ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00693/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.149934/2019-67
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM ESPÍRITO SANTO - SPU/ES
ASSUNTOS: DOMÍNIO PÚBLICO
EMENTA: TAXAS DE OCUPAÇÃO. SENTENÇA JUDICIAL. FORÇA EXECUTÓRIA.
I - Nos termos dos arts. 1197 CC e 796 CPC, uma vez feita a partilha, o espólio é extinto cabendo aos herdeiros a responsabilidade pelo pagamento das dívidas do falecido cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
II - As dívidas em nome do espólio também serão alcançadas por decisão judicial no bojo do processo anulatório impetrado pelos herdeiros após a extinção do espólio.
Vem a esta Consultoria Jurídica especializada processo administrativo encaminhado pela Superintendência do Patrimônio da União no Espírito Santo para que nos manifestemos acerca da dúvida aposta nos autos, segundo o exposto no OFÍCIO SEI Nº 90557/2023/MGI (SEI nº 36572065):
Trata-se de questionamento apresentado pelo Serviço de Receitas Patrimoniais desta Superintendência (MGI-SPU-ES-SEREP) por meio do despacho (SEI 36094245), referente à multa de transferência constante no imóvel de RIP 5705.0115123-37, em nome de Espólio de João Santa Fé Aquino.
Requer o SEREP seja analisado se é cabível o encaminhamento do referido débito para Dívida Ativa da União, tendo em vista que o imóvel foi objeto da ação judicial nº 0002432-75.2013.4.02.5001, em que figuraram como autores Rodrigo Caldas Gonçalves e outros, conforme PARECER n. 00003/2019/RES/PUES/PGU/AGU (SEI 36570685).
Da leitura do referido parecer verifica-se que a Procuradoria da União atestou a executoriedade da decisão transitada em julgado que determinou à União o cancelamento do registro como terreno/acrescido de marinha na SPU, até que novo procedimento demarcatório seja levado a efeito, com observância das regras legais que o disciplinam, bem como que se abstenha de cobrar da parte autora importâncias derivadas da ocupação dos imóveis descritos na peça inicial.
Desse modo, considerando os questionamentos apresentados pelo Serviço de Receitas Patrimoniais desta Superintendência de Patrimônio da União, às obrigações impostas pela decisão transitada em julgado no processo n. 0002432-75.2013.4.02.5001 e considerando ainda que o Espólio de João Santa Fé Aquino não figurou como autor da ação judicial, solicito seja esclarecido se este Órgão Patrimonial pode prosseguir com a cobrança acima citada ou se tal débito foi abrangido pela decisão supra.
Os autos vieram através do sistema sapiens, link de acesso externo ao sistema sei https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2945441&infra_hash=59acc2480bce2994684e659ea69f6199 o qual contem os seguintes documentos:
5346294 | Despacho | 03/12/2019 | SPU-ES-NUGES | |
5346317 | Despacho | 03/12/2019 | SPU-ES-NUGES | |
5346392 | Matrícula | 03/12/2019 | SPU-ES-NUGES | |
5390047 | Anexo | 05/12/2019 | SPU-ES-NUREP | |
5390092 | Anexo | 05/12/2019 | SPU-ES-NUREP | |
5390136 | Anexo | 05/12/2019 | SPU-ES-NUREP | |
5390160 | Despacho | 05/12/2019 | SPU-ES-NUREP | |
6372745 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6372864 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373039 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373092 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373143 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373155 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373213 | Anexo | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6373301 | Despacho | 07/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6720659 | Anexo | 28/02/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6722564 | Anexo | 28/02/2020 | SPU-ES-NUREP | |
6722597 | Despacho | 28/02/2020 | SPU-ES-NUREP | |
6722903 | Ofício 51380 | 28/02/2020 | SPU-ES-NUREP | |
6723007 | Ofício 51381 | 28/02/2020 | SPU-ES-NUREP | |
6775264 | 03/03/2020 | SPU-ES-NUREP | ||
6775305 | 03/03/2020 | SPU-ES-NUREP | ||
6775337 | Despacho | 03/03/2020 | SPU-ES-NUREP | |
6792400 | Anexo | 04/03/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
6792472 | Despacho | 04/03/2020 | SPU-ES-NUCIP | |
36094176 | Anexo | 28/07/2023 | MGI-SPU-ES-SEREP | |
36094245 | Despacho | 28/07/2023 | MGI-SPU-ES-SEREP | |
36570685 | Parecer | 15/08/2023 | MGI-SPU-ES-SEDJ | |
36570733 | Despacho | 15/08/2023 | MGI-SPU-ES-SEDJ | |
36572065 | Ofício 90557 | 15/08/2023 | MGI-SPU-ES-SEAA | |
36673682 | 18/08/2023 | MGI-SPU-ES-SEAA | ||
36676853 | 18/08/2023 | MGI-SPU-ES-SEAA |
É o que importa relatar.
FUNDAMENTOS
- FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER -
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da Consultoria Jurídica da União é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que as observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionária da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade, de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas à CJU/SE, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
- DA QUESTÃO JURÍDICA -
Segundo Ofício da Procuradoria da União/ES em que é encaminhado o Parecer de Força Executória nº 000003/2019/RES/PUES/PGU/AGU (SEI-ME nº 36570685) dando ciência do trânsito em julgado exarada do processo nº 0002432-75.2013.4.02.5001, da 4 ª Vara Federal Cível de Vitória/ES, proposto por RODRIGO CALDAS GONÇALVES e OUTROS, que por vício do procedimento demarcatório da LPM/1831 da área onde os imóveis relacionados estariam inseridos, pela falta de notificação dos arts. 11 e implicitamente do art. 13 do Decreto-Lei 9.760/1946 e pela falta de anotação da propriedade da União nos registros RGI, devem ser nulas as cobranças de débitos em nome dos autores, inclusive os inscritos em Dívida Ativa (DAU), assim como os RIP devem ser cancelados.
