ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00731/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 00447.001026/2023-21
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO PARANÁ - SPU/PR
ASSUNTOS: DOAÇÃO. REVERSÃO. CLÁUSULA RESOLUTIVA. CONSULTA
EMENTA: REVERSÃO DE IMÓVEL AO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO-PR EM DECORRÊNCIA DO DESCUMPRIMENTO DO ENCARGO. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EXPRESSA. DIREITO POTESTATIVO IRRENUNCIÁVEL DECORRENTE DE IMPOSIÇÃO LEGAL: §§ 1º E 4º, ART. 17, DA LEI DE LICITAÇÕES. REEMBOLSO DE DESPESAS COM BENFEITORIAS. PRETENSÃO TEMEROSA POR ABSOLUTA AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA EM CONTRATO.
I - RELATÓRIO
Os autos do processo em epígrafe trata de consulta formulada pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Paraná, referente a cláusula resolutiva de reversão de bem imóvel doado à União pela Prefeitura Municipal de Campo Mourão-PR em face do não cumprimento do encargo.
Trata-se do imóvel identificado como Lote Urbano nº 12, Quadra 171, com área de 950,00m2, situado na avenida José Custódio de Oliveira, Município de Campo Mourão, Estado do Paraná, doado com a finalidade de implantação de sede própria da Delegacia da Receita Federal naquele município.
Conforme e-mail da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Maringá-PR foi confirmada a suspensão das atividades da Agência em Campo Mourão, através da Portaria SRRF09 nº 679-2023 (SEI 36980073).
Na Nota Técnica SEI nº 32855/2023/MGI (SEI nº 37055893), o órgão consulente aduz:
"...solicitamos que o processo seja encaminhado à CJU para informar se, com a suspensão das atividades da Agência da Receita Federal do Brasil em Campo Mourão/PR, no imóvel supracitado, a União deverá providenciar o Termo de Reversão do Imóvel ao Município de Campo Mourão, e se for o caso, a União poderia solicitar o reembolso realizado com investimento em benfeitorias."
Consta de relevante para estudo da questão posta, dentre outros documentos acostados aos autos, o Lei Municipal nº 1026/96 autorizando a doação (SEI 36984819), Termo de Doação (SEI 36439751), Termo de Entrega (SEI 37055851), Portaria SRRF09 nº 679-2023- Suspensão Campo Mourão(SEI 36980073), Nota Técnica nº 32855/2023/MGI (SEI 37055893).
É o relatório.
II - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A competência atribuída a este NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, se dá com fundamento no art. 131, da Constituição Federal de 1988, art. 11, V, da Lei Complementar nº 73/93, c/c art. 1º, V, § 5º, da Portaria AGU nº 14, de 23 de janeiro de 2020.
O objetivo da presente manifestação jurídica é assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
O questionamento proposto pela SPU/PR tem como tema central a cláusula resolutiva presente em contrato de doação celebrado entre a União e a Prefeitura Municipal de Campo Mourão.
Referida cláusula diz respeito à obrigação positiva de reversão do bem imóvel doado na hipótese de não cumprimento do encargo ou da finalidade da doação.
No presente caso se observa que no contrato, cláusula terceira, ficou acordado "...que ocorrerá a reversão do imóvel, acessões e benfeitorias ao patrimônio do Município de Campo Mourão, se a donatária desviar a finalidade prevista para o imóvel doado;"
Na verdade se trata de condição imposta a partir da Lei autorizativa da doação, ao estabelecer em seu art. 2º que: "constará, obrigatoriamente, da escritura de doação a cláusula de reversão do imóvel acessões e benfeitorias ao patrimônio do Município de Campo Mourão, se a donatária inadimplir as obrigações legais e contratuais, nomeadamente as de desvio da finalidade prevista."
Portanto, se apresenta de forma muito clara a obrigação acordada no Termo de Contrato, em relação à donatária, que consiste na imposição contratual de reverter ao patrimônio municipal o bem objeto da doação.
Com efeito, impende trazer à colação o que dispõe o art. 54, da Lei nº 8.666/93, cujo teor se mostra afeto a esta circunstância.
"art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado."
Tal disposição significa dizer que as regras a serem obedecidas no contrato são aquelas constantes de suas próprias cláusulas e pelas leis de direito público, dentre estas, notadamente, a Lei nº 8.666/93, no tocante à execução dos contratos.
Desse modo se apresenta inequívoca a conclusão que a devolução do bem deverá ocorrer através do respectivo Termo de Reversão e a consequente entrega do imóvel.
Vê-se que tal obrigação independe da vontade das partes, mas se trata de verdadeira imposição legal e contratual.
Convém ainda trazer a baila o que dispõe a Lei nº 8.666/93 acerca da doação, senão vejamos:
"Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
[...]
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)
[...]
§ 1º Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.
[...]
§ 4º. A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado."
No que tange às disposições de direito privado importa observa o que estabelece o Código Civil:
"Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
[...]
Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.
Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.
[...]
Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.
[...]
Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida."
Conclui-se portanto, que a doação com cláusula de reversão, se dá quando o doador, no ato da liberalidade, estabelece que o bem doado retorne ao seu patrimônio em caso de falecimento do donatário.
A cláusula subordina a doação a condição resolutiva, e deve estar expressa na escritura pública ou instrumento particular de doação.
Quanto ao questionamento no sentido de possível reembolso de despesas efetuadas com benfeitorias em favor da donatária, nos parece se tratar de pretensão no mínimo temerosa, eis que, para tal possibilidade teria que constar expressamente do Termo de Contrato.
Aqui aplica-se uma vez mais o disposto no art. 54 da Lei nº 8.666/93, ou seja, se o contrato regula-se por suas próprias cláusulas e destas não consta expressamente tal condição, nos parece não ser cabível a solicitação de reembolso por eventuais despesas com benfeitorias.
Por fim, insta mencionar o conteúdo por demais esclarecedor do bem lançado PARECER nº 00098/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, no Processo 10154.177558/2020-34, a respeito da matéria, também aplicável ao presente caso.
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, a reversão do bem imóvel por parte da donatária à Prefeitura Municipal de Campos Mourão é uma possibilidade que se apresenta em razão de expressa condição estabelecida de modo impositivo no Termo de Contrato.
De outra banda, o ordenamento legal de caráter público, através da Lei nº 8.666/93, em seu art. 54, traduz fundamento para tal desiderato.
De idêntico modo, no âmbito direito privado, o Código Civil estabelece as mesmas condições, em seus artigos 535, 553, 555 e 562, na hipótese de aplicação supletiva.
No que tange a hipótese de solicitação de reembolso de eventuais despesas com benfeitorias no imóvel, não se apresenta plausível pela total ausência de previsão expressa no Termo de Contrato.
Boa Vista-RR, 19 de setembro de 2023.
SILVINO LOPES DA SILVA
Advogado da União em Roraima-CJU-RR/CGU/AGU
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00447001026202321 e da chave de acesso 8625fe44