ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

 

 

PARECER n. 00743/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

 

 

 

NUP: 19739.144767/2023-48

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA (SPU/BA)(CJU-BA) E OUTROS

ASSUNTOS: UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS

 

 

 

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. NOTÍCIA DE FATO Nº 1.14.000.001816/2023-12 ENCAMINHADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/BA. IMPLANTAÇÃO DO TERMINAL MARÍTIMO SITUADO NA BAÍA DE ARATU, MUNICÍPIO DE CANDEIAS/BA, DE RESPONSABILIDADE DA BAHIA TERMINAIS S.A. OCUPAÇÃO DA ÁREA VERSUS REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA COMUNIDADE BOCA DO RIO - MUNICÍPIO DE CANDEIAS

 

 

RELATORIO

 

Trata-se de processo eletrônico oriundo da Superintendência do Patrimônio da União da Bahia encaminhado à Consultoria Jurídica no Estado da Bahia/BA, por meio do OFÍCIO SEI Nº 101171/2023/MGI, albergando consulta jurídica que, para melhor compreensão, reputamos oportuno transcrever:

 

Nota Técnica SEI nº 33484/2023/MGI
Assunto: (MPF) Notícia de Fato nº 1.14.000.001816/2023-12. Ocupação de área regularizada para Bahia Terminais versus regularização fundiária da Comunidade Boca do Rio - Município de Candeias.
  
Senhor Superintendente,
Sumário Executivo
Trata o presente processo de demanda do Ministério Público Federal, de acordo com a Notícia de Fato nº 1.14.000.001816/2023-12 (36826197), relativo a empreendimento portuário situado na Baía de Aratu, município de Candeias/BA, de responsabilidade da Bahia Terminais S/A. 
Análise
Do exame da peça processual em apreço, identifica-se que o Parquet federal requer que a SPU/BA suspenda/revogue qualquer autorização em relação ao terminal da Bahia Terminais, por estar relacionado ao território tradicional da Comunidade Quilombola Boca do Rio, assim como proceda a retirada de quaisquer cercas, tapumes e similares colocados em locais indevidos e que impedem o acesso e o livre trânsito da Comunidade Tradicional.
Menciona no expediente a vedação das inscrições de ocupação prevista no art. 9º, II da Lei 9.636/98, bem como a regularização por TAUS prevista no artigo 10 da Lei 13.465/2017.
Informamos que o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), prevista na Lei 13.465/2017 e regulamentada pela Portaria SPU nº 89, de 15 de abril de 2010, é um instrumento conferido em caráter excepcional, transitório e precário para comunidades tradicionais, com o objetivo de garantir o acesso aos bens públicos de uso comum e possibilitar a ordenação do uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na orla marítima e fluvial, voltados à subsistência dessas populações.
A excepcionalidade da concessão da TAUS deve ser fundamentada, não podendo ser utilizado no caso das áreas da Bahia Terminais, visto que existe prévia autorização da SPU para a exploração portuária nas mesmas, devendo tal condição sopesar o interesse público que justificou os instrumentos de ocupação/aforamento/cessão de uso.
No tocante às comunidades quilombolas, a Portaria Interministerial nº 210/2014 é quem estabelece as diretrizes para titulação de territórios tradicionais que estejam sobrepostos às terras públicas federais, cuja titulação compete ao INCRA, nos seguintes termos:
"Art. 1º Fica delegada ao Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, a competência para outorgar a beneficiários de projetos federais de assentamento de reforma agrária e a grupos remanescentes das comunidades dos quilombos a Concessão de Direito Real de Uso - CDRU ou a transferência do domínio pleno de terrenos rurais da União, contemplados nos incisos I, III, IV e VII do art. 20 da Constituição Federal, que estejam sob gestão exclusiva da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão SPU/MP.
Parágrafo único. A delegação de que trata o caput abrange as áreas da União caracterizadas como várzeas, ilhas, terrenos de marinha, terrenos marginais e seus acrescidos, bem como outras áreas adquiridas ou atribuídas legalmente à União, apenas quando geridas exclusivamente pela SPU/MP"
Art. 2º Ficam subdelegadas, do Ministro do Desenvolvimento Agrário para o Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, as competências executivas para a outorga a que se refere o art. 1º, e para a condução dos procedimentos administrativos a ela inerentes."
 