Nos termos do mencionado parecer a:
"eficácia, consoante consta da sentença, refere-se à obrigação da União de cancelar o registro como terreno/acrescido de marinha na SPU, até que novo procedimento demarcatório seja levado a efeito, com observância das regras legais que o disciplinam, bem como que se abstenha de cobrar da parte autora importâncias derivadas da ocupação dos imóveis descritos na peça inicial (RIP’s nºs. 5705.011.5120-94; 5705.011.5121-75; 5705.011.5124-18; 5705.011.5125-07; 5705.011.5126-80; 5705.011.5127-60; 5705.011.5128-41; 5705.011.5130-66; 5705.011.5131-47; 5705.011.5133-09; 5705.011.5135-70; 5705.011.5134-90; 5705.011.5099-72 e 5705.011.5123-37).
O questionamento do órgão consulente, então, está em saber se a sentença alcançaria os débitos do Espólio de João Santa Fé Aquino já que ele não figurara expressamente como autor da ação judicial.
Pois bem, sabe-se que no direito processual estamos subordinados aos limites subjetivos da coisa julgada, onde a sentença só alcança os autores da ação judicial, já que ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio, nos termos do art. 18 do CPC/2015.
Entretanto, parece que não é esse o caso dos autos. Verificando a petição inicial no bojo do processo nº 0002432-75.2013.4.02.5001, verificamos que um dos autores da ação são HAMILTON VALENTIN AQUINO, MARISE VALENTIN AQUINO e MÁRIO VALENTIN AQUINO, atuais proprietários do imóvel em razão da sucessão hereditária de João Santa Fé Aquino.
Assim sendo, parece que a dívida do espólio também estará alcançada pela mencionada decisão judicial já que com a extinção do espólio (feita a partilha), o herdeiro é quem responde na proporção do seu quinhão, nos termos do art. 1.997 do Código Civil:
Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
Em complemento, o art.796 do Código de Processo Civil (CPC):
Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube.
É que uma uma vez realizada a partilha, não há mais que se falar em espólio. Partilhado os bens do devedor falecido passíveis de execução, a cobrança deve ser direcionada aos herdeiros. Esta conclusão também pode ser obtida dos dispositivos legais acima mencionados. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a seguir citada, torna ainda mais elucidativa esta construção lógica:
AÇÃO DE COBRANÇA PROMOVIDA EM FACE DO ESPÓLIO DO DE CUJUS - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, EM FACE DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - REFORMA - NECESSIDADE - ESPÓLIO - LEGITIMIDADE AD CAUSAM PARA DEMANDAR E SER DEMANDADO EM TODAS AQUELAS AÇÕES EM QUE O DE CUJUS INTEGRARIA O PÓLO ATIVO OU PASSIVO DA DEMANDA, SE VIVO FOSSE (SALVO, EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL EM CONTRÁRIO - PRECEDENTE) - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Em observância ao Princípio da Saisine, corolário da premissa de que inexiste direito sem o respectivo titular, a herança, compreendida como sendo o acervo de bens, obrigações e direitos, transmite-se, como um todo, imediata e indistintamente aos herdeiros. Ressalte-se, contudo, que os herdeiros, neste primeiro momento, imiscuir-se-ão apenas na posse indireta dos bens transmitidos. A posse direta, conforme se demonstrará, ficará a cargo de quem detém a posse de fato dos bens deixados pelo de cujus ou do inventariante, a depender da existência ou não de inventário aberto;
II - De todo modo, enquanto não há individualização da quota pertencente a cada herdeiro, o que se efetivará somente com a consecução da partilha, é a herança, nos termos do artigo supracitado, que responde por eventual obrigação deixada pelo de cujus. Nessa perspectiva, o espólio, que também pode ser conceituado como a universalidade de bens deixada pelo de cujus, assume, por expressa determinação legal, o viés jurídico-formal, que lhe confere legitimidade ad causam para demandar e ser demandado em todas aquelas ações em que o de cujus integraria o pólo ativo ou passivo da demanda, se vivo fosse;
III - Pode-se concluir que o fato de inexistir, até o momento da prolação do acórdão recorrido, inventário aberto (e, portanto, inventariante nomeado), não faz dos herdeiros, individualmente considerados, partes legítimas para responder pela obrigação, objeto da ação de cobrança, pois, como assinalado, enquanto não há partilha, é a herança que responde por eventual obrigação deixada pelo de cujus e é o espólio, como parte formal, que detém legitimidade passiva ad causam para integrar a lide;
IV -Na espécie, por tudo o que se expôs, revela-se absolutamente correta a promoção da ação de cobrança em face do espólio, representado pela cônjuge supérstite, que, nessa qualidade, detém, preferencialmente, a administração, de fato, dos bens do de cujus, conforme dispõe o artigo 1797 do Código Civil;
V - Recurso Especial provido.
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.125.510 - RS. RELATOR: MINISTRO MASSAMI UYEDA) (Grifo nosso)
Assim sendo, como já há partilha, os débitos em nome do espólio deverão ser cobrados aos herdeiros os quais, autores da ação judicial de que trata a sentença transitada em julgado, deverão também ser anulados. Na verdade, não se trata de questão subjetiva da ação, mas do próprio mérito já que, na petição inicial, ficou configurado no pedido de anulação do procedimento demarcatório.
- CONCLUSÃO-
Por tudo exposto, opina-se que a decisão judicial de que tratam os autos alcança os débitos do Espólio de João Santa Fé Aquino.
É o parecer.
Brasília, 28 de agosto de 2023.
PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154149934201967 e da chave de acesso 1c311517