ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER REFERENCIAL nº 4/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.021307/2016-70

INTERESSADA: Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas Especial

ASSUNTO: Prestação de contas de projeto cultural. Recurso administrativo.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO. INCENTIVOS FISCAIS. PRONAC. PARECER REFERENCIAL. VALIDADE: 13/06/2025.
I - Fomento à cultura. Fomento indireto. Programa Nacional de Incentivo à Cultura - Pronac. Incentivos fiscais. Projeto cultural. Prestação de contas.
II - Parecer referencial em atendimento a consulta da Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas - SGPTC - do Ministério da Cultura, no processo nº 01400.021307/2016-70. Pronac nº 16-1316.
III - Orientações para aplicação do Decreto nº 11.453/2023 e da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC aos projetos culturais pendentes de prestações de contas ou com prestações de contas pendentes de julgamento, inclusive em fase de recurso.
 
 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de parecer referencial solicitado a esta Consultoria Jurídica pela Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas - SGPTC - do Ministério da Cultura.

A manifestação foi solicitada no âmbito do processo em epígrafe, relativo ao Projeto Pronac nº 16-1316, intitulado "BIBLIOTECA COMUNITÁRIA SIFRIAH BEIT MENACHEM - CHABAD BRASÍLIA", que se encontra em fase de recurso contra reprovação de prestação de contas, consubstanciada na Portaria nº 705, de 8 de dezembro de 2022, da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (DOU de 09/12/2022, Seção 1, p. 182).

A prestação de contas foi integralmente rejeitada por falta de cumprimento de objeto, após parecer de objeto (doc. SEI/MinC 1033670) que não reconheceu a realização de uma série de contrapartidas que teriam impactado diretamente no objeto do projeto, resultando em sua reprovação integral, além de inconsistências financeiras arroladas em parecer financeiro (doc. SEI/MinC 1033671), que resultaram em glosas em parte dos valores executados. Por conta da reprovação do objeto, prevaleceu no julgamento a orientação do parecer de objeto, pela devolução total dos recursos, no importe atualizado de R$ 263.627,27, conforme Laudo Final (doc. SEI/MinC 1033661) e Relatório de Cálculo de Débito (doc. SEI/MinC 1033662), que integram a decisão posteriormente publicada no Diário Oficial da União.

O recurso (doc. SEI/MinC 1033667) foi interposto tempestivamente em 20/12/2022, conforme atestado no Despacho nº 1870297/2022/CGARE/DFIND/SEFIC/SECULT (doc. SEI/MinC 1033665; SEI/MTur 1870297), defendendo que houve a realização integral do projeto, e encaminhando documentos complementares à demonstração financeira das despesas.

Transferido o processo ao sistema SEI do Ministério da Cultura e distribuído o recurso à SGPTC, em função da reorganização administrativa promovida pela MP nº 1.154/2023 e a recriação do Ministério da Cultura com a entrada em vigor do Decreto nº 11.336/2023, o recurso foi analisado por meio da Nota Técnica nº 17/2023 (doc. SEI/MinC 1162105), que recomendou revisão parcial da decisão, reconhecendo a execução do física do objeto do projeto, porém mantendo a reprovação parcial das contas em virtude de algumas das inconformidades financeiras apontadas no parecer financeiro que subsidiou o Laudo Final.

No entanto, a Nota Técnica nº 17/2023 não chegou a ser aprovada pelo titular da SGPTC, que em despacho ao final do documento (doc. SEI/MinC 1162105) houve por bem reconsiderar totalmente a decisão recorrida e aprovar com ressalvas a prestação de contas, aduzindo o seguinte:

Por tais razões, entendo que não seja apropriada a aplicação in totum do Parecer Financeiro SEI nº 1033671, sobretudo no que tange à reprovação, impugnação e penalização do projeto e do proponente. Tendo em conta que, valendo-se dos autos, resta incontroverso que: 1) o recurso foi aplicado sem desvio de finalidade; 2) não há indícios de irregularidades apontados no Salic; 3) de acordo com os critérios estabelecidos pelo inciso I, do art. 56, da IN 01/2023/MINC, a conformidade financeira não seria analisada para a aprovação da prestação de contas, sendo suficiente a análise do objeto; 4) ainda que analisada, a conformidade financeira do projeto em tela estaria aprovada à luz da IN 01/2023/MINC.

