ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00757/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.149717/2023-53
INTERESSADOS: FINEP - INOVAÇÃO E PESQUISA
ASSUNTOS:
EMENTA: PROCESSO ENVIADO PARA A ANÁLISE JURÍDICA DA MINUTA DE DOAÇÃO DE 4 IMÓVEIS PARA A UNIÃO. TODAVIA, ANTES DA ANÁLISE JURÍDICA PRETENDIDA DEVE SER ORIENTADA A SPU SOBRE O PASSIVO AMBIENTAL QUE CONSTA NOS IMÓVEIS. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM CASO DE ACEITE DA DOAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS QUE DEVEM SER LEVADAS EM CONSIDERAÇÃO ANTES DE QUALQUER OUTRA ANÁLISE.
DO RELATÓRIO
Os presentes autos foram enviados pela SPU/SP com dois links de acesso via SEI, quais sejam: (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2975188&infra_hash=69945bdbc08fd0ed7bf33105de9e66c4) e https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2975194&infra_hash=c9676b908cbdb756a82a0967262ffdcb.
Pretende o órgão patrimonial que esta Consultoria faça a análise jurídica da minuta de doação patrimonial de 4 imóveis da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, cadastrada sob o CNPJ nº 33.749.086/0001-19, conforme consta do OFÍCIO SEI Nº 106678/2023/MGI, 37374329, do processo 10154.149717/2023-53.
Foram colacionados os seguintes documentos no processo 10154.145610/2023-36:
36784581 | Laudo | 27/10/2022 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA | |
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36784959 | Anexo | 20/07/2023 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA |
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36785253 | Matrícula | 11/01/1977 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA |
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36785414 | Matrícula | 27/10/1977 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA |
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36785548 | Matrícula | 09/11/1978 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA |
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36785693 | Matrícula | 18/02/1977 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA |
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36786284 | 23/08/2023 | MGI-SPU-SP-COOR-SEAA | |
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36808541 | Matrícula (prévias - aguarda certidão) | 23/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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36810562 | Ofício 94856 | 23/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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36832112 | 24/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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36879693 | Anexo XVII - Concordancia da doação | 25/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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36909080 | Certidão de Matricula | 28/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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36922427 | Ofício 96844 | 28/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37004393 | 31/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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37036150 | Relatório de Fiscalização Individual - RFI 2834 | 01/09/2023 | MGI-SPU-SP-SEDEP-NUREF |
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37059926 | Documento TAC - FINEP | 04/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37078833 | Ofício /ALOG/003/2023 | 04/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37078987 | Minuta Finep revisada 31/08/2023 | 31/08/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37102831 | Ofício 100721 | 05/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37108821 | 05/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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37427012 | Ofício 108032 | 21/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37434678 | 21/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
Foram juntados os seguintes documentos no processo 10154.149717/2023-53:
37215496 | Ofício /ALOG/005/2023 - FINEP | 11/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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37247209 | Ofício 103875 | 13/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37258868 | Ofício 104130 | 13/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37260260 | Relatório de Fiscalização Individual - RFI 2834 | 13/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37278487 | 14/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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37278542 | 14/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC | |
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37328365 | Notificação Ministério Público - SP | 18/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37337645 | Certidão - Matrículas emitidas em 21/08/23 | 18/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37336492 | Minuta Contrato de Doação | 18/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37325884 | Nota Técnica 34973 | 18/09/2023 | MGI-SPU-SP-SECAP-NUINC |
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37374329 | Ofício 106678 | 19/09/2023 | MGI-SPU-SP-SEGEM |
Importante registrar, de plano, o contido na Nota Técnica SEI nº 34973/2023/MGI do Processo SEI nº: 10154.149717/2023-53, 37325884:
"Trata-se de análise da conveniência e oportunidade da incorporação de imóveis, em processo de doação com encargo, a ser recebido pela União para política de provisão habitacional, mais especificamente para o Programa Minha Casa Minha Vida - Entidades, conforme o disposto na Lei nº 14.620, de 13/07/2023 (MP1162/2023) e na Instrução Normativa nº 22/2017.
