ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 235/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.018008/2023-87

INTERESSADA: Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios

ASSUNTO: Lei Paulo Gustavo. Tributação. Imposto de renda.

 

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LEI PAULO GUSTAVO.
I - Consulta sobre a incidência de imposto de renda sobre recursos recebidos por pessoas físicas e jurídicas contempladas em editais de fomento à execução de ações culturais e apoio a espaços culturais, realizados no âmbito da Lei Paulo Gustavo - Lei Complementar nº 195/2022.
II - Não incidência de ISSQN, tendo em vista a não ocorrência do fato gerador do tributo, dado que o beneficiário de fomento não presta serviços ao poder público concedente fomentador.
III - Não incidência de imposto de renda sobre os repasses para execução de projetos selecionados em editais de apoio a ações culturais e a espaços culturais, devido à não ocorrência de acréscimos patrimoniais decorrentes do simples repasse.
IV - Isenção, para pessoas físicas, de imposto de renda sobre premiações concedidas no âmbito das políticas e programas de fomento cultural de que trata o Decreto nº 11.453/2023, especialmente aquelas de que trata o art. 18 da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022).
V - Isenção de imposto de renda sobre quaisquer acréscimos patrimoniais auferidos por pessoas jurídicas sem fins lucrativos de caráter cultural que cumpram suas finalidades institucionais, inclusive aqueles decorrentes de fomento cultural (art. 8º do Decreto nº 11.453/2023).

 

Trata-se de consulta formulada pela Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios, da Secretaria dos Comitês de Cultura, solicitando manifestação desta Consultoria Jurídica quanto à incidência de imposto de renda no recebimento de recursos por pessoas físicas e jurídicas contempladas em editais de fomento à execução de ações culturais e apoio a espaços culturais, realizados no âmbito da Lei Complementar nº 195/2022 - Lei Paulo Gustavo.

O objeto específico da consulta diz respeito ao entendimento esposado na Nota Técnica nº 14/2023/CGITJ/DAT/SCC/MinC (doc. SEI/MinC 1421814), no que diz respeito à incidência:

  1. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre recursos recebidos em editais de fomento cultural;
  2. Imposto de Renda sobre recursos recebidos em editais de fomento à execução de ações culturais e apoio a espaços culturais no âmbito da Lei Paulo Gustavo; e
  3. Imposto de Renda sobre recursos recebidos em premiações culturais recebidas no âmbito da Lei Paulo Gustavo - LPG.

É o breve relato do necessário. Passo a opinar.

 

- Quanto à incidência do Imposto Sobre Serviços

No que tange ao ISSQN, embora se trate de tributo de competência municipal, compete à União, por lei complementar, fixar pisos e tetos de alíquotas, assim como estabelecer isenções que afetem o alcance da hipótese de incidência, conforme art. 156, § 3º, da Constituição Federal. Neste sentido, a Lei Complementar nº 116/2003 estabeleceu em seu art. 1º que a hipótese de incidência de tal tributo consiste na prestação dos serviços constantes do anexo da lei, independentemente da preponderância da atividade econômica do contribuinte ou de sua natureza jurídica.

Os recursos recebidos em editais de fomento de que trata o art. 8º do Decreto nº 11.453/2023, salvo melhor juízo, não se sujeitam à incidência de tal imposto porque não se caracterizam como contraprestação por serviços na acepção do art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003. Além de não estar especificado no anexo da referida lei, o fomento cultural não pode ser definido como uma prestação de serviços ao ente público concedente, caso contrário, sequer poderia ser concedido sem a observância da legislação específica de regência dos contratos administrativos.

A regulação de tais repasses por legislação específica às relações de parceria entre estado e sociedade na consecução de políticas culturais, por si só, descaracteriza a realização das ações fomentadas como serviços para fins de tributação municipal. No entanto, ressalte-se que tal orientação não afasta a incidência do referido imposto quando da utilização de tais recursos na contratação de fornecedores por parte dos agentes culturais fomentados, pois aí sim poderá caracterizar-se a hipótese de incidência do tributo, conforme o serviço se enquadre nas hipóteses do Anexo à Lei Complementar nº 116/2003.

 

- Quanto à incidência do Imposto de Renda em editais dos incisos I e II do art. 8º do Decreto nº 11.543/2023.

