ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00752/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 00030.780097/79-32
INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA:DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. DEMARCACAO DE TERRENO DE MARINHA. REVISAO. POSSIBILIDADE
RELATORIO
Trata-se de processo administrativo eletrônico oriundo da Superintendência do Patrimônio da União no Ceará, que tem como objeto a análise de dominialidade envolvendo o imóvel matriculado sob nº 108.006 do Cartório Registro de Imóveis da 1ª Zona de Fortaleza, Estado do Ceará.
Na esfera administrativa, o assunto foi analisado nos termos da Nota Técnica SEI nº 19532/2023/MGI, cuja transcrição se mostra oportuna para melhor compreensão do assunto:
"Nota Técnica SEI nº 19532/2023/MGI
PROCESSO: 04988.002751/2010-35
ASSUNTO: PROPRIEDADE E INCORPORAÇÃO DE PARTE DA ANTIGA BASE AÉREA DO PICI
Prezado Superintendente,
i. introdução
Por meio do Requerimento versao_1_CE00882_2023.pdf (SEI nº 33777887), datado de 04/05/2023, a FORMIGA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, CNPJ nº 42.412.886/0001-20, no processo 19739.122277/2023-91, solicitou DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL DA UNIÃO para o imóvel de matrícula 108.006 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Fortaleza/CE, trazida cópia da matrícula para este processo - ver Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529).
Na mencionada matrícula não consta nenhuma informação de que o imóvel pertence a União por estar situado em terreno de marinha e seus acrescidos, conforme se vê na Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529).
Ocorre que comparando a poligonal do imóvel contida na matrícula, com área de 76.406,30 m2, delimitada pelas coordenadas 565219.5951 9579202.4269 / 565106.5460 9579367.9977 / 564731.9049 9579376.1588 / 564660.5249 9579421.5088, no datum SIRGAS 2000, com a Linha do Preamar Média (LPM-1831), ver Mapa 1 (SEI nº 34934675), verifica-se que o imóvel está integralmente em terreno de marinha e seus acrescidos.
Ainda, o RIP deste processo (Anexo RIP 1389 0001835-00 (SEI nº 34934676)), delimitado atualmente pelas coordenadas 565157.3400 9579403.8300 / 565185.8708 9579370.8675 / 565205.9184 9579342.9015 / 565274.1000 9579238.0900 / 565257.4920 9579238.4240 / 565144.1390 9579404.0670, no datum SAD-69, com área total de 79.303,00 m2 e da União de 2.973,92 m2, compreende a área da matrícula - ver Mapa 2 (SEI nº 34934680) e Mapa 3 (SEI nº 34934681).
No entanto, observou-se que o RIP no passado era integralmente constituído por terreno de marinha e seus acrescidos, com uma área total de 79.303,00 m2 e que foi reduzida para 2.973,92 m2, em 22/07/2013, conforme consulta ao SIAPA, sendo tal modificação/redução de área da União instruída por neste processo administrativo.
Portanto, surgiram alguns questionamentos sobre a realização dessa redução de área da União do RIP e a possibildiade de reversão se for o caso.
II. ANÁLISE
Analisando o Processo VOLUME I (SEI nº 3556717), verifica-se pedido de regularização da COLÔNIA DE FÉRIAS 11 DE JULHO, datado de 30 de dezembro de 1974, para um imóvel com área de 87.300,00 m2, na fl. 30. Após a devida instrução, foi autorizada a inscrição de ocupação, em 08/11/1979, sendo considerado a área do imóvel integralmente em terreno de marinha e acrescidos, fls. 56/57.
Por meio de pedido, datado de 30/03/2000, a COLÔNIA DE FÉRIAS 11 DE JULHO soliciotu revisão de área para 79.376,00 m2, fl. 135. Após vistoria no imóvel por técnico da SPU-CE, constatou-se que o imóvel possuía área de 79.303,00 m2, fl. 188, sendo solicitada a retificação da matrícula do imóvel (matrícula 40.585 do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Zona de Fortaleza/Ce), por meio do Ofício nº 865/GAB-GRPU/CE, datada de 25/10/2004, fl. 190.