Neste sentido, a Portaria SPU/ME nº 3.859, de 19 de julho de 2023, estabeleceu critérios para o chamamento público de entidades sem fins lucrativos para desenvolvimento de projetos de provisão habitacional de interesse social, com recursos dos programas habitacionais sob gestão do Ministério das Cidades - MCID, em imóveis da União reservados para esta finalidade.
A SPU/SP iniciou tratativas para o recebimento, via doação pela Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, de 04 (quatro) terrenos localizados na Rua Silveira Sampaio, Lotes 01, 10, 11 e 12 da Quadra 35, bairro Jardim Morumbi, no município de São Paulo/SP, conforme o Processo SEI/MGI nº 10154.145610/2023-36, com características potenciais para a destinação à provisão habitacional e aos objetivos do Programa Minha Casa Minha Vida.
Assim sendo, esta Nota Técnica tem por objetivo analisar a conveniência e oportunidade da incorporação destes imóveis para a consequente destinação à política de provisão habitacional conforme o Programa Minha Casa Minha Vida - Entidades. (...) "
Considerando-se os aspectos de conveniência e oportunidade no recebimento de tais imóveis, esta Superintendência se baseia no fato de que o município de São Paulo é a cidade com o maior déficit habitacional do Brasil (369 mil moradias, conforme Plano Municipal de Habitação de 2016), e possui a maior população em situação de rua do país (mais de 31mil pessoas), conforme pesquisa encomendada pela Secretária Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Neste sentido, a região em que a área em análise situa-se, caracterizada como ZEIS, está localizada entre o Bairro do Morumbi e a Comunidade de Paraisópolis, 2º maior comunidade de São Paulo e que abriga população estimada de 100 mil habitantes, possui infraestrutura como vias pavimentadas, rede de alta tensão, telefonia, sendo atendida por equipamentos públicos urbanos e sociais, bem como possui alternativas para a mobilidade urbana, como o atendimento por transporte coletivo. A destinação deste imóvel para o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades possivelmente proporcionará o acesso à moradia digna para muitas famílias da região que residem em áreas de risco. Destacamos ainda que a SPU, ao propor esta destinação, contribui para o desenvolvimento de uma política social que busca efetivar direitos humanos essenciais. (...) "
Contudo, em que pese o interesse da União em receber estes imóveis, insta salientar que existe um ônus ambiental sobre eles, doc SEI 37328365, referente a incêndio (queima) e soterramento de colo de 54 (cinquenta e quatro) exemplares arbóreos e supressão de 13 (treze) exemplares sem informação de DAP (Diâmetro a Altura do Peito). (sem grifos no original)
Trata-se de um Auto de Notificação/Intimação nº 062207 emitido pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de Fiscalização e Auto de Infração nº 057293 e Auto de Multa nº 67-009.564-8, em que até o presente momento a FINEP não apresentou requerimento para Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).(...)" (sem grifos no original)
Desta forma, percebe-se da leitura atenta da referida Nota, que há um passivo ambiental nos imóveis que se pretendem doar para a União.
A própria Nota Técnica se pronuncia sobre uma possível solução, ao pontuar:
"(...) Enfatizamos que todas as implicações e obrigações oriundas do Auto de Infração, as quais exigem termo de ajustamento de conduta fiquem a cargo do Outorgante Doador - Finep, já que o mesmo até a presente data não apresentou requerimento diante da referida Secretaria para conciliação.
A Lei 10.406 de 2002, do Código Civil disciplina no artigo 233:
Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.
A ressalva ao princípio do Direito Romano que “o acessório segue a sorte do principal” está consagrado na ressalva do artigo, ou seja, a entrega do imóvel pela doadora é obrigação de dar coisa certa; Mas o acessório, que no caso em específico, é a elaboração do TAC, está nos termos do contrato, que a União não ficará na responsabilidade do cumprimento dele.
