ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00016/2023/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 00688.000717/2019-98
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTOS: LICITAÇÕES
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS. SUBSTITUIÇÃO DE INSTRUMENTO CONTRATUAL. HERMENÊUTICA DO INCISO I DO ART. 95 DA LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021.
I. O caput e o § 1º do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021, autoriza a substituição do instrumento de contrato com o conteúdo do art. 92 por outro documento mais simples, prevendo em tais situações uma flexibilização do conteúdo do documento contratual, mas mantendo a forma escrita exigida pelo art. 91 do mesmo diploma;
II. Na hipótese de substituição do instrumento contratual autorizada pelo art. 95, caput e § 1º, da Lei nº 14.133, de 2021, cabe à Administração realizar um juízo técnico-jurídico para considerar quais os elementos fundamentais para a regência da relação contratual e, assim, fazer constar tais elementos no documento escrito simplificado;
III. A formalidade exigida pelo art. 91 c/c o art. 95, ambos da Lei nº 14.133, de 2021, é atendida nas situações em que as cláusulas necessárias estejam escritas no termo de referência ou no projeto básico da contratação, devendo a Administração, em tal caso, colher a assinatura do contratado em um documento no qual ele dê ciência do quanto consta no termo de referência ou no projeto básico e manifeste sua aquiescência com as obrigações ali contidas;
IV. A interpretação do inciso I do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021, deve levar em conta o elemento contratual previsto no referido inciso para autorizar a flexibilização do conteúdo contratual, conforme admitido no caput e no § 1º do mencionado art. 95;
V. O elemento contratual previsto no inciso I do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021, é o valor da contratação, não importando se a seleção do contratado decorreu de licitação, inexigibilidade ou dispensa;
VI. É possível realizar a substituição do instrumento de contrato do art. 92 da Lei nº 14.133, de 2021, por outro mais simples, nos termos do art. 95, inciso I, sempre que: a) o valor de contratos relativos a obras, serviços de engenharia e de manutenção de veículos automotores se encaixe no valor atualizado autorizativo da dispensa de licitação prevista no inciso I do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021, não importando se a contratação resultou de licitação, inexigibilidade ou dispensa; b) o valor de contratos relativos a compras e serviços em geral se encaixe no valor atualizado que autoriza a dispensa de licitação prevista no inciso II do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021, não importando se a contratação resultou de licitação, inexigibilidade ou dispensa.
I - RELATÓRIO
Trata-se de processo distribuído pela Exma. Coordenadora da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Advocacia-Geral da União, para que o presente signatário elabore parecer acerca da abrangência do inciso I do art. 95 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a Nova Lei de Licitações – NLL.
Segundo o inciso I mencionado, seria possível substituir o instrumento de contrato do art. 92 da Lei nº 14.133, de 2021, por outro documento simplificado nos casos de “dispensa de licitação em razão do valor”. Os casos de dispensa de licitação em razão do valor são aqueles que se fundamentam no art. 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133, de 2021. Portanto, a prevalecer a letra da Lei, não seria possível flexibilizar as regras do art. 92 da NLL, valendo-se de um instrumento mais simples, nas situações em que a contratação ocorra com valor dentro do limite da dispensa em razão do valor, mas se funde em uma inexigibilidade (art. 75 da NLL), por exemplo. O mesmo se pode dizer dos casos de contratação por dispensa com base em um dos incisos do art. 75 da NLL, que não os incisos I e II, cujo valor da contratação esteja dentro dos limites da dispensa de licitação em razão do valor. Ou ainda, da contratação que decorre de uma ata de registro de preço - ou de um credencimaento - cujo valor se encaixe nos limites da dispensa de licitação em razão do valor prevista nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021.
Em outras palavras, a presente manifestação busca responder se a possibilidade de substituição do instrumento de contrato prevista no inciso I do art. 95 da NLL deve levar em conta o valor da contratação, independentemente do procedimento adjudicatório que originou o ajuste, ou se só seria possível tal substituição nos casos de dispensa de licitação fundada no art. 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133, de 2021.
