ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DOS PORTOS E AEROPORTOS
GABINETE DA CONSULTORIA JURÍDICA (GAB)
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS , BLOCO R - 5 º ANDAR, SALA 503
PARECER n. 00088/2023/CONJUR-MPOR/CGU/AGU
NUP: 50904.101122/2021-40
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM ESPÍRITO SANTO - SPU/ES
ASSUNTOS: PORTOS. CONCESSÃO. OUTORGA. 2
EMENTA: DIREITO PORTUÁRIO. POLIGONAL. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. CONCESSÃO. MATRIZ DE RISCO.
I - A Lei de Portos atrela o uso do bem público, qual seja, porto organizado ou uma área deste, ao desempenho dos serviços de administração e exploração da infraestrutura do porto organizado (concessão) ou movimentação de passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário (arrendamento). O porto organizado é considerado bem público afetado ao desempenho de um plexo de atividades descritas na lei.
II - A concessão portuária engloba o serviço público e a própria cessão de bem público, o porto organizado. Assim, todos os valores devidos devem ser estabelecidos no edital e contrato da presente desestatização.
III - Ainda que não estivesse integralmente contida na poligonal, a área foi considerada para fins do planejamento do porto, isto é, estava associada à finalidade portuária.
IV - Como mesmo reconhece a Portaria da SPU, a área aforada não necessita corresponder à área da poligonal, mas estar relacionada com o planejamento do porto organizado
V - Ao se estabelecer o disposto na cláusula 16.2.5 do Contrato de Concessão nº 01/2022, foi tomado como contexto que as áreas que estavam cedidas para a CODESA tinham destinação de exploração portuária ou poderiam ter, devendo ser abarcadas na delimitação dos riscos contratuais.
VI - Não é possível a cobrança da Concessionária de qualquer foro lançado após o Edital do Leilão da CODESA, que culminou na assinatura do Contrato de Concessão nº 01/2022, por esta responsabilidade ter sido alocada ao Poder Concedente, a União.
A Consultoria Jurídica da União especializada virtual de patrimônio remeteu os presentes autos para a análise e manifestação acerca de consulta realizada pela SPU/ES quanto aos efeitos do contrato de Concessão do Porto Organizado de Vitória na cobrança dos foros não lançados antes do Edital de Licitação.
A CJU patrimônio avaliou a questão e exarou o PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU.
Entretanto, o Coordenador da CJU patrimônio entendeu que a "análise não se enquadra na competência desta Especializada, sendo, smj, da competência da douta Consultoria Jurídica do Ministério de Portos e Aeroportos, conforme Decreto 11.354 de 1º de janeiro de 2023."
Pontuou ainda que:
Desta feita, parece mais prudente ouvir, previamente, o Ministério de Portos e Aeroportos, conforme Decreto 11.354 de 1º de janeiro de 2023, bem como sua Consultoria Jurídica sobre o tema.
De fato, é prudente que a reflexão posta nestes autos passe por essa Pasta, inclusive para que seja avaliada a juricidade de previsão contratual que anistia toda e qualquer lançamento eventualmente feito pela Superintendência de Patrimônio, vir a ser assinada pelo Ministro da Infraestrutura.
Assim é que os termos do PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU devem ser interpretados apenas como uma opinião que visa contribuir ao debate.
Acerca da consulta propriamente dita, transcreve-se o relatório contido no PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU:
Ofício SEI nº 24654/2023/MGI, com consulta jurídica formulada nos seguintes termos:
1. Versa esta consulta dos efeitos das cláusulas/itens 16.2. e 16.2.5. do Contrato n.º 01/2022¹ sobre os foros relativos ao RIP SIAPA n.º 5703010082162, lançados em julho/2022 em desfavor da Companhia Docas do Espírito Santo - CODESA.
2. Tais lançamentos, que somam hoje a importância de R$ 22.175.093,13 [ver em “Lista de foros não pagos no RIP SIAPA 5703010082162 (33019812)”], foram feitos em data posterior ao lançamento de Edital que culminou com a concessão dos portos organizados de Vitória e de Barra do Riacho, publicado em 21/01/2022 (https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=21/01/2022&jornal=530&pagina=33).
