ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


PARECER n. 522/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

PROCESSO: 19739.162103/2022-80

ORIGEM: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO ACRE - SPU/AC"

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. GESTÃO DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. PROCESSO DE TRANSFERÊNCIA ONEROSA DE DIREITOS DE OCUPAÇÃO DE IMÓVEL.

 

I - Imóvel dominical da União Federal em regime de ocupação. Escritura Pública de Cessão de direitos de Posse. Documento que deverá ser interpretado como Cessão do direito de ocupação a ensejar a transferência de titularidade do direito à ocupação de que trata o art. 2º, inc. I, da Instrução Normativa/SPU Nº 01, de 09 de março de 2018.
II - Inexistência de irregularidade em uma mesma pessoa possuir mais de uma inscrição de ocupação em seu nome, dada a falta de previsão legal nesse sentido.
III - Para as hipóteses de transferência da inscrição de ocupação é necessário que fique evidenciado não existirem as proibições que impedem sua concessão originária.
 

 

I – RELATÓRIO

 

A Superintendência do Patrimônio da União do Acre encaminha o presente processo, para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, a fim de que nos manifestemos sobre  a consulta lastreada na Nota Técnica 13119 (33915382), especificamente identificar qual a espécie de transação realizada na Escritura Pública (30165983) acostada aos autos e que deu ensejo ao pedido de transferência de titularidade: "se foi transferência de titularidade ou cessão de direitos de posse e com isso realizar o procedimento correto de regularização do imóvel nos sistemas da SPU".

 

Questiona, também, "se há irregularidade em uma mesma pessoa possuir mais de uma inscrição de ocupação em seu nome, visto que é isso o que ocorrerá caso a transferência ou cessão de direitos seja efetivada".

 

Os autos vieram a esta Consultoria Jurídica especializada por meio de acesso externo ao sistema SEI link https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2835049&infra_hash=9da0155f16eef68b7df89008fb1a0fde o qual contem  os seguintes documentos:

 

       
  30165979 Anexo versao_1_Documento de designação do represent 07/12/2022  
  30165980 Anexo versao_1_Ato Constutuivo, estatuto social ou 07/12/2022  
  30165981 Anexo versao_1_Documento de Identificação com foto 07/12/2022  
  30165982 Anexo versao_1_Documentos comprobatórios que subsid 07/12/2022  
  30165983 Anexo versao_1_Documentos comprobatórios que subsid 07/12/2022  
  30165984 Anexo versao_1_Documentos comprobatórios que subsid 07/12/2022  
  30165986 Requerimento versao_1_AC00080_2022.pdf 07/12/2022  
  33915382 Nota Técnica 13119 10/05/2023  
  34516224 Anexo SEI_05540.001764_2010_17 31/05/2023  
  34663684 Anexo SIAPA - Consulta da Ficha de Cálculo de Laudêmio - 06/06/2023  
  34835686 Espelho SIAPA - RIP 0139 0100095-92 14/06/2023  
  34836039 Dados DARF SIAPA RIP 0139 0100095-92 14/06/2023  
  34857128 Despacho 14/06/2023  
  34917719 Despacho 16/06/2023  
  34988804 Ofício 61299 20/06/2023  
  34995006 E-mail 20/06/2023  
  34997316 Despacho 20/06/2023  

 

 

É o relatório.

 

II - FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

5. Esta manifestação jurídica tem a finalidade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa. A função do órgão de consultoria é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar o Gestor Público, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

6. Importante salientar que o exame dos autos restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica e/ou financeira. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade assessorada municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

 

7. De outro lado, cabe esclarecer que não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes, observar se os seus atos estão dentro do seu limite de competências.

 

8. Destaque-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada, a quem compete, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva do(s) agente(s) público(s) envolvido(s).

 

9. Assim, caberá tão somente a esta Consultoria, à luz do art. 131 da Constituição Federal de 1988 e do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, prestar assessoramento sob o enfoque estritamente jurídico, não sendo competência deste órgão consultivo o exame da matéria em razão das motivações técnicas, nem da oportunidade e conveniência, tampouco fazer juízo crítico sobre cálculos e avaliações, ou mesmo invadir o campo relacionado à necessidade material no âmbito do órgão assessorado.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

10. Para uma melhor contextualização, incumbe trazer à baila o texto em que posta a consulta constante na Nota Técnica 13119 (33915382):

 

SUMÁRIO EXECUTIVO

Trata-se de atendimento ao Requerimento versao_1_AC00080_2022.pdf (30165986), com data de 07/12/2022, o qual versa sobre Transferência de Titularidade.