Já no Processo VOLUME II (SEI nº 3556992), observa-se Petição, datada de 13/03/2013, fls. 2/4, em que a COLÔNIA DE FÉRIAS 11 DE JULHO solicita a revisão de limite dos terreno de marinha, sob o argumento de que a Procuradoria da República no Estado do Ceará haveria solicitado da SPU-CE a revisão das demarcações deste Estado com o uso de instrumentos mais modernos e que esta Superintendência teria promovido estudos de alturas das marés do Porto de Fortaleza desde o ano de 1831, concluindo no estabelecimento do uso da curva de nível 3,0 m (IBGE) como sendo a média das preamares do litoral do Ceará. Ainda, complementa apresentando estudos, considerando a cota de nível 3 como base para a LPM 1831, resultando numa redução da área de terreno de marinha do imóvel de 79.303,00 m2 para apenas 2.973,92 m2.
O pedido foi analisado por meio da Informação 126/2013, fls. 33/34, datada de 14/05/2013, relatando que a LPM-1831 no trecho do litoral onde se situa o imóvel foi demarcada por meio do processo demarcatório 0385.000248/79 e teria apresentado falhas administrativas e técnicas neste procedimento de demarcação, conforme trecho a seguir exposto:
No final, concluiu tal Documento Técnico que os limites de terreno de marinha naquele trecho haviam sido definidos exageradamente favorável à União, sugerindo alteração na área do terreno da União, passando a considerar a cota de nível 3 obtida pelo material técnico apresentado pelo REQUERENTE como referência para a LPM 1831, com redução significativa da área da União para 2.973,92 m2, bem como propondo que a LPM 1831 demarcada para a localidade fosse inserida nos trabalhos da força tarefa constituída à época para rerratificação das demarcações, conforme trecho a seguir:
Tais recomendações, de afastamento da LPM 1831 demarcada para adoção de uma outra LPM presumida (Cota 3), e de inserção da LPM 1831 da localidade em procedimento de rerratificação foi aprovada pelo Superintendente, em 12/07/2013, fl. 35. No SIAPA, verificou-se a redução da área da União contida no RIP para 2.973,92 m2 em 22/07/2013.
Cabe fazer neste ponto duas ressalvas: (1) o procedimento adotado de desconsiderar a LPM 1831 demarcada foi adotado exclusivamente para este RIP; (2) até hoje não foi iniciado o procedimento de rerratificação desta LPM de 1831 para a localidade.
Sem entrar no mérito de analisar se a LPM 1831 demarcada pelo processo 0385.000248/79 possui fragilidades técnicas, até porque se entende que esta análise só poderia se realizada a partir de estudos complexos a ser conduzido pela Comissão Demarcatória que fosse nomeada no âmbito de um procedimento de rerratificação, surgiu a dúvida para os técnicos deste Serviço de Caracterização do Patrimônio: (1) se poderia a Informação 126/2013, homologada pelo Superintendente, ter afastado previamente a LPM 1831 oficialmente demarcada, para adotar uma LPM provisória e presumida, até que viesse a ser concluído um procedimento de rerratificação.
Se houve irregularidade no procedimento que foi adotado por esta SPU/CE, surge outra dúvida: (2) se seria possível a SPU/CE revisar o valor da área da União contida no RIP, voltando ao valor de 79.303,00 m2, após decorrido 10 (dez) anos da mudança de área, considerando que tal medida teria impactos negativos na esfera jurídica e patrimonial do particular, como será explanado a frente.
Isso porque a Lei de Processo Administrativo Federal estabelece prazo para atuação da União nesses casos, in verbis:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Caso se entenda que não houve irregularidade neste procedimento de adoção de LPM provisória e presumida ou caso se entenda que já tenha decaído o direito de a União de anular o ato que promoveu a redução de área da União do RIP, resta a dúvida de (3) como deveria a SPU/CE se manifestar diante do pedido de DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL DA UNIÃO, no processo 19739.122277/2023-91, mencionado no item 1. Ao que parece razoável, seria o caso de a SPU/CE se manifestar de que o imóvel não está sob o domínio da União, mas que tal entendimento pode mudar, caso seja promovido futuramente o procedimento de rerratificação da área.