3. Em virtude das questões de ordem temporal envolvendo o lançamento dos foros relativos ao RIP SIAPA n.º 5703010082162 e a publicação do Edital de concessão dos portos organizados, especial atenção deve ser dada às cláusulas/itens 16.2. e 16.2.5. do Contrato de Concessão, in verbis:
16.2. A Concessionária não é responsável pelos seguintes riscos relacionados à Concessão, cuja responsabilidade é do Poder Concedente²:
(...)
16.2.5. Eventuais débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado; e (grifos nossos)
4. As plantas acostadas na ocorrência “Planta APO de Vitória e RIP 5703010082162 ( 33020857)” deste processo mostram que a área relativa ao RIP SIAPA n.º 5703010082162 (em verde, com 972.714,09 m²), possui partes dentro e fora da área do porto organizado de Vitória (em vermelho).
5. Nessa perspectiva quanto à análise da extensão dos eventuais efeitos da cláusula/item 16.2.5. do contrato de concessão, parece-nos que o citado comando não abrange as áreas fora dos limites do porto organizado de Vitória.
6. A Figura 1 a seguir identifica os limites dos dois trechos.
[vide original]
7. Frente à regra posta nos citados itens do contrato de concessão, formulamos os seguintes questionamentos à essa Consultoria Jurídica acerca dos lançamentos dos foros efetuados por esta Superintendência, e que congregam toda a área em verde na figura anterior:
7.1. é possível manter a cobrança dos foros lançados por esta Superintendência relativamente a toda a área em verde da FIGURA 1, mesmo que algumas de suas partes estejam contidas na área do porto organizado de Vitória (em vermelho)?
7.2. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for positiva, a CODESA deve ser mantida como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
7.3. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for negativa, esta Superintendência pode relançar os foros dos trechos das áreas em verde na FIGURA 1 que não se sobreponham à superfície em vermelho que representa a área do porto organizado de Vitória?
7.4. se a resposta ao questionamento no item 7.3. for positiva, a CODESA deve ser colocada como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Resumindo o que ocorreu: antes da privatização e concomitante concessão (objeto do Leilão nº 01/2022 - PPI/PND e Contrato n.º 01/2022) a CODESA era foreira do imóvel RIP 5703010082162, onde funcionava (e funciona) o cais de Capuaba, em Vila Velha, ES.
Quando foi decidido que a CODESA seria privatizada, uma das providências foi retornar o domínio útil do referido imóvel RIP 5703010082162 para a União, conforme Resolução CPPI nº 188, de 7 de junho de 2021, art. 3º,
Art. 3º Deverão ser realizados, previamente à efetivação da transferência do controle acionário,os seguintes ajustes na CODESA:
(...)
II - transferência, para os acionistas, dos direitos reais que a CODESA possui, mediante redução de capital social de forma proporcional à participação de cada um dos acionistas, relativos aos seguintes imóveis:
a) área localizada no Porto Organizado de Barra do Riacho no Estado do Espírito Santo,registrada sob a matrícula nº 827 do CRI de Aracruz/ES, na qual a CODESA é proprietária, registrada em seu imobilizado pelo valor de R$ 338.202,29 (trezentos e trinta e oito mil duzentos e dois reais e vinte e nove centavos); e
b) área denominada "Área 1 - Principal Capuaba", localizada no Porto Organizado de Vitória no Estado do Espírito Santo, registrada na matrícula nº 1.767 do 1º CRI de Vila Velha/ES, na qual a CODESA é foreira, registrada em seu imobilizado pelo valor de R$ 7.923.036, 00 (sete milhões novecentos e vinte e três mil e trinta e seis reais); e
Quando a CODESA devolveu o imóvel, a SPU constatou a existência de diversos foros vencidos, conforme "Relatório rip 5703010082162 debitos (26488483) SEI 50904.101122/2021-40 / pg. 388", muitos já cancelados por decadência.
Em seguida, constatou-se que o Contrato de Concessão n.º 01/2022 firmado entre União e CODESA trouxe previsão expressa tratando da responsabilidade entre concessionária e poder concedente em relação aos "débitos que não estejam lançados até a data de publicação do Edital, e que venham a ser, por parte da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), relacionados a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado".
A SPU constatou também que a área objeto de concessão (Contrato nº 01/2022) não coincide exatamente com a área do RIP 5703010082162, e formula a consulta acima transcrita.
