ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO

 

PARECER n. 00754/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 19739.137841/2023-70.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO ACRE - MGI/SPU/SPU-AC) E MUNICÍPIO DE BRASILEIA-AC.

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS E FUNCIONAIS DO FUNDO DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (FRGPS). ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE
DIREITO PÚBLICO.  BENS PÚBLICOS. IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS E FUNCIONAIS DO FUNDO DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (FRGPS). GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. DESTINAÇÃO NÃO ONEROSA PARA ATENDIMENTO DE INTERESSE DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL OU DOS DOS MUNICÍPIOS. NECESSIDADE DE QUE O ENTE FEDERATIVO BENEFICIADO PROCEDA À RECOMPOSIÇÃO PATRIMONIAL DA UNIÃO, EXCETO QUANDO A RECOMPOSIÇÃO FOR DISPENSADA POR LEI. AUSÊNCIA DE LEI DISPENSANDO A RECOMPOSIÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VEDAÇÃO. INVIABILIDADE JURÍDICA. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. INDAGAÇÃO(ÕES) FORMULADA(S). ORIENTAÇÃO JURÍDICA. ESCLARECIMENTO DE DÚVIDA(S).
I. Direito Administrativo. Licitações e contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres.
II. Consulta referente a solicitação do Município de Brasileia-AC para utilização de 2 (dois) imóveis contíguos de propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para implantação de projeto habitacional.
III. Após concluída a transferência da gestão dos imóveis de propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), eventual destinação não onerosa dos imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) está condicionada a prévia anuência do INSS enquanto gestor do Fundo. Exigência prevista no artigo 10, caput, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS 18/2021.
IV. Vedação da destinação não onerosa de imóveis não operacionais pertencentes ao FRGPS sem a devida recomposição do respectivo fundo. Artigo 12, caput, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS 18/2021.
V. Caso a SPU opte por dar destinação não onerosa aos imóveis, incumbirá à União recompor o FRGPS mediante permuta de imóveis com valor equivalente, estabelecido em laudo de avaliação. Artigo 13, caput, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS 18/2021.
VI. Destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para atendimento de interesse dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Responsabilidade do ente federativo interessado na recomposição patrimonial da União, exceto quando a recomposição for dispensada por lei. Artigo 22, parágrafo 8º-A, da Lei Federal nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, c/c o artigo 12, parágrafo 2º, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS nº 18, de 18 de fevereiro de 2021.
VII. Ausência de Lei dispensando a recomposição patrimonial à União na hipótese de destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para atendimento de interesse do ente municipal. 
VIII. Necessidade de observância dos critérios, procedimentos e fases/etapas na destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para atendimento de interesse do ente municipal. Inviabilidade jurídica de atendimento da solicitação formulada pelo Município de Brasileia-AC.
IX. A Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, não lhe cabendo conceder direitos em situações diversas das previstas em lei. Princípio da legalidade. Artigo 37, caput, da Constituição Federal, c/c o artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
X. A  utilização dos 2 (dois) imóveis pelo Município de Brasileia-AC seria possível tratando-se de destinação onerosa, sendo que no caso de destinação gratuita (não onerosa), ao ente municipal interessado incumbiria a  responsabilidade de recomposição patrimonial, em razão da obrigação legal imposta à União de recomposição do FRGPS mediante permuta  de imóveis com valor equivalente, estabelecido em laudo de avaliação.
XI. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.

 

 

I - RELATÓRIO

 

O Superintendente do Patrimônio da União no Estado do Acre, por intermédio do OFÍCIO SEI  109198/2023/MGI, de 22 de setembro de 2023, assinado eletronicamente na mesma data (SEI nº 37469065), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no Sistema AGU SAPIENS 2.0 em 25 de setembro de 2023, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.

 

Trata-se se solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a solicitação formulada pelo Município de Brasileia-AC para utilização de 2 (dois) imóveis contíguos de propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), com área de 3.917,81 e 20.970,38 , situados na Rua Francisco de Assis, s/nº, Bairro Três Botequins, Município de Brasileia, Estado do Acre, registrados, respectivamente, sob as matrículas nºs 4.489 e 4.490, Livro 02 - Registro Geral, do Serviço Notarial e Registral da Comarca de Brasileia-AC, para implantação de projeto habitacional.

 

O processo está instruído com os seguintes documentos:

 

  PROCESSO/DOCUMENTO TIPO  
  35868090 E-mail Encaminhando o Ofício    
  35868109 Ofício    
  35882051 Despacho    
  36028037 Despacho    
  37185375 Anexo    
  37227204 Nota Técnica 34141    
  37318871 Despacho    
  37338903 Despacho    
  37469065 Ofício 109198    
  37487814 E-mail    
  37488621 Despacho  

 

 

II– PRELIMINARMENTE  FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.  

