ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO


PARECER n. 774/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

PROCESSO: 19739.150983/2023-22

ORIGEM: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO CEARÁ - SPU/CE

 

 

EMENTA: TERMO DE INCORPORAÇÃO APÓS DEMARCAÇÃO.
I – Direito Administrativo. Patrimônio imobiliário da União.
II – Incorporação de parte de terreno classificado como terreno de marinha inserido nos limites da demarcação da LPM - Linha de Preamar Média de 1831, conforme processo de demarcação nº 10380.010391/97-01, homologada em 13/09/1999.
III – Legislação: inciso VII, do art. 20, da Constituição Federal de 1988, art. 1º, a, do Decreto-lei nº 9.760/1946, art. 1º da Lei nº 9.636/1998, art. 19 do Decreto nº 3.725/2001, Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME nº 28, de 26 de abril de 2022:
IV – Aprovação da minuta do Termo de Incorporação, desde que atendidas as recomendações aduzidas neste parecer.

 

 

RELATÓRIO

 

Em cumprimento ao disposto no art. 131 da CRFB/88, no art. 11 da Lei Complementar nº 73/1993 e no art. 8º-F da Lei nº 9.028/1995,  a SUPERINTENDÊNCIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO CEARÁ – SPU-CE/ME encaminha a esta e-CJU/Patrimônio, via SAPIENS, link de acesso ao processo SEI de referência, que trata da análise da minuta do termo de incorporação por força do inciso VII, do art. 20, da Constituição Federal de 1988.

O acesso ao sistema sei foi inserido no sistema sapiens por meio do link https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=2979582&infra_hash=da0eb9b6cf1d67c9041866d333909ee4, que contem os seguintes documentos:

 
         
  37376242 Nota Informativa 30457 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37379641 Matrícula 1890 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37379988 Planta 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37379997 Memorial 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37380004 Relatório 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37380011 Cadastro 19/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37391378 Nota 20/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37433599 Parecer 00655 21/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37433644 Minuta de Termo de Contrato 21/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37433656 Ofício 108185 21/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
  37434620 Despacho 21/09/2023 MGI-SPU-CE-SECAP-NUINC
 

Lista de Andamentos (12 registros):

     

   

Em apertada síntese, é o relatório.

 

Análise

 

DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO

 

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio dos textos de editais, de minutas de contratos e de seus anexos, quando for o caso.

 

A função da Consultoria Jurídica da União é apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

Importante salientar, que o exame dos autos processuais se restringe aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, parte-se da premissa de que a autoridade competente se municiou dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

 

Nesse sentido vale lembrar que o Enunciado n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU recomenda que “o Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável. Ademais, caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto”.

 

De fato, presume-se que os estudos técnicos contidos no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento de seu objeto, suas características e requisitos, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.

 

Além disso, vale esclarecer que, em regra, não é atribuição do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Cabe-lhes, isto sim, observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.  Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos bem como os atos normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a priori, óbice ao desenvolvimento do processo.

 

Por fim, com relação à atuação desta Consultoria Jurídica, é importante informar que, embora as observações e recomendações expostas não possuam caráter vinculativo, constituem importante instrumento em prol da segurança da autoridade assessorada, a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações, ressaltando-se, todavia, que o seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.

 

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

Para uma melhor contextualização da demanda, cumpre-se transcrever o conteúdo da Nota Informativa SEI nº 30457/2023/MGI (SEI nº 37376242):