Dessa forma, a presente manifestação jurídica visa a analisar uma peculiaridade do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021, com o propósito de uniformizar a aplicação da norma no âmbito da Administração Pública federal.
É o relatório.
II - ANÁLISE JURÍDICA
II.A - Da substituição do instrumento de contrato por outro documento simplificado.
A tradição jurídica brasileira preza pela formalização dos contratos firmados pela Administração Pública. Ou seja, a legislação de regência dos contratos públicos primou por indicar a maneira pela qual os compromissos assumidos entre a Administração e os contratados deveriam ser cristalizados. Essa forma, no Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, assim como na NLL é a escrita. No que diz respeito à Lei nº 14.133, de 2021, os arts. 91-92 cuidaram de estabelecer a forma escrita e de determinar quais as cláusulas que deveriam vir expressas no documento que instrumentaliza a relação contratual pública.
Primeiramente, é preciso aqui distinguir o que é o contrato e o que seria o instrumento de contrato. O primeiro é o negócio jurídico realizado pela Administração Pública. É o ajuste em sua ontologia. Isto é, são as obrigações das partes contratantes. Já o instrumento de contrato é o meio pelo qual se expressa o contrato. O instrumento, então, é a materialização do acerto como maneira de registrar o seu conteúdo. Como a legislação brasileira define a forma escrita, o contrato público brasileiro se materializa em um documento escrito no qual a Lei indica quais os elementos que devem constar nele.
Outro registro importante no regime da NLL é que o novo diploma expressamente admite o contrato firmado na forma eletrônica. O art. 91 da Lei nº 14.133, de 2021, prevê a forma escrita do contrato e, no § 3º do mesmo dispositivo, estabelece a possibilidade da forma eletrônica:
Art. 91. Os contratos e seus aditamentos terão forma escrita e serão juntados ao processo que tiver dado origem à contratação, divulgados e mantidos à disposição do público em sítio eletrônico oficial.
(...)
§ 3º Será admitida a forma eletrônica na celebração de contratos e de termos aditivos, atendidas as exigências previstas em regulamento.
No regime inaugurado pela Lei nº 14.133, de 2021, os elementos essenciais do documento contratual estão indicados no art. 92 desse diploma, que assim diz:
Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
I - o objeto e seus elementos característicos;
II - a vinculação ao edital de licitação e à proposta do licitante vencedor ou ao ato que tiver autorizado a contratação direta e à respectiva proposta;
III - a legislação aplicável à execução do contrato, inclusive quanto aos casos omissos;
IV - o regime de execução ou a forma de fornecimento;
V - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
VI - os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para pagamento;
VII - os prazos de início das etapas de execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, quando for o caso;
VIII - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;
IX - a matriz de risco, quando for o caso;
X - o prazo para resposta ao pedido de repactuação de preços, quando for o caso;
XI - o prazo para resposta ao pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, quando for o caso;
XII - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas, inclusive as que forem oferecidas pelo contratado no caso de antecipação de valores a título de pagamento;
XIII - o prazo de garantia mínima do objeto, observados os prazos mínimos estabelecidos nesta Lei e nas normas técnicas aplicáveis, e as condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso;
XIV - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas e suas bases de cálculo;
XV - as condições de importação e a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;
XVI - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, na contratação direta;
XVII - a obrigação de o contratado cumprir as exigências de reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social e para aprendiz;
XVIII - o modelo de gestão do contrato, observados os requisitos definidos em regulamento;
XIX - os casos de extinção.
A conjugação do art. 91 com o art. 92, ambos da Lei nº 14.133, de 2021, denota o instrumento mais completo. É o termo contratual por excelência. A Lei exige para esse termo a forma escrita e com determinação de seu conteúdo (clausulado contido nos incisos do art. 92). Entretanto, a fim de dar concretude ao princípio da eficiência (art. 37 da Constituição c/c o art. 5º da Lei nº 14.133, de 2021), o Legislador de 2021 valeu-se do princípio da proporcionalidade (art. 5º da NLL) e estabeleceu graus de formalidades para o instrumento do contrato, de acordo com a complexidade e valores envolvidos na contratação. Nesse sentido, o art. 95 da NLL reforça a regra geral de necessidade de instrumento de contrato, mas estabelece que o documento previsto no art. 92 pode ser substituído por outro mais simples, que seriam a carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço. Vejamos o que diz o dispositivo:
Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:
I - dispensa de licitação em razão de valor;
II - compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.
