ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00452/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.160703/2022-18 (PROCESSO APENSO: 10783.004829/96-81).
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - MGI/SPU/SPU-ES); LUIZ CLÁUDIO NOGUEIRA MUNIZ E SUA ESPOSA MARIA ISABEL PERINI MUNIZ.
ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. TERRENO DE MARINHA. ATO ADMINISTRATIVO CONCESSIVO DE AFORAMENTO (ENFITEUSE). AUSÊNCIA DE REQUISITOS NORMATIVOS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VÍCIO QUANTO AO OBJETO. ATOS ADMINISTRATIVOS DEFEITUOSOS. INVALIDADE E INEFICÁCIA. ANULAÇÃO (INVALIDAÇÃO). RETROATIVIDADE (EFEITOS EX TUNC). PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. INDAGAÇÃO(ÕES) FORMULADA(A). ORIENTAÇÃO JURÍDICA. ESCLARECIMENTO DE DÚVIDAS.
I. Consulta formulada. Indagação sobre validade de atos administrativos de concessão e homologação de aforamento gratuito.
II. Aforamento (enfiteuse) concedido com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal nº 3.438/1941, c/c o artigo 215 do Decreto-Lei Federal nº 9.760/1946 Atribuição a terceiro do domínio útil de imóvel de propriedade da União. Proporção econômica de 83% de terreno da União, sob titularidade do enfiteuta. Obrigação do foreiro ou enfiteuta ao pagamento de foro anual no percentual de 0,6% do valor do domínio pleno do terreno.
III. Direito de preferência ao aforamento gratuito. Ato formal pelo qual o(a) interessado(a) requer a concessão do domínio útil referente a imóvel da União, independentemente do pagamento do valor relacionado a tal direito.
IV. Aforamento gratuito concedido com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal nº 3.438/1941, c/c o artigo 215 do Decreto-Lei Federal nº 9.760/1946. Imprescindibilidade de que o posseiro ou os antecessores na cadeia dominial (sucessória) exercessem detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941. Artigo 15, parágrafo único, da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016. Procedimentos, medidas e atos para a constituição, revigoração e remição de aforamento de terrenos dominiais da União.
V. A Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, não lhe cabendo conceder direitos em situações diversas das previstas em lei. Princípio da legalidade. Artigo 37, caput, da Constituição Federal, c/c o artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
VI. O ato jurídico perfeito está preservado do alcance dos atos administrativos supervenientes. Consumação segundo a norma jurídica vigente ao tempo em que se materializou (tempus regit actum). Artigo 6º, inciso I, c/c o artigo 24, caput, do Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro).
VII. Ausência de celebração de Contrato de Constituição de Aforamento. Inexistência de ato jurídico perfeito.
VIII. Atos administrativos em desacordo com o ordenamento jurídico patrimonial. Violação ao princípio da legalidade adminsitrativa. Atos administrativos defeituosos. Vício quanto ao objeto. Ausência de validade e eficácia. Anulação/Invalidação de ato administrativo. Efeitos retroativos (ex tunc).
IX. A Administração Pública pode controlar seus próprios atos, anulando ou declarando a nulidade dos atos ilegais, ou revogando os atos inoportunos e inconvenientes. Princípio da autotutela administrativa.
X. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.
I - RELATÓRIO
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado do Espírito Santo por intermédio do OFÍCIO SEI Nº 51628/2023/MGI, assinado eletronicamente em 02 de junho de 2023 (SEI nº 34494115), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no Sistema AGU SAPIENS 2.0 em 06 de junho de 2023, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a consulta formulada envolvendo indagação sobre validade dos atos administrativos consubstanciados no DESPACHO CONCESSÓRIO DE AFORAMENTO (SEI nº 29750961) e na HOMOLOGAÇÃO DO ATO CONCESSÓRIO DE AFORAMENTO (SEI nº 29750961) com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal nº 3.438/1941, c/c o artigo 215 do Decreto-Lei Federal nº 9.760/1946, exarados originariamente às fls. 70 e 71 do processo nº 10783.004829/96-81, referente ao imóvel de domínio da União de natureza urbana, conceituado como acrescido de marinha, com área de 400,00 m² (Quatrocentos metros quadrados), localizado na Rua Antônio Aleixo, nº 760, Lote nº 8, Quadra nº 5, Bairro Gurigica, Município de Vitória, Estado do Espírito Santo, CEP nº 29.050-020inscrito no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA) sob o Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) sob o nº 5705.0003170-66.
