ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00524/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.131893/2023-32
INTERESSADOS: Superintendência do Patrimônio da União em Goiás
ASSUNTOS: Consulta. Legalidade de instalação de hidrômetros e ligação de rede de distribuição de água em imóvel objeto de invasão.
EMENTA: Consulta. Legalidade de instalação de hidrômetros e ligação de rede de distribuição de água em imóvel objeto de invasão. Dependência da possibilidade de regularização fundiária. Precedentes.
Trata-se de processo encaminhado pela SPU/GO contendo consulta formulada no Ofício SEI Nº 64185/2023/MGI:
1. Em atenção ao Ofício n° 193/2023, de 20/06/2023 (anexo), do Município de Corumbá de Goiás, que solicita autorização para instalação de hidrômetros e a ligação de rede de distribuição de água para os residentes listados do Bairro Residencial Villa Real e considerando a recomendação 202200446209 (anexa), da Promotoria de Justiça da Comarca de Corumbá de Goiás, solicito parecer jurídico sobre a legalidade para conceder tal autorização.
2. Tal questionamento é oportuno uma vez que se trata de imóvel da União ocupado irregularmente (invadido) - (Imóvel da União RIP imóvel Nº 9317.00007.500-3, em Corumbá de Goiás-GO, à margem direita da Rodovia GO-225, sentido Cocalzinho de Goiás-GO, Matrícula Nº 7.196).
3. Por fim, coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais.
O processo contém somente 10 (dez) páginas (ofício do Município, Recomendação do MP e ofício da SPU), sem qualquer outra informação específica sobre o imóvel em questão.
Processo distribuído segundo as regras ordinárias desta e-CJU.
Tudo lido e analisado, é o relatório.
Inicialmente, convém consignar que o presente parecer não é vinculante. O Administrador pode segui-lo, provocar a revisão ou simplesmente adotar entendimento diverso, conforme art. 50 da Lei 9.784/99.
Além disso, pesquisando pelo RIP 9317.00007.500-3 (google, sapiens, kururu, sharepoint), foi possível identificar alguns processos correlatos:
Motivo Apoiar o Oficial de Justiça no cumprimento da decisão judicial de intimação dos réus e todos os demais ocupantes clandestinamente do referido imóvel da União situado no Município de Corumbá, margem direita da GO-225, sentido Cocalzinho de Goiás-GO, RIP nº 9317.00007.500-3, que forem encontrados no local, para desocuparem a área voluntariamente, em 5 (cinco) dias. Neste prazo de 5 (cinco) dias deverão retirar os móveis, materiais de utilização em construção, a exemplo de telhas, portas, alvenarias, cercas, plantações, animais e instrumentos de trabalho (borracharia e bar) e demais objetos existentes no local. Processo SEI 04994.000039/2018-70.
Justificativa de urgência da viagem A intempestividade desta solicitação justifica-se pela necessidade de dar cumprimento à Decisão nº 1003117-83.2020.4.01.3502 de reintegração de posse em favor da União, expedida em 10/07/2020 pela 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Anápolis-GO, Justiça Federal da 1ª Região, a qual determina que os réus e todos os demais ocupantes clandestinamente do imóvel RIP nº 9317.00007.500-3, situado à margem direita da Rodovia GO-225, sentido Corumbá de Goiás-GO/Cocalzinho de Goiás-GO, que forem encontrados no local deverão ser intimados, em 15/07/2020, para desocuparem a área voluntariamente, em 5 (cinco) dias. Processo SEI 04994.000039/2018-70. Data do deferimento da liminar: 10/07/2020 Data em que deve ocorrer a intimação, conforme determinado na liminar: 15/07/2020 Data da viagem: 15/07/2020.
Portanto, tudo indica que a análise da situação específica do imóvel RIP nº 9317.00007.500-3 demandaria o estudo detalhado de todos os processos, inclusive judiciais, com ele relacionados, o que não é viável com a documentação encaminhada neste processo.
