguladas, inobstante atravessando o tempo das leis supervenientes. De resto, é por isto mesmo que sua ocorrência não pode ser interpretada com visão acanhada e desatenta a seus verdadeiros propósitos.
Em rigor. como muito bem o disse Paul Roubier, o direito adquirido é um problema de sobrevivência da lei antiga, em relação a certas situações que nela se hospedavam.
19. Daí se conclui que cabe invocar direito adquirido (uma vez presentes seus caracteres, que serão a breve trecho referidos) exata e precisamente para a defesa de situações que seriam normalmente alcançadas pelo novo regramento, caso não houvesse direito adquirido. É importante frisar que o apelo a esta noção tem lugar exata e precisamente naquelas situações que seriam lisa e normalmente atingidas pela lei nova (...). E a invocação em tela tem por objeto específico – pois isto é inerência do direito adquirido – assegurar que o direito questionado continue a ser regido na conformidade da lei vencida.
(...)
Donde, o ato capaz de investir o indivíduo em dada situação jurídica confere-lhe, ipso facto, o gozo de todos os efeitos precedentes daquela situação pessoal, inobstante devam ser diferidos no tempo. Uma vez que integram o conteúdo da relação formada, incorporam-se ao patrimônio do sujeito. (...)
23. Mas, em rigor, a questão medular é a de reconhecer quando um direito deverá ser considerado “integrado no patrimônio” de alguém e, por isso, intangível. O problema, num primeiro súbito de vista, pode parecer de difícil desate. Entretanto, pelo menos no âmbito do Direito Administrativo, sua resolução, nos casos concretos, geralmente é muito simples.
Com efeito, dado que os direitos nascem da Constituição, de uma lei (ou de ato na forma dela praticado), tudo se resume em verificar, a partir da dicção da norma – de seu espírito – se o conteúdo do dispositivo gerador do direito cumpre ou não a função lógica de consolidar uma situação que é, per se, como soem ser as relações de direito público, basicamente mutável.
(...)
25. As fórmulas pelas quais se expressam estas consolidações de direito são variadas. A lei ora se vale da expressão “incorporados”, ora declara “assegurados” tais ou quais direitos, ora os proclama “garantidos”, ora os reconhece “adquiridos”, e assim por diante.
De toda sorte, o que cumpre verificar é se a dicção da regra de direito ou a que resulta de um conjunto delas implica definir como intangível um dado estado ou situação, isto é, como resguardado, sem embargo de se tratar de vínculo jurídico cujos efeitos deverão se desdobrar no tempo.
(grifou-se)

 

Isto é, em direito administrativo, para fins de se averiguar se um alegado direito deve ser acobertado pela blindagem da teoria do direito adquirido, basta perquirir se a nova lei se valeu de expressões do tipo “incorporados”, “assegurados”, “garantidos” ou “adquiridos” ou congêneres para fins de “integrar um direito ao patrimônio” de alguém.

 

Com a mais absoluta certeza, o que o Decreto nº 10.833, de 2021, fez foi o exato contrário.

 

Digo, o Decreto nº 10.833, de 2021 tanto não pretende “resguardar”, “incorporar”, “assegurar”, “garantir” direito adquirido aos prazos anteriormente fixados pela redação original do art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2002, a quem quer que seja que, ao invés disso, estabeleceu, expressamente, regra de transição para a avaliação dos processos de registro que estavam pendentes de análise na data da publicação da norma em tela, estipulando o prazo de 4 (quatro) anos para tanto, a contar da publicação da norma em referência.

 

Traslade-se mais uma vez o dispositivo em comento, em privilégio à objetividade que se quer imprimir a este estudo:

 

Art. 3º Os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos disporão do prazo de quatro anos, contado da data de publicação deste Decreto, para analisar os processos pendentes de registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, mediante procedimentos específicos a serem estabelecidos pelos órgãos de agricultura, de saúde e de meio ambiente.
(grifou-se)

 

Em verdade, considerando que o prazo anteriormente previsto para a conclusão do processo administrativo destinado ao registro de produtos agrotóxicos era inexequível e desarrazoado, o que se tem com a definição dos novos prazos – definíveis a partir de critérios técnicos e, portanto, objetivos – é a vocação do novo arcabouço normativo a dar, enfim, concretude ao disposto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal – segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

Claro! A temporariedade é inerente a todo processo. Admitir que qualquer “processo” possa se exaurir em um ato único, instantâneo e imediato é, no mínimo uma contradição de termos. Mas se o Estado de Direito preferiu o “processo administrativo” ao mero “ato administrativo” descontextualizado o fez para albergar consigo garantias caras à sociedade.