ANÁLISE

O requerimento supracitado solicita a transferência de titularidade de imóvel registrado sob a RIP SIAPA 0139 0100095-92, Processo nº 05540.001764/2010-17 (34516224), localizado na Via Chico Mendes, nº 2419, bairro Triângulo Velho, Rio Branco - Acre, o qual possui área de 1.336,68 m².

Atualmente a responsabilidade pelo imóvel no Sistema Integrado de Administração Patrimonial - SIAPA está em nome de L M EMPREENDIMENTOS AGROPECUARIOS E IMOBILIARIOS LTDA, CNPJ: **.316.194/0001-**, cuja sede localiza-se na Avenida Central, nº 10, bairro Bosque, Rio Branco/AC. A solicitação tem por finalidade transferir a responsabilidade para o nome de CIMEC - COMÉRCIO, SERVIÇOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, CNPJ: **.843.899/0001-**, com sede na Via Chico Mendes, nº 2307, bairro Triângulo, Vila do DNER, Rio Branco/AC, CEP: 69.906-134.

 

Fundamentação Normativa

A transferência de titularidade imóveis da União, nos termos da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, é realizada com base na documentação exigida pelo art. 7º da IN SPU nº 1, de 2018.

Conforme o art. 2º, inciso I, da IN SPU nº 1, de 2018, considera-se como transferência de titularidade a alteração do responsável pelo imóvel da União no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, com a inclusão dos dados do adquirente, que passa a ser o novo responsável pela utilização e pelas obrigações do imóvel.

A Cessão de direitos, conforme art. 2º, inciso II, da IN SPU nº 1, de 2018, é a transmissão dos direitos decorrentes de contrato de promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel dominial da União, ainda não levado a registro no cartório competente

A transferência de titularidade do imóvel no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União deve ser efetuada quando da realização de transações imobiliárias envolvendo transmissão de terrenos da União, estando condicionada à emissão prévia de Certidão de Autorização para Transferência - CAT, conforme disposto no Capítulo IV (art. 3º, IN SPU nº 1, de 2018).

O adquirente deve requerer a transferência de titularidade do imóvel no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data em que foi lavrado o título aquisitivo, no caso de ocupação (art. 4º, I, IN SPU nº 1, de 2018). Na inobservância dos prazos estabelecidos em tal artigo, o adquirente fica sujeito à multa de transferência, quando a data de conhecimento da transação pela SPU for superior ao prazo tratado neste artigo, de 0,50% (cinquenta centésimos por cento) ao mês ou fração, sobre o valor do terreno, nas transações ocorridas a partir de 23 de dezembro de 2016, (art. 4º, parágrafo único, I, "c", IN SPU nº 1, de 2018).

A transferência de titularidade de imóveis oriunda de transações onerosas entres vivos depende do recolhimento de laudêmio pelo transmitente (art. 5º, IN SPU nº 1, de 2018).

A comunicação de transferência, pelo transmitente, ou a solicitação de transferência, pelo adquirente, deve ser efetuada por intermédio do requerimento específico no Portal da Secretaria do Patrimônio da União (patrimoniodetodos.gov.br) (art. 6º, IN SPU nº 1, de 2018).

(...)

Por meio da Escritura Pública (30165983) apresentada, percebe-se que se trata de transação onerosa, com cessão de direitos de posse realizada a título da quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). A escritura pública é instrumento válido para efetivação da transferência, conforme o art. 8º, I, IN SPU nº 1, de 2018. Entretanto, tal escritura configura-se também como um dos instrumentos de cessão de direitos previstos no art. 9º, IN SPU nº 1, de 2018.