Por isso, a consulta será tratada em termos abstratos, ou seja, buscar-se-á saber se é possível ou não autorizar a instalação de hidrômetros e água em imóvel da União ocupado irregularmente.
Esta e-CJU/Patrimônio abordou tema similar ao enfrentado aqui nos processo 04911.000564/2017-87 e 19739.107755/2022-51.
Neste último foi proferida a NOTA n. 00090/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, da qual extrai-se:
NUP: 19739.107755/2022-51
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO - SPU/PE
(...)
Quanto à questão de instalação de energia elétrica em ocupações tidas por irregulares em área da União, verifica-se que dependem de fatores qualificadores de afetação à área questionada.
Com efeito, para os casos em que a área é passível de regularização fundiária, isto é, que não tenha restrições de caráter ambientais ou de outros fatores, a exemplo de faixas de domínio, essa Consultoria Jurídica já teve a oportunidade de manifestar-se, por ocasião do PARECER n. 00579/2021/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP: 04911.000564/2017-87), quando concluiu que:
"A implantação de infra-estrutura básica e a prestação de serviços essenciais em áreas de uso habitacional são imperativos da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Como é notório, esta se constitui em “princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade (...) simboliza, desse modo, verdadeiro super princípio constitucional” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 83). Sob este prisma deve-se analisar a questão em tela.
Primeiramente, vale observar que o atendimento às necessidades elementares da coletividade nas cidades - muitas das quais se concretizam por meio de melhorias estruturais, como resultado do processo de urbanização - independe da relação de titularidade da terra onde residam os sujeitos beneficiados, não podendo esta tornar-se impeditivo para a realização dos direitos fundamentais.
Cabe à União regularizar as demarcações de bens públicos. A sociedade não pode ser prejudicada pela omissão estatal.
Por sua vez, regulamentação da matéria foi dada pela Resolução Normativa n. 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica sobre Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica, estabelecendo direitos e deveres dos consumidores. Explícito no sentido de assegurar a universalização do atendimento, ainda que provisoriamente, para unidades consumidoras localizadas em áreas não regularizadas, o referido diploma destina atenção especial à população de baixa renda:
Art. 52 - A distribuidora pode atender, em caráter provisório, unidades consumidoras de caráter não permanente localizadas em sua área de concessão, sendo o atendimento condicionado à solicitação expressa do interessado à disponibilidade de energia e potência. (...)
§ 2° Para o atendimento de unidades consumidoras localizadas em assentamentos irregulares ocupados predominantemente por população de baixa renda, devem ser observadas as condições a seguir:
I – deve ser realizado como forma de reduzir o risco de danos e acidentes a pessoas, bens ou instalações do sistema elétrico e de combater o uso irregular da energia elétrica;
II – a distribuidora executará as obras às suas expensas, ressalvado o disposto no § 8° do art. 47, devendo, preferencialmente, disponibilizar aos consumidores opções de padrões de entrada de energia de baixo custo e de fácil instalação;
III – em locais que não ofereçam segurança à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, a exemplo daqueles com dificuldades para a realização de medição regular, leitura ou entrega de fatura, o atendimento à comunidade pode utilizar o sistema de prépagamento da energia elétrica ou outra solução julgada necessária, mediante apresentação das devidas justificativas para avaliação e autorização prévia da ANEEL; e IV – existência de solicitação ou anuência expressa do poder público competente.
Na mesma toada, o entendimento jurisprudencial predominante reforça a tese da vinculação entre o serviço essencial e o respeito à dignidade da pessoa humana, não consistindo a irregularidade fundiária argumento plausível para justificar a recusa do fornecimento. Aliás, a falta de acesso à energia elétrica, longe de significar algum tipo de solução para a precariedade dos assentamentos, agrava seriamente o risco a que estão expostos seus habitantes:
O fornecimento de energia elétrica é, de qualquer modo, serviço universal, devendo estar disponível a todos os cidadãos, mediante do pagamento de contra-prestação devida e desde que as condições mínimas de segurança se façam presentes.
