ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 176/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.013026/2023-72

INTERESSADA: Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios

ASSUNTO: Orçamento. Despesa pública. Classificação financeira.

 

EMENTA: DIREITO FINANCEIRO. ORÇAMENTO DA UNIÃO. CLASSIFICAÇÃO DE DESPESAS.
I - Lei complementar nº 195/2022 - Lei Paulo Gustavo. Fomento emergencial à cultura por meio de repasses para Estados e municípios. Consulta quanto à classificação orçamentária das despesas da lei e quanto à possibilidade de modificação de despesas inscritas em restos a pagar do exercício de 2022.
II - Uma vez empenhada a despesa, não é possível reclassificar a natureza da despesa, uma vez que o empenho pressupõe a assunção de obrigação já definida de acordo com determinada classificação orçamentária, estando pendente apenas de liquidação e pagamento. A inscrição em restos a pagar indica que a obrigação já se encontra empenhada e, portanto, já classificada segundo sua natureza de despesa.
III - Todas as despesas decorrentes da execução da Lei Paulo Gustavo, sejam com recursos do art. 6º ou do art. 8º da lei, podem ser enquadradas como despesas correntes quanto ao Grupo de Natureza de Despesa (GND-3), uma vez que podem ser classificadas como despesas de custeio ou transferências correntes, conforme o momento de sua execução. Inteligência da Lei nº 4.320/1964 e da Lei Complementar nº 195/2022.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Trata-se de consulta formulada pela Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios (DAST), da Secretaria dos Comitês de Cultura (SCC) deste ministério a partir de consulta encaminhada pela Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco acerca da execução da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), por meio do Ofício nº 353/2023 (doc. SEI/GOVPE 39027320), nos seguintes termos:

1) Considerando a necessária observância de todos os entes à LC n° 195/2023, qual a orientação do MINC sobre a possibilidade de estados e municípios utilizarem parcela dos recursos recebidos para reformas e aquisições de equipamentos permanentes, a título de despesas de capital, em favor de cinemas públicos?
2) Caso a resposta seja pela inviabilidade, qual o fundamento legal para a vedação, pelo MINC, quanto à utilização desses recursos para investimentos em salas de cinema de natureza pública?

Por meio da Nota Técnica nº 10/2023 (doc. SEI/MinC 1319103), a DAST/SCC observa que as despesas decorrentes da execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo já se encontram integralmente empenhadas e inscritas em restos a pagar por força de decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 7232/DF, que determinou a medida para assegurar a execução da lei que havia sido inconstitucionalmente derrogada por decretos que impediram sua programação orçamentária mesmo após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional.

Por força de tal medida, informa a referida nota técnica (item 2.22) que o empenho em bloco de tais recursos, para posterior inscrição em restos a pagar, foi realizado como despesas correntes, e de tal forma (item 2.27), o empenho limitado a este Grupo de Natureza de Despesa (GND) estaria limitando o uso pelos entes federativos, "em especial no que se refere a reformas, restauros e manutenção de salas de cinema públicas", visto que "as aquisições de equipamentos necessários ao funcionamento das salas de cinema, por exemplo, constituem, em sua maioria, despesas de investimento que se encontram no rol de despesas de capital, não de despesas correntes".

Neste sentido, em atenção aos questionamentos formulados por entes federativos nos moldes do Ofício nº 353/2023 da Secretaria de Cultura de Pernambuco, questiona a DAST:

  1. se é possível flexibilizar a categoria econômica da despesa inscrita em restos a pagar, inclusive pelos entes subnacionais no momento da adequação de suas leis orçamentárias; e em caso negativo,
  2. se é possível que o ente federativo realize despesas caracterizadas como despesas de capital, vez que a Lei Paulo Gustavo permite expressamente o apoio a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema.

É o relatório. Passo a opinar.

Nos termos do art. 3º da Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), os repasses de recursos da União a Estados e municípios para aplicação em ações emergenciais que visem combater os efeitos da pandemia sobre o setor cultural caracterizam-se como transferências obrigatórias fundo-a-fundo ou fundo-a-orçamento.

Segundo a classificação orçamentária da Lei nº 4.320/1964, tais despesas são classificadas como despesas correntes no que diz respeito à categoria econômica ou ao Grupo de Natureza de Despesa (GND-3), conforme também descrito nos itens 5.6.2.1.1 e 5.6.2.1.2 do Manual Técnico de Orçamento da Secretaria de Orçamento Federal. Afinal, destinam-se a despesas que, em geral, não contribuem diretamente para a formação ou aquisição de bens de capital.

Em determinadas situações, é possível, de forma excepcional, caracterizar determinadas despesas ora como correntes, ora como de capital, quando embora isoladamente não contribuam diretamente para aquisição de bens de capital, possam concretamente estar relacionadas com a formação de tais bens, quando constituam equipamentos permanentes acessórios de bens de capital, que lhe atribuam valor agregado permanente. Ressalvada esta hipótese, a regra para tais bens é claramente definida no § 1º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964, que considera como despesas de custeio "as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis".