Por outro lado, caso se entenda que houve irregularidade neste procedimento de adoção de LPM provisória e presumida e que não tenha decaído o direito de a União de anular o ato que promoveu a redução de área da União do RIP, (4) haveria alguma ilegalidade nas medidas que parecem ser adequadas para correção do caso:
Retorno no SIAPA da área da União para o RIP 1389 0001835-00 de 2.973,92 m2 para 79.303,00 m2;
Cobrança da diferença das taxas de ocupação dos anos anteriores, respeitados os prazos decadencial e de inexigibilidade, considerando a retorno da área da União a maior;
Incorporação ao patrimônio da União da Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529), que se refere a área caracterizada atualmente como alodial para o RIP 1389 0001835-00.
Sobre a abertura da Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529), é importante se fazer um adendo.
Após a redução da área da União contida no RIP para 2.973,92 m2, em 22/07/2013, no SIAPA, foi emitido o Ofício nº 768/2013/GAB/SPU/CE/MP, datado de 31/07/2013, fl. 45, assinado pelo Superintendente, solicitando que se fizesse constar na matrícula do imóvel (matrícula nº 40.585) que "o terreno nela descrito, tem área total de 79.380,22 m2 e é constituído em parte de terreno acrescido e de marinha e em parte de terreno alodial, tendo a parte acrescida e de marinha a área de 2.973,92 m2, com uso regularizado nesta SPU sob o regime de ocupação em nome da Colônia Sócio Recreativa 11 de Julho".
O Cartório de Registro de Imóveis emitiu a Resposta de fls. 50/57 e a Resposta de fls. 67/68, esta como retorno do Ofício n. 1126/2013/GAB/SPU/CE/MP de fl. 63, promovendo modificação da matrícula com redução da parte acrescida e de marinha para 2.973,92 m2 e informando da impossibilidade de registro da área alodial, já que a COLÔNIA DE FÉRIAS 11 DE JULHO não teria adquirido o imóvel de forma onerosa ou gratuita (a matrícula com área original foi aberta a pedido da SPU/CE, com fundamento em aquisição originária por força de dispositivo constitucional - terreno de marinhas e seus acrescidos, tendo o particupar sido inscrito em regime de ocupação - comprovação de mera posse).
Ainda, no mencionado Ofício n. 1126/2013/GAB/SPU/CE/MP, a SPU/CE informa que "Quanto a regularização da parte alodial, caberá a quem tem posse promovê-la.
Neste sentido, a COLÔNIA DE FÉRIAS 11 DE JULHO propôs ação de usucapião para a área alodial, processo judicial 0880928-69.2014.8.06.0001 (processo SEI-ME 00440.009304/2015-48), sendo julgado procedente conforme Sentença, datada de 28 de abril de 2022, que transitou em julgado, vindo a gerar a Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529).
Quando provocada nesta ação de usucapião, a SPU/CE, considerando o já relatado nesta Nota, principalmente o contéudo da Informação 126/2013, as alterações no SIAPA e os Ofícios enviados ao Cartório de Registro de Imóveis, informou que não havia interesse na causa, mas ressalvou a possibilidade de vindouro processo de rerratificação da LPM 1831 para a localidade, com o seguinte texto:
No entanto, o particular não poderá se obstar a vindouro processo de rerratificação da LPM para a localidade, com efeitos meramente declaratórios, que evidencie a efetiva extensão do patrimônio da União, podendo abranger parcial ou integralmente o imóvel objeto deste processo judicial, sem ensejar qualquer direito à indenização, em conformidade com o Parecer nº 97/2013-LAB/DPP/PGU/AGU, a Nota nº 221/2014-HAJ/DPP/PGU/AGU, o Despacho nº 00021/2015/GAB/PGU/AGU e o Memorando Circular nº 425/2016-MP. (grifo do original)
Assim, expoem-se as seguintes dúvidas jurídicas:
(1) Poderia a Informação 126/2013, homologada pelo Superintendente, ter afastado previamente a LPM 1831 oficialmente demarcada, para adotar uma LPM provisória e presumida, até que viesse a ser concluído um procedimento de rerratificação?
(2) Caso houve alguma irregularidade, seria possível a SPU/CE revisar o valor da área da União contida no RIP, voltando ao valor de 79.303,00 m2, após decorrido 10 (dez) anos da mudança de área, considerando que tal medida teria impactos negativos na esfera jurídica e patrimonial do particular?
(3) Caso a SPU/CE não possa revisar o seu ato, como deveria a SPU/CE se manifestar diante do pedido de DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL DA UNIÃO, no processo 19739.122277/2023-91? Ao que parece razoável, seria o caso de a SPU/CE se manifestar de que o imóvel não está sob o domínio da União, mas que tal entendimento pode mudar, caso seja promovido futuramente o procedimento de rerratificação da área.