Com relação ao Imposto de Renda, a incidência do imposto não se dá uniformemente em todas as modalidades de fomento porque a hipótese de incidência está diretamente relacionada com a caracterização de tais repasses como acréscimo patrimonial, na forma do art. 43 do CTN.

Especificamente para as hipóteses dos incisos I e II do art. 8º do Decreto nº 11.453/2023, isto é, para repasses de recursos destinados a fomentar a execução de ações culturais e o apoio a espaços culturais, parece-me estreme de dúvida que não há qualquer acréscimo ao patrimônio dos beneficiários do fomento cultural, seja por não se caracterizarem como contraprestação pela realização de serviços, seja pela total ausência de disponibilidade do recurso recebido pelo beneficiário senão para a estrita execução das ações culturais previstas no instrumento de parceria firmado.

Com efeito, os recursos repassados pelo poder concedente a agentes culturais em ações culturais fomentadas, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 8º do Decreto nº 11.453/2023, são vinculados a finalidades e objetivos previamente estabelecidos em projetos aprovados conforme regras estabelecidas em edital e segundo os parâmetros do referido decreto, além de depositados em conta específica na forma do art. 25 do referido decreto, o que retira do beneficiário qualquer disponibilidade sobre tais valores para além das finalidades às quais estão afetados.

Sendo certo que o mero repasse de valores aos beneficiários para execução de projetos não pode ser feito em benefício próprio, mas para uma ação cultural fomentada, não há que se falar em acréscimo patrimonial passível de tributação. E tal conclusão independe de se tratar de fomento cultural promovido com recursos da Lei Paulo Gustavo, de forma descentralizada por estados e municípios, ou quaisquer outras fontes orçamentárias, por qualquer ente da federação, desde que se trate de repasse caracterizado como fomento cultural, na forma do Decreto nº 11.453/2023.

No entanto, assim como no caso do ISSQN, esta orientação não afasta a possibilidade de incidência do imposto de renda quando da utilização dos recursos pelos beneficiários, sempre que haja, por exemplo, pagamentos a fornecedores não isentos ou incorporação de bens remanescentes da parceria ao patrimônio de beneficiários não isentos. Não se trata, porém, de hipóteses de retenção na fonte no momento do repasse pelo poder público concedente.

 

- Quanto à incidência do Imposto de Renda sobre premiações culturais na LPG.

No que diz respeito ao fomento cultural realizado na modalidade do inciso IV do art. 8º do Decreto nº 11.453/2023 (concessão de premiação cultural), é necessário esclarecer que tal questão já foi objeto de consulta no âmbito do Processo nº 01400.010819/2023-30. A consulta foi encaminhada em 31/07/2023 à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para pronunciamento quanto à incidência de imposto de renda sobre esta modalidade e a modalidade de bolsas culturais, que, ao contrário das modalidades dos incisos I e II art. 8º, caracterizam-se efetivamente como acréscimos patrimoniais a seus beneficiários.

Nestas hipóteses, uma vez que os fatos geradores (fatos imponíveis) se amoldam em tese à hipótese de incidência do imposto de renda, na modalidade de acréscimo patrimonial, faz-se necessário analisar se, no caso específico do fomento cultural, seja por meio de bolsas, seja por meio de prêmios, tais acréscimos não podem ser enquadrados em hipóteses de incidência específicas de outros tributos (o que caracterizaria a não-incidência simples do imposto de renda), ou se haveria alguma hipótese de isenção legalmente prevista sobre a natureza da renda ou sobre o sujeito passivo do tributo.

Por meio do Parecer nº 455/2010/CONJUR-MinC (em anexo ao presente parecer), esta Consultoria Jurídica já firmou entendimento no sentido de que "em casos de premiações em dinheiro, ofertadas em decorrência de concurso cultural, (...) há configuração da hipótese de incidência do imposto de renda", em virtude da caracterização do acréscimo patrimonial, e que tal tributação somente estaria excluída caso se verificasse alguma isenção ou imunidade, objetiva ou subjetiva.