 
1. O presente NUP refere-se à incorporação do imóvel urbano caracterizado como terreno de marinha, localizado na Rua Nossa Senhora do Amparo nº 528, Centro - Fortim/CE, cadastrado sob o RIP SIAPA 0987010002378, constando como área total do imóvel em comento 1.105,53m², e área da União de 251,68m², como demonstrado nos documentos: Planta (37379988) e Memorial descritivo (37379997).
2. O imóvel está registrado na Matrícula nº 1890 do Cartório de 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Fortim/CE, na qual foi averbado, na AV.02-1890 "que parte do terreno desta Matrícula trata-se de terreno de marinha de domínio da União, tendo em vista que a área do terreno desta Matrícula está parcialmente contida na área que foi objeto de demarcação da Linha de Preamar Médio de 1831 (LPM), realizada por meio do processo 10380.010391/97-01, homologada em 13/09/1999" (37379641).
3. Por meio da Nota Informativa SEI nº 28808/2023/MGI (37391378), foi informado que o imóvel da União está avaliado em R$ 34.363,38 (37140562), com área total de 251,68m², visto ser parcialmente encravado em terrenos de marinha. Além disso, informa que o imóvel está fora da faixa de 100m (cem metros) ao longo da costa marítima e fora do raio de circunferência de 1.320m (hum mil trezentos e vinte metros) em torno das fortificações e estabelecimentos militares e os autos encaminhados a este Núcleo para "o trâmite de incorporação e retificação administrativa da Matrícula nº 1.890 do 2º Ofício de Notas e Registros da Comarca de Fortim, conforme Planta (37076169) e Memorial Descritivo (37076200).
4. Os terrenos de marinha são bens públicos por determinação constitucional e infraconstitucional por meio do Decreto-Lei nº 9.760 de 5 de setembro de 1946:
Constituição Federal de 1988Art. 20. São bens da União:VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
Decreto-Lei nº 9.760/46Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
(...)
Art. 2º Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
 
5. Quanto às tratativas de incorporação ao patrimônio da União, dispõe a Lei 9.636, de 15 de maio de 1998 o seguinte:
Art. 2º Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União.
 
Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente.
 
6. Ademais, corroborando com o citado acima, destaca-se o contido na Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME Nº 28, de 26 de abril de 2022, publicada no Diário Oficial da União – DOU, Seção, de 05 de maio de 2022.
Art. 49. Após o esgotamento dos recursos administrativos, a Superintendência providenciará a incorporação dos imóveis da União, conforme legislação vigente e na forma do regulamento interno.
 
7. Destaca-se também o PARECER nº 00655/2020/PGFN/AGU (SEI nº 37433599) emitido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, no qual é informado, nos itens 47 à 52, quanto ao registro cartorial após a lavratura do termo de incorporação, e o contido na Nota Informativa nº 12752/2021/ME, por meio do qual a Coordenação-Geral de Incorporação do Patrimônio - CGIPA, apresenta a interpretação dos itens, cuja metodologia está sendo revisada pelo órgão central. 
8. Assim sendo, o entendimento deste Núcleo é pela averbação na Matrícula para informar a área de domínio da União, evitando assim o cancelamento da mesma e a descontinuidade registral, mantendo todo o histórico de transações, retificações e demais alteração pelas quais ela passou.
9. Posto isto, considerando as orientações acima descritas, e considerando a elaboração dos documentos técnicos, Planta (37379988) e Memorial descritivo (37379997), elaborou-se minuta do Termo de Incorporação 37391443 a ser submetida para análise e parecer da Consultoria Jurídica da União no Estado do Ceará - CJU/CE.
10. Segue o Ofício 108173 (37433293) para apreciação e assinatura do Sr. Superintendente. Após, envio dos autos à SPU-CE-COORD para disponibilização do acesso externo à CJU/CE.
À consideração superior.

 

Verifica-se, portanto, tratar-se da análise da minuta de termo de incorporação de um "terreno de marinha"  caracterizado por um terreno urbano, localizado na Rua Nossa Senhora do Amparo nº 528, Centro - Fortim/CE, cadastrado sob o RIP SIAPA 0987010002378, constando como área total do imóvel em comento 1.105,53m², e área da União de 251,68m², como demonstrado nos documentos: Planta (37379988) e Memorial descritivo (37379997).