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/ DOCUMENTO |
TIPO | |||
---|---|---|---|---|
28875788 | Anexo | |||
28875790 | Anexo | |||
28875792 | Matrícula 4.665, registro | |||
28875793 | Anexo | |||
28875795 | Anexo | |||
28875796 | Anexo | |||
28875798 | Requerimento | |||
29310595 | Consulta | |||
29750961 | Despacho Concessório | |||
29751011 | Homologação do ato concessório de aforamento | |||
29751330 | Análise cadeia sucessória | |||
29753576 | Matrícula 3080, registro | |||
29753857 | Matrícula 1.989, não consta | |||
29755165 | Checklist | |||
29756131 | Consulta Ocupante inicial | |||
29756220 | Nota Técnica 52651 | |||
31038677 | Espelho SIAPA - RIP 5705 0003170-66 | |||
31039354 | Espelho de cadastro PMV - 03.04.003.0227.001 | |||
31039361 | Anexo IPTU PMV 2023 - 03.04.003.0227.001 | |||
31039367 | Croqui de Localização GeoWeb - 03.04.003.0227 | |||
31039387 | Anexo GeoWeb vista do imóvel - 03.04.003.0227 | |||
31039438 | Tabela de índices e usos - PDU PMV ZOP 3 | |||
31039505 | Avaliação da utilização do terreno SIAPA - RIP 5705 0003170 | |||
31039918 | Relatório de Valor de Referência de Imóvel 112 | |||
31040097 | Despacho | |||
31725336 | Despacho | |||
32017128 | Nota Técnica 2324 | |||
32174879 | Despacho | |||
32412908 | Formulário | |||
32525659 | Despacho | |||
32525711 | Ofício 15579 | |||
32585961 | ||||
32959165 | ||||
33142042 | E-mail IBAMA - Enc. | |||
33142328 | Ofício | |||
34398037 | Despacho | |||
34406722 | Orientação NOTA n. 156/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU | |||
34420990 | Notificação realizada em 30/04/2003 | |||
34425856 | Despacho | |||
34491064 | Minuta de Termo de Contrato | |||
34494115 | Ofício 51628 | |||
34514905 | Certidão | |||
34515304 | Certidão | |||
34515597 | Certidão | |||
34606493 | Despacho | |||
34657349 |
II– PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever em sua integralidade o DESPACHO existente no documento SEI nº 34425856, elaborado pelo Serviço de Destinação Patrimonial da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Espírito Santo (SEGEP/SPU-ES), no qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:
"Processo: 10154.160703/2022-18
Interessado: LUIZ CLAUDIO NOGUEIRA MUNIZ
Assunto: Constituição de Aforamento Gratuito.
Identificação do Imóvel: Terreno de Marinha com acrescido, área total de 400,00 m², área terreno de Marinha 400,00 m², referente a fração de 1,0000000 , localizado na Rua Antônio Aleixo, 760, LT 8, QD 5, Gurigica, Vitória/ES, CEP: 29050-020.
Situação Ocupacional: Ocupado pelo interessado.
