ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

PARECER n. 00703/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 19739.111340/2023-63

INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO ACRE - SPU/AC

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS

 

EMENTA: Consulta. Patrimônio da União. Doação de imóvel do Estado do Acre para o IPASE por lei estadual. Registro no cartório de imóveis levado a efeito.   Ausência de instrumento contratual. Ausência de recusa da liberalidade. Requisitos de validade desde que exercidos os atributos da propriedade. Extinção da entidade. Sucessão pelo IAPAS e INSS.

 

 

A Superintendência do Patrimônio da União no Acre encaminha os presentes autos para que esta Consultoria Jurídica especializada se manifeste juridicamente acerca da consulta entabulada no OFÍCIO SEI Nº 93742/2023/MGI (SEI nº 36749852), expressa nos seguintes moldes:

 

OBSERVAÇÃO: Trata-se do Requerimento versao_1_AC00028_2023.pdf (32238846) para fins de analisar se o imóvel descrito pelo requerente é de domínio da União. Para isso, anexou uma série de documentos, entre eles a Matrícula nº 10.103 (32238841). Acredita-se ser esta matrícula a correspondente à área objeto da análise. Foi verificado que atualmente tal matrícula teve numeração modificada, constando como Matrícula nº 67.460 (32482809).

Em tal matrícula consta como proprietário original o Estado do Acre, sendo que por meio da Lei Estadual nº 66/1966 (36476910), houve doação do imóvel para o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). Tal entidade era federal e foi criada por meio do Decreto-Lei nº 288/1938 (36477380), e tinha por objeto realizar as funções de órgão de assistência aos servidores do Estado e praticar operações de previdência e assistência a favor de seus contribuintes. Questiona-se se tal transferência foi legal, uma vez que foi feita por meio de lei, e salvo melhor juízo, lei não tem o condão de alienar o bem, mas tão somente de autorizar o ato, portanto, não possui efeito de negócio jurídico.

Ainda sobre a Matrícula nº 67.460, em sequência à doação ao IPASE, foram averbadas diversas certidões cadastrais de benfeitorias para unidades residenciais. Por fim, na averbação 18, o imóvel foi transferido para o Ministério da Saúde, mas logo em sequência, a averbação 19 tornou sem efeito tal transferência. Portando, salvo melhor juízo, a área da matrícula continua sendo propriedade do IPASE. Posteriormente, com a Lei nº 6.439/1977 (36481663), houve transferência do patrimônio do IPASE para as seguintes entidades:

- INPS: bens que o IPASE e o FUNRURAL atualmente utilizam na concessão de benefícios e outras prestações em dinheiro e na prestação de assistência complementar e de reeducação e readaptação profissional;

- INAMPS: bens que o INPS, o FUNRURAL, a LBA e o IPASE atualmente utilizam na prestação de assistência médica;

- IAPAS: bens atualmente utilizados nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira do INPS, do FUNRURAL e do IPASE, bem como por aqueles que não forem atribuídos a nenhuma das demais entidades do SINPAS por força da distribuição de competências prevista nesta Lei.

Importante constar que possivelmente o patrimônio em tela não era utilizado "na concessão de benefícios e outras prestações em dinheiro e na prestação de assistência complementar e de reeducação e readaptação profissional, na prestação de assistência médica, nem nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira", ou seja, não era utilizado para as atividades finalísticas do ente, uma vez que hoje constitui ocupação urbana consolidada, não afeta a nenhum uso público/institucional. 

Posteriormente foi criado o INSS por meio do Decreto nº 99.350/1990 (36481670), constituindo-se em autarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS), mediante fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS);

Por fim, por meio da Lei nº 8.689/1993 (36481746) foi extinto o INAMPS, sendo que seus bens imóveis foram incorporados ao patrimônio da União ou, doados ou cedidos a municípios, estados e Distrito Federal, quando se tratar de hospitais e postos de assistência à saúde e, na conveniência de ambas as partes, cedidos, quando se tratar de imóveis de uso administrativo, os quais permanecerão como patrimônio do INSS, sendo obrigatória a publicação do ato correspondente que especifique o destinatário e o uso do bem.