Sem formular questionamentos acerca do caso concreto abordado, a autoridade competente, ao reconsiderar a decisão nos termos supracitados, divergindo da orientação emanada da própria unidade técnica, consulta esta Consultoria Jurídica, em abstrato, acerca da validade jurídica da motivação aduzida em seu despacho, uma vez que tal decisão envolve adotar critérios de julgamento das contas marcadamente focados nos resultados alcançados no projeto, em detrimento da conformidade documental de cada item de despesa analisado no bojo da prestação de contas financeira do projeto, com base nos critérios estabelecidos no Decreto nº 11.453/2023 e na Instrução Normativa nº 1/2023/MinC.

Em síntese, os questionamentos sobre os quais se solicita manifestação jurídica referencial foram formulados nos seguintes termos:

Por esta forma, é viável e prudente o encaminhamento à Consultoria Jurídica (CONJUR) para que se manifeste e nos referencie quanto ao que considerar pertinente diante do exposto e, em especial, quanto à validade ou alcance das análises financeiras já finalizadas para projetos abaixo de R$ 750.000,00 e que possuem objetos aprovados. Para tanto se questiona:
(i) Com a publicação da IN 01/2023/MINC, é juridicamente válido concluir pela aprovação desta prestação de contas com base na aprovação do objeto, dispensando-se a análise financeira?
(...)
(ii) Com a publicação da IN 01/2023/MINC, é juridicamente válido que os pareceres de análise financeira já realizados sejam revistos à luz da nova regra?
(iii) É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e considerando também a mencionada jurisprudência do TCU acerca de desvio de objeto e de finalidade, que a análise financeira se restrinja a glosar despesas unicamente porque não foram inicialmente previstas ou se deram em valor superior ao plano inicial, sem avaliar se tais despesas se relacionam ou não com o objeto do projeto e mesmo que tais despesas tenham contribuído para o resultado exitoso do projeto?
(iv) É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que a análise financeira se restrinja a glosar despesa unicamente porque não foi observada a nota fiscal, embora exista boleto bancário ou outros comprovantes do serviço contratado/produto adquirido que permitam verificar seu teor?
(v) É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que um projeto com execução do objeto analisada e aprovada, que não possui denúncias acolhidas e que não apresenta, em trilhas de controle, relatórios de monitoramento ou ferramentas análogas, inconsistências financeiras que indiquem delitos, seja punido com reprovação de contas, impugnação ou penalização financeira?

É o relatório. Passo à análise.

- Do cabimento de parecer referencial.

A consulta justifica-se especialmente levando em conta o valor do projeto e a natureza das inconformidades financeiras apontadas no ato de reprovação impugnado pela recorrente, visto que a Instrução Normativa nº 1/2023/MinC, em seu art. 56, estabelece que a metodologia de prestação de contas dos projetos culturais do mecanismo de incentivos fiscais deverá ser realizada conforme as normas dos arts. 30 e 51 do Decreto, sendo de R$ 750.000,00 o valor de corte para que o projeto seja considerado de médio porte e possa ter a análise financeira dispensada, restringindo-se à análise da execução física do objeto, o que alcança o caso paradigma ora em exame.

Considerando que uma série de projetos similares, com pareceres de análise financeira já elaborados, mas ainda pendentes de Laudo final ou de julgamento de recurso administrativo, encontram-se abrangidos na regra de corte e dispensa de análise financeira com base nos critérios da nova instrução normativa em vigor, verifica-se a pertinência da presente manifestação jurídica referencial, nos termos do art. 3º, § 1º, da Portaria Normativa nº 5/2022/CGU/AGU, uma vez que se trata de questão que envolve a decisão de dispensa ou não da análise documental de prestações de contas financeiras em casos repetitivos de projetos culturais, o que comportaria manifestações jurídicas padronizadas, pois em tese não entrariam na análise técnica das análises documentais em si.