RIP 5705000317066
Ao Chefe do Serviço de Destinação Patrimonial,
Em atenção ao requerimento ES03682/2022 Doc SEI 28875798 foi dado seguimento ao processo 10783.004829/96-81 em que trata de constituição de aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto Lei n° 3.438 de 17 de Julho de 1941 c/c art. 215 do Decreto Lei n° 9.760 de 5 de Setembro de 1946, porém, atualmente para prosseguirmos o presente processo neste artigo é indispensável que o posseiro ou os antecessores, na cadeia ininterrupta, exercesse de fato a detenção física sobre o imóvel em 17 de julho de 1941. Não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem. Não há documentos anexados ao processo que comprovam a detenção física sobre o imóvel na data do referido decreto.
Vale destacar que há no presente processo a comprovação de inscrição de ocupação no ano de 1945 com taxas pagas desde o ano de 1921, porém seguindo a orientação da Consultoria Jurídica da União por meio da NOTA n. 156/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU Doc SEI 34406722 especificamente em seu item 13 observa-se o seguinte:
13. Tais manifestações são no sentido de que a comprovação do pagamento das taxas de ocupação traz à tona um vínculo jurídico com o bem, mas não demonstra a efetiva detenção física sobre ele.
Diante disso, verifica-se que, conforme a legislação atual, não há preferência ao aforamento gratuito com os documentos anexados ao presente processo na forma do art. 20 do Decreto Lei n° 3.438 de 17 de Julho de 1941 c/c art. 215 do Decreto Lei n° 9.760 de 5 de Setembro de 1946.
Contudo, considerando os trâmites administrativos tratados no processo 10783.004829/96-81 em especial as decisões cabe destacar que quanto a área em questão consta no processo Despacho Concessório de Aforamento, datado de 04/09/2002 ( Doc SEI 29750961) e a Homologação de Ato Concessório de Aforamento20/09/2002( Doc SEI 29751011).
Diante do exposto, há dúvidas quanto a validade ou não das decisões já realizadas, frente a legislação atual, considerando que nos moldes da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 003, de 9 de novembro de 2016 o imóvel não teria a preferência ao aforamento gratuito. Assim sendo, proponho encaminhamento do presente processo a CJU por meio do ofício Doc SEI 34494115 com o objetivo de consultar a validade de tais decisões realizadas em 2002 ou a não preferência ao aforamento frente a legislação atual. Caso estas decisões de 2002 tenham validade, apesar de estarem baseadas na forma da legislação à época, elaborei a Minuta Doc SEI 34491064 para apreciação da CJU com a finalidade de prosseguir os trâmites."
Considerando o anteriormente exposto, procederei a análise da solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) relacionada a(s) seguinte(s) conulta(s) formulada(s):
a) Diante do exposto, há dúvidas quanto a validade ou não das decisões já realizadas, frente a legislação atual, considerando que nos moldes da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 003, de 9 de novembro de 2016 o imóvel não teria a preferência ao aforamento gratuito. Assim sendo, proponho encaminhamento do presente processo a CJU por meio do ofício Doc SEI 34494115 com o objetivo de consultar a validade de tais decisões realizadas em 2002 ou a não preferência ao aforamento frente a legislação atual
A Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, que disciplina os procedimento administrativos, medidas e atos para a constituição, revigoração e remição de aforamento de terrenos dominiais da União, em seu artigo 15, parágrafo único, preceitua que "para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal."
Tal entendimento consagrado no aludido ato normativo foi objeto de acurada/minuciosa análise na NOTA n. 156/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, expedida no processo nº 10154.183864/2020-18 (SEI nº 34406722), convindo transcrever, a título de ilustração, os seguintes fragmentos:
(...)
"16. Ratificou-se, portanto, a necessidade de complementar a existência do pagamento de taxas de ocupação com outros documentos que ensejem a demonstração de posse efetiva. O que acontecia, segundo o explicitado pela CONJUR/MP, era um adimplemento/pagamento ulterior à real ocupação de terrenos ditos de marinha, situação caracterizadora de verdadeiro vínculo jurídico, mas não fático.