Segundo consta da colacionada Nota informativa,  a área em questão está contida na área que foi objeto de demarcação da Linha de Preamar Médio de 1831 (LPM de 1831), realizada por meio do Processo nº 10380.010391/97-01, homologada em 13/09/1999" (37379641). Outrossim, informa que há a matrícula nº 1.890 do 2º Ofício de Notas e Registros da Comarca de Fortim.

Diante dessas informações e partindo do pressuposto de que a SPU/CE seguiu a contento o rito procedimental contido na legislação, inclusive o contido na Instrução Normativa SPU/SEDDM/ME Nº 28, de 26 de abril de 2022 (posto que o processo de demarcação não foi trazido aos autos, de forma que esta Parecerista não teve acesso), a propriedade da União estaria inconteste, conforme estabelecido no inciso VII, do art. 20, da Constituição Federal de 1988, e no art. 1º, alínea a, do Decreto-lei nº 9.760/1946:

 

Constituição Federal de 1988:
Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
 
Decreto-Lei nº 9.760 de 5 de setembro de 1946:
Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
 
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
 
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
(...)
 
Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.
 
Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.
(...)
 
Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sôbre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.
 

Ao dispor sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis da União, os arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 9.636/1998 estabelecem:

 

Art. 1º É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, a executar ações de identificação, de demarcação, de cadastramento, de registro e de fiscalização dos bens imóveis da União e a regularizar as ocupações desses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, e poderá, para tanto, firmar convênios com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada.   (Redação da Lei nº 14.011, de 2020)
 
Art. 2º Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União.
Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente.
 
Art. 3º A regularização dos imóveis de que trata esta Lei, junto aos órgãos municipais e aos Cartórios de Registro de Imóveis, será promovida pela SPU e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, com o concurso, sempre que necessário, da Caixa Econômica Federal - CEF.
Parágrafo único. Os órgãos públicos federais, estaduais e municipais e os Cartórios de Registro de Imóveis darão preferência ao atendimento dos serviços de regularização de que trata este artigo.

 

O art. 19 do Decreto nº 3.725/2001, regulamenta:

 

Art. 19. O Secretário do Patrimônio da União disciplinará, em instrução normativa, a utilização ordenada de imóveis da União e a demarcação dos terrenos de marinha, dos terrenos marginais e das terras interiores.

 

Uma vez consignadas  as normas jurídicas que alicerçam a apuração técnica realizada pelo órgão consulente para a identificação da área que ora se pretende incorporar ao patrimônio da União e verificando que não há dúvida jurídica nos autos quanto à aplicação das referidas normas pela SPU, e tendo sido declarado pelo órgão consulente de que foi cumprido o rito do procedimento de demarcação,   cumpre-se analisar a minuta do ato de incorporação acostada.

 

Isto porque consta que o procedimento de demarcação foi realizado no  Processo nº 10380.010391/97-01,  o qual não veio a ser objeto da presente análise. Presume-se como verdadeira tal informação carreada pela Nota Informativa SEI nº 11891/2023/MGI.

 

Importante ressaltar que a Instrução Normativa SPU nº 22, de 22 de fevereiro de 2017 NÃO se aplica à presente incorporação, por força do parágrafo único de seu art. 1º:

 

Art. 1º A aquisição, a incorporação e a regularização patrimonial de bens imóveis em nome da União obedecerão aos procedimentos técnicos e administrativos estabelecidos nesta Instrução Normativa – IN, em consonância com a legislação vigente e os princípios aplicáveis à Administração Pública.
Parágrafo único. Não são alcançadas por esta IN as atividades de incorporação de imóveis atribuídos à União pelos incisos II a XI do art. 20 da Constituição Federal. (g.n.).