Da mesma forma, também compete ao INCRA, através da expedição do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), informar os limites da poligonal de uso tradicional. O citado relatório aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas, que compõem a instrução processual da regularização fundiária das terras ocupadas tradicionalmente por Comunidades Remanescentes de Quilombo, conforme disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (ADCT), Decreto nº 4.887/2003 e Instrução Normativa/INCRA nº 20/2005.
A título de exposição, o RTID é constituído pelas seguintes peças: relatório antropológico; planta e memorial descritivo do perímetro do território, bem como mapeamento e indicação das áreas e ocupações lindeiras de todo o entorno da área; cadastramento das famílias quilombolas; levantamento fundiário com levantamento de documentos e de dados dos imóveis inseridos no perímetro do território quilombola reivindicado, assim como de seus proprietários ou posseiros; relatório agroambiental do território proposto, com o levantamento de suas características e possibilidades; detalhamento da situação fundiária e de sobreposição de outros interesses estatais no território pleiteado; pareceres conclusivos das áreas técnica e jurídica.
À SPU compete verificar se há eventual sobreposição com áreas da União:
"Art. 3º Para os fins do disposto no art. 1º, a SPU/MP, identificará, delimitará, demarcará e, sendo o caso, incorporará ao patrimônio fundiário federal, as terras atribuídas à sua gestão, nas quais se constatem sobreposições de projetos federais de assentamento de reforma agrária ou de remanescentes das comunidades de quilombos."
 
Existindo tal sobreposição, a SPU caracteriza a área, incorporando-a ao seu patrimônio imobiliário, e promove a abertura de matrícula no Cartório competente. Na sequência, adotará os trâmites administrativos necessários à destinação da área ao INCRA, o qual tem a competência de expedir a CDRU coletiva (conforme for), titulando os membros da comunidade quilombola, sendo o TAUS instrumento intermediário, que inicia o processo de regularização fundiária.
Nessa esteira, é forçoso reconhecer o que dispõe o art. 6º da Portaria Interministerial em exame, no que concerne a definição de poligonal de uso tradicional das comunidades de remanescentes de quilombo:
"Art. 6º A delimitação da área da União para a outorga do Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS deverá respeitar os limites de tradição das posses existentes no local, a ser definido com a participação das comunidades diretamente beneficiadas, respeitando as peculiaridades locais dos ciclos naturais e organização comunitária territorial das práticas produtivas." (grifo acrescido)
Cumpre esclarecer que as áreas ocupadas pela Empresa Bahia Terminais estão regularizadas em regimes de ocupação/aforamento/cessão de uso, não sendo possível impedir sua utilização, nos termos da Instrução Normativa nº 4, de 14 de agosto de 2018, a qual reza:
 
"Art. 37. É vedado o loteamento ou o desmembramento de áreas objeto de inscrição de ocupação sem preferência ao aforamento, nos termos dos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, exceto quando:
I - realizado pela própria União, em razão do interesse público; ou
II - solicitado pelo próprio ocupante, comprovada a existência de benfeitoria suficiente para caracterizar, nos termos da legislação
vigente, o aproveitamento efetivo e independente da parcela a ser desmembrada.
Art. 38 A realização de obras nos terrenos regularmente inscritos em ocupação não necessitam de autorização prévia, sendo obrigação do ocupante observar a legislação e as normas técnicas pertinentes. (grifos acrescidos)
Conclusão
Assim, diante do quanto exposto, sugiro a remessa dos presentes autos à Consultoria Jurídica da União - CJU para emissão de Parecer jurídico e resposta ao Ministério Público Federal.
À consideração superior.
Documento assinado eletronicamente
DOMINGOS MELO FILHO
Chefe de Serviço
Documento assinado eletronicamente
ANGÉLIA SOARES FADDOUL
Coordenadora
De acordo.
Documento assinado eletronicamente
OTÁVIO ALEXANDRE FREIRE DA SILVA
Superintendente