Portanto, o acessório não segue o principal, quando as partes combinam que o acessório não vai junto com o principal, como essa é uma regra de ordem privada, ela pode ser modificada pela vontade das partes.
Nesse sentido, a Súmula 623-STJ diz que "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor." G.N. (...)"
Ao final, a Nota Técnica fez o seguinte arremate:
"(...) Diante do exposto, é de se ver que os imóveis propostos possuem o potencial para atender o Programa Minha Casa, Minha Vida - Entidades atendendo assim o interesse público com a finalidade social da Administração.
Porém, quanto à reparação do dano ambiental, esta Superintência não é capaz de arcar com tal ônus, tendo em vista que a mesma não possui recursos financeiros para tanto, tampouco recursos provisionados, tendo em vista a urgência do Programa MCMV-E, com prazos ora definidos em edital, bem como ainda carece de profissionais especializados nesta área de plantio. (sem grifos no original)
Em suma quanto ao dano ambiental, a União não poderá assumir o ônus, pois:
A FINEP não apresentou proposta de conciliação;
Não estão definidos nem dimensionados os encargos, o que impossibilita a definição do seu custo;
Não há previsão orçamentária na SPU para arcar com esse custo.
Dessa feita, conclui-se que é conveniente e oportuno a incorporação dos bens imóveis para destinação à Programa de Habitacional Social desde que a FINEP assuma o ônus relativo ao dano ambiental supra citado." (grifo nosso)
A minuta do contrato de doação foi juntada no documento SEI, 37336492, no processo 10154.149717/2023-53.
Registre-se, por relevante, o contido na cláusula sexta, em seu parágrafo terceiro, no que tange ao passivo ambiental na esfera administrativa:
"(...) CLÁUSULA SEXTA: a OUTORGANTE DOADORA fica responsável pelo pagamento:
Parágrafo Terceiro: Permanecem a cargo da OUTORGANTE DOADORA as obrigações que vierem a surgir no âmbito do futuro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), objeto do Auto de Notificação/Intimação nº 062207 emitido pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de Fiscalização e Auto de Infração nº 057293 e Auto de Multa nº 67-009.564-8. (...)"
É o sucinto e necessário relato.
DA FUNDAMENTAÇÃO
Percebe-se da leitura atenta do relatório, acima lançado, que a OUTORGANTE DOADORA não se pronunciou sobre assumir o passivo ambiental constante dos imóveis a serem doados, e, sequer, buscou junto ao órgão ambiental qualquer tipo de ajuste de conduta.
O ponto central desta manifestação, portanto, é a questão do passivo ambiental que existe nos imóveis que serão doados para a União e o quanto isso pode ser de responsabilidade da União, após aceitar a doação dos mencionados imóveis.
Neste sentido, nossa Constituição Federal em seu artigo 225, §3º estabelece que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[...]§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Resta claro, assim, que são três as esferas de responsabilidade por dano ambiental no Brasil, a saber: a responsabilidade administrativa, a penal e a responsabilidade civil.
Sobre a responsabilidade administrativa ambiental, importante colacionar a orientação precisa e atual do PARECER n. 00084/2020/DECOR/CGU/AGU:
"(...) A Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA afirmou, por meio da NOTA n. 00033/2020/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (seq. 66), que, desde o ano de 2011, prevalecia o entendimento de que a responsabilidade administrativa ambiental atende à teoria do risco criado, ou seja, dispensa-se a necessidade de comprovação de culpa, mas admite-se a eventual incidência de excludentes de responsabilidade, tais como conduta de terceiro, caso fortuito ou força maior (Orientação Jurídica Normativa 26/2011/PFE-IBAMA).