É o que importa relatar.
FUNDAMENTAÇÃO
Primeiramente é importante fazer alguns esclarecimentos sobre a concessão do porto organizado e a exploração de suas áreas.
A Constituição Federal afirma que compete à União a exploração dos portos:
Art. 21. Compete à União:
...
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
...
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
A exploração dos portos organizados e de suas instalações portuárias pode ocorrer por: (i) órgão da Administração Pública federal direta; (ii) entidade da Administração federal indireta; (iii) concessão do próprio porto organizado; (iv) delegação a outro ente federativo (art. 241 da Constituição; Lei nº 9.277, de 1996; art. 6º, § 2º, da Lei nº 12.379, de 2011; art. 10, § 1º, “b” do Decreto-Lei nº 200, de 1967); ou (v) arrendamento de instalações portuárias nele localizadas (art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.815, de 2013).
A exploração de instalações portuárias localizadas fora do porto organizado ocorre mediante autorização e é considerada uma exploração de atividade econômica em sentido estrito.
A Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997 conceitua como uma forma de desestatização a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade (art. 2º, § 1º, “b”).
Assim, a concessão do porto organizado e os arrendamentos portuários são medidas de desestatização.
A Lei nº 12.815, de 05 de junho de 2013, conhecida como a Lei de Portos, dispõe:
Art. 1º Esta Lei regula a exploração pela União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.
§ 1º A exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público.
§ 2º A exploração indireta das instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado ocorrerá mediante autorização, nos termos desta Lei.
§ 3º As concessões, os arrendamentos e as autorizações de que trata esta Lei serão outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I - porto organizado: bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária;
II - área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado;
...
IX - concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determinado;
...
XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado; ...
Observa-se que a redação da lei pode gerar alguns equívocos quanto a natureza jurídica da concessão portuária. Ao se referir apenas à cessão de uso de bens, alguns doutrinadores questionam se a concessão portuária ou o arrendamento apenas regulam o uso de um bem público, sem se traduzir como medidas de concessão de serviços públicos.
Na verdade, a Lei de Portos atrela o uso do bem público, qual seja, porto organizado ou uma área deste, ao desempenho dos serviços de administração e exploração da infraestrutura do porto organizado (concessão) ou movimentação de passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário (arrendamento).
O porto organizado é considerado bem público afetado ao desempenho de um plexo de atividades descritas na lei.
Esse regramento não é uma novidade no regime das concessões, que sempre disciplina a questão dos bens de uma concessão. Realizando uma gradação entre aqueles imprescindíveis ao serviço público e os dispensáveis. No caso do sistema portuário brasileiro, a área do porto organizado é por natureza imprescindível para a prestação do serviço.
Explicitando melhor esse cenário, Egon Bockmann Moreira[1]:
15 Conforme já mencionado, a Constituição brasileira comete determinados bens e serviços ao Poder Público e diz que sua exploração poderá ser direta ou por meio de concessões, permissões e autorizações.
Apesar de não existir definição constitucional do que vem a ser serviço público (nem seria adequado caso se pretendesse isso), a imputação ao Poder Público de determinada categoria de incumbências passíveis de concessão e permissão — e, em sede constitucional, só nestas hipóteses, para além da exploração direta — traz consigo a qualificação normativa de serviço público (seja sob a forma de competências explícitas, seja na condição de execução da tarefa propriamente dita).
Isto porque as concessões e permissões submetem-se, de modo integral, ao art. 175 da Constituição—que trata exatamente dos serviços públicos. Em decorrência, igualmente se subordinam às respectivas leis exigidas pelo parágrafo único do próprio art. 175 (que podem assumir a configuração de “norma geral de contratação” — como se dá com a Lei nº 8.987/1995 — ou “lei especial-setorial” — como ocorre com a Lei nº 12.815/2013). O que importa dizer que há concessões e concessões de serviços públicos: a competência outorgada ao legislador ordinário autoriza que haja regimes jurídicos diversos entre os vários setores (desde que obedientes ao art. 175 da Constituição).