Portanto, salvo melhor juízo, o patrimônio imobiliário do IPASE, atualmente, pertence ao INSS e/ou União.

Desta forma, levantamos os seguintes questionamentos, importantes para a continuidade da análise de domínio em questão:

A doação (Estado do Acre ao IPASE) efetuada na Matrícula nº 67.460 é considerada legal? Em caso negativo, tais bens serão considerados, atualmente, de propriedade do Estado do Acre?

Em caso de a doação ter sido legal, os bens pertencentes ao IPASE, constantes na Matrícula nº 67.460, podem ser considerados, atualmente, de propriedade da União e/ou INSS?

Caso tais imóveis constantes na Matrícula nº 67.460 realmente não tenham sido utilizados nas atividades finalísticas do IPASE, ainda assim seriam considerados bens da União e/ou INSS? 

 

Os autos foram acostados ao sistema Sapiens/AGU, tendo também sido disponibilizado o acesso externo ao sistema Sei por meio do link https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2949380&infra_hash=dc72a9de9b96acf5e6312f055f5a831f, contendo os seguintes documentos:

       
  32238799 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238802 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238803 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238804 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238808 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238809 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238812 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238819 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238824 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238829 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238834 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238841 Anexo versao_1_Documento com dados de dimensão e de 08/03/2023  
  32238843 Anexo versao_1_Documento de identificação com foto 08/03/2023  
  32238844 Anexo versao_1_Documento de identificação com foto 08/03/2023  
  32238846 Requerimento versao_1_AC00028_2023.pdf 08/03/2023  
  32481891 Despacho 17/03/2023  
  32482809 Matrícula Matricula 67.460 do 1º RI 15/03/2023  
  32483457 Anexo Territorial_1-3-120-244 17/03/2023  
  32483463 Anexo Territorial_1-3-120-299 17/03/2023  
  32483467 Anexo Territorial_1-3-120-320 17/03/2023  
  32483481 Anexo Territorial_1-3-120-354 17/03/2023  
  32497566 Ofício 15136 17/03/2023  
  32518870 Ofício 15445 20/03/2023  
  32520478 Ofício 15469 20/03/2023  
  32788114 E-mail 29/03/2023  
  32788526 E-mail 29/03/2023  
  32789120 E-mail 29/03/2023  
  32789877 E-mail 29/03/2023  
  32790181 E-mail 29/03/2023  
  32961683 Certidão 04/04/2023  
  33053015 Ofício 475/2023 10/04/2023  
  33378640 E-mail 20/04/2023  
  33669645 Confirmação 02/05/2023  
  35693320 Ofício 75241 13/07/2023  
  35746612 E-mail 17/07/2023  
  35830656 Confirmação 19/07/2023  
  35933449 E-mail 24/07/2023  
  35933660 Certidão 24/07/2023  
  35934291 Ofício 79287 24/07/2023  
  35954323 E-mail 24/07/2023  
  36032497 Ofício 26/07/2023  
  36032528 Parecer 26/07/2023  
  36052253 Despacho 27/07/2023  
  36115193 Despacho 31/07/2023  
  36440550 Despacho 10/08/2023  
  36476910 Lei Estadual nº 66 - 22 de abril de 1966 11/08/2023  
  36477380 Decreto -Lei nº 288, de 23 de fevereiro de 1938 11/08/2023  
  36481663 Lei nº 6.439, de 1º de setembro de 1977 11/08/2023  
  36481670 Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990 11/08/2023  
  36481746 Lei nº 8.689, de 27 de julho de 1993 11/08/2023  
  36520298 Ofício 89708 14/08/2023  
  36522788 Ofício 89756 14/08/2023  
  36523005 Ofício 89761 14/08/2023  
  36749852 Ofício 93742 22/08/2023  
  36791880 E-mail 23/08/2023  
  36792150 E-mail 23/08/2023  
  36792235 E-mail 23/08/2023  
  36792352 E-mail 23/08/2023  
  36796300 Despacho 23/08/2023  
  36831242 E-mail 24/08/2023  

 

Em apertada síntese é o relatório. Passemos ao mérito.