(4) Caso a SPU/CE possa revisar o seu ato, haveria alguma ilegalidade nas medidas sugeridas no item 18?
Retorno no SIAPA da área da União para o RIP 1389 0001835-00 de 2.973,92 m2 para 79.303,00 m2;
Cobrança da diferença das taxas de ocupação dos anos anteriores, respeitados os prazos decadencial e de inexigibilidade, considerando a retorno da área da União a maior;
Incorporação ao patrimônio da União da Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529), que se refere a área caracterizada atualmente como alodial para o RIP 1389 0001835-00.
III. Conclusão
Considerando os questionamentos jurídicos acima levantados, faz-se necessária consulta à Consultora Jurídica da União no Estado do Ceará sobre os pontos informados no item 25.
Os autos vieram a este NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO, Órgão consultivo integrante da estrutura da Advocacia-Geral da União competente para assessorar o Órgão consulente, com fulcro na Lei Complementar nº 73, de 1993, artigo 8-F da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, e na Portaria Normativa AGU nº 72, de 07 de dezembro de 2022 encontrando-se instruído com os seguintes principais documentos lançados no sistema SEI, cujo acesso foi autorizado pelo Órgão para possibilitar a análise do processo:
3556717 Processo 30/12/1974 SPU-CE-NUCIP
3556992 Processo 30/12/1979 SPU-CE-NUCIP
3557162 Termo 24/05/2018 SPU-CE-NUCIP
3557295 Requerimento 24/05/2018 SPU-CE-NUCIP
3557369 Recibo 04/06/2018 SPU-CE-NUCIP
3558460 Anexo 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3558578 Anexo 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3558676 Anexo 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3558929 Anexo 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3558983 Anexo 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3559272 Declaração 16/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3581851 Anexo 19/08/2019 SPU-CE-NUCIP
3712062 Declaração 27/08/2019 SPU-CE-NUCIP
11833075 Despacho 17/11/2020 SPU-CE
34934524 Nota Técnica 19532 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
34934529 Matrícula 108.006 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
34934675 Mapa 1 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
34934676 Anexo RIP 1389 0001835-00 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
34934680 Mapa 2 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
34934681 Mapa 3 17/06/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
37181078 Ofício 102368 11/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
37181418 Despacho 11/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
37182047 Nota Informativa 29150 11/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP
Feito o relatório, passo a opinar.
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos das minutas.
Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do feito.
É nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração
Conforme BPC n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU edição de 2016:
"A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento."
ANALISE JURIDICA
Pelo que se extrai da Nota Técnica SEI nº 19532/2023/MGI, o cerne da questão pode ser consolidado da seguinte forma :
Identificação dos terrenos de marinha e acrescidos. Procedimento administrativo de demarcação.
Antes de enfrentarmos as especificidades do caso concreto, oportuno visitar brevemente alguns institutos jurídicos aplicáveis ao exame pretendido.
Até o ano de 1946, o arcabouço jurídico brasileiro era composto pela Lei nº 601, de 1850, destinada às terras devolutas e pelo encadeamento de uma série de Decretos-Leis que se dedicavam exclusivamente aos terrenos de marinha.
Em 1946, novo disciplinamento para as terras públicas foi arquitetado pelo Decreto-lei nº 9.760 ao dispor sobre os bens da União, incluindo normas de demarcação de terrenos de marinha, de regularização de ocupação de imóveis presumidamente seus, de previsão das instâncias administrativa e judicial incumbidas de discriminar as terras públicas das particulares, entre outras providências.
O artigo 2º do Decreto-Lei definiu os terrenos de marinha:
DA CONCEITUAÇÃO
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
Mas para conhecer efetivamente os precisos limites dos citados imóveis, a norma legal determinou a observância de um procedimento administrativo, denominado “demarcação”, de índole meramente declaratória da propriedade da União, localizada no Capítulo II – Da identificação do Bens, Seção II - DA DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA.
Feita a demarcação dos terrenos de marinha, mediante o procedimento administrativo antes apontados, o terreno demarcado deve ser registrado no competente Registro de Imóveis como preconiza o artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 9.636, de 1998:
Art. 2o Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União.
Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente.
grifos nossos
Deste modo, abre-se a matrícula da área demarcada, com todos os elementos de que trata o art. 176, § 1º , I e II, números 1, 2 e 3, letra “a” ou “b”, e número 4, letra b, da Lei no 6.015, de 1973, atendendo-se ao princípio da especialidade objetiva, com a descrição completa do imóvel e subjetiva, com a identificação do titular do direito, no caso, a União, e, ato contínuo o registro do termo de demarcação.
Demarcação. Procedimento
Atualmente, o procedimento voltado para a demarcação de terrenos de marinha, terrenos marginais e seus respectivos acrescidos, encontra-se regulado pela Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME nº 28, de 26 de abril de 2022.
Porém, na época da revisão (2013) da LPM 1831, vigorava a Orientação Normativa GEADE-002 - MP/SPU, de 12 de março de 2001 que disciplinava a demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos, (revogada pelo artigo 66 da Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME nº 28, de 26 de abril de 2022.
Vejamos, então, alguns trechos da aludida ON GEADE 002/MP/SPU:
1 OBJETIVO
Estabelecer as diretrizes e os critérios para a demarcação de terrenos de
marinha e seus acrescidos, naturais ou artificiais, por meio da determinação da
posição da Linha de Preamar Média de 1831 - LPM e da Linha Limite dos
Terrenos de Marinha - LTM.
2 CAMPO DE APLICAÇÃO ON-GEADE-002 Esta Orientação Normativa
aplica-se à Secretaria do Patrimônio da União - SPU, Gerências Regionais de
Patrimônio da União - GRPU e às entidades conveniadas ou contratadas pela SPU
(...)
4.2 Legislação Atual
4.2.1 Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988:
“Art. 20. São bens da União:
................................................................................................
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;”
4.2.2 Decreto-Lei n.º 9.760, de 5 de setembro de 1946:
“Art. 1º - Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
............................................................................................
8
Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha
do preamar médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as linhas situadas em zonas onde se faça sentir a
influência das marés.
........................................................................................................
Art. 3º - São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado,
natural ou
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos
terrenos
de marinha.
..............................................................................................................
........................
Art. 9º - É de competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a
determinação da posição das linhas de preamar médio do ano de 1831 e da
média das enchentes ordinárias.”
(...)
4.17 Procedimentos Administrativos e Legais
4.17.1 O Secretário do Patrimônio da União designará, por Portaria, 3 (três)
servidores para formarem a Comissão de Demarcação, que será responsável
pelos trabalhos de posicionamento da LPM, ainda que decorrentes de serviços
terceirizados.
4.17.2 A Comissão de Demarcação formará processo junto ao protocolo da
Gerência Regional, contendo a portaria de designação, podendo utilizar-se de
serviços terceirizados para o desenvolvimento das providências especificadas
na presente Orientação Normativa.
4.17.3 A comissão solicitará à Gerência Regional, a publicação do edital a que
se refere o art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46, (ANEXO IV), no Diário Oficial
do Estado objeto da demarcação, com 3 (três) publicações, em intervalos não
superiores a 10 (dez) dias.
4.17.4 A Gerência Regional providenciará a afixação de cópia do edital a que
se refere o art. 11 do Decreto-lei n.º 9.760/46 em suas dependências e na
Repartição arrecadadora da Fazenda Nacional, na localidade de realização da
atividade de demarcação, ou na sua inexistência, na repartição que abranja o
Município em sua jurisdição administrativa.
4.17.5 As provas de publicação e as solicitações de afixação de editais deverão
ser anexadas ao processo.
4.17.6 A Comissão de Demarcação deve analisar todas as contribuições
recebidas para estudo, referentes ao edital do art. 11 do Decreto-lei n.º 9.760,
de 1946.
4.17.7 Concluídos os trabalhos e anexado o relatório ao processo, o mesmo
deve ser encaminhado à GEADE para exame.
4.17.8 A revisão a ser efetuada pela GEADE verificará se foram atendidas
todas as normas e preceitos estabelecidos nesta Orientação Normativa e na
legislação em vigor.
4.17.9 Promovida a revisão pela GEADE e considerado em ordem, o processo
retornará à Gerência Regional de origem, para cumprimento do disposto no art.
13 do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946.