 

Os autos vieram a este NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO, Órgão consultivo integrante da estrutura da Advocacia-Geral da União competente para assessorar o Órgão consulente, com fulcro na Lei Complementar nº 73, de 1993, artigo 8-F da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, e na Portaria Normativa AGU nº 72, de 07 de dezembro de 2022 encontrando-se instruído com os seguintes principais documentos lançados no sistema SEI, cujo acesso foi autorizado pelo Órgão para possibilitar a análise do processo:

36826127       E-mail 21/08/2023    MGI-SPU-BA-SEAA

36826197       Ofício 21/08/2023    MGI-SPU-BA-SEAA

36826405       Anexo 18/08/2023    MGI-SPU-BA-SEAA

37032339       Despacho        01/09/2023    MGI-SPU-BA

37033150       Despacho        01/09/2023    MGI-SPU-BA-SEDEP

37035103       Despacho        01/09/2023    MGI-SPU-BA-SEDEP-SSDEP

37039474       Ofício 99414   01/09/2023    MGI-SPU-BA

37042540       Protocolo        01/09/2023    MGI-SPU-BA-SEAA

 37120724       Nota Técnica 33398   06/09/2023    MGI-SPU-BA-SEDEP

 19739.147916/2023-21        Patr. União: Atendimento ao Público           06/09/2023    MGI-SPU-BA-SEREP

37133731       Nota Técnica 33484   06/09/2023    MGI-SPU-BA-SEDEP

37124469       Ofício 101171 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37139035       Comprovante 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37139577       Comprovante 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37139749       Comprovante 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37140200       Comprovante 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37140589       Comprovante 06/09/2023    MGI-SPU-BA

37149380       Comprovante 08/09/2023    MGI-SPU-BA

37180789       Despacho        11/09/2023    MGI-SPU-BA-SEAA-NUATE

 

 

FEITO O RELATORIO, PASSO A OPINAR.

 

 

FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos das minutas. 

 

Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

 

De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.

 

De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.  Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do feito.

 

É nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações.   Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração

 

Conforme BPC n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU edição de 2016:

 
"A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento."

 

ANALISE JURIDICA

 

O presente pedido de assessoramento jurídico decorre do  recebimento do Ofício nº 496/2023/PR-BA/16ºOTC/RRSMTA encaminhado pelo Ministério Público Federal, Procuradoria da República – Bahia para a SPU/BA, contendo a Notícia de Fato nº 1.14.000.001816/2023-12, propondo, em síntese:

 

“ 4) E assim tem sido a realidade da Comunidade Boca do Rio, em Candeias-BA rodeada pelos mais diversos impactos. E, não bastasse tudo já existente, tem-se a autorização dessa DD. SPU/BA para outro empreendimento muito danoso aos quilombolas: o Terminal Marítimo de responsabilidade da Bahia Terminais S.A, o qual, vale assinalar, se nega inclusive a permitir a fiscalização do Órgão Ambiental Estadual;
 
Assim sendo, considerando o teor das informações absolutamente graves apresentadas pelo Órgão Ambiental Estadual (anexo), solicita-se que essa DD. SPU/BA suspenda e, em sequência, revogue, qualquer autorização em relação ao empreendimento de implantação do Terminal Marítimo situado na Baía de Aratu, município de Candeias/BA, de responsabilidade da Bahia Terminais S.A., notadamente por estar relacionado ao território tradicional da Comunidade Quilombola da Boca do Rio;
 
Requer, também, se proceda à retirada de quaisquer cercas, tapumes e similares colocados em locais indevidos e que impedem o acesso e o livre trânsito da Comunidade Tradicional utilizando-se, inclusive e se necessário, do auxílio de força policial federal e estadual (artigo 11 da Lei 9.636/1998 e seus regulamentos – decretos, portarias, instruções e atos normativos outros);
 
Requer, também, que a área seja devidamente devolvida para utilização da Comunidade Quilombola da Boca do Rio, com a maior brevidade possível.
 