 

FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO. 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. 

Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada. 

Importante salientar, que o exame dos autos processuais se restringe aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente se municiou dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.[1] 

De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. 

É nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O prosseguimento do feito sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.

 

FUNDAMENTAÇÃO

 - DOAÇÃO E A NECESSIDADE DE INSTRUMENTO CONTRATUAL -

 

Como se sabe, a Doação é o contrato por meio do qual uma pessoa (doador), por liberalidade, transfere um bem do seu patrimônio para o de outra (donatário), que o aceita (art. 538 do Código Civil atual ou art. 1.165 do Código Civil de 1916 regente a época da doação dos autos).

As doações de imóveis nos tempos atuais devem seguir e cumprir os procedimentos e requisitos previstos nas normais legais e infralegais. Entretanto, para a doação em tela, vale lembrar que foi feita antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, da edição da Lei 8.666/93 e do decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986. Naquele tempo, regia o Código Civil de 1916:

 

Art. 1.168. A doação far-se-á por instrumento publico, ou particular (Art. 134).

Parágrafo único. A doação verbal será valida, se, versando sobre bens moveis e de pequeno valor, se lhe seguir in-continenti a tradição.

 
(...)

Art. 134. É, outro sim, da substância do ato a escriptura publica.

(...)

II - Nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sôbre imóveis de valor superior a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), excetuado o penhor agrícola.       (Redação dada pela Lei nº 1.768, de 1952)
 
 LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973.
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.               (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - o registro:  
33) da doação entre vivos;

 

Não há notícias nos registros acerca do valor do imóvel, de forma a saber sobre a obrigatoriedade da escritura pública. Sabe-se que a doação do imóvel foi feita por determinação da  Lei Estadual nº 66, de 22 de abril de 1966, sancionada pelo Governador e publicada no Diário Oficial nº 206, expressa nos seguintes termos:

 

O GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE
FAÇO SABER que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica transferido, por doação do Estado, ao Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado - IPASE, uma área de terras desmembrada do lote de terras Rural-Agrícola ocupada pela “Fazenda Araripe”, medindo 15.225 metros quadrados, limitando-se ao norte com a Fazenda Araripe, ao sul com a estrada do Aviário e Bairro do Aviário, a leste com este Bairro e a oeste com aquela estrada.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio Branco, 22 de abril de 1966, 77º da República, 64º do Tratado de Petrópolis e 4ºdo Estado do Acre.

 

Diante da redação acima, verifica-se que a Lei ao invés de autorizar a doação, optou por fazê-la diretamente, provocando-nos o entendimento que, para o caso em análise, esse ato legislativo - como ato de vontade do poder público -  poderia substituir a escritura pública, elemento essencial nas relações entre particulares. Até porque, até que seja revogada por seu poder legislativo ou decretada nula pelo Poder Judiciário, em nome do princípio da presunção da legalidade, não será permitido negar sua validade.

 

Há quem questione que na doação em epígrafe tenha faltado o quesito primordial para a configuração plena do contrato de doação: o aceite. Entretanto, diante dos documentos acostados aos autos (e da prática reiterada do Estado do Acre em assim proceder, a exemplo de vários processos encontrados no sistema sapiens/AGU com questionamentos semelhantes) não podemos partir desta suposição, até porque na lavratura do registro está afirmado que o mesmo se dá por protocolo nº 816 fl.34 1vº1 - convalidação. Nesse ponto, uma vez sendo publicada no Diário Oficial do Estado e não tendo a donatária recusado a liberalidade, podemos partir do pressuposto de que houve o aceite, a menos que se comprove que a donatária nunca  tenha exercido qualquer atributo que caracterize sua propriedade (uso, gozo, e disposição dos bens ou reação se alguém possuir de maneira injusta).

 

Assim, s.m.j., penso que a Administração Pública Federal não poderia negar validade a uma Lei publicada há mais de cinquenta anos, ainda mais, quando ela tenha sido prosseguida do elemento essencial para o cumprimento de seus efeitos: o registro no cartório de imóveis competente.