Assim, é devido à determinação constitucional que tal ordem de serviços é atribuída ao Estado e, também por prescrição constitucional, eles podem ser outorgados à exploração privada em contratos de concessão ou de permissão (sempre antecedidos de licitação). Através desta combinação (lei + regulamento + contrato), bens e serviços públicos são transferidos à iniciativa privada, a quem se atribui o direito, o dever e a obrigação de cumprir as prescrições legais, regulamentares e contratuais previamente definidas. A pessoa privada, portanto, será titular, por prazo certo, do direito e do dever de explorar o serviço público: prestando-os diretamente a todo o universo de usuários (reais e potenciais). Em contrapartida, ao Poder Público cabe o dever de respeitar o estatuto concessionário e cumprir as respectivas obrigações contratuais — seja na condição de concedente, seja na de regulador ou mesmo usuário.
16 Mas note-se que nestas espécies de privatização formal (ou organizatória ou de gestão), que são a concessão e a permissão, persiste íntegra a titularidade pública dos bens e serviços.
A desestatização dá-se na superfície do serviço a ser prestado, não na sua essência. A depender do serviço e/ou da obra, a maioria dos bens permanece no setor público dos meios de produção (v.g., portos organizados; rodovias e ferrovias). Apenas a gestão e o domínio imediato dos bens e serviços são transferidos ao empreendedor privado, por prazo certo. A privatização formal, portanto, implica a outorga de afazeres públicos ao empreendedor privado — tal como definidos em lei, nos regulamentos e, em especial, nos respectivos contratos.
A definição estampada na Lei nº 9.491/1997, que disciplina o Programa Nacional de Desestatização (PND), é clara: “a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade” (art. 2º, §1º, “b”). Desestatiza-se a gestão, não o serviço ele mesmo: aquele determinado serviço, que persiste público, passa a ter execução privada. Como se infere do dispositivo, não é necessária a estrutura empresarial prévia, mas basta a atribuição normativa de determinado serviço público à União (“daqueles de sua responsabilidade”). Por isso que há concessões de obras públicas e de serviços precedidos de obras: a infraestrutura física e a configuração institucional não são requisitos aos processos de privatização formal.
17 Conforme já mencionado, a lei geral para as concessões comuns e permissões brasileiras — no sentido de lei nacional, a incidir sobre todos os entes políticos (verticalmente geral), e de lei geral em relação às demais leis especiais-setoriais (horizontalmente geral) – é a Lei nº 8.987/1995, a Lei Geral de Concessões.
...
Porém, cada um dos setores econômicos poderá ter a respectiva lei especial: das quais, a Lei Geral dos Portos (Lei nº 12.815/2013) é a que mais nos interessa neste momento: é uma lei “geral” em termos federativos (incide para todas as unidades federativas e respectivas administração direta e indireta), mas “especial” quanto à classificação da sucessão de leis no tempo (específica ao setor portuário e, assim, derrogatória de parcelas das Leis nº 8.666/1993 e nº 8.987/1995 (dentre outras), no que com a nova lei conflitem).
18 Por conseguinte, a concessão comum de serviço público — inclusive no setor portuário — pode ser compreendida como o contrato administrativo, precedido de licitação, por meio do qual o Poder Público outorga à iniciativa privada, por prazo certo, a exploração e execução de serviço e/ou de obra pública, a ser remunerado por meio de pagamento feito pelos respectivos usuários (e eventuais receitas acessórias).
Contrato esse que se desenvolverá em um “bem público” (Lei nº 12.815/2013, art. 2º, I).
Nos termos do art. 2º, incisos I e II, da Lei nº 12.815/2013, no setor portuário a concessão dar-se-á ao interno do assim denominado “porto organizado” (“bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária”), cuja área deve ser “delimitada por ato do Poder Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado”.
... (grifou-se)
Assim, foi assegurado ao Concessionário que não seria cobrado outros valores que não os previstos no edital e contrato de concessão.
Disposição em sentido diverso não faria sentido. Conforme explicitado nos pontos 15 e 16 deste parecer, a concessão portuária engloba o serviço público e a própria cessão de bem público, o porto organizado. Assim, todos os valores devidos devem ser estabelecidos no edital e contrato da presente desestatização.