Apesar dessa orientação administrativa, não havia jurisprudência sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria. Alguns de seus julgados afirmavam que se tratar de hipótese de responsabilidade objetiva (e.g., REsp 467.212/RJ), outros de responsabilidade subjetiva (e.g., REsp 1.251.697//RJ). Como bem exposto pela NOTA n. 00033/2020/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (seq. 66), o Superior Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência, passando a exigir a presença do elemento subjetivo para fins de responsabilização administrativa ambiental, conforme se pode perceber, e.g., do AgInt no REsp 1.263.957 (2018), do AgInt no REsp 1.828.167/PR (2019) e do REsp 1.805.023 (2019).
Esta consolidação jurisprudencial a favor da responsabilidade ambiental administrativa subjetiva levou a Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA a rever o seu entendimento acerca da matéria. A revisão da Orientação Jurídica Normativa 26/2011/PFE-IBAMA deu-se pela aprovação do PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU (seq. 70 dos presentes autos e seq. 24 da NUP 00807.003227/2019-40), aprovado em 2 de junho de 2020 (seq. 25 da NUP 00807.003227/2019-40). (...)" (sem grifos no original)
Da leitura atenta do trecho acima destacado, resta perceber que a responsabilidade administrativa ambiental era objetiva e passou a ser subjetiva, inclusive, com posicionamento do STJ neste sentido. O que significa dizer que para que haja a responsabilidade administrativa ambiental é fundamental que haja o elemento subjetivo para fins de responsabilização. Ou seja, só responderá aquele que tenha relação de causalidade com o dano ambiental causado e que foi autuado pelo órgão ambiental. Sem esse elemento subjetivo não há como responsabilizar na esfera administrativa ambiental. No caso concreto, só pode ser responsabilizada administrativamente a OUTORGANTE DOADORA pelos danos ambientais narrados no presente processo, saliente-se, quanto a responsabilidade administrativa ambiental.
Quanto à responsabilização penal por dano ambiental, aplica-se também o elemento subjetivo para fins de responsabilização por danos ambientais.
Nesta trilha, veja-se a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a aplicação do princípio da intranscendência no âmbito administrativo, conforme julgamento proferido em 2012 quando tratava da responsabilidade (civil, penal e administrativa) em matéria ambiental. Nesse sentido, consta na ementa (destacado):
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. 1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental. 2. Explica o recorrente - e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado - que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade. 3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal. 4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental. 5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada. 6. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental. 7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental. 8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. 9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. 10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". 11. O art. 14, caput, também é claro: "[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]". 12. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo). 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental - e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). 14. Mas fato é que o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem. 15. Recurso especial provido. STJ; RESP 201100969836; Relator MAURO CAMPBELL MARQUES; SEGUNDA TURMA; DJE DATA: 17/04/2012.
Desta forma, após a leitura de referida decisão, tanto a responsabilidade administrativa ambiental quanto a responsabilidade penal ambiental, necessitam do elemento subjetivo para sua caracterização. Não se pode, portanto, transcender a figura do causador do dano ambiental para atingir outras pessoas físicas ou jurídicas, como, por exemplo, o novo proprietário ou o possuidor da área degradada. Esta é a lógica nas esferas administrativa e penal ambiental.
No entanto, a responsabilidade civil ambiental possui lógica diferente. A lógica da responsabilidade civil ambiental é objetiva e decorre dos seguintes fatores, a saber:
As condutas que ocasionam dano ao meio ambiente dão azo à obrigação de reparar. Sobre o tema, a Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece:
Art.3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Art. 14. (...)
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao melo ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.
Vê-se, assim, que por imperativo legal específico do art. 14, §1º, da PNMA, em matéria de meio ambiente, a responsabilidade civil do causador do dano é objetiva e, portanto, independente da prova de culpa, tampouco de dolo. Perfilhando esse entendimento, a propósito, convém citar jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535 DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO DE ARGILA SEM O DEVIDO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA . INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULA 7/STJ. EXISTÊNCIA DE OMISSÃO QUANTO AO PEDIDO DE AFASTAMENTO DOS DANOS MATERIAIS. PARCIAL PROVIMENTO, SEM EFEITOS INFRINGENTES.