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever os seguintes fragmentos do OFÍCIO SEI 109198/2023/MGI, de 22 de setembro de 2023 (SEI nº 37469065), no qual há um relato da situação fática e do questionamento formulado, verbis:

 

"OBSERVAÇÃO:  Conforme Nota Técnica 34141 (37227204), trata-se de solicitação de dois imóveis de propriedade do Instituto Nacional de Seguro Social contíguos localizados na Rua Francisco de Assis, s/n, Bairro Três Botequins, Brasileia/AC, matrículas nº 4.489 e 4.490, livro 02, da Serventia de Registro de Imóveis da Comarca de Brasileia, formulado pela Prefeita do Município de Brasileia, para realização de projeto habitacional, conforme Ofício PMB/GAB/OF/Nº 296/2023 (35868109). Os imóveis estão em processo de transferência para SPU/AC, no entanto ainda não concluído o processo de incorporação.

 

Assim, considerando a parte final do §8º do art. 22 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, realizamos consulta com vistas a resposta ao seguinte quesito:

 

a) considerando a solicitação do Município de Brasileia dos dois imóveis do INSS para execução de projeto habitacional e considerando a legislação vigente, há permissivo legal para que a gestão do imóvel seja transferida para a SPU/AC e esta destine o imóvel para o Município de Brasileia realizar projeto de habitacional, sem que haja necessidade do Município de Brasileia recompor Fundo do Regime Geral de Previdência Social?"

 

 

Considerando o anteriormente exposto, procederei a análise da solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) relacionada ao(s) seguinte(s) questionamento(s) formulado(s) no OFÍCIO SEI 109198/2023/MGI (SEI nº 37469065):

 

 

a) considerando a solicitação do Município de Brasileia dos dois imóveis do INSS para execução de projeto habitacional e considerando a legislação vigente, há permissivo legal para que a gestão do imóvel seja transferida para a SPU/AC e esta destine o imóvel para o Município de Brasileia realizar projeto de habitacional, sem que haja necessidade do Município de Brasileia recompor Fundo do Regime Geral de Previdência Social?"

 

Segundo informação prestada pelo Serviço de Caracterização do Patrimônio da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Acre na Nota Técnica SEI 34141/2023/MGI (SEI nº 37227304), a solicitação formulada pelo Município de Brasileia-AC  envolve 2 (dois) imóveis não operacionais integrante do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS).

 

Sobre tais categorias de imóveis, a Lei Federal nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, no artigo 22 estabelece o seguinte:

 

"Art. 22. Os imóveis não operacionais que constituem o patrimônio imobiliário do Fundo do Regime Geral de Previdência Social serão geridos pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, observado o disposto na legislação relativa ao patrimônio imobiliário da União." (Redação dada pela Lei nº 14.011, de 2020)

 

 

Segundo informação contida na Nota Técnica SEI 34141/2023/MGI (SEI nº 37227304), os 2 (dois) imóveis solicitados constam da lista de imóveis não operacionais listados na PORTARIA CONJUNTA 13, de 30 de março de 2021, que dispõe sobre a listagem geral dos imóveis operacionais e não operacionais que constituem o patrimônio imobiliário do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e do Fundo do Regime Geral da Previdência Social - FRGPS

 

Ocorre que o INSS não formalizou até o momento a transferência da gestão dos 2 (dois) imóveis para a Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

 

Ademais, após concluída a transferência da gestão para a SPU, providência não implementada no caso concreto, eventual destinação não onerosa dos imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) está condicionada a prévia anuência do INSS enquanto gestor do Fundo, conforme exigência prevista no artigo 10, caput, da PORTARIA CONJUNTA SEPRT/SPU/ME/INSS 18, de 18 de fevereiro de 2021,  que dispõe sobre as medidas necessárias à operacionalização da transferência da gestão de imóveis não operacionais e funcionais do Fundo do Regime Geral da Previdência Social para a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.

 

Outra questão relevante está relacionada à vedação da destinação não onerosa de imóveis não operacionais pertencentes ao FRGPS sem a devida recomposição do respectivo fundo (art. 12, caput, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS 18/2021), sendo que optando a SPU em proceder à destinação não onerosa aos imóveis, a União recomporá o FRGPS por meio de permuta de imóveis com valor equivalente, estabelecido em laudo de avaliação (art. 13, caput, Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS 18/2021).