Esse entendimento é previsto nas Resoluções do CPPI nº 188, de 7 de junho de 2021 e nº 207, de 16 de dezembro de 2021, que foi referendada pelo então Ministério da Economia, em que a SPU estava ligada e Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Ademais, foram essas as razões para as alterações promovidas pela Portaria SPU/ME nº 8.797, de 21 de julho de 2021 que alterou a Portaria nº 7.145, de 13 de julho de 2018, passando a dispor:
Art. 4º-A A destinação dos terrenos e espaços físicos em águas públicas da União que integrem a área do porto organizado, no caso dos portos concedidos ou a conceder, será formalizada no próprio contrato de concessão, celebrado entre o Poder Concedente e o concessionário.
§ 1º A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União formalizará a destinação da área do porto ao Ministério da Infraestrutura, por meio de termo de entrega.
§ 2º Constatado o descumprimento das disposições estabelecidas no Termo de Entrega, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União avaliará, após a apresentação de eventuais justificativas, a necessidade de cancelamento do ato, sem prejuízo das demais medidas administrativas.
§ 3º A onerosidade de que trata o art. 18, §5º da Lei n.º 9.636, de 1998, estará contemplada por meio dos encargos, inclusive financeiros, previstos no contrato de concessão do porto organizado, conforme critérios definidos pelo Poder Concedente.
§ 4º O contrato de concessão regulamentará o uso da área do porto organizado concedido e observará as exigências da legislação ambiental, cabendo às autoridades competentes pela fiscalização do contrato assegurar a adequada utilização do bem. (grifou-se)
Superado esse porto, passamos ao enfrentamento dos questionamentos feitos pela SPU/ES:
7.1. é possível manter a cobrança dos foros lançados por esta Superintendência relativamente a toda a área em verde da FIGURA 1, mesmo que algumas de suas partes estejam contidas na área do porto organizado de Vitória (em vermelho)?
O Contrato de Concessão nº 01/2022, celebrado pela União e a Companhia Docas do Espírito Santo - CODESA tem como objeto a "cessão onerosa do Porto Organizado para o desempenho das funções de Autoridade Portuária, a exploração, direta ou indireta, das Áreas Não Afetas às Operações Portuárias e a exploração indireta das Instalações Portuárias pela Concessionária, conforme as obrigações e os encargos previstos neste Contrato de Concessão.".
Por sua vez, no item 3.1 do contrato está previsto que "a área da Concessão é a Área do Porto Organizado, delimitada pelas Portarias n.º 2580, de 21 de dezembro de 2020 e n.º 4, de 20 de janeiro de 2021, ambas do Ministério da Infraestrutura, compreendendo as Instalações Portuárias e as infraestruturas de proteção e de acesso ao Porto Organizado, considerando as descrições contidas no Anexo 1.".
Verifica-se, portanto, que apenas foi cedida à CODESA por meio da concessão, a área contida na poligonal, o contrato de concessão é o instrumento de cessão do porto organizado, o bem público em questão. Caso, na mesma matrícula contenha uma área maior, cabe a Administração Pública Federal fazer a retificação, excluindo a área excedente da gestão da concessionária.
Ainda sobre eventuais cobranças de foros lançados após a publicação do edital de desestatização da CODESA, o Contrato de Concessão é claro ao dispor que após a publicação do Edital, todos os débitos lançados pela SPU são da responsabilidade da União (16.2 e 16.2.5).
7.2. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for positiva, a CODESA deve ser mantida como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Prejudicada.
7.3. se a resposta ao questionamento no item 7.1. for negativa, esta Superintendência pode relançar os foros dos trechos das áreas em verde na FIGURA 1 que não se sobreponham à superfície em vermelho que representa a área do porto organizado de Vitória?
Conforme apontado no PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, "ao que mostra a imagem na consulta da SPU (Ofício 24654 (33023023) SEI 50904.101122/2021-40 / pg. 524) não são imóveis distintos, separados do porto; é o próprio porto. A área não sobreposta é uma fração contínua que ficou de fora do "novo porto" após o redesenho da poligonal, provavelmente em razão da cobertura vegetal.".
Acerca de áreas cedidas para Autoridades Portuárias, deve-se sempre ter em mente que a cessão deve se pautar na finalidade de exploração portuária, presente ou futura. É nesse sentido a Portaria nº 7.145, de 13 de julho de 2018:
Dos Portos Organizados
Art. 3º Cabe à Secretaria do Patrimônio da União a destinação dos terrenos e espaços físicos em águas públicas da União que integrem a área do porto organizado, na forma dos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.636, de 1998, no que couber.