1. Trata-se de Embargos de Declaração contra decisão proferida em Agravo Regimental alicerçada no seguinte fundamentos: a) "O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de licença ambiental e os danos causados pela extração ilegal de argila. Ademais, consignou (fls. 584e-STJ): a responsabilidade ambiental 'é objetiva, bastando a comprovação do nexo causal. Em outras palavras, o dever de reparação independe de culpa do agente e se aplica a todos que direta ou indiretamente teriam responsabilidade pela atividade causadora de degradação ambiental'"; b) "O entendimento do Juízo a quo está em consonância com a orientação do STJ: "Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva" (REsp 1.049.822/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009)"; c) "In casu, não há como afastar a legitimidade dos recorrentes para figurarem no polo passivo da presente demanda. No mais, incide o óbice da Súmula 7/STJ".
2. O simples descontentamento da parte com o julgado não tem o condão de tornar cabíveis os Embargos de Declaração, que servem ao aprimoramento, mas não à sua modificação, que só muito excepcionalmente é admitida. Precedentes do STJ.
3. Na hipótese dos autos, conquanto o decisum objurgado tenha sido bastante claro com relação à impossibilidade de afastamento da legitimidade ad causam dos sócios da empresa, foi omisso no que diz respeito à condenação da própria empresa em danos materiais.
4. Ocorre que o acolhimento da pretensão recursal, a fim de afastar a condenação por danos materiais, também demanda o reexame do contexto fático-probatório, mormente de licenças de operação; do Processo Administrativo 48425-844001/2007-63; do contrato social da empresa; entre outros documentos e provas, o que não se admite ante o óbice da Súmula 7/STJ. 5. Embargos de Declaração conhecidos e parcialmente providos, sem efeitos infringentes.
(EDRESP 201500413162, HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJE 20/05/2016)
Ainda que não houvesse previsão legal específica sobre a responsabilidade civil objetiva em matéria de dano ambiental, ainda assim incidiria a responsabilidade objetiva decorrente do risco da atividade, nos termos dos artigos 186 e 187 do Código Civil, e notadamente do parágrafo único de seu artigo 927, que reforçam a adoção da responsabilidade objetiva por danos causados aos interesses difusos, como é o caso do meio ambiente, pelo ordenamento jurídico pátrio:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Tratando-se de dano ambiental, MANCUSO (2007) esclarece que mesmo as clássicas causas de exclusão de responsabilidade (caso fortuito, força maior, proveito de terceiro, licitude da atividade e culpa exclusiva da vítima) não devem ser aceitas, na medida em que a apreciação de lesão a interesses metaindividuais exclui a aplicação de esquemas tradicionais, fundados na culpa ou na intenção do agente, de modo a evitar lacunas no sistema protetivo capazes de impedir a tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ao se tratar de dano ambiental, não se pode pensar em outra forma de responsabilidade objetiva que não seja a do risco integral , pois é aquela que permite a mais eficiente responsabilização de prejuízos ambientais.
Analisando o tema, CAVALIERI FILHO (2006) ministra: “Extrai-se do Texto Constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/1981), que essa responsabilidade é fundada no risco integral, conforme sustentado por Nélson Nery Jr. (Justitia 126/74).
CAVALIERI FILHO (2006) nos traz ainda o seguinte conceito de risco integral: “A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco destinada a justificar o dever de indenizar até nos casos de inexistência de nexo causal”.
Assim, resta pacífico que o adquirente é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido. Caso contrário, a degradação ambiental dificilmente seria reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infração e desfazer-se do bem lesado para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer ônus reparatório. Da necessidade de se evitar esse tipo de burla, tem-se que a obrigação de reparação é propter rem, ou seja, segue a coisa, independentemente do atual titular do domínio/posse.