17. De fato, o entendimento quanto à necessidade de comprovação de detenção física da área, que antes provinha apenas de manifestações jurídicas da AGU, e que deram origem ao Enunciado CONJUR/MP nº 08 (aprovado pela Portaria CONJUR nº 02/2013), foi posteriormente consagrado pela Instrução Normativa SPU/MPDG nº 03, de 09 de novembro de 2016, que passou a disciplinar os procedimentos administrativos para a constituição, caducidade, revigoração e remição de aforamento de terrenos dominiais da União, os quais se aplicam a todos os órgãos da Secretaria do Patrimônio da União – SPU.
18. A referida IN, em seu art. 125, revogou expressamente a Orientação Normativa-GEANE nº 002, de 2002, que antes disciplinava as hipóteses de aforamento. Observe-se que essa ON não exigia expressamente a “detenção física” do imóvel, mas apenas o exercício da posse até o dia 17 de julho de 1941.
19. Depois do advento do Enunciado nº 08 da CONJUR/MP em 2013, e da IN SPU nº 03 em 2016 (que revogou a ON – GEANE 002/2002), encontra-se consagrado o entendimento quanto à necessidade de comprovação da detenção física do imóvel em 22/07/1941 (data da publicação do DL nº 3.438/41) para a concessão do aforamento gratuito com fundamento no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438/41 c/c art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760/46. É o que prescreve o parágrafo único do artigo 15 da referida IN:
Art. 15 - Tem preferência ao aforamento gratuito os que se enquadrem no art. 20 ou 35 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Parágrafo único - Para ser reconhecido o direito ao aforamento gratuito com base no art. 20 do Decreto-Lei nº 3.438, de 1941, combinado com o art. 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, não é suficiente a comprovação da existência de um vínculo jurídico com o bem, sendo indispensável que o posseiro ou os antecessores na cadeia ininterrupta exercessem de fato detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal.
20. Além disso, a mesma IN, em seu anexo VI, listou os documentos necessários à concessão do aforamento sob o referido fundamento legal, exigindo a comprovação do seguinte:
1. documentos que comprovem a detenção física sobre o imóvel anterior ao dia 17 de julho de 1941, tais como carta de “habite-se”, declaração de órgãos públicos e contas de concessionários de serviços públicos.
2. cadeia sucessória do imóvel, retroagindo à data da edição do referido decreto.
21. Note-se, portanto, que a exegese da Norma é a de que a detenção física há de ser comprovada por atos administrativos, vez que dotados de presunção de legitimidade. No caso dos autos, parece não ter havido comprovação de nenhum desses requisitos. De fato, a escritura pública apresentada, por si só, parece não atender aos requisitos enumerados nessa manifestação, não sendo capaz de comprovar a detenção física do imóvel pela requerente ou seus antecessores ao tempo da edição do Decreto-Lei nº 3.438/41, já que todas são categóricas em afirmar que a negociação se dá em transferência de um terreno. A comprovação da detenção física só se dá a partir da escritura de fls. 18 do processo físico SEI 11773463, em que há a averbação da construção, certidão de construção fornecida pela Prefeitura em 07 de agosto de 1972."
É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.
O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”.[2] A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.
O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas.
Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissum, não lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:
(...)
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
"Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)
É de extrema importância apreciar o efeito do princípio da legalidade no que tange aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então, os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. A conclusão é inabalável no sentido de que havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.
Sendo certo que na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal e as leis e as normas são de ordem pública, não podendo ser descumpridos os seus preceitos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários.
Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles,[3] abaixo reproduzido:
(...)
“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)
No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:[4]
(...)
"3.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3.4.1 Legalidade
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.
É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.
No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei". (os destaques não constam do original).