Ao conferir o teor da Escritura Pública (30165983), constatou-se que ela está intitulada como "Escritura Pública de Cessão de Direitos de Posse", e mais a frente no item IV consta que a outorgante cedente cede e transfere à outorgada cessionária todos os direitos de posse, dando a entender, salvo melhor juízo, que se está na verdade transferindo a titularidade, uma vez que não há na escritura qualquer condicionante temporal ou circunstancial para o retorno de tais direitos de posse à outorgada cedente, o que seria o esperado no caso de uma cessão. Assim sendo, surgiu dúvida sobre se a Escritura Pública apresentada configura um instrumento de transferência ou um instrumento de cessão de direitos. Tal diferenciação é importante para a regularização/atualização dos dados do responsável no SIAPA, visto que existem funcionalidades/procedimentos distintos para cada um dos instrumentos citados: Capítulo VII, IN SPU nº 1, de 2018 caso seja transferência de titularidade; e Capítulo VIII, IN SPU nº 1, de 2018 caso seja cessão de direitos.

Além do citado nos itens 12 e 13, no Requerimento versao_1_AC00080_2022.pdf (30165986) a solicitação realizada diz respeito a transferência de titular, o que corrobora para a dúvida gerada sobre a Escritura Pública (30165983).

Verificou-se que o adquirente/cessionário já possui uma inscrição de ocupação de imóvel da União registrada na RIP SIAPA 0139 0100070-34, Processo nº 05540.000262/2009-27, localizada na Via Chico Mendes, nº 2393, Lote 08, bairro Triângulo Velho, Rio Branco - Acre. Na consulta feita às normas pertinentes e à outras Superintendências não foi encontrada vedação para que uma mesma pessoa possua mais de uma inscrição de ocupação. Assim sendo, salvo melhor juízo, esta situação não se configura como uma irregularidade.

Por se tratar de transação onerosa, para que seja realizada a transferência, há a exigência de pagamento de laudêmio, no percentual de 5% do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, paga previamente à venda de imóvel pertencente à União, conforme previsto no art. 2º, V, IN SPU nº 1, de 2018.

Assim sendo, antes da lavratura da Escritura retrocitada, foi feito o cálculo do laudêmio por meio da Ficha de Cálculo de Laudêmio - FCL (34663684), emitida em 17/05/2022. Na sequência, foi emitido DARF para pagamento do laudêmio, sendo o pagamento efetuado em 24/05/2022, conforme consta no comprovante de DARF enviado (30165982), no crédito arrecadado constante na pg. 11 do Espelho SIAPA - RIP 0139 0100095-92 (34835686) e no Dados DARF SIAPA RIP 0139 0100095-92 (34836039), cujo valor (R$ 15.593,70) está condizente com o valor calculado na FCL. Tais procedimentos encontram fulcro no Capítulo III, Seção III, arts. 13 ao 17, IN SPU nº 1, de 2018.

Após comprovação do pagamento do laudêmio, ficou o requerente autorizado a obter junto à SPU/AC, a Certidão de Autorização para Transferência - CAT, a qual foi anexada sob a numeração SEI 30165984, emitida em 21/09/2022 (Capítulo IV, Seção I, arts. 18 ao 25, IN SPU nº 1, de 2018).

Com a CAT emitida, o requerente procedeu com a lavratura da Escritura Pública de Cessão de Direitos de Posse (30165983), datada de 06/10/2022.

Por fim, o requerente, em posse de tais documentos, registrou junto à SPU/AC, em 07/12/2022, o Requerimento versao_1_AC00080_2022.pdf (30165986), procedimento este em conformidade com o Capítulo V, Seção I, arts. 28 ao 37, IN SPU nº 1, de 2018. Tal requerimento deu origem ao presente processo.

No que tange à representante legal indicada no Requerimento versao_1_AC00080_2022.pdf (30165986) como Ludmilla Vida Brito de Almeida, CPF: ***.863.812-**, verificou-se que há documento de identidade (30165981) e documento de representação legal desta em nome do adquirente/cessionário, constando no processo como Certidão Simplificada (30165980) emitida pela Junta Comercial do Estado do Acre, na qual consta tal pessoa como Sócia/Administradora. Tal documentação é complementar e atende ao disposto no Capítulo V, Seção I, arts. 28 ao 37, IN SPU nº 1, de 2018.