Em face disso, se determinada atividade poluidora ou propriedade que esteja em desacordo com as leis ambientais tiver seu domínio transferido a terceiro, será este solidariamente responsável pela sua regularização, assim como pela recuperação dos danos causados. Com isso, evitar-se-á que o novo responsável deixe de adotar as providências necessárias a permitir o retorno do equilíbrio ambiental, sob o argumento inválido de não ter sido o causador do dano ou de não o ter iniciado.
Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ação ou omissão, além de não garantir a desejada reparação, permitirá a continuidade do dano ambiental iniciado por outrem. Daí, ser inegável sua responsabilidade civil ambiental.
O STJ também já apreciou a questão, responsabilizando o adquirente de área degradada:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ.
1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meioambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.
2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002.
3. Consoante bem pontuado pelo Ministro Herman Benjamin, no REsp nº 650728/SC, 2ª Turma, unânime: "[...] 11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado. 12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.[...]". DJ 02/12/2009.
4. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que "[...] A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações[...]" in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327.
5. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente".
6. A adoção do princípio tempus regit actum, impõe obediência à lei em vigor quando da ocorrência do fato.
7. In casu, os fatos apurados como infração ambiental ocorreram no ano de 1997, momento em que já se encontrava em vigor o Código Florestal Lei nº 4.771/65, não havendo que se perquirir quanto à aplicação do Decreto nº 23.793/94, que inclusive foi revogado por aquela lei.
8. O Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ.
9. In casu, a verificação da comprovação de que a propriedade não atinge o mínimo de 20% de área coberta por reserva legal, bem como a exploração de florestas por parte do proprietário, implicaria o revolvimento de matéria fática-probatória, o que é interditado a esta Corte Superior.
10. Deveras, o Tribunal a quo à luz de ampla cognição acerca de aspectos fático-probatórios concluiu que: A escusa dos requeridos de que não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental a particular que adquiriu a terra já desmatada ou que a averbação não pode ultrapassar o remanescente de mata nativa existente na área não convence; como bem exposto pelo Procurador de Justiça a fls. 313/314: 'não se pretende que a averbação seja feita anteriormente à entrada em vigor da Lei 7.803/89 que alterou disposições da Lei 4.771/65. Ocorre que, a partir da vigência daquela primeira lei em nosso ordenamento jurídico, os antigos proprietários (Sr. Renato Junqueira de Andrade e Sra. Yolanda Junqueira de Andrade - fls. 77) tinham desde então a obrigação de ter averbado a reserva legal, sendo que a Ré, ao comprar uma propriedade sem observar os preceitos da lei, assumiu a obrigação dos proprietários anteriores ficando ressalvada, todavia, eventual ação regressiva. (fls. 335).
11. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
12. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. G.N. (STJ, Resp 1090968/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Data do julgamento: 15/06/2010). ADMINISTRATIVO - DANO AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAÇÃO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE. 1. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meioambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei 6.938/81). 2. Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei. 4. Recursos especiais providos em parte. (REsp 327.254/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2002, DJ 19/12/2002 p. 355)
Portanto, pode-se concluir que a União, ao receber a doação, será a nova proprietária da área e responderá pela presente obrigação de reparação de degradação ambiental, mesmo não sendo quem praticou o ato ilícito em si, quanto a responsabilidade civil ambiental.
DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, em razão das orientações jurídicas acima lançadas e visando dar maior segurança jurídica ao gestor para a sua tomada de decisão, no que tange ao recebimento dos imóveis em doação, serão feitas as seguintes perguntas:
Além da autuação administrativa (responsabilidade administrativa ambiental) há também ação judicial ajuizada para apurar a responsabilidade civil ambiental? (necessário que a SPU, para saber desta informação, envie ofício para a PU/SP)
Há alguma ação penal em face do dano ambiental praticado? (necessário que a SPU, para saber desta informação, envie ofício para a PU/SP)
Após as respostas, devem os autos retornar para a análise conclusiva da minuta de doação.
Brasília, 27 de setembro de 2023.
VALTER OTAVIANO DA COSTA FERREIRA JUNIOR
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154149717202353 e da chave de acesso bf717b0a