Ademais, o volume de processos em fase de prestação de contas em situação de sujeição às regras de transição da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC é sabidamente alto, formando passivo de milhares de processos no Ministério da Cultura, aos quais, pelas regras atualmente em vigor, devem se sujeitar ainda a verificação de prescrição administrativa que pode abranger não apenas as sanções da Lei Rouanet, mas também as pretensões de ressarcimento ao erário, o que sobreleva a importância de manifestação referencial que reduza o trâmite de processos para esta Consultoria Jurídica, com vistas a otimizar a análise tempestiva de processos em que se podem vir a adotar medidas de elisão de danos ao erário.

Neste sentido, sem adentrar no exame das razões de índole técnica que levaram o Subsecretário de Gestão de Prestação e Tomada de Contas, da Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura, a rejeitar as recomendações da Nota Técnica nº 17/2023, acatar as razões e documentações do recurso administrativo e reconsiderar o ato de reprovação das contas do Projeto Pronac 16-1316, convertendo-o em aprovação com ressalvas, apresento a seguir as seguintes considerações de ordem jurídica acerca dos questionamentos formulados no despacho sobre a referida nota técnica.

 

- Questão (i): "Com a publicação da IN 01/2023/MINC, é juridicamente válido concluir pela aprovação desta prestação de contas com base na aprovação do objeto, dispensando-se a análise financeira?"

A partir da publicação da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC, conforme previsto no § 2º do seu art. 80, suas regras passam a se aplicar aos projetos pendentes de julgamento de prestação de contas, desde que não se refiram a relativas a critérios e condições para aprovação de projetos, conforme estabelecido no caput do artigo.

As regras que se aplicam imediatamente a projetos referem-se a critérios processuais de análise e aprovação de prestação de contas, não abrangendo regras materiais que estabelecem condições de aprovação dos projetos culturais. Para estas, aplica-se o disposto no § 1º do art. 80 da nova instrução normativa, com base no art. 78 do Decreto nº 11.453/2023.

Ou seja, as normas e condições sob as quais um determinado projeto foi aprovado permanecem válidos entre as partes até o final de sua execução, e, nesta extensão, determinam o julgamento das prestações de contas, embora não impeçam a aplicação das regras processuais de análise e aprovação da nova instrução normativa. Com este entendimento, é válido considerar aplicável a regra de dispensa de análise financeira a projetos que estejam em valor abaixo do nível de corte estabelecido na instrução normativa para projetos de médio porte. Porém, caso esta análise já tenha sido realizada no caso concreto, sua desconsideração deve ser motivadamente expressa na decisão de aprovação ou reprovação das contas, especialmente se suas orientações estiverem em contradição com a decisão ao final adotada, conforme exposto na questão seguinte.

 

- Questão (ii): "Com a publicação da IN 01/2023/MINC, é juridicamente válido que os pareceres de análise financeira já realizados sejam revistos à luz da nova regra?"

A revisão de pareceres de análise de prestações de contas, sejam eles de cumprimento de objeto ou de execução financeira, somente podem ser revistos para eventual aplicação imediata de regras processuais de análise e julgamento de contas, não sendo possível tal revisão quando importem em rever as condições sob as quais os projetos tenham sido aprovados, em virtude da necessidade de respeitar direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos consolidados entre as partes pactuantes. 

Neste sentido, não é possível, por exemplo, revisar atos administrativos que tenham apurado descumprimento de regras de limites de despesas, visto que tais regras impactam no projeto de forma objetiva.

Por outro lado, é possível, por exemplo, revisar pareceres que, em atividade de monitoramento ou fiscalização, tenham exigido documentos em projetos que, pelas regras da nova instrução normativa, estariam dispensados de apresentá-los, uma vez que a mera ausência de documentos não comprova o descumprimento de regra material de execução do projeto.

Importante considerar que tal orientação não afasta a possibilidade de revisão de qualquer decisão administrativa em sede de recurso ou pedido de reconsideração, quando a autoridade modificar o julgamento sobre questões de fato ou mesmo de direito trazidas pela recorrente, pois se trata de prerrogativa inerente à função recursal, independentemente da questão relativa às modificações normativas. O entendimento aqui exposto diz respeito exclusivamente à revisão de pareceres técnicos por motivos de aplicação intertemporal de regras para fins de aplicação de metodologias simplificadas de prestação e análise de contas.