§ 1º Às hipóteses de substituição do instrumento de contrato, aplica-se, no que couber, o disposto no art. 92 desta Lei.
§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)[1]. (grifo nosso)
Inicialmente, é preciso dizer que os destaques realizados no texto acima transcrito se devem ao fato de o foco do presente parecer ser a interpretação do art. 95, especificamente o seu inciso I, motivo pelo qual o texto ora reproduzido servirá de base para o desenvolvimento dos demais tópicos desta manifestação.
Como ponto de partida, observamos que o art. 95 não dispensa a forma escrita em contratos que se encaixem em um de seus incisos. Vejamos que o caput do dispositivo se refere a uma substituição do instrumento de contrato “por outro instrumento hábil”. Em reforço ao que já está dito no caput, o § 1º do art. 95 ainda coloca que, nos casos de substituição do instrumento de contrato, deve ser aplicado, no que couber, o disposto no art. 92 da NLL.
Com isso, a Lei nº 14.133, de 2021, estabelece um grau de formalidade menos rígido para as hipóteses de contratos previstas nos incisos I e II do art. 95. No caso, para tais situações, é mantida a forma escrita, mas com flexibilização do seu conteúdo, cabendo à Administração contratante, em tais hipóteses, avaliar quais as cláusulas do art. 92 seriam essenciais para compor o instrumento hábil simplificado substituto do termo contratual. Nesse sentido, há a necessidade de um juízo técnico-jurídico da parte do gestor público, que deverá considerar quais os elementos fundamentais para a regência da relação contratual e, assim, fazer constar tais elementos no documento escrito simplificado.
O fato é que muitos dos elementos indicados no art. 92 da Lei nº 14.133, de 2021, decorrem do próprio regime legal do referido diploma, o que faz com que certos elementos tenham aplicação ao contrato independentemente de previsão no instrumento. É o caso do inciso II do art. 92 em comento, que fala da vinculação contratual ao edital da licitação – ou ao ato autorizativo da contratação direta – e à proposta do licitante vencedor. Tal vinculação, entretanto, tem vez independentemente de previsão contratual, razão pela qual seria de bom tom não constar essa informação nos documentos simplificados.
Considerando a relevância da informação para a regência da relação contratual, seria recomendável que o termo simplificado a que se refere o art. 95, caput e § 1º, da NLL, contasse com: a) o objeto do contrato (art. 92, I); b) o regime de execução e/ou a forma de fornecimento (art. 92, IV); c) o preço e as condições de pagamento, assim como as regras necessárias para a aplicação do reajuste[2] (art. 92, V); d) o cronograma de execução físico-financeiro do objeto (art. 92, incisos VI e VII); e e) os direitos e responsabilidades do contratado e da contratante, assim como as regras para a aplicação da pena de multa[3] (art. 92, XIV). Vale dizer que tais itens são aqui apontados apenas de forma exemplificativa, devendo sempre haver a ponderação da autoridade competente para cada caso concreto.
Essa formalidade mitigada do art. 95 da NLL é a consagração do princípio da proporcionalidade (art. 5º da NLL), pois o Legislador, considerando os bens jurídicos envolvidos em questão, flexibiliza a forma em termos de elementos conteudísticos do instrumento, mas mantém a necessidade de cristalização dos termos da relação por meio de um documento escrito, física ou eletronicamente (§ 3º do art. 91). Ou seja, a Lei nº 14.133, de 2021, aplica o princípio da proporcionalidade para estabelecer medidas de formalização da relação contratual.