O direito humano à moradia digna engloba, entre seus elementos constitutivos, a disponibilidade de serviços e infraestrutura, bem como as condições mínimas de habitabilidade, sendo concretizado também mediante a devida prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, ainda que em caráter provisório.
O mesmo entendimento, contudo, parece não poder ser aplicável em áreas non aedificandi, que por seu nome já é autoexplicativo. Como esclarecido pela CBTU, a área onde está a ocupação irregular encontra-se inserida na faixa não edificante ao longo da faixa de domínio ferroviária.
Como é ressabido, os bens imóveis que compõem a faixa de domínio ferroviária, a estrada de ferro, técnica e fisicamente, corresponde à sua faixa de domínio; esta é a base física sobre a qual assenta uma ferrovia, constituída pelos trilhos, dormentes, obras de arte, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa de recuo. Portanto, a faixa de domínio ferroviária é um bem público de uso comum do povo (art. 99, inciso I, do rodoviário, na forma do disposto no art. 99, inciso I, do Código Civil Brasileiro) e nessa condição, a faixa de domínio ferroviária está afetada diretamente ao serviço público ferroviário, esteja ele concedido ou não, pelo que é inadmissível qualquer pretensão possessória, ou de ocupação (§ 3º do art. 182 da Constituição Federal).
As faixas de domínio têm como fundamento a segurança e a facilitação da operacionalização do serviço de transporte e, assim, nenhuma obra que possa colocar em risco o tráfego de veículos e pessoas pode ser iniciada ou mantida sem permissão prévia do órgão prestador do serviço responsável.
Nesse contexto, pedimos vênia para discordar da CBTU quando afirma que a competência para a fiscalização é do Município. A ocupação clandestina da faixa de domínio ferroviária federal, empenha a responsabilidade da CBTU já que a ela é atribuída o controle e fiscalização da faixa de domínio ferroviária, parecendo, inclusive, deter a obrigação de implantar dispositivos de proteção e segurança em todo o seu perímetro e impedir qualquer ocupação clandestina, porque compromete a intangibilidade da faixa de domínio ferroviária. Nesse caso, só à CBTU é atribuído o dever de dotar as medidas administrativas e/ou judiciais visando a plena desocupação e liberação da faixa de domínio ferroviária.
A propósito, cumpre-se colacionar, quanto aos casos de construções em faixa de domínio, a jurisprudência no sentido de determinar inclusive a demolição/remoção das benfeitorias ilegalmente construídas, senão vejamos:
“APELANTE : DNIT - DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES
REPTE : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO
APELANTE : JOSÉ CLAUDIO DE ARAÚJO JÚNIOR
ADV/PROC : JOSÉ ALEXANDRE GOIANA DE ANDRADE e outros
APELADO : OS MESMOS
REMTE : JUÍZO DA 18ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (SOBRAL) - COMPETENTE P/ EXEC. PENAIS
Origem: 18ª Vara Federal do Ceará (Competente p/ Execuções Penais) - CE
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CIVIL. DEMOLIÇÃO DE PRÉDIO SITUADO EM RODOVIA FEDERAL. CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. ANÁLISE PREJUDICADA. BOA-FÉ. NÃO CONFIGURAÇÃO.
I. Constatado que o imóvel se localiza em faixa de domínio de rodovia federal (BR-222/CE), em área non aedificandi, segundo a regra inscrita no art. 4º, III, da Lei nº 6.966/79, deve ser demolida, mormente porque o interesse particular não pode se sobrepor ao interesse público, emergindo esse da necessidade de garantia da segurança do próprio réu, de sua família e dos que trafegam pela estrada federal.
II. Afastada a boa-fé, uma vez que mesmo depois de embargada a obra, continuou o réu com a construção do prédio de forma irregular.