Ademais, solicita-se que o MPF seja informado no prazo de 15 (quinze) dias.
 
Por ocasião da resposta, solicita-se fazer referência expressa aos números deste ofício funcional e dos autos mencionados.
 
Atenciosamente e à disposição,
 
RAMIRO ROCKENBACH DA SILVA MATOS TEIXEIRA DE ALMEIDA
PROCURADOR DA REPÚBLICA

 

Diante disso, a Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU-BA), no intuito de oferecer resposta aos questionamentos formulados do Parquet Federal, solicita a emissão de parecer desta Consultoria Jurídica.

 

Ao compulsar os documentos que integram o presente processado, verificamos que o caso se assemelha, em certa medida, ao objeto do processo NUP: 04941.003524/2009-20,  instaurado a partir do recebimento do   Ofício nº 139/2023 PR-BA/16ºOTC/RRSMTA pela SPU/BA, relativo ao Procedimento Preparatório nº 1.14.000.000653/2023-42 e Inquérito Civil n° 1.14.001.000322/2014-10, ambos do Ministério Público Federal, envolvendo a regularização fundiária das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais na Bahia, em especial, as localizadas no Município de Cairu-BA. 

 

Naquela oportunidade, o Parquet noticiou o caso da Fazenda Ponta dos Castelhanos, localizada na Ilha de Boipeba-Cairu/BA, detalhando a situação da área em questão e requisitando as seguintes providências:

i. avalie, de forma conjunta, a situação de todas as inscrições (bens da União), seja de que natureza forem, nas Ilhas de Tinharé e Boibepa (Sul da Bahia), fazendo prevalecer o uso sustentável em favor das Comunidades Tradicionais. Nenhum ato de natureza precária e resolúvel deve ser mantido válido nas Ilhas de Boipeba e Tinharé em benefício de qualquer particular quando incidente sobre área relacionada a comunidades tradicionais;
 
ii. proceda ao cancelamento, de imediato, de qualquer inscrição de ocupação ou ato similar em favor de MANGABA CULTIVO DE COCO LTDA, inscrita no CNPJ sob nº 09.815.391/0001-77, ou quaisquer de seus sócios ou sucessores, pessoas físicas ou jurídicas. Nenhum ato de natureza precária e resolúvel deve ser mantido válido nas Ilhas de Boipeba e Tinharé em benefício de qualquer particular quando incidente sobre área relacionada a comunidades tradicionais.

 

O processo foi submetido ao crivo da e-CJU/Patrimônio que exarou o PARECER n. 00243/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, cuja conclusão pode servir de referência para o caso concreto:

CONCLUSAO
Em face do exposto, opinamos, nos limites da análise jurídica e excluídos os aspectos técnicos e o juízo de oportunidade e conveniência,  pelo não cabimento, neste momento,  da adoção da medida extrema consubstanciada no cancelamento da inscrição da ocupação ou na transferência dos direitos de ocupação subsequente, sob pena de repercussões práticas indesejadas, como a afronta aos direitos anteriormente reconhecidos sem a observância das garantias constitucionais,  e, em última análise, a privação dos cofres da União das receitas patrimoniais instituídas em razão das referidas destinações, uma vez que o cancelamento ora cogitado impõe a retomada da posse do imóvel, providência que  ainda não se afigura viável  pelos fundamentos apresentados.
No entretanto,  cumpre às autoridades públicas responsáveis pelos Orgãos de gestão patrimonial da União, SPU e SPU/BA,  na esfera de suas respectivas competências:
I-  observar a Portaria Interministerial nº 1.677, de 7 de outubro de 2015, ou outra que por ventura a tenha substituído,  a qual define os procedimentos gerais para o desenvolvimento das atividades de protocolo no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, realizando os atos necessários à vinculação de todos os processos alusivos ao imóvel denominado "Fazenda Ponta dos Castelhanos"  de modo a propiciar a gestão documental eficiente e estruturada e a consulta dos legitimamente interessados.

