ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00236/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.018845/2023-14

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO E EMENDAS PARLAMENTARES COLEP/ASPAR/GM/MINC

ASSUNTOS: PROJETO DE LEI

 

 
EMENTA:
I - Análise e manifestação acerca de Projeto de Lei que Erige em monumento nacional o Caminho da Estrada Real, que abrange os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
II. Competências do Ministério da Cultura.
III. Constituição Federal. Lei Complementar nº 95, de 1998. Decreto n. 9.191, de 2017.
IV. Viabilidade jurídica. Necessidade de parecer de mérito.

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 400/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC (SEI 1440193), a Coordenadora-Geral da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei nº 1854/2021, que "Erige em monumento nacional o Caminho da Estrada Real, que abrange os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo", de autoria do Deputado Reginaldo Lopes (SEI 1440186).

A justificativa apresentada pelo Parlamentar autor do projeto consta do documento SEI 1442338, nos seguintes termos:

 

JUSTIFICAÇÃO
Durante todo o século XVIII e também parte do XIX, a Estrada Real foi a principal rota de transporte do ouro e dos diamantes encontrados nas jazidas de Minas Gerais. Construída pela Coroa Portuguesa, a via era a única forma de acesso à região mineradora. Por ali deveriam passar os senhores, os escravos e as mercadorias, sendo que a abertura de novos caminhos era considerada crime de lesa-majestade. Em suas margens foram erguidos arraiais, vilas, postos fiscais e prédios de registros, muitos dos quais ainda resistem à ação do tempo.
A rota, num primeiro momento, ligava a região mineradora e Vila Rica (hoje, Ouro Preto) ao porto da cidade de Parati, no Rio de Janeiro. Esse ficou conhecido como o “Caminho do Ouro”. Mais tarde, a fim de abreviar o percurso, uma nova via foi aberta, passando pela Serra dos Órgãos. Com a descoberta de jazidas de diamantes, o Caminho Novo, como foi batizado, se estendeu até o Arraial do Tejuco, atual Diamantina.
A importância comercial do trajeto se manteve inabalável durante quase dois séculos, e só começou a diminuir com a chegada das primeiras ferrovias ao país.
Ao todo, a Estrada Real abrange 182 municípios num total de 1.400 quilômetros. A região se destaca por seu rico acervo histórico-cultural e pelas inúmeras manifestações artísticas, constituindo-se em excelente vetor para o desenvolvimento do turismo cultural.
Posto isso, e, com o objetivo de preservar toda essa riqueza e diversidade cultural, e contribuir para o resgate histórico do caminho, conto com o apoio dos nobres parlamentares para que possamos elevar o Caminho da Estrada Real à condição de monumento nacional.
 

O pedido de manifestação jurídica se dá face ao Ofício-SEI nº 215/2023/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR, de 28 de setembro de 2023 (1434342), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).

Este é o sucinto relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
 

Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta.

Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX, da Constituição Federal.

Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se a proposta regular também nesse ponto (o projeto em tela é de autoria do Deputado Reginaldo Lopes).

Por outro lado, nos termos do art. 215 da Constituição Federal, cabe ao Estado garantir a todos o acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão da história do Brasil. 

Portanto, o projeto de lei em questão não apresenta vícios de constitucionalidade. 

A minuta de projeto de  lei remetida encontra, assim, o devido amparo jurídico, sob o aspecto material.

Adentrando-se a leitura de seu teor, verifica-se que a proposta visa erigir em monumento nacional o Caminho da Estrada Real, que abrange os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, mais especificamente os Municípios mencionados no art. 1o da minuta.

Quanto ao mérito do projeto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta.

Importante garantir, nesse sentido, a observância do Decreto n. 9.191, de 2017, em especial, em seu art. 30:

 

Art. 30. Serão enviados juntamente à exposição de motivos, além de outros documentos necessários à sua análise:
I - a proposta do ato normativo;
II - o parecer jurídico;
III - o parecer de mérito; e
IV - os pareceres e as manifestações aos quais os documentos de que tratam os incisos II e III façam remissão. (grisos nossos)
 

Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no §1º do art. 66 da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público. Confira--se:  

 

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
(Negritou-se)

 

Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica.

Portanto, o Projeto de Lei deverá ser submetido ao órgão técnico competente, no âmbito desta Pasta, para avaliação (parecer de mérito) quanto ao interesse público incidente sobre o objeto da proposta.

Importante registrar, ainda, a importância da manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan sobre o tema, já que a entidade tem, entre outras, as seguintes finalidades (conforme Anexo ao Decreto n. 11.178/2022, art. 2º):

 

Art. 2º  O Iphan tem por finalidade:
I - preservar o patrimônio cultural do País, nos termos do disposto no art. 216 da Constituição;
(...)
IV - promover a salvaguarda e a conservação do patrimônio cultural acautelado pela União;
(...)
VIII - fiscalizar e monitorar o patrimônio cultural acautelado pela União e exercer o poder de polícia administrativa nos casos previstos em lei;
(...)
 

Assim, é relevante que o IPHAN, entidade vinculada a este Ministério, manifeste-se sobre os aspectos operacionais da proposta, para além do interesse público/político em se declarar o valor histórico/cultural do Caminho da Estrada Real.

Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, desde que confirmado pelo órgão técnico competente o interesse público incidente sobre a matéria.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 05 de outubro de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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