III. APELAÇÃO DO DNIT E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS PARA DETERMINAR A DEMOLIÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL DESCRITO NA INICIAL, ESPECIFICAMENTE A CONSTRUÍDA NA FAIXA NON AEDIFICANDI DA RODOVIA FEDERAL, ÀS EXPENSAS DO PARTICULAR, nos termos da legislação de regência. Apelação do réu julgada prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO, em que são partes as acima mencionadas. ACORDAM os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação do DNIT e à remessa oficial e julgo prejudicada a apelação do réu, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, de de 2012. Desembargador Federal IVAN LIRA DE CARVALHO – RELATOR”.
..........................................................................................................
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR ERGUIDAS À MARGEM DE RODOVIA FEDERAL E SUAS ADJACÊNCIAS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO DNIT PARA TAL MISTER. PERIGO PARA TRANSEUNTES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. As vias federais de comunicação são, nos termos do art. 20, inciso II, da Constituição Federal, bens da União, e nesta condição são bens públicos de uso comum do povo (art. 99, I, do Código Civil), devendo servir a todos os membros da coletividade, e não podendo ser usucapidos (art. 183, parágrafo 3º, da CF, art. 102 do CC e Súmula 340/STF).
2. ALÉM DA IMPOSSIBILIDADE DE EDIFICAÇÃO NA FAIXA DE DOMÍNIO, não se pode deixar de observar a limitação administrativa existente quanto aos terrenos marginais das rodovias, área não edificante, como disciplina o art. 4º, inciso III, da Lei n.º 6.766/79, com redação dada pela Lei n.º 10.932/2004. A faixa de domínio e a área não-edificável possuem natureza de limitações administrativas, implicando um dever de não-fazer ao administrado.
3. A largura da faixa de domínio é variável ao longo das rodovias, de acordo com o projeto geométrico elaborado para a sua construção, competindo ao próprio DNER (atual DNIT) a definição de sua largura. Neste diapasão, A ÁREA QUE COMPREENDE A FAIXA DE DOMÍNIO, MAIS A FAIXA NÃO EDIFICÁVEL (15 METROS) FORAM AFETADAS AO SERVIÇO PÚBLICO DE ESTRADAS, SENDO IRREGULAR CONSTRUÇÃO QUE NÃO OBSERVA TAL LIMITAÇÃO.
4. A PROIBIÇÃO DE CONSTRUÇÃO NA FAIXA DE ESTRADA CONSUBSTANCIA-SE NO PERIGO QUE REFERIDAS CONSTRUÇÕES REPRESENTAM PARA OS USUÁRIOS DAS RODOVIAS E TERCEIROS QUE TRANSITAM EM SUAS ADJACÊNCIAS.
5. Precedentes: PROCESSO: 00013076520114058103, APELREEX21372/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO), Quarta Turma, JULGAMENTO: 20/03/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 29/03/2012 - Página 723; PROCESSO: 200483000260866, AC425705/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 27/10/2009, PUBLICAÇÃO: DJE 12/11/2009 - Página 518). 6. Conforme prova dos autos, o apelante construiu stand de vendas em área não edificável, violando as normas que tratam da faixa de domínio e da segurança de tráfego, sendo razoável o prazo de 60 dias fixados pelo magistrado para que a empresa apelante promova a sua remoção. 7. Apelação não provida.
(TRF-5, AC 542038, 2ª T., Rel. Def. Fed. Francisco Barros Dias, DJE 27.09.2012, p. 272)
..........................................................................................................
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA. ÁREA LOCALIZADA DENTRO DA FAIXA CONSIDERADA NON AEDIFICANDI. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INTERESSE PÚBLICO. SEGURANÇA NO TRÂNSITO.
1. Depreende-se do conjunto probatório existente nos autos, que o imóvel, objeto do presente litígio, localiza-se dentro da faixa considerada non aedificandi, de domínio da rodovia BR-470 (Km 57,7), bairro Badenfurt, nesta Cidade de Blumenau. Os documentos carreados, em especial o croqui (fl. 12), as fotografias de fls. 13/14 e 80/81 e o termo de compromisso firmado pelo requerido com a Prefeitura Municipal de Blumenau (fl. 77/78), atestam, sem sombra de dúvidas, que o muro e a construção de alvenaria edificados pelo requerido, se encontram por completo, sobre a área de limitação da propriedade privada, em atitude de desrespeito à legislação proibitiva de tal conduta.