 

Cabe, ainda, trazer à baila o texto da ORIENTAÇÃO NORMATIVA E-CJU/PATRIMÔNIO Nº 05/2022, a qual tem seus itens 1.4., 2, 3., 4, 6, 7 e 8   aplicáveis ao caso concreto:

 
ORIENTAÇÃO NORMATIVA E-CJU/PATRIMÔNIO Nº 05/2022
DOMINIALIDADE DAS ILHAS OCEÂNICAS E COSTEIRAS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICAS DOS ARTS. 20, IV E VII, E 26, II DA CF/88. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 46/2005. PERMANÊNCIA DO REGIME JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DA LEGITIMIDADE DOS TÍTULOS APRESENTADOS POR PARTICULARES. DEMONSTRAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI Nº 601 DE 1850 (LEI DE TERRAS). NECESSIDADE DE EXAME DA CADEIA DOMINIAL ATÉ O OPORTUNO DESTAQUE DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA PROVADA MEDIÇÃO ANTES DO COMISSO. POSSIBILIDADE DE LESÃO AO ERÁRIO E RESPONSABILIZAÇÃO PELO RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DA PROPRIEDADE PARTICULAR .
1. Conforme jurisprudência do STF (ACO nº 317-2/SP e RE 636.199-ES), tem-se que, por uma interpretação sistemática dos incisos IV e VII do art. 20, e do inciso II do art. 26, da Constituição de1988:
1.1. As ILHAS EM QUE NÃO CONTIDA SEDE DE MUNICÍPIO se presumem de PROPRIEDADE DE UNIÃO, vale dizer, constitui título hábil a ensejar o domínio da União os simples FATO de a ilha não ser sede de Município.
1.2. Admite-se que PARCELAS de tais ilhas possam ter sido transferidas para os Estados, Municípios ou particulares, pelos MEIOS REGULARES DE DIREITO, cabendo a estes a apresentação de título legítimo, assim entendido aquele apto à aquisição da propriedade imóvel segundo o direito então vigente.
1.3. Com o advento da EC nº 46/2005, deixaram de pertencer à União as ILHAS COSTEIRAS EM QUE SEDIADOS ENTES MUNICIPAIS, RESSALVADAS as “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal”, ou cuja propriedade pela União reste comprovada por outro título que a legitime.
1.3.1 Mesmo que localizadas em ilhas costeiras sede de Municípios, as áreas já tituladas em nome da União (aí incluídas as aforadas a terceiros – art. 243 da LRP), remanescem em seu domínio, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao princípio de que tempus regit actum (v. PARECER MP/CONJUR/JCJ n. 0486-5.9.9/2005).
1.4. A EC nº 46/2005 em nada alterou o regime jurídico-constitucional dos TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS, que remanescem como PROPRIEDADE DA UNIÃO (art. 20, VII, da Constituição).
 
2. Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha NÃO SÃO oponíveis à União (Art. 198 do Decreto-Lei nº 7.760/1946 e Enunciado 496 da Súmula do STJ). Ainda que possua título legitimador do que seria sua propriedade e ainda que esse título diga respeito a momento anterior ao reconhecimento, pelo SPU, da dominialidade da União, compete ao PARTICULAR o ônus da PROVA IRREFUTÁVEL de que o imóvel NÃO se situa em área de terreno de marinha, devendo fazê-lo por meio da ação cabível (PARECER n. 00162/2010/DECOR/CGU/AGU).
3. A inscrição do imóvel no registro de patrimônio da União torna exigível o recolhimento de foro, além do pagamento de laudêmio e a apresentação da CAT, sendo desnecessária a propositura de ação anulatória de registro da propriedade.
3.1. A Lei nº 6015/1973 e o Código Civil não se aplicam em sua totalidade aos imóveis de propriedade da União, sendo passíveis de responsabilização os Oficiais de Registro de Imóveis que se negarem a reconhecer a titularidade da União no que tange a imóveis registrados como tal na SPU, e a exigir a CAT e a comprovação do pagamento de laudêmio para proceder à transferência de titularidade do domínio útil por escritura definitiva de compra e venda (PARECER n. 00162/2010/DECOR/CGU/AGU )
4. A LEGITIMIDADE dos títulos apresentados por PARTICULARES para reconhecimento de seu domínio pleno está jungida à DEMONSTRAÇÃO do cumprimento de TODAS as condições impostas pela Lei nº 601, de 1850 (Lei das Terras). Não há direito de propriedade decorrente do Registro Paroquial. (Resp nº 389.372-SC)
 