 

- Questão (iii): "É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e considerando também a mencionada jurisprudência do TCU acerca de desvio de objeto e de finalidade, que a análise financeira se restrinja a glosar despesas unicamente porque não foram inicialmente previstas ou se deram em valor superior ao plano inicial, sem avaliar se tais despesas se relacionam ou não com o objeto do projeto e mesmo que tais despesas tenham contribuído para o resultado exitoso do projeto?"

Cabe à área técnica de prestação de contas avaliar a necessidade de exigir ou não documentação mais detalhada a respeito do cumprimento de objeto ou da realização de despesas específicas para verificar se houve ou não o devido cumprimento do objeto do projeto. Esta prerrogativa sempre foi exercida de forma relativamente discricionária pelos analistas de prestações de contas, conforme as circunstâncias de cada projeto, e relaciona-se diretamente com a capacidade de determinar a existência ou não de desvio de objeto ou desvio de finalidade na execução de um projeto cultural, considerado o desvio de objeto como uma manifestação objetiva do desvio de finalidade.

A orientação à qual a jurisprudência do TCU se direciona, conforme citado no despacho sobre a Nota Técnica nº 17/2023, é no sentido de que a busca da finalidade cultural de um projeto pode ser considerada fator relevante para que modificações no objeto sejam descaracterizadas como desvio de objeto, justamente porque o objeto se subordina à finalidade. Neste sentido, características acidentais (não essenciais) do objeto podem ser modificadas sem que este desvio de objeto seja considerado relevante para uma reprovação da prestação de contas do projeto. A realização de despesas com itens não previstos expressamente, a substituição de itens de despesa por outros similares, ou mesmo a realização de despesas em quantidades ou em valores diversos dos expressamente previstos em orçamento podem ou não integrar esta avaliação, conforme cada caso em concreto, desde que não desrespeitem normas condicionantes da aprovação do projeto.

O que a Instrução Normativa nº 1/2023/MinC inova neste processo decorre do fato de a análise de objeto preceder a análise da execução financeira, bem como do fato de a análise financeira poder ser dispensada em determinadas hipóteses. Com isso, esta prerrogativa dos analistas de avaliar a pertinência de itens de despesa com o cumprimento de objeto, que sempre contou com alto grau de discricionariedade no momento da análise de prestações de contas, agora passa a ser exercida com maior moderação no momento da análise financeira, uma vez que a análise de cumprimento de objeto será realizada não apenas como uma etapa prévia, mas vinculante para a análise financeira.

Neste sentido, não é mais possível, por exemplo, dentro do regramento da nova instrução normativa, que uma análise de execução financeira, ao se debruçar sobre a execução de itens de despesas específicos, conclua pela reprovação de um projeto por entender que tais itens resultam em descumprimento de objeto, uma vez que tal análise já estaria superada.

Em tais hipóteses, havendo obrigatoriedade de parecer financeiro, deve o processo retornar para a fase de análise de objeto, a fim de que haja um reexame desta contradição, e eventualmente, se entenda pelo descumprimento, total ou parcial, de objeto. Fora desta hipótese, apenas inconsistências financeiras que não impactem na avaliação do objeto podem ser objeto de glosa e ter seguimento no julgamento das contas sem que o parecer de objeto seja revisto, podendo resultar em “aprovação com ressalvas” (devendo ser especificada a ressalva) ou em “reprovação por dano ao erário, sem impacto no objeto”, devendo ser apontada a inconsistência financeira apurada. Tais tipologias de julgamento encontram respaldo no art. 60, inciso II, e inciso III, alínea "c", da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC.

Caso o parecer financeiro seja dispensável, em virtude do porte do projeto, conforme art. 56 da instrução normativa, mas já tenha sido realizado, este reexame de eventuais contradições poderá ser feito no bojo da própria decisão da autoridade competente, caso entenda desnecessário novas manifestações da área técnica.

 

- Questão (iv): "É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que a análise financeira se restrinja a glosar despesa unicamente porque não foi observada a nota fiscal, embora exista boleto bancário ou outros comprovantes do serviço contratado/produto adquirido que permitam verificar seu teor?"