2. Embora não caiba ao Magistrado, no caso concreto, verificar se a edificação atenta ou não contra a segurança daqueles que trafegam na rodovia, considerando que o próprio legislador, a partir de critérios técnicos, pré-definiu a extensão da área sobre a qual o proprietário fica impossibilitado de edificar construções de seu interesse, tal como o muro e a edificação de alvenaria de propriedade do requerido, cumpre-lhe, entretanto, zelar pela segurança do trânsito e dos moradores adjacentes.
3. Não merece qualquer crédito a alegação do requerido de que em momento algum tenha se recusado a assinar "nenhum documento que lhe fora oferecido por órgão público, e que os documentos de fls. 11 e 15 nunca lhe foram entregues", porquanto ausente qualquer prova que corrobore a versão, ônus este que, indene de dúvidas, lhe incumbia.
(TRF-4, AC 200672050048487, 4ª T., Rel. Marga Inge Barth Tessler, D.E. 29.03.2010)APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 21372-CE (0001307-65.2011.4.05.8103)
------------------------------------------------------------------------------------------
NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA - FAIXA NON AEDIFICANDI - LEI Nº 6.766/79, ART. 4º, III - APLICABILIDADE - A área non aedificandi é limitação administrativa, impondo ao particular um dever negativo (não fazer). Loteamento ou desmembramento são apenas modalidades de parcelamento do solo, residindo, o objeto da Lei nº 6.766/79, na disciplina das parcelas de que composto o solo urbano, e não apenas do procedimento de divisão deste. Logo, a aplicabilidade dessa Lei a um imóvel independe de estar, ele, integrado a um todo maior a ser cindido, ou não, pois que cada parcela deve respeitar as especificações legais. Confirma-se sentença que condena o proprietário a demolir obra realizada em área non aedificandi, esta prevista no art. 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/79. (TRF 4ª R. - AC 97.04.25092-4 - SC - 3ª T. - Relª Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha - DJU 29.11.2000 - p. 296).
Ainda acerca do assunto em tela, o colendo Supremo Tribunal Federal, com respaldo na Lei Paulista (Decreto-lei Estadual nº 13.626, de 21/10/63, art. 7º), já se pronunciou da seguinte maneira:
“Construção a menos de 15 metros dos limites das estradas de rodagem. PROIBIÇÃO A SER OBSERVADA PELAS AUTORIDADES MUNICIPAIS AINDA QUE O DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO VENHA A ENVOLVER AS ESTRADAS PREEXISTENTES. A SEGURANÇA PÚBLICA E O TRÁFEGO INTERMUNICIPAL PREFEREM AO INTERESSE DE UM SÓ MUNICÍPIO (RE nº 95.243-6, SP, in DJU de 20/11/81, p. 11.736; no mesmo sentido RE nº 93.553-3, SP, in DJU de 30/09/81, p. 9.652; AC. Nº 84.274-8, SP, in DJU de 04/12/81, p. 12.318; RE nº 94.037-5, SP, in DJU de 10/12/82, p. 12.790).”
Por tudo exposto, sugere-se à SPU informar à Companhia Energética de Pernambuco – Neoenergia Pernambuco, que somente os imóveis passíveis de regularização fundiária ( que a seu juízo de oportunidade e conveniência há de sugerir) podem ter a instalação do serviço de energia operado, e que os imóveis construídos em área de faixa de domínio ferroviária estão sob a responsabilidade de fiscalização da CBTU, não podendo ela se manifestar sob pena de imiscuir-se em competência que não detém, muito embora a preservação da ferrovia e de sua faixa lateral de domínio, visando às condições de segurança do transporte, cofigure interesse público primário da sociedade.