Vislumbra-se que os atos administrativos padecem de defeito jurídico decorrente de vício quanto ao objeto[5] face a ausência de comprovação/demonstração fática de que o posseiro ou os antecessores na cadeia dominial (sucessória) exercessem detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, conforme exigência prevista no artigo 15, parágrafo único, da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, não se revestindo, por consequência, de validade[6][7]e eficácia.[8][9]
Para melhor ilustrar o conceito e alcance do objeto, também denominado por parte da doutrina de conteúdo, um dos elementos estruturais do ato administrativo, reputo pertinente citar o magistério de José dos Santos Carvalho Filho em sua primorosa obra Manual de Direito Administrativo:[10]
(...)
"3. ATOS JURÍDICOS E ATOS ADMINISTRATIVOS
As noções de ato jurídico e de ato administrativo têm vários pontos comuns. No direito privado, o ato jurídico possui a característica primordial de ser um ato de vontade, com idoneidade de infundir determinados efeitos no mundo jurídico. “Adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, eis, em poucas palavras, em toda a sua extensão e profundidade, o vasto alcance dos atos jurídicos”, como bem registra WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO.[11] Trata-se, pois, de instituto que revela a primazia da vontade.
Os elementos estruturais do ato jurídico – o sujeito, o objeto, a forma e a própria vontade – garantem sua presença também no ato administrativo. Ocorre que neste o sujeito e o objeto têm qualificações especiais: o sujeito é sempre um agente investido de prerrogativas públicas, e o objeto há de estar preordenado a determinado fim de interesse público. Mas no fundo será ele um instrumento da vontade para a produção dos mesmos efeitos do ato jurídico.
Temos, assim, uma relação de gênero e espécie. Os atos jurídicos são o gênero do qual os atos administrativos são a espécie, o que denota que em ambos são idênticos os elementos estruturais.
(...)
III. Elementos
(...)
2. OBJETO
2.1. Sentido
Objeto, também denominado por alguns autores de conteúdo, é a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar. Significa, como informa o próprio termo, o objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato, a proposta, enfim, do agente que manifestou a vontade com vistas a determinado alvo.[12]
Pode o objeto do ato administrativo consistir na aquisição, no resguardo, na transferência, na modificação, na extinção ou na declaração de direitos, conforme o fim a que a vontade se preordenar. Por exemplo: uma licença para construção tem por objeto permitir que o interessado possa edificar de forma legítima; o objeto de uma multa é punir o transgressor de norma administrativa; na nomeação, o objeto é admitir o indivíduo no serviço público etc.
2.2. Requisitos de Validade
Para que o ato administrativo seja válido, seu objeto deve ser lícito. A licitude é, pois, o requisito fundamental de validade do objeto, exigível, como é natural, também para o ato jurídico.[13] O Código Civil em vigor foi mais preciso no que toca a tais requisitos de validade, exigindo que, além de lícito e possível, o objeto deve ser também determinado ou determinável (art. 104, II).
Além de lícito, deve o objeto ser possível, ou seja, suscetível de ser realizado. Esse é o requisito da possibilidade. Mas, como oportunamente adverte CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “a impossibilidade há de ser absoluta, que se define quando a prestação for irrealizável por qualquer pessoa, ou insuscetível de determinação”[14]
Sobre o objeto do ato administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro em sua lapidar obra Direito Administrativo[15] preleciona o seguinte:
(...)
"7 Atos Administrativos
(...)
7.7 ELEMENTOS
(...)
7.7.2 Objeto
Objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz.
Sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato.
Para identificar-se esse elemento, basta verificar o que o ato enuncia, prescreve, dispõe.
Alguns autores distinguem conteúdo e objeto. É o caso de Régis Fernandes de Oliveira (1978:54) que, baseando-se na lição de Zanobini, diz que o objeto é a coisa, a atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre a qual vai recair o conteúdo do ato. Dá como exemplo a demissão do servidor público, em que o objeto é a relação funcional do servidor com a Administração e sobre a qual recai o conteúdo do ato, ou seja, a demissão. Na desapropriação, o conteúdo do ato é a própria desapropriação e o objeto é o imóvel sobre o qual recai.O importante, no entanto, é deixar claro que, para o ato administrativo, o que interessa é considerar o segundo aspecto, ou seja, a produção de efeitos jurídicos. Quando se parte da ideia de que o ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico e quando se fala, em relação a este, de objeto como um dos seus elementos integrantes, nada impede, antes é aconselhável, que se utilize o mesmo vocábulo no direito administrativo.
Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei), possível
(realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos)". (grifou-se)
Sob esse prisma, o ato administrativo para ser considerado legítimo, necessita estar revestido de todos os requisitos de validade, ou seja, ser praticado por agente público no exercício regular de sua competência, ser produzido segundo a forma imposta em lei, além de se revestir dos requisitos da finalidade, motivo e objeto (conteúdo). Em síntese, o ato negocial, espécie do gênero ato administrativo, é considerado legal caso esteja em consonância com os requisitos exigidos para sua validade.
A competência[16] consiste no requisito de validade segundo o qual o ato administrativo praticado se insere do feixe de atribuições legais e regulamentares do agente público que o praticou. A forma significa a observância das formalidades indispensáveis à existência ou regularidade do ato. A finalidade representa a pratica o ato por agente investido de competência em consonância com o fim previsto, expressamente ou implicitamente, na regra de competência. O motivo[17] abrange a matéria de fato (fática) e de direito (jurídica) que fundamenta a prática do ato, sendo materialmente e juridicamente adequado ao resultado obtido. Já o objeto[18] condiz na alteração no mundo jurídico que o ato administrativo almeja implementar, correspondendo ao objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato do agente público preordenado a determinado fim.
É pacífico o entendimento jurisprudencial segundo o qual, no exercício do poder de autotutela dos seus atos, a Administração deve anulá-los, de ofício, quando eivados de ilegalidade, ou pode revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade, desde que resguardado o direito adquirido.
A anulação e revogação são as principais modalidades de desfazimento ou retirada do ato administrativo ou do procedimento. As Súmulas nºs 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal (STF) tratam delas, respectivamente, nos seguintes termos:
SÚMULA 346
“A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”
SÚMULA 473
"A administração pública pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
As súmulas evidenciam, entre outras questões, o princípio da autotutela administrativa,[19] segundo o qual a administração pode controlar seus próprios atos, anulando ou declarando a nulidade dos atos ilegais, ou revogando os atos inoportunos e inconvenientes.
Revogação consiste em medida privativa da Administração e obedece às regras de competência. De acordo com o princípio do paralelismo das formas, somente aquele que tem atribuições para praticar o ato pode revogá-lo. Os fundamentos das medidas são distintos: enquanto a revogação abrange tão somente o mérito, ou seja, a oportunidade e conveniência do ato, a anulação recai sobre a ilegalidade ou ilegitimidade. Na revogação, a Administração Pública promove o desfazimento do ato administrativo, mas não por razão de vício ou de defeito. A revogação é cogitada se o ato for válido e perfeito. Caso seja defeituoso, a Administração deverá providenciar sua invalidação.
Quanto à invalidade do ato administrativo, também denominada nulidade, podem ser identificados 2 (dois) níveis (graus). No grau mais elevado, o negócio jurídico é nulo (invalidade/nulidade absoluta), e no menor grau, anulável (invalidade/nulidade relativa).
Para melhor ilustrar as diferenças entre atos administrativo nulos e anuláveis, reputo conveniente transcrever novamente a lição de Irene Nohara,[20] verbis:
(...)
"4
Ato administrativo
(...)
4.12. Teoria das invalidades no ato administrativo: nulidade e anulabilidade
(...)
Assim, para a maior parte da doutrina, o critério de distinção entre nulidade e anulabilidade é a possibilidade de convalidação. Enquanto a nulidade envolve um vício grave, não passível de convalidação, a anulabilidade, por compreender pequena irregularidade, admite saneamento ou convalidação do ato administrativo.