Cabe destacar que conforme o art. 4º, I, da IN SPU nº 1, de 2018, o adquirente deve requerer a transferência de titularidade do imóvel no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data em que foi lavrado o título aquisitivo, no caso de ocupação. Pode-se extrair da documentação enviada, que entre a data da lavratura do título aquisitivo (Escritura Pública) e a data do requerimento junto à SPU/AC, passaram-se mais de 60 dias. Senão vejamos:

IN SPU nº 1, de 2018 é silente quanto à forma de contagem dos prazos. Assim, salvo melhor juízo, deve-se contar os prazos conforme disposto na lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei nº 9.784/1999). No art. 66 da mencionada lei é disposto que os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento. Sendo assim, considerando-se o prazo inicial o da lavratura da escritura, 06/10/2022, este seria excluído da contagem, e após tal dia seriam contados os 60 dias previstos para a apresentação do requerimento. Portanto, o prazo final para a apresentação do requerimento junto à SPU/AC, de forma que não houvesse multa de transferência, seria no dia 05/12/2022.

CONCLUSÃO

Ao verificar a documentação apresentada, conclui-se, salvo melhor juízo, pela regularidade de tais documentos e da cadeia sequencial de procedimentos exigidos pela legislação pertinente:

Desta forma, conclui-se que o requerimento analisado preenche, salvo melhor juízo, os requisitos para a efetivação de transferência de titularidade ou cessão de direitos de imóvel da União.

Há dúvida sobre qual espécie de transação foi realizada, se transferência de titularidade ou se cessão de direitos de posse, considerando o que foi exposto nos itens 12, 13 e 14.

Considerando o que foi ventilado no item 15, sobre o adquirente/cessionário já possuir inscrição de ocupação de imóvel da União, para fins de manter a segurança jurídica, preza-se por sanar eventual dúvida por meio de área jurídica.

Constatou-se que houve inobservância do prazo para registro do requerimento para transferência, o que resultará na geração de multa de transferência proporcional ao prazo que foi extrapolado. Tal multa será calculada automaticamente quando for realizada a transferência do imóvel no SIAPA (art. 60, IN SPU nº 1, de 2018).

RECOMENDAÇÃO

Recomenda-se que seja feita consulta jurídica à CJU para fins de sanar a dúvida existente sobre a espécie de transação realizada na Escritura Pública (30165983), se foi transferência de titularidade ou cessão de direitos de posse e com isso realizar o procedimento correto de regularização do imóvel nos sistemas da SPU. Também faz-se necessário, por segurança jurídica, questionar o que foi ventilado no item 15, ou seja, se há regularidade em uma mesma pessoa possuir mais de uma inscrição de ocupação em seu nome, visto que é isso o que ocorrerá caso a transferência ou cessão de direitos seja efetivada.

Uma vez que a finalidade do requerimento culminará em alteração na destinação do imóvel (mudança de titular ou inclusão de cessão de direitos), recomenda-se, antes de efetuar a operação no SIAPA, que o processo seja encaminhado ao SEDEP para análise de regularidade da destinação do imóvel.

Recomenda-se que o presente processo seja incluído nos processos relacionados ao Processo Administrativo do RIP do imóvel - Processo n° 05540.001764/2010-17 (Anexo 34516224). Visto que tal processo encontra-se no antigo SEI/MP, sugere-se que seja verificada a possibilidade de sua migração para o SEI atual.

Após a conclusão das recomendações citadas, retornar o processo para esta unidade para realizar os procedimentos cabíveis.

 

À consideração superior.

 

 

Documento assinado eletronicamente

JOÃO PAULO FEITOSA COUTO

Chefe de Seção de Receitas Patrimoniais

 

 

11. Compulsando os autos, verifica-se tratar-se de imóvel dominical registrado em nome da União, em qual foi concedido a inscrição de ocupação. E em se tratando, portanto, de imóvel dominical de titularidade da União Federal, está ele submetido ao regime jurídico dos bens públicos, cujos atributos, segundo sedimentado na doutrina (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 24ª ed., 1999, p. 480; Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª ed. rev. e atual., 1998, p. 264; José Cretella Júnior, Curso de Direito Administrativo, Forense, Rio de Janeiro - São Paulo, 4ª ed. rev. e atual., 1975, p. 647; Jaime Vidal Perdomo, Derecho Administrativo, Banco Popular, Cali, 5ª ed. atual., 1977, p. 464; Lucia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 5ª ed. rev., atual. e ampl., 2001, p. 529; e Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 14ª ed. ref., ampl. e atual., 2002, p. 770) são: a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a não-onerabilidade e a impenhorabilidade.