 

Ultrapassada essa preliminar e partindo do pressuposto de que a lei estadual atingiu o seu desiderato, transferindo a propriedade do bem ao IPASE, passaremos à análise dos seguintes questionamentos: 

 

Como mencionado na Consulta, a Lei nº 6.439 , de 1º de setembro de 1977 instituiu o sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS,  a ser integrado pelas seguintes entidades:

Art 4º - Integram o SINPAS as seguintes entidades:
I - Instituto NacionaI de Previdência Social - INPS;
II - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS;
III - Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA;
IV - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNABEM;
V - Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social - DATAPREV;
VI - Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS.
§ 1º - Integra, também, o SINPAS, na condição de órgão autônomo da estrutura do MPAS, a Central de Medicamentos - CEME.
§ 2º - As entidades do SINPAS têm sede e foro no Distrito Federal, podendo, entretanto, manter provisoriamente sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, até que, a critério do Poder Executivo, possam ser transferidas para o Distrito Federal.

 

A cada entidade foi atribuída uma finalidade específica, importando citar as conferidas ao a) INPS - competia conceder e manter os benefícios e outras prestações em dinheiro, inclusive as que na época eram a cargo do IPASE e do FUNRURAL; b) INAMPS o qual lhe cabia a prestação de “atividade-fim” na área de atenção médica e c) do IAPAS - incumbia exercer “atividades-meio” e de fiscalização no interesse das demais entidades integrantes do SINPAS.

 

Como narrado na Ofício/consulta, com a extinção do IPASE, que se imagina tenha ocorrido conforme determinado pelo art. 33 - liquidação e posterior declaração de extinção de sua personalidade jurídica - houve transferência de pleno direito de seus bens, direitos e obrigações para as entidades que assumiram suas competências (art. 14), a saber:

 
- INPS: bens que o IPASE e o FUNRURAL atualmente utilizam na concessão de benefícios e outras prestações em dinheiro e na prestação de assistência complementar e de reeducação e readaptação profissional;
- INAMPS: bens que o INPS, o FUNRURAL, a LBA e o IPASE atualmente utilizam na prestação de assistência médica;
- IAPAS: bens atualmente utilizados nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira do INPS, do FUNRURAL e do IPASE, bem como por aqueles que não forem atribuídos a nenhuma das demais entidades do SINPAS por força da distribuição de competências prevista nesta Lei.
 

O órgão consulente afirma que  possivelmente o bem objeto dos autos não foi utilizado para as atividades finalísticas de nenhuma das entidades supra. Esse fato nos traz a exegese de que haveria o enquadramento na parte final da alínea VI, art. 14 da Lei nº 6.439/77, de forma a configurar a transferência do bem para o IAPAS:

 

VI - o do IAPAS pelos bens atualmente utilizados nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira do INPS, do FUNRURAL e do IPASE, bem como por aqueles que não forem atribuídos a nenhuma das demais entidades do SINPAS por força da distribuição de competências prevista nesta Lei.

 

Corrobora esse entendimento, a peculiar conformação conferida ao SINPAS, em que o IAPAS, entidade de natureza jurídica pública, exercia atividades-meio em prol das outras entidades de natureza jurídica pública integrantes do referido sistema – essas incumbidas do exercício de atividades-fim de previdência e assistência social – o art. 13, § 2º, I, da Lei nº 6.439, de 1977, autorizava, inclusive, a aquisição de imóveis pelo IAPAS, com vistas à sua utilização pelas demais integrantes do SINPAS para exercício de seus múnus públicos e atribuições institucionais, mediante prévia outorga. Veja-se:

 

“Art. 13.
 § 2º - O IAPAS poderá, de acordo com plano previamente aprovado pelo Ministro da Previdência e Assistência Social:
I - adquirir os bens necessários ao seu próprio funcionamento e ao das demais entidades do SINPAS, desde que lhe outorguem poderes para tal;
II - alienar, permutar ou arrendar os seus próprios bens ou, mediante outorga de poderes, os das demais entidades do SINPAS, quando não vinculados às respectivas atividades essenciais.
(grifos nosso).