Diante do exposto, defendemos que é plenamente plausível, a partir de concepções pós--positivistas, diferenciar[21] nulidade, para as graves ilegalidades, que não admitem convalidação, de anulabilidade, na qual, em face de uma irregularidade menor, o intérprete pode sanear um ato que produz efeitos que merecem ser preservados.
Concordamos, portanto, com Seabra Fagundes, no sentido da necessidade de se diferenciarem os conceitos de nulidade e anulabilidade do direito privado da noção adotada pelo direito público, mas entendemos que a anulabilidade englobaria as irregularidades. Ademais, um argumento relevante que separa o regime jurídico administrativo do regime dos atos anuláveis no direito privado é o de que a autotutela administrativa não depende de provocação, pode ser exercida de ofício pela Administração Pública, não havendo, pois, necessidade de o Poder Público depender de provocação particular para anular atos irregulares."
Quantos ao efeitos da anulação do ato administrativo, em princípio são retroativos (ex tunc) e deles não se originam direitos, ressalvando-se certos efeitos em relação a terceiros de boa-fé.
Para melhor compreensão dos atos administrativo defeituosos e os efeitos de sua invalidação reputo relevante e conveniente citar o magistério de Weida Zancaner em sua obra Da Convalidação e Da Invalidação dos Atos Administrativos,[22] verbis:
(...)
"3. INVALIDAÇÃO E CONVALIDAÇÃO
3.1 A invalidação
A invalidação é a eliminação, com eficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada ou de ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica.
No Direito brasileiro são sujeitos ativos da invalidação o Poder Judiciário e a Administração Pública.
O Poder Judiciário poderá invalidar os atos administrativos, no curso de uma lide, quando provocado ou "de ofício", dependendo da reação do ordenamento jurídico com relação aos atos viciados.
A Administração Pública é sempre parte interessada na lisura de seus atos poderá invalidá-los sponte propria ou quando provocada a fazê-lo;
(...)
3.5 Motivo e objeto da invalidação
O motivo da invalidação é o vício do ato, pois é ele que constitui a condição deflagradora do dever de invalidar.
3.6 Invalidação e revogação
Conforme dissemos, o fundamento jurídico da invalidação é o dever de obediência ao príncípio da legalidade e a necessidade de restaturar a ordem jurídica quando violada. É dever imposto pelo sistema à Administração Pública.
(...)
A condição deflagradora ou motivo de invalidação é a existência de um ato, de uma relação jurídica ou de ambos, em deconformidade com a ordem jurídica." (os destaques não constam do original)
No mesmo sentido a lição de Marçal Justen Filho em seu Curso de Direito Administrativo,[23] verbis:
(...)
"29 ATOS ADMINISTRATIVOS DEFEITUOSOS E A SOLUÇÃO JURÍDICA
A produção de um ato administrativo defeituoso configura uma violação à ordem jurídica. Mas, uma vez consumada tal violação existe um dever jurídico de promover as medidas destinadas a eliminar o defeito.
(...)
29.3 O defeito grave e as alternativas existentes
Há situações em que o defeito é dotado de maior gravidade. Nessa hipótese, existem três alternativas jurídicas. A primeira consiste em reconhecer a consolidação da situação e reputar que o princípio da segurança jurídica impõe a preservação do ato. A segunda reside em pronunciar o vício sem efeitos retroativos (ex nunc). A terceira é produzir a invalidação do ato com eficácia retroativa (ex tunc).
(...)
32 A INVALIDAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS
Haverá hipóteses em que a solução será o desfazimento do ato viciado, com efeitos retroativos. Essa solução deverá ser adotada quando evidenciado que os danos na manutenção do ato seriam superiores à sua invalidação. (os destaques não constam do original)
Quando for decretada a invalidade, a decisão adotada deverá indicar, de modo completo e satisfatório, os efeitos por ela impostos. Ou seja, não se admite que uma decisão estabeleça simplesmente a “nulidade do contrato”. É indispensável determinar os efeitos da invalidação. Assim está determinado no art. 21 da LINDB, assim redigido:
“A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.