4.17.10 O Gerente Regional aprovará, em despacho, conforme modelo (ANEXO
VI), a Demarcação da LPM e LTM.
4.17.11 Determinada a posição da linha, deverá ser promovida a sua
publicidade, mediante a publicação do edital do art. 13 do Decreto-lei n.º
9.760, de 1946 (ANEXO V), realizada uma vez no Diário Oficial do Estado
objeto da demarcação, devendo a prova de publicação ser anexada ao
processo, repetindo-se ainda a providência reportada no item 4.17.4.
4.17.12 Será considerada homologada a posição de linha, decorrido o prazo de
dez dias sem qualquer impugnação.
4.17.13 Havendo impugnações, estas deverão ser minuciosamente apreciadas
pela Gerência Regional.
4.17.14 Mantida a posição da LPM, serão apresentados subsídios e
justificativas que permitam a apreciação do recurso pelo Secretário do
Patrimônio da União, ouvindo-se previamente, caso necessário, a GEADE.
4.17.15 Reconhecida a procedência da impugnação, novo trabalho será
realizado, repetindo-se o procedimento reportado no item 4.17.10.
4.17.16 Sendo improcedente a impugnação, a GEADE devolverá o processo à
Gerência Regional para dar ciência ao interessado da decisão.
4.17.17 Da decisão proferida pelo Secretário do Patrimônio da União cabe
recurso no prazo de vinte dias contados de sua ciência, dirigido ao Senhor
Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.
4.17.18 Concluídas todas as providências e esgotados todos os recursos
cabíveis, quando interpostos, a Gerência Regional providenciará o registro da
Demarcatória junto ao Cartório de Registro Geral de Imóveis
O caso concreto
Como se denota, a Orientação Normativa estabelecia procedimento específico para a determinação da linha preamar, sob a coordenação da Secretaria de Patrimônio da União.
4.17 Procedimentos Administrativos e Legais
4.17.1 O Secretário do Patrimônio da União designará, por Portaria, 3 (três)
servidores para formarem a Comissão de Demarcação, que será responsável
pelos trabalhos de posicionamento da LPM, ainda que decorrentes de serviços
terceirizados.
Deste modo, se o, então, Superintendente de Patrimônio da União no Ceará avaliou como sendo pertinente o pedido de revisão proposto pela Colônia Sócio Recreativa 11 de julho, incumbir-lhe-ia adotar o mesmo procedimento previsto para a demarcação original, sob pena de vício no processo de revisão.
Por isso se torna tão importante que a SPU/CE verifique se a ON foi integralmente atendida, o que demanda, inclusive, consulta à Secretaria de Patrimônio da União.
Além disso, outro aspecto da revisão merece atenção particular.
Segundo assevera a SPU/CE, o procedimento de desconsiderar a LPM 1831 originalmente demarcada foi adotado exclusivamente para o RIP em apreço, sendo certo que "até hoje não foi iniciado o procedimento de rerratificação desta LPM de 1831 para toda a localidade".
Tal informação, ao revelar que o critério definido no processo demarcatório nº 0385.000248/79 restou afastado somente em relação a um determinado imóvel, o imóvel objeto da matrícula nº 40.585, permite concluir que os demais imóveis localizados segundo os parâmetros da LPM homologada não foram atingidos pela mesma retificação.
Nesse cenário, parece-nos evidente a afronta ao princípio da impessoalidade previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, notadamente o seu artigo 37, caput, que trata da Administração Pública, que instituiu o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
Grifo nosso
Com efeito, não foi assegurada a igualdade de oportunidade e possibilidades dos cidadãos de gozar do mesmo tratamento, exceto, evidentemente, nas situações expressamente instituídas por lei.
No caso em tela, a associação, Colônia Sócio Recreativa 11 de julho, foi direta e particularmente beneficiada pela redefinição da linha Preamar, sem que os demais administrados eventualmente alcançados pela mesma decisão administrativa, fossem contemplados com idêntica consequência.
Vale assinalar que a decisão acarretou a redução da área da União de 79. 303,00 m2. para 2.973,92 m2 em 22/07/2013 e , consequentemente, a redução de receita patrimonial da União.
Com a revisão da LPM, a matrícula nº 40.585 do Cartório Registro de Imóveis da 1ª Zona de Fortaleza, Estado do Ceará original do imóvel passou a ostentar as seguintes áreas: alodial com 76.406,30 m2 e terreno de marinha com 2.973,92 m2.