 

No que tange ao registro de produtos agrotóxicos e afins, por exemplo, o redimensionamento do prazo razoável do processo administrativo da sua concessão é exigência do processo que não quer admitir riscos à saúde humana nem ao meio ambiente, antes quer garantir que os estudos técnico-científicos indispensáveis ao registro sejam levados a cabo, repita-se, “em tempo razoável”.

 

Como é de sabença comum, “duração razoável do processo” é conceito jurídico indeterminado que se compreende apreciando o grau de complexidade dos fatos e do procedimento em si, consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal. Quanto mais complexos os fatos e as etapas do procedimento em si, mais razoável que o processo se delongue um tanto mais para entregar a resposta segura que não vilipendie qualquer das garantias processuais.

 

Sendo assim, resta axiomático que a alegação de que haveria direito adquirido à aplicação da redação original do art. 15 do Decreto nº 4.074, de 2022 (redação de antes da alteração promovida pelo Decreto nº 10.833, de 07/10/2021), no caso, aos prazos antes fixados por aquele ato normativo, não prospera, haja vista não ter sido “incorporado”, “assegurado”, “garantido”, “adquirido” ou de qualquer forma “integrado ao patrimônio” de nenhum particular por nenhum ato normativo e a nenhum pretexto.

 

3.3.2. Não configuração de omissão ou ato ilícito por parte da Administração

 

Complementarmente, entende-se que a eventual demora da autoridade administrativa em analisar requerimento que necessita de exame pormenorizado em face de sua alta complexidade, importância e diversidade não caracteriza ato ilícito ou omissão submetido ao controle do Judiciário.

 

Isso porque o prazo aposto no art. 15 era prazo do tipo impróprio, superável a depender do interesse público, não importando a impossibilidade do seu atendimento em nulidade processual.

 

Aliás, sobre os efeitos da inobservância de prazos impróprios, esclarece Nélson Nery Júnior, cuja lição tem aplicação ao presente caso:

 
Prazos próprios e impróprios. Prazos próprios são os fixados para o cumprimento do ato processual, cuja inobservância acarreta desvantagem para aquele que o descumprir, consequência essa que normalmente é a preclusão. Prazos impróprios são aqueles fixados na lei apenas corno parâmetro para a prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação processual detrimentosa para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares. O ato processual praticado além do prazo impróprio é válido e eficaz
(grifou-se)

 

Vale relembrar que a manifestação de vontade da Administração Pública não corresponde à livre manifestação de vontade de um particular, já que se trata de instrumento necessário ao desempenho das funções públicas, com contornos previamente estabelecidos na ordem jurídica, revestindo-se de formalidades indispensáveis à sua validade.

 

É natural que a prática de alguns atos administrativos demande certo tempo e, em razão da estrutura deficitária dos órgãos envolvidos, nem sempre ocorre com a eficiência e no tempo que se deseja. Conquanto o princípio da eficiência busque alcançar os resultados positivos demandados pela sociedade, não é lícito aplicá-lo indiscriminadamente, em descompasso com as normas do Direito Administrativo que não autorizam a Administração agir como se particular fosse.

 

3.3.3. Violação aos princípios da isonomia, impessoalidade e supremacia do interesse público

 

Impende destacar, ainda, que existem centenas de processos administrativos aguardando análise e julgamento pelo MAPA. Entender que o processo administrativo dos demandantes deva ser analisado no prazo requerido é reconhecer que o seu processo administrativo deverá ser analisado em detrimento de vários outros que já estavam na fila aguardando providências, violando o princípio da isonomia, previsto no art. 5º da   Constituição da República.

 

Desse modo, haveria sobreposição de um interesse particular e meramente econômico ao interesse de toda coletividade. O atendimento da demanda no tempo que convém aos requerentes, implicaria na paralisação de parte das atividades do MAPA para atender prontamente sua pretensão. Por outro lado, o interesse público restaria prejudicado, uma vez que a atividade administrativa não estaria sendo exercida para atender indistintamente todas as pessoas, em nítida ofensa ao princípio da impessoalidade.