 

12. De acordo com  o artigo 98 do Código Civil Brasileiro:

 

Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
(grifos nosso)

 

13. Assim sendo, quando da transação onerosa, não tendo o domínio do imóvel, o seu ocupante só poderá fazer a cessão dos direitos de ocupação. No caso em epígrafe, contudo, não se sabe se por desconhecimento do Oficial do Cartório, optou-se por fazer a cessão dos direitos de posse,  instrumento que se costuma fazer nos casos em que o imóvel não possui registro.

 

14. Observe-se que, de acordo com o artigo 1.196 do Código Civil, 'considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade’.  Para o caso em comento, portanto, poder-se-ia dizer que o titular do direito de ocupação possui a posse direta, já que tem o uso do imóvel por autorização escrita da proprietária (possuidor indireto), a União Federal, como sói acontecer nos casos de locação.

 

15. Com efeito, como se sabe a inscrição de ocupação é um ato administrativo precário e resolúvel a qualquer tempo, por meio do qual a União reconhece o direito de utilização de áreas de seu domínio, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos legais, não gerando para o ocupante quaisquer direitos inerentes à propriedade. Ela apenas deve de ser realizada quando devidamente comprovado, na forma da legislação, o efetivo aproveitamento do imóvel.

 

16. Já a  posse não está elencada no Título II do Código Civil que trata dos Direitos Reais. Sua disciplina foi exaurida no Título I, assim dispondo, no que releva para o presente processo:

 

“TÍTULO I
Da posse
CAPÍTULO I
Da Posse e sua Classificação
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
.....

 

17.  Desse modo, releva registrar que, a rigor, o termo posse não poderia se dar no caso apresentado porque o imóvel está registrado em nome da União, e  o instituto da posse se mostra impossível em face de imóveis públicos. Assim sendo, o instrumento apresentado deverá ser recebido como  "transferência do direito de ocupação". Essa conclusão é corroborada com o entendimento exposto na Nota Técnica, quando afirma:

 
Ao conferir o teor da Escritura Pública (30165983), constatou-se que ela está intitulada como "Escritura Pública de Cessão de Direitos de Posse", e mais a frente no item IV consta que a outorgante cedente cede e transfere à outorgada cessionária todos os direitos de posse, dando a entender, salvo melhor juízo, que se está na verdade transferindo a titularidade, uma vez que não há na escritura qualquer condicionante temporal ou circunstancial para o retorno de tais direitos de posse à outorgada cedente, o que seria o esperado no caso de uma cessão.

 

18. Portanto, passa-se a responder objetivamente à consulta formulada, se a escritura apresentada configura  transferência de titularidade ou cessão de direitos de posse?

 

19. Para tanto, vejamos os dispositivos da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01, DE 09 DE MARÇO DE 2018:

 

Art. 2º Para efeito desta IN, considera-se:
I – Transferência de titularidade a alteração do responsável pelo imóvel da União no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, com a inclusão dos dados do adquirente, que passa a ser o novo responsável pela utilização e pelas obrigações do imóvel;
II – Cessão de direitos a transmissão dos direitos decorrentes de contrato de promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel dominial da União, ainda não levado a registro no cartório competente;
 
Art. 8º.
(...)
§3º Para a transferência de titularidade de imóveis inscritos sob regime de ocupação são aceitos, independentemente do registro nos cartórios de registro de imóveis, os títulos públicos, desde que com recolhimento prévio do laudêmio em transferência onerosa.
 
(...)
§7º As promessas de transferência devem ser consideradas apenas para comprovação das circunstâncias que se referem ao recolhimento do laudêmio necessário à emissão da CAT, nos termos do art. 13, e para verificação de eventuais cessões intermediárias, conforme Capítulo VIII - Do Registro da Cessão de Direito.