 

II - manifestar-se  sobre a incidência do parâmetro de dimensão da área no procedimento tendente à inscrição, nos moldes do § 1º do artigo 1º da PORTARIA SPU Nº 7 DE 31/01/2001,  publicado no DOU em 1 fev 2001:
 
Art. 1º O cadastramento de terras ocupadas dependerá da comprovação do efetivo aproveitamento do imóvel.
 
§ 1º Será considerada de efetivo aproveitamento, para efeito de inscrição, a área de até duas vezes a área de projeção das edificações de caráter permanente existentes sobre o terreno, bem como as medidas correspondentes às demais áreas efetivamente aproveitadas, principalmente daquelas ocupadas com outras benfeitorias de caráter permanente, observada a legislação vigente sobre o parcelamento do solo. 
III- analisar tecnicamente todas as operações entabuladas envolvendo a "Fazenda Ponta dos Castelhanos", incluindo diligências a fim de  que os responsáveis tragam para o processo todos os documentos relativos a essas transações, sem prejuízo de outras por ventura encontradas:
 
a) Luig Paccosi,  1 "lote" de terra  com 1.500 m2;
b) Ricardo Rogella, "lote"de terra com 1.500 m2;
c) Patricia Ferrari, "lote"de terras com 1.500 m2;
d) Carla Ferrari, "lote"de terras com 1.500 m2;
e) Massimo Raggi, "lote" de terras com 1.500 m2;
f) Massimo Ferrari, "lote"de terras com 1.500 m2;
g) Vincenzo Angeloni, "lote" de terras com 1.500 m2;
h) Frederico Copolo,"lote" de terras com 3.000 m2;
i) Jean Loius Marcel Rey, "lote"de terras com 5.032,81  m2;
j) Tatiana Romeiro da Roza e Joana Guimarães Baroukel Braga, 4.81 ha
 
IV - na forma do § 4o do artigo 3º do Decreto-lei nº 2.398, de 1987, verificar se os novos ocupantes  requereram ao órgão local da SPU, no prazo máximo de sessenta dias contatos da data da transção (04 de maço de 2008),  a transferência dos registros cadastrais para o seus rspectivos nomes. A não-observância do prazo estipulado no § 4o deveria tê-los sujeitados à multa de 0,05% (cinco centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o valor do terreno e benfeitorias nele existentes, razão pela qual a SPU/BA deve adotar as medidas cabíveis;
 
V - observar que a transferência da ocupação  foi feita somente em nome de MARCELO PRADEZ DE FARIA STALLONE, quando deveria  ter sido feita em nome de: CLOVIS EDUARDO ALVARES DE AZEVEDO MACEDO, JOSE ROBERTO MARINHO, MARCELO PRADEZ DE FARIA STALLONE E FILADELFIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., adotando as medidas para sanar o equívoco;
 
VI - adotar as providências cabíveis quanto à constatação das irregularidades no processo de transferência da ocupação, consignadas na Nota Técnica SEI nº 6577/2023/MGI;
 
VII - observar nas eventuais comunicações com a empresa MANGABA CULTIVO DE COCO LTDA. que esta não é titular de direitos relativos à ocupação em tela;
 