Parágrafo único. A destinação prevista no caput, dirigida às autoridades portuárias, será formalizada por meio de contrato de cessão em condições especiais que exigirá do administrador portuário que as receitas auferidas nas suas atividades sejam integralmente aplicadas nos portos que lhes deram origem, na forma do art. 3º, § 2º, da Lei n.º 9.277, de 1996.
...
Art. 5º A Secretaria do Patrimônio da União poderá destinar às autoridades portuárias, área disponível localizada fora dos limites do porto organizado, mediante requerimento com as justificativas técnicas do pleito, sendo recomendável que a área pleiteada esteja indicada nos instrumentos de planejamento do porto organizado, nos termos do art. 3º.
...
Art. 7º Os terrenos e espaços físicos em águas públicas da União contidos nas áreas dos portos organizados devem ser destinados às autoridades portuárias, sendo vedada à Secretaria do Patrimônio da União a destinação, reserva ou declaração de disponibilidade para outros interessados, que não a autoridade portuária.
Parágrafo único. A Secretaria do Patrimônio da União, mediante manifestação favorável do poder concedente e da autoridade portuária, promoverá a regularização da utilização privativa de terrenos e espaços físicos em águas públicas da União no interior dos portos organizados, aos titulares das instalações portuárias privadas autorizadas pela ANTAQ e pelo poder concedente, anteriormente a edição da Lei nº 12.815, de 2013. (grifou-se)
No presente caso, ainda que não estivesse integralmente contida na poligonal, a área foi considerada para fins do planejamento do porto, isto é, estava associada à finalidade portuária. Observe que a poligonal do porto foi dinâmica quanto ao alcance na área em questão, ora menor ora maior (NUP nº 00045.000298/2015-26 e nº 50000.028011/2020-84)
Como mesmo reconhece a Portaria da SPU, a área aforada não necessita corresponder à área da poligonal, mas estar relacionada com o planejamento do porto organizado. Caso haja uma área cedida que não esteja nessa diretriz, a cessão deve ser regularizada.
Ao se estabelecer o disposto na cláusula 16.2.5 do Contrato de Concessão nº 01/2022, foi tomado como contexto que as áreas que estavam cedidas para a CODESA tinham destinação de exploração portuária ou poderiam ter, devendo ser abarcadas na delimitação dos riscos contratuais.
Esse tipo de delimitação de risco traz segurança jurídica e previsibilidade para que os interessados em participar do Leilão possam saber os débitos efetivos que irão arcar com a compra da companhia e oferecer sua proposta.
Entender que supracitada cláusula só blinda a cobrança da área do porto e que a outra parte da matrícula poderia ser cobrada é desarrazoada e fere a previsibilidade da alocação de risco do contrato.
Por esses motivos, corroboramos com o exposto no PARECER n. 00252/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, a seguir transcrito:
Analisando o contrato e o modelo de concessão, parece-nos possível concluir que o Poder Concedente quis a União retirar do risco do empreendimento qualquer passivo relacionado com o patrimônio imobiliário do "antigo Porto Organizado".
Ao considerar os débitos não inscritos como "risco relacionado à Concessão", a União de admite implicitamente a dificuldade de lidar com tal passivo, que são decorrentes de uma legislação arcaica e "remendada" ao longo dos anos, e de dificílima interpretação/aplicação.
E analisando o Contrato de Cessão sob Regime de Aforamento (Contratos de Cessão sob regime de Af 1984 a 1995 (10150241) SEI 10154.160143/2020-21), fica claro que a área do RIP 5703010082162 era para o funcionamento do porto:
"instalação de benfeitorias necessárias e úteis, adequadas à ampliação das atividades portuárias em Capuaba" (cláusula terceira, pg. 468)
Ao que mostra a imagem na consulta da SPU (Ofício 24654 (33023023) SEI 50904.101122/2021-40 / pg. 524) não são imóveis distintos, separados do porto; é o próprio porto. A área não sobreposta é uma fração contínua que ficou de fora do "novo porto" após o redesenho da poligonal, provavelmente em razão da cobertura vegetal.