 

A Administração Pública enfrenta óbices no que tange à executoriedade de sua missão. Isso porque, na atualidade, vivencia-se o dilema: extensa demanda processual, escassez de recursos humanos e processos complexos. Este contexto conduz à dificuldade de conciliação simultânea entre os critérios objetivos que devem revestir o ato administrativo: legalidade x celeridade x eficiência.

 

Portanto, assim como os demais Poderes Estatais levam certo tempo para a prática de determinados atos, a atividade administrativa também demanda tempo, sobretudo se consideradas as limitações humanas, orçamentárias e estruturais da realidade estatal.

 

Posto isso, considerando que a pretensão deduzida implica em tentar subverter o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, atentando-se contra o princípio da impessoalidade da Administração Pública, forçoso é concluir que os pedidos formulados no sentido de privilegiar um Autor em detrimento dos demais interessados na conclusão de análise de processos administrativos são, no mínimo, desprovidos de razoabilidade.

 

3.3.4. Do afastamento dos pedidos de tutela de urgência por ausência de perigo de dano ou ao resultado útil do processo.

 

Por fim, ao que se observa, as demandas judiciais envolvendo o prazo para o registro de agrotóxicos, não raramente, apresentam-se acompanhadas de pedidos de tutela de urgência.

 

Nesses pedidos defende-se, em síntese, a necessidade das avaliações técnico-científicas, no prazo de cento e vinte dias, independentemente da existência de outros procedimentos apresentados anteriormente também carecerem de análise.

 

O art. 300 do Código de Processo Civil, assim afirma:

 

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1 Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
(grifou-se)

 

Conforme a exigência do próprio caput do artigo, além da probabilidade do direito é necessário também a demonstração do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

 

Veja que nestas ações, o único pedido é para que se faça uma análise técnico-científica (com grau de complexidade elevada) de um produto a ser inserido no mercado, portanto, não há perigo de dano ou ao resultado útil ao processo, estando assim, ausente um dos requisitos ensejadores da tutela de urgência a mesma deve ser indeferida.

 

Ademais, adiante-se: pedido tal qual esse esgota o próprio pedido da ação, porquanto uma vez deferida e analisada por este Ministério, ainda que, ao final, a ação seja julgada improcedente, ela já não terá mais qualquer efeito prático. Ou seja, não havendo mais pedidos, a tutela de urgência se resume a própria sentença.

 

Por fim, reitera-se que o deferimento da medida acarreta afronta aos princípios da isonomia, impessoalidade e supremacia do interesse público.

 

Posto isso, a tutela de urgência deverá ser indeferida nos presentes casos.

 

4. ARREMATE DO TEMA

 

Ante todo o exposto, conclui-se que:

 

5. CONCLUSÃO

​​

Diante de todo exposto, após a aprovação da presente Informação Jurídica Referencial, está deverá ser adotada como parâmetro nas ações judiciais que envolvam o prazo para registro de produtos agrotóxicos.

 

Assinale-se, entretanto, que os órgãos de execução da PRU poderão se pronunciar, de ofício ou por provocação, com vistas à retificação, complementação, aperfeiçoamento ou ampliação de posicionamento lançado na presente manifestação jurídica referencial, ou destinado a adaptá-la a inovação normativa, mutação jurisprudencial ou entendimento de órgão de direção superior da Advocacia-Geral da União.

 

Ademais, caberá ao órgão assessorado quantificar e indicar a esta Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária os processos em que foram utilizados a presente Informação Jurídica Referencial.

 

Isto posto, submeto os autos à superior consideração, para, na forma do art. 4º, inciso V, da Portaria CONJUR/MAPA nº 1, de 6 de abril de 2023, aprovar esta IJR e atestar o atendimento dos requisitos constantes da Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 31 de março de 2022. 

 

Sugere-se, por fim, caso aprovada seja dada ciência desta IJR aos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União - PGU/AGU, por força do art. 12, caput, e à Consultoria-Geral da União - CGU/AGU, na forma do art. 13 da aludida Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 2002.

 

À consideração superior. 

 

Brasília-DF, 26 de maio de 2023.

 

(Assinado eletronicamente)

ALEXANDRE LEME FRANCO

Advogado da União

Coordenador-Geral de Defesa Agropecuária, Política Agrícola e Inovação​

  

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00727001118202364 e da chave de acesso fe0ea342

 




Documento assinado eletronicamente por ALEXANDRE LEME FRANCO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1182733213 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ALEXANDRE LEME FRANCO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 31-05-2023 16:38. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.