VIII- expedir ofício à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia  comunicando-lhe acerca de todas  escriturações envolvendo os negócios indicados neste parecer jurídico, para o fim ser verificado se houve eventual descumprimento do § 2º do artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987, e do § 3º do artigo 8º da Lei nº 5.868, de 1972, ou outro julgado cabível;
 
IX - expedir ofício ao INCRA comunicando-lhe a respeito das especificidades  dos desmembramentos efetuados no imóvel rural,  por meio das escrituras públicas lavradas e registros realizados nos Cartórios de Registro de Imóveis,  para obter suporte técnico sobre a matéria específica;
 
X- acompanhar a utilização  do imóvel , com vistas a coibir:
 
- inadimplemento do pagamento das taxas de ocupação por 3 (três) anos consecutivos;
- ocorrência de dano ambiental decorrente da utilização da área inscrita;
- ocorrência de dano ao patrimônio da União;
- uso contrário às posturas, zoneamento e legislação locais;
- impedimento do acesso às praias, às áreas de uso comum do povo, aos terrenos da União ou de terceiros; ou
- abandono do imóvel.
 
Por tudo isso, recomendamos que a SPU/BA NOTIFIQUE formalmente os atuais  Inscritos, CLOVIS EDUARDO ALVARES DE AZEVEDO MACEDO, JOSE ROBERTO MARINHO, MARCELO PRADEZ DE FARIA STALLONE E FILADELFIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., a fim de que se abstenham de promover qualquer ação tendente a implantar o empreendimento turístico, até que seja concluída a apuração das irregularidades aqui noticiadas,   abstendo-se, outrossim,  de adotar conduta que implique em comprometer a regularização fundiária em andamento no local, por meio da instauração de TAUS.
Finalmente, recomendamos que a SPU/BA, na hipótese de acolher as proposições retro discriminadas, NÃO adote nenhuma ação concreta sem antes cientificar e ouvir a Secretaria de do Patrimônio da União acerca dos termos deste Parecer Jurídico, no intento de harmonizar a atuação dos Órgãos de gestão patrimonial,  de acordo com os níveis de suas competências.
 

Calha mencionar que,  objetivando a produção do PARECER n. 00243/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, o levantamento de todos os processos, bem como a análise pormenorizada de todos os atos praticados,  ficaram a cargo da e-CJU/patrimônio.

 

Todavia, esta subscritora,  responsável pela árdua tarefa, verificou, ao final,  que o esforço empreendido era de natureza, predominantemente,  administrativa e, portanto, inserido na esfera de competência da SPU/BA.

 

A experiência acumulada serviu para validar a estratégia adotada no  processo paradigma  NUP: 04941.003524/2009-20, de tal sorte a recomendar que seja replicada no caso em tela com a diferença de que, desta vez,  a SPU/BA, ela própria,  naquilo que se insere na sua esfera de competência, promova minuciosa revisão técnica e administrativa do (s) processo (s) alusivos ao empreendimento de implantação do Terminal Marítimo situado na Baía de Aratu, Município de Candeias/BA, de responsabilidade da Bahia Terminais S.A., a fim de verificar a sua conformidade com os comandos legais aplicáveis.

 

Isto porque, conquanto se considere que a moldura fática e normativa tenha sido apontada pela SPU/BA na Nota Técnica SEI nº 33484/2023/MGI, o reexame acurado de todos os atos praticados pode descortinar a existência de irregularidades que não haviam sido detectadas no curso do processo sobre a  destinação original, na linha do que ocorreu no processo que tratou da Ilha de Boipeba/BA.

 

Evidentemente, que se no decorrer dessa atividade o Órgão assessorado se deparar com dúvida jurídica relevante, poderá solicitar o aconselhamento da Consultoria Jurídica competente da CGU/AGU.