E o parágrafo único do mesmo art. 21 estabelece que: “A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.
Caso a SPU-ES opte pela invalidação/anulação do DESPACHO CONCESSÓRIO DE AFORAMENTO (SEI nº 29750961) e da HOMOLOGAÇÃO DO ATO CONCESSÓRIO DE AFORAMENTO (SEI nº 29750961), exarados originariamente às fls. 70 e 71 do processo nº 10783.004829/96-81, deverá atentar para o regramento previsto no artigo 21 do Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), c/c o artigo 2º, parágrafos 1 a 3º e artigo 4º, parágrafos 1º e 2º, do Decreto Federal nº 9.830, de 10 de junho de 2019, que regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro, abaixo transcritos:
a) DECRETO-LEI FEDERAL Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro)
"Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas." (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
b) DECRETO FEDERAL Nº 9.830, DE 10 DE JUNHO DE 2019
(Regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro)
(...)
"CAPÍTULO II
DA DECISÃO
Motivação e decisão
Art. 2º A decisão será motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.
§ 1º A motivação da decisão conterá os seus fundamentos e apresentará a congruência entre as normas e os fatos que a embasaram, de forma argumentativa.
§ 2º A motivação indicará as normas, a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a doutrina que a embasaram.
§ 3º A motivação poderá ser constituída por declaração de concordância com o conteúdo de notas técnicas, pareceres, informações, decisões ou propostas que precederam a decisão. (grifou-se)
(...)
Motivação e decisão na invalidação
Art. 4º A decisão que decretar invalidação de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos observará o disposto no art. 2º e indicará, de modo expresso, as suas consequências jurídicas e administrativas.
§ 1º A consideração das consequências jurídicas e administrativas é limitada aos fatos e fundamentos de mérito e jurídicos que se espera do decisor no exercício diligente de sua atuação.
§ 2º A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta, consideradas as possíveis alternativas e observados os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade."
Na hipótese de prévia celebração de Contrato de Constituição de Aforamento, estaria caracterizado/configurado o instituto do ato jurídico perfeito, ou seja, já consumado segundo a lei ou norma administrativa vigente ao tempo em que se efetuou (concretizou), nos termos do disposto no inciso I do artigo 6º do Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), cuja ementa teve a redação alterada pela Lei Federal nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010.
A existência de instrumento contratual (ato jurídico perfeito) atrairia a incidência/aplicação do princípio do tempus regit actum, segundo o qual a licitude ou a consequência jurídica de qualquer ato deve ser aferida segundo a lei vigente no momento de sua prática.
Entretanto, a ausência de celebração do instrumento contratual aliado ao advento da Instrução Normativa SPU nº 003, de 9 de novembro de 2016, que estabeleceu novo regramento destinado à constituição de aforamento gratuito, demonstra ser juridicamente inviável, sob a égide do princípio da legalidade que rege a Administração Pública, a concessão do aforamento gratuito com fundamento no artigo 20 do Decreto-Lei Federal nº 3.438, de 17 de julho de 1941, c/c o artigo 215 do Decreto-Lei Federal nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, em decorrência da ausência, no caso concreto, de elementos probatórios imprescindíveis/essenciais/necessários para comprovar faticamente que o posseiro ou os antecessores na cadeia dominial (possessória) exercessem detenção física sobre o imóvel em 22 de julho de 1941, data de publicação daquele diploma legal.
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[24]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "22.", "27.", "29.", "36.", "39." e "40." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.
Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Espírito Santo (SPU-ES) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).
Vitória-ES., 19 de junho de 2023.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154160703202218 e da chave de acesso 6681cd54
Notas