 

Assim, no bojo dessa peculiar conformação institucional conferida ao SINPAS, é que entendemos ocorrer a aquisição do imóvel ora em comento pelo IAPAS. 

 

Por conseguinte, passa-se ao próximo questionamento: com o desaparecimento do IAPAS, o imóvel seria do INSS ou da União?

 

A Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, autorizou o Poder Executivo, por meio de seu art. 17, a instituir o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, como autarquia federal, mediante fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social – IAPAS - com o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Tal autorização foi concretizada por intermédio do Decreto nº 99.350, de 1990, que, no art. 15, determinou a incorporação do patrimônio do IAPAS ao patrimônio do INSS. Veja-se:

 

"Art. 1º É criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS), mediante fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)."
 
"Art. 15. Ficam incorporados ao INSS os acervos patrimonial, financeiro e de recursos humanos dos órgãos e unidades dos extintos IAPAS e INPS."
(grifos nosso)
 

Desta forma, uma vez que o imóvel encontra-se registrado sob propriedade do IPASE, deverá ser transferido ao IAPAS e posteriormente ao INSS, obedecendo-se às determinações legais ao longo do tempo.

 

DO PARECER Nº AC-46 (PARECER Nº AGU/MS-11/2005, DE 21 DE OUTUBRO DE 2005) 

 

Cumpre-se registrar, tendo em vista a similaridade da questão, que o Parecer nº AC-46 (Parecer nº AGU/MS-11/2005, de 21 de outubro de 2005) vinculante, aprovado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, embora verse sobre questão distinta da que aqui se verifica, pode ser aproveitado quanto ao que se refere à questão da sucessão dos bens do IAPAS para o INSS.

 

Isso porque o referido parecer buscou esclarecer a correta propriedade de quatro imóveis objeto de litígio entre o INSS e a União (por meio do Ministério da Saúde) em virtude do disposto no art. 14, II e VI, da Lei nº 6.439, de 1º de setembro de 1977, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS. Veja-se:

 

"Art 14 - Em decorrência do disposto nesta Lei, o patrimônio de cada uma das entidades do SINPAS será constituído:
II - o do INAMPS pelos bens que o INPS, o FUNRURAL, a LBA e o IPASE atualmente utilizam na prestação de assistência médica;
VI - o do IAPAS pelos bens atualmente utilizados nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira do INPS, do FUNRURAL e do IPASE, bem como por aqueles que não forem atribuídos a nenhuma das demais entidades do SINPAS por força da distribuição de competências prevista nesta Lei."

 

Assim, bens de propriedade do INPS, FUNRURAL e IPASE que, à época da edição da Lei nº 6.439, de 1977, se destinassem à prestação de assistência médica, seriam incorporados ao patrimônio do INAMPS; de outro lado, os bens das referidas entidades que fosse utilizados em atividades diversas da prestação de assistência médica seriam incorporados ao patrimônio do IAPAS. Nesse contexto, o Parecer nº AC-46 (Parecer nº AGU/MS-11/2005, de 21 de outubro de 2005) se prestou a esclarecer se "atividades-meio" na área de saúde deveriam definir a propriedade do imóvel em favor do INAMPS, em detrimento do IAPAS, haja vista o disposto no art. 14, II, supratranscrito. Veja-se excerto do referido parecer nesse sentido:

 