Em síntese, o entendimento é de que deve ser admitido o fornecimento de energia elétrica ainda que o imóvel seja ocupado irregularmente, desde que a área seja "passível de regularização fundiária".
No precedente acima, como visto, não seria plausível fornecer a energia elétrica pois o imóvel estava em área de uso especial, afetada ao transporte ferroviário e insuscetível de regularização.
No r. PARECER n. 00485/2016/CJU-MG/CGU/AGU (NUP: 04926.000426/2016-58) a douta CJU/MG consignou:
É descabida a pretensão das ocupantes no sentido de obrigar a União a fornecer as autorizações necessárias para que tenham acesso ao fornecimento de água e energia elétrica no imóvel ocupado.
Isso porque está-se diante de hipótese envolvendo ocupação de área pública, a cujo respeito descabe chancelar o irregular, ainda mais impondo ao Poder Público assumir custos de fornecimento de energia elétrica e água.
Embora seja inegável a essencialidade dos serviços de água e energia elétrica, não pode tal condição servir como justificativa para amparar seu fornecimento em área invadida, especialmente tratando-se de local já afetado a destinação de interesse público, qual seja, a instalação do fórum da Justiça do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região.
O atendimento à pretensão das ocupantes acabaria por validar e estimular ocupações irregulares em prédios públicos.
Nesse sentido, vale mencionar recentes decisões dos tribunais pátrios, que, sob pena de chancela do ilícito, vem repelindo de forma contundente pretensões como as que ora são aduzidas pelas ocupantes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE ÁGUA. ÁREA INVADIDA. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA A REGULARIZAÇÃO DO SERVIÇO. AUSENTES OS REQUISITOS. 1. Em sede de cognição sumária, tenho que as provas trazidas à lide não permitem a concessão da medida pleiteada, uma vez que não está presente a prova inequívoca da verossimilhança das alegações.
2. Não cabe ao Judiciário estimular a prática de atos ilegais compelindo o poder público a autorizar a ligação da energia elétrica e da água potável em área invadido. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (TJ/RS - Agravo de Instrumento AI Nº 70061987657, Primeira Câmara Cível, Relator: Sérgio Luiz Grassi Beck, Julgado em 13/10/2014; Data de publicação: 20/10/2014).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ÁGUA. LIMINAR DE FORNECIMENTO A INVASOR. DESCABIMENTO, SOB PENA DE SE ESTIMULAR A PRÁTICA ILÍCITA. PRECEDENTE DA MESMA COMARCA. RECURSO PROVIDO. (TJ/RS; - Agravo de Instrumento Nº 70051821940, Primeira Câmara Cível, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 12/03/2013).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ÁGUA NO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. Além do fato de que o pedido não foi realizado por proprietário, indo de encontro ao previsto no art. 10 do Decreto Municipal n. 3758/2002, verifica-se que se trata de área invadida, tendo os autores apenas a posse irregular do imóvel. Diante disso, não cabe ao Poder Judiciário estimular atos irregulares e ilegais. Apelação provida. (TJ/RS; Apelação Cível Nº 70050476811, Primeira Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 17/10/2012).
APELAÇÃO CÍVEL. ÁGUA. INVASOR QUE REQUER SEJA O MUNICÍPIO OBRIGADO A FORNECER AUTORIZAÇÃO PARA A CORSAN REALIZAR OBRA NO SENTIDO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DESCABIMENTO, SOB PENA DE SE ESTIMULAR A ILEGAL E PERIGOSA INDÚSTRIA DA INVASÃO. ADEMAIS, ALEGAÇÃO DE POSSE AD USUCAPIONEM, PORÉM INEXISTÊNCIA DE PROVA MÍNIMA, O QUE DEVERIA TER SIDO FEITO, MESMO QUE AINDA NÃO IMPLEMENTADO O PRAZO À DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO. APELAÇÃO PROVIDA. (TJ/RS; Apelação Cível Nº 70043833789, Primeira Câmara Cível, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 05/09/2012).