5. A MEDIÇÃO antes da ocorrência do comisso, enquanto providência comum, tanto à revalidação, quanto à legitimação, é o fiel da balança que indica a adequação da pretensão dominial privada ao regime jurídico da Lei nº 601, de 1850. (ESTUDO TEMÁTICO DE REFERÊNCIA 001/2009-JMPJ/CGDPM/DPP/PGU)
6. “A natureza constitucional da propriedade pública imobiliária faz com que qualquer registro público lhe seja i) inferior quanto à eficácia - pois que o sistema registral é de ordem infraconstitucional, ii) posterior quanto à origem – pois que de ordinário o domínio público imobiliário é ex tunc, e iii) subordinado quanto à natureza jurídica – pois que tal domínio público é sempre originário e o domínio privado é sempre derivado. Em palavras bem diretas: O registro de imóvel público em nome de particular, sem derivação lícita do patrimônio fundiário público, por ato de ente competente para fazê-lo, é sempre inconstitucional, porque converte domínio público em domínio privado à revelia da Constituição Federal”. (ESTUDO TEMÁTICO DE REFERÊNCIA 01/2009-JMPJ/CGDPM/DPP/PGU).
6.1. O registro de imóvel público em nome de particular, sem derivação lícita do patrimônio fundiário público, por ato de ente competente para fazê-lo, é, além de ilegal, inconstitucional
7. A demonstração da nulidade do ato registral ou do título causal levado ao registro afastam a presunção de validade do registro. Para se aferir adequadamente a sua insubsistência, é mister a verificação da CADEIA DOMINIAL até o DESTAQUE da propriedade privada do acervo público de terras, repositório primitivo de todo o domínio fundiário nacional. (ESTUDO TEMÁTICO DE REFERÊNCIA 001/2009-JMPJ/CGDPM/DPP/PGU - vide especialmente parágrafos 72 e seguintes)
8. O reconhecimento administrativo da propriedade de particular sobre terrenos situados nos interiores de ilhas não é orientado, mormente quando dita propriedade é objeto de ação judicial. Na hipótese de ilegalidade e/ou lesão ao erário, sujeita-se o agente responsável às sanções civis, penais e administrativas previstas na legislação em vigor. Referência: NUP 19739.117673/2021-34

 

 

DA COMPETÊNCIA

 

Importante salientar que inobstante a Lei Federal nº 9.636, de 15 de maio de 1998 atribua competência para autorizar a gestão de bens imóveis da União ao Ministro de Estado da Fazenda, entende-se que esta competência sofreu alteração com a entrada em vigor da Medida Provisória 1.154, de 1º de janeiro de 2023 convertida na LEI Nº 14.600, DE 19 DE JUNHO DE 2023, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios,  em seu artigo 32, inciso VII, inseriu a "administração do patrimônio imobiliário da União" dentre as áreas de competência do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI):

 

(...)

 

"CAPÍTULO II
DOS MINISTÉRIOS

 

Seção XV
Do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos

 

(...)

 

Art. 32. Constituem áreas de competência do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos:

 

(...)

 

VII -  diretrizes, normas e procedimentos para a administração do patrimônio imobiliário da União;

 

 

(...)