Assim, é lícito dizer que para as situações do caput do art. 95 é exigida a forma escrita, mas com flexibilização dos requisitos do art. 92 (conteúdo do instrumento). É necessário, então, que haja um documento (carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço) no qual constem as cláusulas indispensáveis para o caso concreto. É possível, também, que tais cláusulas estejam escritas no termo de referência ou no projeto básico da contratação, devendo a Administração, em tal caso, colher a assinatura do contratado em um documento no qual ele dê ciência do quanto consta no termo de referência ou no projeto básico e manifeste sua aquiescência com as obrigações ali contidas.
Ainda em linha com a proporcionalidade, a Lei nº 14.133, de 2021, dispensa a forma escrita quando o valor da contratação, no ano de 2023, não for superior a R$ 11.441,66 (onze mil quatrocentos e quarenta e um reais e sessenta e seis centavos) (art. 95, § 2º, da NLL c/c o Decreto nº 11.317, de 2022). De acordo com o art. 182 da Lei nº 14.133, de 2021, esse valor, assim como os demais previstos na NLL, deverá ser anualmente atualizado pelo Poder Executivo federal. Como se percebe, esse é o caso em que a legislação dispensa a forma, não sendo necessária a cristalização da relação contratual em um documento.
II.B - Das hipóteses de substituição do instrumento de contrato por outro instrumento simplificado.
O foco do presente parecer é a delimitação do inciso I do art. 95 da NLL, a fim de orientar a Administração Pública federal acerca das hipóteses abrangidas pelo referido dispositivo para autorizar a Administração a substituir o instrumento de contrato por outro documento simplificado, conforme determinado no art. 95, caput e § 1º, da NLL.
As situações em que a Administração estaria autorizada a fazer a referida substituição estão previstas nos incisos I e II do art. 95. Todo o texto do referido dispositivo foi transcrito no tópico anterior da presente manifestação, mas pedimos licença para transcrever novamente, ao menos, os textos dos mencionados incisos. Vejamos:
Art. 95. (...)
I - dispensa de licitação em razão de valor;
II - compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.
O questionamento que levou à elaboração da presente manifestação se funda no fato de que, do ponto de vista literal, a substituição em estudo estaria autorizada em situações vinculadas a elementos materiais relativos ao negócio jurídico realizado pela Administração Pública e ao procedimento adjudicatório do contrato.
No que diz respeito ao negócio jurídico, a substituição do instrumento contratual tem lugar no caso previsto no inciso II do art. 95, que autoriza o uso de documento simplificado em situações específicas de "compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras" (grifo nosso). Ou seja, a aplicação do inciso II está limitada às hipóteses de aquisição, não abrangendo contratações relativas a serviços e obras.
Segundo o inciso X do art. 6º da NLL, compra é “aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente, considerada imediata aquela com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento”. O inciso II do art. 95 admite, então, a utilização de instrumento simplificado nas compras de entrega de uma só vez com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento (imediata e integral), sem obrigações futuras, inclusive no que diz respeito à assistência técnica. A substituição do instrumento contratual em tal hipótese pode ter lugar independentemente do valor da contratação. Isto é, o elemento pecuniário aqui não é relevante, pois a Lei fundamenta a simplificação da formalização contratual na simplicidade equivalente do negócio jurídico, que envolve poucos riscos em razão da imediatidade dos seus efeitos (aquisição sem obrigações futuras).
O inciso I do art. 95, por sua vez, não delimita a sua aplicação ao negócio jurídico (compra, serviço, obra, aluguel, alienação etc.) a ser realizado pela Administração. A literalidade do texto indica uma vinculação da simplificação do instrumento contratual à natureza do procedimento adjudicatório, no caso, a dispensa de licitação em razão do valor, aquelas previstas nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021.