Os regulamentos do Ministério da Cultura relativos aos procedimentos para apresentação, aprovação, acompanhamento, monitoramento e prestação de contas dos projetos culturais executados pelo mecanismo de incentivos fiscais do Pronac sempre permitiram ao proponente a comprovação da execução física e financeira de seus projetos por todos os meios aptos a demonstrar a efetiva realização do objeto e o devido nexo de causalidade entre as despesas e as metas (produtos e ações) do projeto.

O art. 73, § 1º, da IN 1/2010, o art. 79, § 1º, da IN 1/2012, o art. 83, § 1º, da IN 1/2013, já falavam em faturas, recibos, notas fiscais, cheques e quaisquer outros documentos aptos a demonstrar a discriminação dos produtos e serviços utilizados no projeto. Redações similares foram adotadas nos regramentos supervenientes.

No Parecer nº 408/2011/CONJUR-MinC/CGU/AGU (Processo 01400.018347/2011-20), esta Consultoria Jurídica já apontava para a previsão do Acórdão nº 2261/2005 do TCU no sentido de que a comprovação de despesas, no caso de fornecedor pessoa jurídica, poder ser realizada por meio de “notas fiscais ou documentos fiscais equivalentes”. No mesmo sentido, o Parecer nº 620/2012/CONJUR-MinC/CGU/AGU já asseverou que “documentos diferentes devem ser tomados como indícios probatórios e, estes, em cotejo com outras informações em poder da Administração podem conduzir a um juízo de verossimilhança da alegação”. E o Despacho nº 1004/2014/CONJUR-MinC/CGU/AGU (Processo 01400.005428/2005-11) já firmou o entendimento de que “no âmbito da relação jurídica constituída entre Ministério da Cultura e proponente, isto é, no que se refere à prestação de contas do projeto, cabe a este comprovar o nexo de causalidade entre a despesa realizada e o bem ou serviço executado no projeto”, não sendo dele “o ônus de diligenciar para que o seus fornecedores observem a legislação tributária e emitam notas fiscais livres de irregularidades”.

É certo, todavia, que se uma determinada despesa consta dos extratos bancários do projeto e não é demonstrada ou sequer correlacionada em nenhum outro documento, não há como se afirmar se foi uma despesa realizada no objeto do projeto, e pode vir a ser glosada se, diligenciado, o proponente não sanar a inconsistência.

 

- Questão (v): "É plenamente válido, à luz da IN 1/2023/MINC e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que um projeto com execução do objeto analisada e aprovada, que não possui denúncias acolhidas e que não apresenta, em trilhas de controle, relatórios de monitoramento ou ferramentas análogas, inconsistências financeiras que indiquem delitos, seja punido com reprovação de contas, impugnação ou penalização financeira?"

Em tese, a afirmação é válida porque a análise financeira não se restringe às inconsistências detectadas em trilhas de auditoria, relatórios de monitoramento e procedimentos afins, ou a partir de denúncias, podendo o analista responsável analisar toda a documentação pertinente à execução financeira do projeto, além de ter a prerrogativa de, motivadamente, requerer em diligência a complementação da documentação apresentada, sempre que identificar indícios de fraude ou má-fé na execução dos recursos do projeto. A Instrução Normativa nº 1/2023, em seus arts. 54 e 84, reproduzindo dispositivos de regulamentos anteriores, prevê a possibilidade de diligenciar o proponente para solicitar documentos ou informações complementares, sempre que julgar necessário, como no caso de insuficiência da documentação apresentada.

No entanto, é relevante considerar que a nova sistemática de prestação de contas implantada por meio da Instrução Normativa nº 1/2023 atribui ao cumprimento do objeto a função primordial da prestação de contas, de modo que a comprovação da execução financeira possui caráter meramente instrumental, para (i) auxiliar na comprovação de objeto e (ii) prevenir a malversação dos recursos.

Neste sentido é que o art. 50, § 1º, da nova instrução normativa estabelece que a comprovação da execução do projeto é realizada ao longo da execução por meio de monitoramento automatizado, por meio de análise preditiva sobre vários parâmetros do projeto. Além disso, a metodologia de análise de prestação de contas prevista no art. 56 da IN decorre do próprio Decreto nº 11.453/2023, que consolida o novo paradigma de prestação de contas com foco no resultado ao estabelecer a possibilidade de, com base e matriz de risco, dispensar a análise financeira de projetos de pequeno porte, de forma a otimizar a capacidade estatal na análise de processos onde o risco é maior, partindo do pressuposto de que as análises preditivas realizadas ao longo dos projetos é capaz de promover uma devida avaliação e controle de processos.