A nova situação determinou a abertura de nova matrícula (nº 108.006 do Cartório Registro de Imóveis da 1ª Zona de Fortaleza, Estado do Ceará) para albergar a área, agora alodial, de 76.406,30 m2, posto que não mais pertencente à União por ter sido descaracterizada como terreno de marinha, permitindo a propositura de ação de usucapião, que culminou no R.1/108.006, de 31 de janeiro de 2023, reconhecendo a propriedade em nome de Colônia Socio Recreativa 11 de julho.
Nessa esteira, vislumbramos duas questões de ordem jurídica passíveis de apuração criteriosa pela SPU/CE:
1) descumprimento da ON e do Decreto-lei nº 9.760, de 1946 pelo então Superintendente de Patrimônio da União no procedimento de revisão da LPM ferindo a competência da Secretaria de Patrimônio da União para coordenar os trabalhos de demarcação;
2) inobservância do princípio constitucional da impessoalidade diante da implementação das consequências administrativas da revisão da LPM apenas em relação a um determinado imóvel.
Se tais premissas foram confirmadas, o que só será possível mediante exame completo de todos os processos que se relacionam ao assunto, e consulta à Secretaria de Patrimônio da União sobre eventual participação no procedimento de revisão do procedimento demarcatório, a anulação do ato será medida que se impõe.
Com amparo nas considerações tecidas acima, passamos a responder os questionamentos do Órgão assessorado:
(1) Poderia a Informação 126/2013, homologada pelo Superintendente, ter afastado previamente a LPM 1831 oficialmente demarcada, para adotar uma LPM provisória e presumida, até que viesse a ser concluído um procedimento de rerratificação?
Reposta: A SPU/CE afirma que a LPM foi demarcada nos termos do processo demarcatório n º 0385.000248/79.
Portanto, presume-se, que, na época, foi observada a Orientação Normativa - ON GEADE 002/MP/SPU – que instituiu regras práticas para aplicação especialmente dos 9º ao 14 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946.
Se a demarcação original da LPM foi pautada por tais regramentos, a revisão posterior submete-se às mesmas regras, pois equivale a realizar uma nova demarcação.
Portanto, no nosso entendimento, na hipótese de a legislação de regência e princípios constitucionais não terem sido efetivamente observados, o Superintendente terá praticado ato ao arrepio da lei ao homologar a LPM provisória ou presumida, que não pode prevalecer sobre a demarcação originalmente constituída e homologada.
Ademais, seria de se esperar que o gestor público realizasse estudo e previsão dos impactos que a revisão provocaria, inclusive nos cofres públicos, para se antecipar aos seus efeitos preparando-se adequadamente para eventuais impugnações e ações judiciais.
(2) Caso houve alguma irregularidade, seria possível a SPU/CE revisar o valor da área da União contida no RIP, voltando ao valor de 79.303,00 m2, após decorrido 10 (dez) anos da mudança de área, considerando que tal medida teria impactos negativos na esfera jurídica e patrimonial do particular?
Resposta: Se houve irregularidade insanável no processo de revisão da LPM, devidamente demonstrada, a anulação é medida que se impõe nos termos da lei, retornando a situação aos seus termos originais, ou seja, conforme definido no processo demarcatório n º 0385.000248/79 com todas as suas consequências.
Aliás, a demarcação original já deveria ter sido registrada no competente Registro de Imóveis como preconiza o artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 9.636, de 1998:
Art. 2o Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União.
Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente.
grifos nossos
No que se refere à anulação dos atos administrativos, a previsão encontra-se insculpida no art. 53, da Lei n.º 9.784, de 1999:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Com efeito, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais.
Nesse sentido, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal - STF é expressa:
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
No entanto, é preciso ter em mente que a Lei n.º 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, assegura ao interessado o direito de se manifestar, juntar documentos, requerer diligências, etc., antes da tomada de decisão:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
[...]
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
[...]
III – formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
(...)
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1o A intimação deverá conter:
[...]
VI – indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
(...)
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo (destaques meus).
grifos nossos
Nada obstante a letra fria da lei, não se pode desconsiderar os efeitos drásticos para o particular se a revisão for anulada.