Portanto, a prevalecer a letra da Lei, não seria possível flexibilizar as regras do art. 92 da NLL, valendo-se de um instrumento mais simples, nas situações em que a contratação ocorra com valor dentro do limite da dispensa em razão do valor, mas se fundamente em uma inexigibilidade (art. 74 da NLL), por exemplo. O mesmo se pode dizer dos casos de contratação por dispensa com base em um dos incisos do art. 75 da NLL, que não os incisos I e II (dispensa emergencial, por exemplo), cujo valor da contratação esteja dentro dos limites da dispensa de licitação em razão do valor. Ou ainda, da contratação que decorre de uma ata de registro de preço ou de um credenciamento e cujo valor se encaixe nos limites da dispensa de licitação em razão do valor prevista nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021. Ou nos casos de contratações dentro do montante da dispensa em razão do valor que decorram de pregão na forma clássica (sem registro de preço).
É de se questionar, então: a simplificação da formalização contratual em tal hipótese (inciso I do art. 95) estaria fundada na simplicidade do procedimento (dispensa de licitação em razão do valor) ou no menor valor da contratação? Em nosso sentir, parece óbvio que a simplificação da formalização do contrato está relacionada a um elemento do contrato, e não ao procedimento adjudicatório que origina o ajuste. Assim é no que se refere ao inciso II do art. 95, inclusive, que dispensa a forma contratual rígida (art. 92) em razão da simplicidade resultante da imediatidade da relação contratual da compra para entrega integral e imediata sem obrigações futuras.
No caso do inciso I do art. 95, o elemento contratual em questão é de ordem pecuniária (valor da contratação), e não o procedimento que deu origem ao contrato. Parece irrelevante para fins de flexibilização da formalização contratual a natureza do procedimento adjudicatório que originou o ajuste. Não percebemos como a dispensa em razão do valor seria capaz de justificar a substituição do instrumento de contrato do art. 92 por outro mais simples e não encontrar a mesma justificativa para uma contratação fundada em uma inexigibilidade, por exemplo (art. 74). Ou seja, não é o elemento procedimental relativo à seleção do contratado que justifica a flexibilização da forma contratual prevista em Lei. Por isso, no entendimento desta manifestação jurídica, o que deve ser extraído do inciso I do art. 95 da NLL para autorizar a substituição do instrumento do contrato é o elemento contratual ali contido, qual seja: o valor do contrato.
Vale dizer que, no regime da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a dispensa do instrumento contratual, com a sua substituição por outro documento mais simples, leva em conta o valor da contratação, e não o procedimento adjudicatório do qual resulta o contrato, assim como os casos de compras para entrega imediata sem obrigações futuras. Tal flexibilização da forma do contrato está prevista no art. 62 da Lei de 1993, que assim dispõe:
Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
§ 1º A minuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatório da licitação.
§ 2º Em "carta contrato", "nota de empenho de despesa", "autorização de compra", "ordem de execução de serviço" ou outros instrumentos hábeis aplica-se, no que couber, o disposto no art. 55 desta Lei.
§ 3º Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;
II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.
§ 4º É dispensável o "termo de contrato" e facultada a substituição prevista neste artigo, a critério da Administração e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica. (grifo nosso)
Notemos que o caput do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993, exige o instrumento de contrato na forma do art. 55 do regime antigo para os casos de contratação decorrentes de tomada de preço e concorrência, assim como das inexigibilidades e dispensas com valores nos níveis dos exigidos para essas modalidades, sendo possível a substituição por documento simplificado nos demais casos, pouco importando a natureza do procedimento de seleção do contratado. Como é cediço, no sistema da Lei nº 8.666, de 1993, as modalidades de licitação são eleitas de acordo com o valor estimado da contratação (art. 23 da Lei nº 8.666, de 1993), razão pela qual o caput do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993, por via de consequência, autoriza a flexibilização da formalização do instrumento de contrato nas contratações com valores inferiores àqueles para os quais se exige a modalidade de licitação de tomada de preços, não importando para tanto a natureza do procedimento de seleção do contratado.