 

20. Conforme registrado acima,  a teor da leitura  pormenorizada do instrumento público apresentado, possível é verificar que houve a intenção de transferir definitivamente o direito de ocupação e não uma promessa de transferência, de forma que parece ser enquadrada na transferência de titularidade do direito à ocupação de que trata o art. 2º, inc. I, da IN supra.

 

21. Quanto à segunda indagação: se se há irregularidade em uma mesma pessoa possuir mais de uma inscrição de ocupação em seu nome, observa-se que a legislação não faz previsão expressa a respeito. Entretanto, deve ser observado que para a transferência da inscrição de ocupação ocorrer, necessário é que fique evidenciado não existirem as proibições que impedem sua concessão originária, a saber:

LEI 9.636/98
Art. 7o  A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.       (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 1o  É vedada a inscrição de ocupação sem a comprovação do efetivo aproveitamento de que trata o caput deste artigo.        (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 2o  A comprovação do efetivo aproveitamento será dispensada nos casos de assentamentos informais definidos pelo Município como área ou zona especial de interesse social, nos termos do seu plano diretor ou outro instrumento legal que garanta a função social da área, exceto na faixa de fronteira ou quando se tratar de imóveis que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.        (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 3o  A inscrição de ocupação de imóvel dominial da União, a pedido ou de ofício, será formalizada por meio de ato da autoridade local da Secretaria do Patrimônio da União em processo administrativo específico.         (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
§ 4o  Será inscrito o ocupante do imóvel, tornando-se este o responsável no cadastro dos bens dominiais da União, para efeito de administração e cobrança de receitas patrimoniais.
§ 5o As ocupações anteriores à inscrição, sempre que identificadas, serão anotadas no cadastro a que se refere o § 4o.                 (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
§ 6o  Os créditos originados em receitas patrimoniais decorrentes da ocupação de imóvel da União serão lançados após concluído o processo administrativo correspondente, observadas a decadência e a inexigibilidade previstas no art. 47 desta Lei.
§ 7º  Para fins de regularização nos registros cadastrais da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão das ocupações ocorridas até 10 de junho de 2014, as transferências de posse na cadeia sucessória do imóvel serão anotadas no cadastro dos bens dominiais da União para o fim de cobrança de receitas patrimoniais dos responsáveis, independentemente do prévio recolhimento do laudêmio.
 
(...)
Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:
I - ocorreram após 10 de junho de 2014;                   (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei.

 

22. Referente ao conteúdo  normativo  do termo "efetivo aproveitamento", coube ao Decreto nº 3.725, de 10 de janeiro de 2001 preenchê-lo, ao dispor que: 

 
Art. 2o  Considera-se para a finalidade de que trata o art. 6º da Lei nº 9.636, de 1998:
I - efetivo aproveitamento:
a) a utilização de área pública como residência ou local de atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços, ou rurais de qualquer natureza, e o exercício de posse nas áreas contíguas ao terreno ocupado pelas construções correspondentes, até o limite de duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente; e
b) as ocorrências e especificações definidas pela Secretaria do Patrimônio da União;
II - áreas de acesso necessárias ao terreno: a parcela de imóvel da União utilizada como servidão de passagem, quando possível, definida pela Secretaria do Patrimônio da União;
III - áreas remanescentes que não constituem unidades autônomas: as que se encontrem, em razão do cadastramento de uma ou mais ocupações, da realização de obras públicas, da existência de acidentes geográficos ou de outras circunstâncias semelhantes, encravadas ou que possuam medidas inferiores às estabelecidas pelas posturas municipais ou à fração mínima rural fixada para a região; e
IV - faixas de terrenos de marinha e de terrenos marginais que não possam constituir unidades autônomas por circunstâncias semelhantes às mencionadas no inciso anterior.
 
Parágrafo único.  Na hipótese de comprovação de efetivo aproveitamento por grupo de pessoas sob a forma de parcelamento irregular do solo, o cadastramento deverá ser realizado em nome coletivo.
 