Entretanto, sobre esse ponto, é preciso ponderar que:
a) o atual proprietário do imóvel foi beneficiado por uma decisão administrativa que não alcançou os demais administrados, situação que não pode perdurar posto que não albergada pela lei;
b) no que se refere às receitas patrimoniais devidas, é possível empreender estudo jurídico para verificar se os efeitos da anulação, podem ser postergados, considerando a boa-fé do proprietário que se beneficiou de uma decisão administrativa e com base nela obteve êxito na ação de usucapião. Significa dizer, que tal estudo pode analisar a viabilidade de que sejam não sejam cobradas as receitas patrimoniais pretéritas, ou seja, anteriores à anulação.
Por essa razão, frise-se mais uma vez, a análise do processo de revisão deve ser criteriosa e conclusiva, porquanto a inboservância da legislação de regência bem como do princípio constitucional da impessoalidade fulminarão o ato de nulidade.
Nessa hipótese, aplicam-se as regras insertas na Lei n.º 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e que assegura ao interessado o direito de se manifestar, juntar documentos, requerer diligências, etc., antes da tomada de decisão.
(3) Caso a SPU/CE não possa revisar o seu ato, como deveria a SPU/CE se manifestar diante do pedido de DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL DA UNIÃO, no processo 19739.122277/2023-91? Ao que parece razoável, seria o caso de a SPU/CE se manifestar de que o imóvel não está sob o domínio da União, mas que tal entendimento pode mudar, caso seja promovido futuramente o procedimento de rerratificação da área.
Se a revisão foi praticada no âmbito de competência do, então, Superintendente de Patrimônio da União, sem a observância da Orientação Normativa - ON GEADE 002/MP/SPU – e do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, a anulação do ato pode ser feita pelo próprio Superintendente de Patrimônio da União. Isto porque o ato praticado e o ato a ser revisto estão na mesma esfera de atribuições.
No entanto, como antes recomendado, é preciso que a SPU/CE se certifique de que a legislação patrimonial foi realmente desrespeitada e a competência da Secretaria de Patrimônio da União invadida.
O pedido de DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL DA UNIÃO, processo 19739.122277/2023-91, não foi objeto do nosso estudo, porém é possível orientar no sentido de que o interessado seja cientificado das providências que estão sendo adotadas para apurar e sanar as eventuais irregularidades com consequências diretas na dominialidade do imóvel.
(4) Caso a SPU/CE possa revisar o seu ato, haveria alguma ilegalidade nas medidas sugeridas no item 18?
- Retorno no SIAPA da área da União para o RIP 1389 0001835-00 de 2.973,92 m2 para 79.303,00 m2;
- Cobrança da diferença das taxas de ocupação dos anos anteriores, respeitados os prazos decadencial e de inexigibilidade, considerando a retorno da área da União a maior;
- Incorporação ao patrimônio da União da Matrícula 108.006 (SEI nº 34934529), que se refere a área caracterizada
Como já ressaltado, a eventual anulação da decisão que culminou na revisão da LPM,( na qual se inclui a Informação 126/2013), depende da análise prévia e detalhada dos processos administrativos que se relacionam com o assunto, a fim de ficar demonstrado que a retificação da LPM deixou de atender os comandos legais e normativos.
Se não houver dúvida a respeito das irregularidades, a SPU/CE deve dar seguimento ao procedimento de anulação do ato que revisou a LPM, anteriormente delimitada conforme processo demarcatório n º 0385.000248/79.
Como já esclarecido, a anulação por vício insanável promove o retorno à situação do processo demarcatório n º 0385.000248/79 com todas as consequências daí advindas.
É como se não houvesse a revisão.
Por fim, considerando que a eventual anulação atingirá interesses de terceitos, recomendamos fortemente que o Orgão assessorado recorra ao assessormento juridico da CGU/AGU no decorrer das etapas a serem vencidas, quando se deparar com dúvida jurídica relevante.
É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do parágrafo 1º do artigo 10 da PORTARIA NORMATIVA AGU Nº 72, de 07 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "B" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 49, de 08 de dezembro de 2022, que criou as Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs) para atuar no âmbito da competência das Consultorias Jurídicas da União nos Estados.
São Paulo, 26 de setembro de 2023.
LUCIANA MARIA JUNQUEIRA TERRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 000307800977932 e da chave de acesso 611f1fe7