 

Outro aspecto não menos relevante sobre a destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), ocorre em relação ao atendimento de interesse dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Neste caso, a destinação somente poderá ocorrer após recomposição do FRGPS mediante permuta  de imóveis com valor equivalente, estabelecido em laudo de avaliação, incumbindo ao ente federativo interessado (Município) a recomposição patrimonial à União, exceto quando a recomposição for dispensada por lei, conforme previsão expressa do artigo 22, parágrafo 8º-A, da Lei Federal nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, c/c o artigo 12, parágrafo 2º, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS nº 18, de 18 de fevereiro de 2021.

 

Aparentemente não existe Lei dispensando a recomposição patrimonial à União no que tange à destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para atendimento de interesse de ente municipal.

 

É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.

 

O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”.[2] A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.

 

O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas. 

 

Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissumnão lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:

 

(...)

 

"CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)

 

 

É de extrema importância apreciar o efeito do princípio da legalidade no que tange aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então, os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. A conclusão é inabalável no sentido de que havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.

 

Sendo certo que na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal e as leis e as normas são de ordem pública, não podendo ser descumpridos os seus preceitos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários.

 

Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles,[3] abaixo reproduzido:

 

(...)

 

“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

 

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

 

Na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)

 

 

No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:[4]

 

(...)

 

"3 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

 

(...)

 

3.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

3.4.1 Legalidade

 

Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.

 

É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.

 

Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.

 

No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei". (os destaques não constam do original).

 

 

Marçal Justen Filho em sua primorosa obra Curso de Direito Administrativo[5] preleciona o seguinte sobre o princípio da legalidade e a sua aplicação na atividade administrativa:

 

(...)

 

"Capítulo 5
A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

(...)

 

9 A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

No relacionamento entre os particulares, prevalece a regra de que tudo aquilo que não for obrigatório nem proibido por lei é juridicamente autorizado. No tocante à atividade administrativa, reconhece-se que tudo aquilo que não for autorizado por lei é juridicamente proibido.

 

(...)

 

9.2 As posições jurídicas de direito público

 

Já o exercício de competências estatais e de poderes excepcionais não se funda em alguma qualidade inerente ao Estado ou a algum atributo do governante. Toda a organização estatal, a atividade administrativa em sua integralidade e a instituição de funções administrativas são produzidas pelo direito.

 

Logo, a ausência de disciplina jurídica tem de ser interpretada como inexistência de poder jurídico. Daí se afirmar que, nas relações de direito público, tudo o que não for autorizado por meio de lei será reputado como proibido." (os destaques não constam do original)

 

 

Em razão dos critérios, procedimentos e fases/etapas necessárias para a destinação não onerosa de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) para atendimento de interesse do ente municipal, em cotejo com o princípio da legalidade que rege/norteia a atividade administrativa, reputo não ser juridicamente viável/possível o atendimento, no momento, da solicitação formulada pelo Município de Brasileia-AC para utilização em projeto habitacional de 2 (dois) imóveis contíguos de propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

 

Dito de outra forma e considerando o regramento legal e infralegal que regula a destinação de imóveis integrantes do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), a utilização dos 2 (dois) imóveis pelo Município de Brasileia-AC seria possível tratando-se de destinação onerosa, sendo que no caso de destinação gratuita (não onerosa) ao ente municipal interessado incumbiria a  responsabilidade de recomposição patrimonial, em razão da obrigação legal imposta à União de recomposição do FRGPS mediante permuta  de imóveis com valor equivalente, estabelecido em laudo de avaliação, conforme previsão expressa do artigo 22, parágrafo 8º-A, da Lei Federal nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, c/c o artigo 12, parágrafo 2º, da Portaria Conjunta SEPRT/SPU/ME/INSS nº 18, de 18 de fevereiro de 2021.

 

Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) 7.[6]

 

Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.

 

Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) 7, cujo enunciado é o que se segue:

 

"Enunciado

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "16.", "17.", "18.", 19.", "29.", "30." e "31." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Acre (SPU-AC) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).

 

Vitória-ES., 06 de outubro de 2023.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739137841202370 e da chave de acesso cb99732c

Notas

  1. ^ "Capítulo 2 Das Disposições Gerais (...) 5. Os princípios processuais básicos (...) LEGALIDADE - A legalidade é o princípio fundamental da Administração, estando expressamente referido no art. 37 da Constituição Federal. De todos os princípio é o de maior relevância e que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou. Tornou-se clássica a ideia realçada por HELY LOPES MEIRELLES, de rara felicidade, segundo o qual "na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal", concluindo que "enquanto na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei autoriza". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal  - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47.
  2. ^ DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 367.
  3. ^ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 82.
  4. ^ DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34ª Ed., revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 110.
  5. ^ JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed., revista, atualizada e reformulada.  Rio de Janeiro: Forense, 2023, pp. 84/85.
  6. ^ Manual de Boas Práticas Consultivas. 4ª Ed., revista, ampliada e atualizada. Brasília: AGU, 2006.



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