23. Por fim, a Instrução Normativa nº 4, de 14 de agosto de 2018, que ao estabelecer os procedimentos administrativos para a inscrição de ocupação em terrenos e imóveis da União, e definir os procedimentos para a outorga, transferência, revogação e cancelamento, estabelece a definição de efetivo aproveitamento nos seguintes termos:

 

CAPÍTULO III
DOS REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO
Seção I
Dos Requisitos
Art. 6º - A inscrição de ocupação somente ocorrerá quando forem preenchidos os seguintes requisitos legais e normativos:
I - comprovação do efetivo aproveitamento;
II - interessado comprovar que a ocupação do imóvel ocorreu até a data prevista no inc. I do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998; e
III - que o imóvel não esteja inserido nas vedações do art. 9º da Lei nº 9.636, de 1998, e do art. 12 desta IN.
Seção II
Da Caracterização do Efetivo Aproveitamento
Art. 7º Considera-se efetivo aproveitamento, para efeitos de inscrição de ocupação no caso de imóveis urbanos:
I - a utilização de área pública como residência ou local de atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços, e o exercício de posse nas áreas contíguas ao terreno ocupado pelas construções correspondentes, até o limite de duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente, observada a legislação vigente sobre o parcelamento do solo, e nos termos do art. 2º, inc. i, "a" do decreto nº 3.725, de 2001;
II - as faixas de terrenos de marinha e de terrenos marginais que não possam constituir unidades autônomas utilizadas pelos proprietários de imóveis lindeiros, excluídas aquelas áreas ocupadas por comunidades tradicionais;
III - a detenção de imóvel da União fundada em título de propriedade registrado no Cartório de Registro de Imóveis sob a suposição de se tratar de bem particular; ou
IV - a detenção de imóvel que, embora não edificado, esteja na posse de particular com base em título registrado em Cartório outorgado pelo Estado ou Município na suposição de que se tratassem de terrenos alodiais.
Parágrafo único - Na hipótese do inciso I do caput, poderão ser inscritas as áreas de acesso necessárias e indispensáveis ao terreno que se encontre totalmente encravado, bem como as áreas remanescentes que não puderem constituir unidades autônomas, incorporando-se à inscrição principal. (grifos nosso).

 

24. Deverá o órgão, portanto, enveredar na fiscalização para saber se ao imóvel tem sido dado o contínuo efetivo aproveitamento, devendo ainda, observar o disposto no Art. 38 da mencionada Instrução Normativa:

 
Art. 38. O processo deve ser encaminhado ao Departamento de Destinação Patrimonial, quando envolver:
I – Transferência para pessoa física ou jurídica estrangeira de imóveis situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em torno das fortificações e estabelecimentos militares;
II – Transferência de imóveis inscritos sob o regime de ocupação com área igual ou superior a 500.000m², observado que no cálculo serão considerados:
a) Áreas de terrenos que tenham sido objeto de desmembramento, ainda que as áreas remanescentes individualizadas possuam metragem inferior ao estabelecido neste parágrafo; e
b) Terrenos que tenham sido objeto de unificação que resulte em área igual ou superior ao definido neste dispositivo.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto neste artigo para transferências a pessoas físicas estrangeiras de imóvel situado na faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima com área de até 1.000m² (mil metros quadrados), ainda que o requerimento tenha sido protocolado até 22 de dezembro de 2016.

 

IV - CONCLUSÃO

 

25. Por tudo exposto, conclui-se que:

 

a) diante do teor da escritura pública de cessão de direitos utilizada como fundamento para o pedido formulado, entende-se que há a intenção de transferir definitivamente o direito de ocupação, enquadrando-se  na transferência de titularidade do direito à ocupação de que trata o art. 2º, inc. I, da Instrução Normativa/SPU Nº 01, de 09 de março de 2018;

 

b) dada a inexistência de previsão legal nesse sentido, não há irregularidade em uma mesma pessoa possuir mais de uma inscrição de ocupação em seu nome, sendo necessário, entretanto, que para a transferência da inscrição de ocupação ocorrer, necessário é que fique evidenciado não existirem as proibições que impedem sua concessão originária.

 

É o parecer.

Devolvam-se os autos com as considerações de estilo.

 

Brasília, 28 de junho de 2023.

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADA DA UNIÃO

 


Chave de acesso ao Processo: fab441c3 - https://supersapiens.agu.gov.br

 

 

 




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