Portanto, o paradigma estabelecido na nova regulamentação do Pronac - extensível a outros sistemas de financiamento à cultura - permite ao gestor e ao analista de prestações de contas adotar a presunção de veracidade dos fatos apurados com base nos relatórios automatizados de análise preditiva e outros mecanismos de conformidade que venha a ser estabelecidos para os diversos mecanismos de fomento à cultura. Certamente não se trata de uma presunção absoluta, pois pode ser afastada mediante comprovação de fraude por quaisquer meios juridicamente viáveis, mas, uma vez estabelecida tal presunção de veracidade, a requisição de documentos adicionais deve estar devidamente motivada para que justifique medidas excepcionais de comprovação dos fatos.

Em outras palavras, quando da análise de prestações de contas de projetos que, dentro da matriz de riscos aprovada nas normas do ministério, não exijam maior detalhamento de sua execução financeira, é recomendável uma explicitação pormenorizada das suspeitas ou denúncias que deem respaldo a tais medidas e diligências excepcionais.

Com relação à severidade das sanções decorrentes de tais procedimentos excepcionais, trata-se de questão que dependerá de cada caso concreto, podendo ou não resultar em reprovação da prestação de contas, conforme as circunstâncias já elucidadas nas questões anteriores.

- Conclusões.

Diante de todo o exposto, recomendamos o retorno dos autos à SGPTC, para ciência das orientações contidas no presente parecer, que poderão ser aplicadas de forma paradigmática a casos análogos de prestações de contas que envolvam os questionamentos ora elucidados. Para utilização deste parecer em casos análogos, recomenda-se às unidades técnicas competentes para exame de prestações de contas a citação expressa do presente parecer referencial nos pareceres e notas técnicas que dele se utilizem, conforme art. 4º, inciso III, da Portaria Normativa nº 5/2022/CGU/AGU.

Com relação aos trâmites processuais do Projeto Pronac 16-1316, sem adentrar no exame concreto das despesas financeiras que a unidade técnica houve por bem reconsiderar para aprovação da prestação de contas, recomenda-se o prosseguimento do feito com o encaminhamento do processo à autoridade competente para a decisão, que, nos termos do § 2º do art. 60 da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC é o Secretário-Executivo do Ministério da Cultura, ao qual caberá a formalização do julgamento do recurso por meio de despacho de reconsideração. Observo que, além da reforma da decisão e sua motivação, a decisão de reconsideração deve conter também a reversão das penalidades aplicadas sobre a proponente na decisão recorrida, sendo comunicada à interessada por meio do Salic, conforme art. 62 da instrução normativa.

Apenas em caso de não reconsideração integral da decisão pelo Secretário-Executivo, deverá o recurso ser encaminhado à Ministra de Estado da Cultura para julgamento.

Por fim, ressaltamos que a presente manifestação jurídica não tem caráter referencial no que se refere ao julgamento do recurso em si, mas apenas em relação aos fundamentos jurídicos que constituem a motivação do ato de reconsideração proposto no âmbito da Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas, objeto dos questionamentos enumerados no § 8 deste parecer.

Para estas orientações, em atenção ao art. 4º, inciso III, da Portaria Normativa nº 5/2022/CGU/AGU, atribui-se ao presente parecer o prazo de validade de 2 anos, a contar de sua expedição, salvo em caso de revogação da Instrução Normativa nº 1/2023/MinC em prazo inferior, situação em que se recomenda reanálise das questões à luz dos regulamentos supervenientes.

Uma vez aprovado o presente parecer, solicita-se ainda à Coordenação Administrativa desta Consultoria Jurídica a cientificação, vis Sapiens/AGU, ao Departamento de Informações Jurídicas Estratégicas da AGU, também em atenção ao art. 4º, III, da Portaria Normativa nº 5/2022/CGU/AGU.

 

Brasília, 14 de junho de 2023.

 

assinado eletronicamente

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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