Entendemos que o mesmo deve ser seguido na interpretação do inciso I do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021. Em nossa avaliação tal hermenêutica é imprescindível para a concretização de princípios orientadores do regime da NLL. Como dito, a gradação em níveis de formalidade da relação contratual é aplicação do princípio da proporcionalidade (art. 5º da Lei nº 14.133, de 2021), que visa levar os procedimentos administrativos contratuais a níveis adequados de proteção aos bens jurídicos envolvidos no ajuste. Essa postura legal visa a satisfazer o princípio da eficiência (art. 37 da Constituição c/c o art. 5º da Lei nº 14.133, de 2021), cujo conteúdo determina que haja esforço na medida do necessário para alcançar o objetivo público almejado. Nesse prumo, empreender esforços em uma formalização do contrato para situações que não demandam tanta cautela é desprestigiar a eficiência e a proporcionalidade.
Por isso, opinamos no sentido de orientar a Administração Pública federal a realizar a substituição do instrumento de contrato do art. 92 da NLL por outro mais simples, nos termos do art. 95, inciso I, sempre que: a) o valor de contratos relativos a obras, serviços de engenharia e de manutenção de veículos automotores se encaixe no valor atualizado autorizativo da dispensa de licitação prevista no inciso I do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021, não importando a natureza do procedimento adjudicatório do qual resultou o contrato; e b) o valor de contratos relativos a compras e serviços em geral se encaixe no valor atuaizado que autoriza a dispensa de licitação prevista no inciso II do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021, não importando a natureza do procedimento adjudicatório do qual resultou o contrato.
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, em resposta ao questionamento formulado, propomos o presente parecer, com as seguintes conclusões:
Considerando a relevância da temática aqui tratada, sugerimos a edição de orientação normativa, nos termos do art. 4º, XIII, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, com o seguinte texto:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA N ºXX, DEXXXXX DE XXXX DE XXXX
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X,XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 e considerando o que consta do Processo nº 00688.000717/2019-98, resolve expedir, nesta data, a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
É POSSÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DO INSTRUMENTO DE CONTRATO A QUE ALUDE O ART. 92 DA LEI Nº 14.133, DE 2021, POR OUTRO INSTRUMENTO MAIS SIMPLES, COM BASE NO ART. 95, INCISO I, DO MESMO DIPLOMA, SEMPRE QUE: A) O VALOR DE CONTRATOS RELATIVOS A OBRAS, SERVIÇOS DE ENGENHARIA E DE MANUTENÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES SE ENCAIXE NO VALOR ATUALIZADO AUTORIZATIVO DA DISPENSA DE LICITAÇÃO PREVISTA NO INCISO I DO ART. 75, DA LEI Nº 14.133, DE 2021; E B) O VALOR DE CONTRATOS RELATIVOS A COMPRAS E SERVIÇOS EM GERAL SE ENCAIXE NO VALOR ATUAIZADO QUE AUTORIZA A DISPENSA DE LICITAÇÃO PREVISTA NO INCISO II DO ART. 75, DA LEI Nº 14.133, DE 2021. NÃO IMPORTA PARA A APLICAÇÃO DO INCISO I DO ART. 95 AQUI TRATADO SE A CONTRATAÇÃO RESULTOU DE LICITAÇÃO, INEXIGIBILIDADE OU DISPENSA.
Referência: Art. 95, inciso I, c/c os arts. 91, 92 e 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133, de 2021.
Fonte: Parecer n. 00016/2023/CNLCA/CGU/AGU
É o parecer, que ora submeto à consideração do Exmo. Sr. Diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos.
Brasília/DF, 21 de agosto de 2023.
(documento assinado eletronicamente)
RAFAEL SÉRGIO LIMA DE OLIVEIRA
PROCURADOR FEDERAL
Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
Diego Franco de Araújo Jurubeba
Procurador Federal
Fernando Ferreira Baltar Neto
Advogado da União
Liana Antero de Melo
Advogada da União
Marcela Ali Tarif Roque
Procuradora Federal
Michelle Marry Marques da Silva
Advogada da União - Coordenadora
Ronny Charles Lopes de Torres;
Advogado da União
Tais Teodoro Rodrigues; e
Advogada da União
Thyago de Pieri Bertoldi
Advogado da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000717201998 e da chave de acesso da73bdc5
Notas