Finalmente, parece-nos que neste contexto específico não seria possível fracionar o foro para cobrar só a parte que ficou de fora do "novo porto". Isso porque a cessão sob regime de aforamento não pode ser tratado como uma ocupação irregular, onde não há contrato e a taxa decorre da mera utilização.
O contrato é, acima de tudo, um ajuste de vontades, e não se pode presumir que o ajuste firmado existiria em outras condições. O que implica em dizer que não se pode "cortar'" um pedaço do contrato para aproveitar somente aquela parte. Sendo assim, o contrato de concessão absorveria o débito do foro como um todo, sem deixar "resíduos".
Também atentaria contra a própria ideia de boa-fé inserir uma cláusula no contrato dizendo que o risco relacionado "a imóveis que se encontrem na Área do Porto Organizado" para depois dizer que "um pedaço" ficou de fora porque não faz parte do novo porto, mas do antigo. A própria existência de tal distinção, só agora claramente revelada para cobranças, favorece o entendimento de que se pretendia dispensar o passivo do "velho porto".
Nesse ponto, pedimos vênia para transcrever pertinente acórdão do TJDF:
“Com efeito, os deveres de conduta emanados da probidade e da boa-fé objetiva devem permear todas as fases do contrato, consoante dispõe o art. 422 do Código Civil:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
O Enunciado nº 170 do Conselho da Justiça Federal, também, oriente que “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.
De acordo com a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, o princípio da boa-fé objetiva é a mais imediata tradução do princípio da confiança e impõe aos contratantes a atuação de acordo com determinados padrões de lisura, retidão e honestidade, de modo a não frustrar a legítima expectativa e confiança despertada em outrem. Confira-se:
Em sentido diverso, o princípio da boa-fé objetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da “confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio.
O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.
A boa-fé objetiva pressupõe: (a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; (b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bônus pater famílias; (c) reunião de condições suficiente para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado. (in Teoria Geral e Contrados em Espécie, 6ª ed., Editora Jus Podivm, pág. 174/175).
Enfim, a boa-fé é um arquétipo ou modelo de comportamento social que nos aproxima de um conceito ético de proceder de forma correta.
Toda pessoa deverá ajustar o seu agir negocial a este padrão objetivo.
A conduta esperada é a conduta devida, de acordo com parâmetros sociais.
A boa-fé consiste em uma ideia que insere uma suavização e uma correção em uma inteligência demasiadamente estrita do pacta sunt servanda, introduzindo modulações que possam ser exigidas nas circunstâncias do caso concreto.
Trata-se de uma fórmula indutora de uma certa dose de moralização na criação e no desenvolvimento das relações obrigacionais, propiciando a consideração de uma série de princípios que a consciência social demanda, mesmo que não estejam formulados pelo legislador ou pelo contrato (ob. cit., pág. 179). (grifou-se).”
Acórdão 1290939 , 07113605220198070001, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no DJE: 03/11/2020
Portanto, plausível a interpretação adotada pela SPU/ES, mas também é bem razoável o entendimento de que a cláusula contratual abrange a área do "antigo" cais de Capuaba, e não somente a área da concessão de 2022. E, em consequência, seria inviável cobrar a área não sobreposta. Ao nosso Juízo, este é o melhor entendimento.
7.4. se a resposta ao questionamento no item 7.3. for positiva, a CODESA deve ser colocada como sujeita passiva da obrigação de pagar os foros devidos, ou a cobrança deve ser imposta a outra personalidade jurídica?
Prejudicada.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, esta Consultoria Jurídica entende que não é possível a cobrança da Concessionária de qualquer foro lançado após o Edital do Leilão da CODESA, que culminou na assinatura do Contrato de Concessão nº 01/2022, por esta responsabilidade ter sido alocada ao Poder Concedente, a União.
Ao apoio administrativo, para: a) Retorno dos autos à Consultoria Jurídica da União especializada virtual de patrimônio; b) ciência desta manifestação para a Secretaria Executiva; e c) abertura de tarefa à servidora Flávia, para inclusão no ementário.
Brasília, 20 de junho de 2023.
CAMILLA ARAUJO SOARES
ADVOGADA DA UNIÃO
Consultora Jurídica
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 50904101122202140 e da chave de acesso 920724fd