Portanto, havendo irregularidade na ocupação - como, inclusive, foi reconhecida em sede de cognição sumária pela decisão proferida na Ação de Reintegração de Posse nº 0018383-48.2016.4.01.3800 -, não se pode admitir que a União seja compelida a adotar medidas (fornecimento de energia elétrica e água) que sirvam de estímulo à permanência do estado de esbulho de seu imóvel.
Nesse aspecto cumpre trazer à colação trechos da decisão liminar de reintegração de posse já mencionada, cujo mandado, frise-se, somente não foi ainda cumprido em razão de supostas tratativas para tentativa de saída e composição amigável entre as partes:
Na hipótese vertente, tendo em vista a notoriedade da situação e a documentação constante dos autos, não resta dúvida de que a União Federal é possuidora dos imóveis ocupados, onde funcionava a Escola de Engenharia da UFMG, atualmente destinados às futuras instalações do Fórum da Justiça do Trabalho.
Ainda de acordo com os diversos documentos acostados aos autos, tais como Boletim de Ocorrência (fls. 34/43) e Relatórios de Vistoria da Secretaria do Patrimônio da União (fls. 54/56 e 58/60), resta inconteste que no dia 08 de março deste ano, os imóveis que abrigavam o Diretório Acadêmico e o Restaurante da antiga Faculdade de Engenharia da UFMG foram tomados por militantes de movimentos sociais, ocupação que ainda persiste, o que tem impedido o acesso de funcionários da Secretaria do Patrimônio da União, bem como inviabilizando sua destinação institucional.
Desta forma, em sede de cognição sumária, entendo presentes os pressupostos para a concessão da medida de reintegração de posse vindicada nestes autos, eis que o patrimônio público não pode ser apropriado ou ter seu acesso impedido sob pretexto de reivindicações sociais, ainda que justas, ou de exercício da liberdade de manifestação. (Destacou-se)
Neste caso, como visto, entendeu-se que não é plausível autorizar a ligação de água e luz porque o imóvel estava afetado ao serviço público. Também aqui, a impossibilidade de regularização impediu a ligação de energia elétrica e o fornecimento de água.
Dos precedentes acima é possível generalizar, extraindo que a autorização para instalação de hidrômetros e a ligação de rede de distribuição de água pode ser concedida se e somente se a situação do imóvel for passível de regularização.
Caso contrário, havendo óbice intransponível para a regularização (por exemplo, as hipóteses do art. 9º da Lei 9.636/98, áreas uso comum do povo, afetadas ao serviço público etc), a autorização não deve ser concedida. Mas este caso, é imprescindível que a União/SPU tenha adotado, ou passe imediatamente a adotar, as providências cabíveis para fazer cessar a invasão e retomar o imóvel para dar a destinação legalmente adequada.
Isso porque, além do comando contido no art. 10 da Lei 9.636/98 ("Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel..."), a negativa de autorização combinada com a tolerância na utilização implicaria em comportamento contraditório, que atentaria contra o princípio do venire contra factum proprium. O TJ/DF explica:
“(...) 3. O instituto da proibição do venire contra factum proprium veda o comportamento contraditório e resguarda a boa-fé objetiva, bem como o cumprimento de seus deveres contratuais com lealdade, probidade e boa-fé. "Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo" (Menezes Cordeiro., op. cit.).
disponível em https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/principios-do-cdc/principio-venire-contra-factum-proprium#:~:text=Tema%20atualizado%20em%2025%2F8,exig%C3%ADveis%20de%20todos%20os%20contratantes)
Ante o exposto, parece-nos que:
Não detectada qualquer divergência interna, dispensada a aprovação do Exmo. Coordenador, conforme art. 10, § 1º, da Portaria Normativa AGU nº 72, de 07 de dezembro de 2022.
É o Parecer.
Vitória, ES, 30 de junho de 2023.
LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739131893202332 e da chave de acesso 8077434b