 

 

Art. 40. Constituem áreas de competência do Ministério do Planejamento e Orçamento:

I - elaboração de subsídios para o planejamento e a formulação de políticas públicas de longo prazo destinadas ao desenvolvimento nacional;

II - avaliação dos impactos socioeconômicos das políticas e dos programas do governo federal e elaboração de estudos especiais para a reformulação de políticas;

III - elaboração de estudos e pesquisas para acompanhamento da conjuntura socioeconômica e gestão dos sistemas cartográficos e estatísticos nacionais;

IV - elaboração, acompanhamento e avaliação do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual;

V - viabilização de novas fontes de recursos para os planos de governo;

VI - formulação de diretrizes, acompanhamento e avaliação de financiamentos externos de projetos públicos com organismos multilaterais e com agências governamentais; e

VII - coordenação e gestão do sistema de planejamento e de orçamento federal.

 

Nesse contexto, verifica-se que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) está investida de competência normativa para regulamentação das atividades de administração imobiliária que lhe foram concedidas, o que abrange a incorporação dos imóveis da União.

 

 

DA MINUTA DO TERMO DE INCORPORAÇÃO

 

 

Encontram-se os autos devidamente instruídos com a documentação necessária para a lavratura do Termo de Incorporação- SEI nº 37433644 - que será levado, juntamente com a planta e memorial descritivo da área, para fins de registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

 

A minuta acostada atende aos pressupostos legais, só havendo necessidade do seguinte reparo:

CLÁUSULA SEGUNDA – que tendo em vista o domínio garantido pelo Inciso VII do artigo 20, da Constituição Federal de 1988, o imóvel indicado na cláusula anterior está inserido nos limites da demarcação da LPM - Linha de Preamar Média de 1831, instruído no processo de demarcação nº 10380.010391/97-01 homologada em 13/09/1999. E, por este instrumento, é declarado incorporado ao patrimônio da UNIÃO, livre e desembaraçado de todo e qualquer ônus, transferindos-se em consequência, todo o domínio, ação, servidão ativa, senhorio e posse que sobre o referido imóvel alguém vinha exercendo;

 

 

Recomenda-se, contudo, que se promova a conferência final em todos os atos, termos e especificações técnicas, bem como dos documentos de identificação dos signatários, a fim de sanar eventuais omissões, erros materiais, gramaticais, de dados ou técnica de redação, assim como citação de normativos eventualmente revogados, posto que a instrução processual, a conferência de dados e a indicação dos normativos específicos em vigor, que respaldam a prática do ato, são atribuições próprias do órgão assessorado.

 

Cumpre-se alertar ao órgão consulente observar a orientação contida no PARECER n. 00655/2020/PGFN/AGU (37433599), em relação à necessidade de nova abertura de matrícula, a saber:

48. A primeira questão diz respeito à forma de registro do termo de incorporação, “se por meio de averbação do termo de incorporação na matrícula; se por meio de registro do termo de incorporação na matrícula; se por meio do cancelamento da matrícula e criação de outra”. A “averbação” não parece ser o meio adequado, pois trata-se de ato administrativo com vistas a atualizar informações sobre o bem ou sobre o seu titular, enquanto o “registro” seria o meio adequado para indicar alteração na propriedade do bem, e neste caso, seria o ato mais adequado para refletir a nova titulação do bem.

 

49. Todavia, não se pode desconhecer a existência da abertura indevida de uma matrícula em nome de um particular, de um imóvel que sempre foi da União, apesar da ausência de registro cartorial. Repise-se o que foi dito em resposta ao questionamento I deste opinativo, quando se afirmou que a aquisição dos bens da União relacionados nos incisos II a XI do Art. 20 da Constituição Federal de 1988, tem por fundamento jurídico a própria Carta Magna, e que o termo de incorporação apenas declara este direito mas não o constitui. Reproduziu-se, ainda, trecho do PARECER Nº 0670 – 5.12/2013/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, em que se afirma que “ninguém argumentaria que determinado terreno de marinha não é de propriedade da União só porque ainda não está demarcado e registrado; a demarcação e o registro apenas declaram e dão publicidade a um domínio que possui assento constitucional.”. Logo, juridicamente, o correto seria solicitar ao cartório de registro de imóveis o cancelamento da matrícula aberta indevidamente e a criação de uma nova em nome da União.