Portanto, todas as despesas decorrentes de ações previstas no art. 6º da Lei Paulo Gustavo podem ser classificadas como despesas de custeio, inclusive aquelas de seu inciso II, que se refiram a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema, cinemas de rua e cinemas itinerantes. Afinal, não está prevista na Lei Paulo Gustavo a execução de despesas com a execução de obras para construção de imóveis, que efetivamente seriam classificadas como despesas de capital.

No que tange às ações previstas no § 1º do art. 8º, igualmente seguem a mesma regra, inclusive no que se refere a "aquisição de bens vinculados ao setor cultural", podendo ser normalmente classificadas como despesas de custeio, exceto quando se refiram à aquisição de imóveis, o que nos termos do § 5º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964 se qualifica como inversão financeira, e, portanto, equipara-se a investimentos na categoria de despesas de capital.

Portanto, devido à ausência de previsão legal na Lei Paulo Gustavo (seja no art. 6º ou no 8º), não podem os recursos destinados a Estados e municípios ser utilizados na construção de imóveis. E, no que se refere especificamente ao art. 8º, embora a Lei Paulo Gustavo não seja explícita na redação do § 1º, é forçoso entender que também não se admite que os recursos da lei sejam utilizados para aquisição de bens imóveis.

Para quaisquer das outras previsões de despesas contidas nos arts. 6º e 8º da lei, é possível enquadrá-las como despesas correntes, seja como transferências correntes, no momento em que os recursos são transferidos da União para os entes subnacionais e passam a integrar seus orçamentos próprios, seja como despesas de custeio, no momento em que tais despesas são concretamente executadas pelos entes subnacionais, após empenho e liquidação em seu próprio orçamento, uma vez que se trata de transferências obrigatórias na modalidade fundo-a-fundo (código 31 ou 41 do item 5.6.2.1.3 do Manual Técnico de Orçamento), fundo-a-orçamento (códigos 30 ou 40) ou a consórcios públicos (código 71).

Quanto a esta dualidade do recurso, que deixa o orçamento federal e passa para o orçamento do ente federado, é importante ressaltar que, em tese, esta mera condição já seria suficiente para liberar o ente receptor para realizar a classificação orçamentária da despesa conforme o bem ou serviço ao qual a ação fosse realizada, uma vez que a execução da despesa no âmbito da União exaure-se com a transferência e a integração do recurso ao orçamento do respectivo ente. Em  outras palavras, uma vez procedida a adequação orçamentária, o recurso deixa definitivamente o orçamento da União e para este não pode mais voltar mesmo em caso de reprovação de prestações de contas dos agentes culturais, ficando os entes receptores livres para executar discricionariamente tais despesas, desde que dentro das finalidades e dos parâmetros quantitativos da Lei Paulo Gustavo. Desta forma, estaria liberada a execução de despesas por Estados e municípios para aquisição de imóveis, uma vez que apenas a construção de imóveis não tem previsão expressa na Lei, e perante a União, a despesa já teria sido executada como transferência corrente.

No entanto, é relevante observar que o § 6º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964 classifica como transferências de capital todas as dotações para investimentos ou inversões financeiras destinadas a outras pessoas de direito público ou privado, as quais assumem a forma de auxílios ou contribuições. Neste sentido, uma vez que os recursos da Lei Paulo Gustavo encontram-se já empenhados e inscritos em restos a pagar na categoria de despesas correntes, permaneceria a vedação de despesas tanto para construção quanto para aquisição de imóveis.

Diante de todo o exposto, em resposta aos questionamentos formulados pela DAST/SCC, podem-se adotas as seguintes conclusões:

  1. Não é possível aos entes federados alterar a categoria econômica do art. 12 da Lei nº 4.320/1964 ou o Grupo de Natureza de Despesa (GND-3) na nomenclatura adotada pelo Manual Técnico de Orçamento, visto que a própria Lei Paulo Gustavo não admite a realização de despesas de capital com os recursos das transferências obrigatórias aos entes subnacionais, seja como investimentos (construção de imóveis) ou como inversões financeiras (aquisição de imóveis), na acepção da Lei nº 4.320/1964.
  2. É possível aos Estados, municípios e Distrito Federal realizar despesas com reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema, uma vez que tais despesas não são consideradas investimentos nos termos do § 1º do art. 12 da Lei nº 4.320/1964, mas efetivas despesas de custeio, visto que não se relacionam com a construção de imóveis, mas obras em imóveis pré-existentes, sem contribuir diretamente para a formação de bens de capital.

Por fim, com relação ao questionamento do Ofício nº 353/2023 (doc. SEI/GOVPE 39027320) quanto ao fundamento legal para a vedação de despesas com reformas e aquisições de equipamentos permanentes, parece-me prejudicada a questão, uma vez que este opinativo conclui pela viabilidade de tais despesas como despesas de custeio, inclusive no que tange à aquisição de equipamentos permanentes, desde que não se trate especificamente de aquisição de imóvel ou aquisição de equipamentos para construção de imóvel. Tais conclusões aplicam-se a quaisquer entes federativos, em qualquer modelagem de contratação ou parceria com o setor privado.

À consideração superior.

 

Brasília, 7 de agosto de 2023.

 

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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