 

Em face dessas observações, não se mostra suficiente, considerando a gravidade da provocação perpetrada pelo Ministério Público Federal, limitar-se a indicar as normas aplicáveis e a argumentar que “A excepcionalidade da concessão da TAUS deve ser fundamentada, não podendo ser utilizado no caso das áreas da Bahia Terminais, visto que existe prévia autorização da SPU para a exploração portuária nas mesmas, devendo tal condição sopesar o interesse público que justificou os instrumentos de ocupação/aforamento/cessão de uso”.

 

É preciso averiguar e demonstrar que as áreas da União envolvidas na implantação do terminal portuário não feriram interesses/direitos de comunidades tradicionais ou de quilombolas, anteriormente instaladas no local, mediante a especificação clara e precisa  dos  elementos extraídos do processo de destinação  à Bahia Terminais S.A.

 

De outro lado, incumbe à SPU/BA apresentar dados e informações concretas sobre o território tradicional da Comunidade Quilombola da Boca do Rio, ou seja, se houve, ou ainda há, concretamente, cercas, tapumes e similares colocados em locais indevidos que impeçam o acesso e o livre trânsito da Comunidade.

 

Esse ponto não foi abordado na Nota Jurídica, como não há, também, manifestação da SPU/BA sobre as informações expedidas do Órgão Ambiental Estadual a que se refere o Ministério Público.

 

No que se refere,  ainda,  ao território tradicional da Quilombola Boca do Rio, recomendamos que a SPU/BA verifique junto ao INCRA ações concretas na direção  de reconhecer os   direitos da  Comunidade.

 

Assim, levando em conta os fatos trazidos à luz pelo MPF, recomendamos que se proceda à aludida revisão do (s) processo(s), ou, no caso de ato praticado no âmbito da Secretaria de Patrimônio da União, que se de ciência da solicitação do Parquet contida no OFÍCIO SEI Nº 101171/2023/MGI - Notícia de Fato nº 1.14.000.001816/2023-12 - para, somente após, diante do resultado obtido, instaurar procedimento específico visando à implementação das consequências jurídicas que lhe são correspondentes, observando-se o contraditório e a prévia defesa.

 

 

CONCLUSAO

 

Nesse contexto,  entendemos que não cabe, NESTE MOMENTO,  a adoção da medida extrema consubstanciada no cancelamento da autorização concedida à empresa Bahia Terminais S/A,  sob pena de repercussões práticas indesejadas, como a afronta aos direitos anteriormente reconhecidos sem a observância das garantias constitucionais,  e, em última análise, à privação dos cofres da União das receitas patrimoniais instituídas em razão das referidas destinações, uma vez que o cancelamento,  ora cogitado,  impõe a tomada imediata da posse do imóvel, providência que ainda não se afigura viável  pelos fundamentos apresentados.

 

Frise-se, contudo, conforme exposto em linhas precedentes, que tal entendimento  não pressupõe que a União permaneça inerte diante de situações possivelmente destoantes da ordem legal, bem ao contrário, uma vez que preconiza a necessidade de apuração  dos fatos narrados pelo MPF,  para fins de adoção das medidas ajustadas à conclusão decorrente da auditoria recomendada, de acordo com a legislação de regência, sem se descuidar,  em relação a todos os interessados, de garantir  o contraditório e a prévia defesa.

 

É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do  parágrafo 1º do artigo 10 da PORTARIA NORMATIVA AGU Nº 72, de 07 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "B" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 49, de 08 de dezembro de 2022, que criou as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados.

 

Por fim, proponho que a SPU/BA dê ciência da Notícia de Fato nº 1.14.000.001816/2023-12  à Secretaria de Patrimônio da União, na hipótese de que essa unidade central tenha praticado algum ato administrativo relacionado ao tema examinado.

 

Proponho, outrossim,  que se de ciência ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA – BAHIA sobre os termos deste Parecer Jurídico. 

 
São Paulo, 19 de setembro de 2023.
 
LUCIANA MARIA JUNQUEIRA TERRA
ADVOGADA DA UNIÃO
 
 

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739144767202348 e da chave de acesso 15096195
 



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