"16. Não obstante a lógica da norma explicitada acima, sabe-se que resta uma seara indefinida, sujeita a interpretações díspares, em relação aos imóveis que o INPS, FUNRURAL e IPASE utilizavam, até a edição da Lei nº 6.439/77, em serviços conexos à prestação de assistência médica propriamente dita, mas que não possuíam uma destinação de efetiva assistência médica, havendo dúvida se os mesmos foram transferidos ao INAMPS ou ao IAPAS. Exatamente esse, como relatado, é o caso da presente análise. E a questão é relevante, pois, em 1990, o IAPAS foi fundido ao INPS, originando o INSS (Lei nº 8.029/90), e, em 1993, o INAMPS foi extinto, sendo sucedido pela União (Lei nº 8.689/93). Ou seja, a solução da controvérsia definirá quem é o titular atual desses bens, se o INSS ou a União.
(...)
24. Diante disso, pode-se concluir que os bens de propriedade do INPS, FUNRURAL e IPASE que, à época da edição da Lei nº 6.439/77, eram destinados aos serviços de administração referentes à prestação de assistência médica até então desenvolvida por esses entes, foram destinados por seu artigo 14, VI para o IAPAS, e não para o INAMPS, pertencendo, após a Lei nº 8.029/90, ao INSS, e não à União. Somente foram destinados aquela época ao INAMPS os bens afetados efetivamente à prestação de assistência médica por aquelas entidades e pela LBA.
25. A partir dessa conclusão geral, pode-se voltar ao deslinde do caso concreto sob apreciação, relembrando-se que, em 1977, o imóvel ora em disputa era de propriedade do INPS, pois lhe fora transferido do patrimônio do IAPI quando da extinção deste.
26. Da análise dos fatos e dos documentos apresentados pelo Ministério da Saúde, não impugnados pelo Ministério da Previdência Social, percebe-se que, em seguida à criação do INAMPS, foi instalada na Avenida Marechal Câmara, nº 271, 2º andar, Rio de Janeiro/RJ, a sua Divisão de Assistência Patronal, sendo ainda inconteste que, no local, não era prestada efetiva assistência médica, havendo apenas parte da administração dos serviços médicos destinados a servidores. E não havendo nenhum indício que aponte para a existência, no local, no momento da edição da Lei nº 6.439/77, de serviço finalístico de assistência médica de qualquer espécie, não há como se reconhecer a incidência de seu artigo 14, II, não tendo o mesmo sido transferido do INPS para o INAMPS, mas para o IAPAS, por aplicação de seu artigo 14, VI.
27. Por fim, com a fusão do IAPAS e do INPS determinada pela Lei nº 8.029/90, e a conseqüente criação do INSS, o referido imóvel passou, em verdade, ao patrimônio deste, e não ao da União, devendo o INSS, sem qualquer impugnação por parte da União, buscar a retificação de seu registro imobiliário após a aprovação do presente parecer nos termos do artigo 40 da Lei Complementar nº 73/93, dando-se por encerrada a presente câmara de conciliação e arbitramento. Contudo, esclareça-se que nada impede que, respeitadas as normas aplicáveis à espécie, o imóvel possa ser utilizado pelo Ministério da Saúde, se for de sua conveniência e do INSS.
28. Essas são as razões que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência, e que, acaso aprovadas, devem ainda subsidiar a análise da Administração Pública Federal na solução de outros casos de igual teor."

 

 

Assim, sob o viés que aqui se analisa, por dever ser o imóvel em questão transferido ao IAPAS, entende-se  que sua propriedade caberia legitimamente ao INSS, enquanto sucessor daquela entidade, conforme prescrição do art. 15 do Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990, aqui já transcrito.

 

CONCLUSÃO

Por tudo exposto, opina-se:

a)  que a doação sem encargo determinada por Lei Estadual devidamente publicada no veículo oficial daquele Ente da Federação e levada a registro no Cartório imobiliário configura ato jurídico válido de transferência da propriedade desde que a) não tenha havido recusa expressa da liberalidade pela donatária e b) fique comprovado que a mesma tenha exercido qualquer atributo que caracterize sua propriedade (uso, gozo, e disposição dos bens ou reação se alguém possuir de maneira injusta);

b) Com a extinção do IPASE, os seus imóveis que não forem destinados a atividades finalísticas das entidades que compõem o SINPAS, devem ser transferidos ao IAPAS  e posteriormente ao INSS, enquanto sucessor daquela entidade, conforme prescrição do art. 15 do Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990.

É o parecer.

Devolvam-se ao órgão consulente, com as considerações de estilo.

 

Brasília, 31 de agosto de 2023.

 

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 


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