 

50. Note-se que o procedimento de cancelamento de matrícula do particular, em virtude da área por ele registrada coincidir, total ou parcialmente, com área que veio a ser posteriormente declarada como da União, por meio de processo demarcatório, não é matéria estranha à legislação patrimonial. A Lei nº 11.481/2007, incluiu uma seção específica no DL nº 9.760/46 (arts. 18-A a 18-F), que trata “Da Demarcação de Terrenos para Regularização Fundiária de Interesse Social”. Dentre os dispositivos incluídos, destaque-se o parágrafo único do art. 18-E, que aborda a questão ora tratada. Transcreve-se:

 

“Art. 18-E.  Decorrido o prazo previsto no § 3o do art. 18-D desta Lei sem impugnação, o oficial do registro de imóveis deve abrir matrícula do imóvel em nome da União e registrar o auto de demarcação, procedendo às averbações necessárias nas matrículas ou transcrições anteriores, quando for o caso.(Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
Parágrafo único. Havendo registro de direito real sobre a área demarcada ou parte dela, o oficial deverá proceder ao cancelamento de seu registro em decorrência da abertura da nova matrícula em nome da União.(Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

 

51. O fato do regramento acima transcrito ser específico para os casos de regularização fundiária de interesse social, a nosso ver, não impede que seja utilizado analogicamente para destinações distintas, ou mesmo para os casos em que não há previsão de destinação imediata. Convém, ainda, trazer à baila a Súmula nº 496 do STJ, onde se afirma que “Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União”.

 

52. Pode-se afirmar, portanto, que não se caracteriza como condomínio entre a União e o particular, a situação em que o particular tem o registro de área que, posteriormente veio a ser declarada como sendo da União, devendo a SPU oficiar o cartório imobiliário, no sentido de que seja cancelada a matrícula aberta em nome do particular e aberta uma nova matrícula em nome da União, nos termos da legislação acima transcrita.

 

Registre-se, por oportuno, que esta é a orientação pacificada no âmbito da Advocacia-Geral da União.

Assim sendo, observando a matrícula do imóvel no documento 37379641, observamos que o cartório de registro de imóveis já promoveu a averbação de que ora se analisa, a pedido da SPU, na matrícula 1890, o que deverá ser cancelado para que se promova a nova abertura nos termos defendidos pela manisfestação supra.

 

 

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Ressalta-se que não compete à e-CJU avaliar questões de ordem fática, técnica ou de cálculo, responsabilizando-se os signatários dos documentos juntadas pelo teor de suas informações perante aos Órgãos de controle, especialmente no que diz respeito às justificativas para o afastamento do certame, inteligência da Boa Prática Consultiva BPC/CGU/AGU nº 7.

 

Cumpre realçar que, caso o Administrador discorde das orientações emanadas neste pronunciamento, deverá carrear aos autos todas as justificativas que entender necessárias para embasar o ajuste pretendido e dar prosseguimento, sob sua exclusiva responsabilidade perante eventuais questionamentos dos Órgãos de Controle, consoante o inciso VII do art. 50 da Lei nº 9.784/1999. Nesse caso, não haverá a necessidade de retorno do feito a esta Consultoria Jurídica da União.

 

Alerta-se, por fim, quanto ao teor da Boa Prática Consultiva BPC/CGU/AGU nº 5 (sem grifos no original):

 

Ao Órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação do cumprimento das recomendações consignadas.

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, uma vez atendidas as recomendações aduzidas neste parecer, especialmente nos parágrafos 23 a 28, e resguardados o juízo de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitos à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, aprova-se a minuta acostada no sei 37433644 para que produza seus desejados efeitos.

É o parecer.

 

Solicita-se ao Protocolo que devolva ao órgão consulente com as considerações de estilo.

 

Brasília, 29 de setembro de 2023.

 

PATRÍCIA KARLLA BARBOSA DE MELLO

ADVOGADA DA UNIÃO

 

 


 

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