Este mesmo parecer, todavia, também ressalta que o Regulamento do Imposto de Renda, atualmente aprovado na forma do Decreto nº 9.580/2018) compila uma série de isenções estabelecidas em leis específicas, e explicita em seu art. 35, inciso VII, alínea "c", que o valor dos bens adquiridos por meio de doação, por pessoas físicas, é caracterizado como rendimento isento, nos termos do art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.

Uma vez que se entendam caracterizadas as premiações culturais como doações pela legislação de fomento, há substrato jurídico para que se considerem tais acréscimos patrimoniais isentos de imposto de renda, apesar de integrarem a hipótese de incidência do tributo. Tal caracterização exsurge do art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, que destaca a natureza jurídica de doação sem encargo à modalidade de fomento de premiação cultural.

Conforme o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Em seu § 6º, este mesmo artigo também estabelece que isenções tributárias também só podem ser instituídas por lei. O art. 41 do Decreto nº 11.453/2023 não incorre em nenhuma destas vedações; primeiro, porque não majora nenhum imposto; segundo, porque não estabelece propriamente a isenção sobre doações, que é estabelecida no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988.

Normas tributárias em branco, isto é, aquelas em que os conceitos envolvidos na definição da hipótese de incidência ou base de cálculo do tributo não se encontram suficientemente delineados em lei e precisam ser detalhados em regulamento, não são estranhas ao ordenamento jurídico nacional, já tendo sua constitucionalidade reconhecida em outros casos. O art. 22 da Lei nº 8.212/1991, por exemplo, já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF no Recurso Extraordinário nº 343.446/SC.

Pode-se questionar se a delegação legislativa ao poder executivo pode ser ampla o suficiente para permitir que por decreto se esvazie a hipótese de incidência de um determinado tributo. No entanto, isto não ocorre no caso da isenção de imposto de renda sobre doações, em que o conceito de doação é bem definido na legislação civil e deriva, em última análise, da própria previsão constitucional de tributação diversa de competência estadual para tal hipótese de incidência (Constituição, art. 155, inciso I).

Portanto, entendo haver respaldo jurídico suficiente para que, com base no art. 6º, XVI, da Lei nº 7.713/1988, cumulado com o art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, sejam considerados isentos os rendimentos decorrentes de quaisquer premiações concedidas no âmbito da legislação de fomento à cultura, o que exige revisar, nesta parte, o entendimento proferido no Parecer nº 455/2010/CONJUR-MinC. É importante ressaltar que tais situações não se equiparam a prêmios de outras naturezas, decorrentes de loterias ou sorteios de qualquer espécie, que não são considerados doações em virtude de previsão legal específica, conforme disposto nos arts. 732 e 733 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018).

Porém, há de se enfatizar que, como a questão relativa à tributação de premiações culturais aguarda pronunciamento da Procuradoria-Geral Adjunta de Assuntos Tributários, da PGFN, no bojo do Processo nº 01400.010819/2023-30, esta orientação pode ser modificada caso haja pronunciamento contrário que suscite o encaminhamento da divergência à Consultoria-Geral da União ou mesmo ao Advogado-Geral da União.

A questão assume contornos específicos, contudo, quando se faz um recorte sobre as premiações culturais concedidas no âmbito da Lei Paulo Gustavo, conforme abordado pela área técnica consulente. Para estas situações, há previsão específica no § 3º do art. 18 da Lei Complementar nº 195/2022, de que tais pagamentos têm natureza jurídica de doação, o que automaticamente as exclui da tributação de imposto de renda.

Por fim, é importante também corroborar o item 2.38 da Nota Técnica nº 14/2023/CGITJ/DAT/SCC/MinC (doc. SEI/MinC 1421814), no qual defende-se a isenção de imposto de renda para pessoas jurídicas jurídicas sem fins lucrativos. Tal isenção encontra respaldo no art. 15 da Lei nº 9.532/1997, e afasta a tributação sobre renda de quaisquer modalidades de fomento que possam enquadrar-se como acréscimo patrimonial, isto é, bolsas, premiações e outras modalidades que venham a ser previstas em ato da Ministra de Estado da Cultura (art. 8º, III a V, do Decreto nº 11.453/2023).

 

À DAT/SCC, para ciência e encaminhamentos cabíveis.

 

Brasília, 6 de outubro de 2023.

       

    

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Consultor Jurídico

substituto

 


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