ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00237/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.018290/2023-01

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE PROJETOS E CONVÊNIOS COOPC/ MINC

ASSUNTOS: MINUTA DE PORTARIA. CEUs DA CULTURA.

 

 
EMENTA:
I. Manifestação jurídica sobre minuta de ato normativo a ser editado pela Ministra de Estado. 
II. Dispõe sobre o processo de seleção de propostas para a implantação de CEUs da Cultura, modalidade do Programa Territórios da Cultura, a serem apoiadas com recursos do Orçamento Geral da União - OGU, no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento - Novo PAC.
III. Aspectos jurídico-formais. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017. Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019.
IV. Parecer favorável em tese, condicionado à aprovação prévia do Projeto de Lei - PL nº 4.172/2023 e do respectivo decreto regulamentador, bem como à confirmação de coerência da minuta com o teor destes. Recomendações.
 
 
 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 5920/2023/GSE/GM/MinC (SEI nº 1441299), o Gabinete da Secretaria-Executiva solicita análise e manifestação jurídica acerca de minuta de portaria ministerial (SEI 1440364), que dispõe sobre o processo de seleção de propostas para a implantação de CEUs da Cultura, modalidade do Programa Territórios da Cultura, a serem apoiadas com recursos oriundos do Orçamento Geral da União, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - Novo PAC.

Segundo destaca o Parecer Técnico nº 02/2023/CGDP/SEEC/GSE/GM (1429633), da Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais - SEEC/MinC, o Programa Territórios da Cultura estrutura-se a partir de uma rede de infraestrutura cultural para atuação em múltiplas escalas, abrangendo as seguintes modalidades: Biblioteca-parque, CEU da Cultura e MovCEU. 

Especificamente sobre o CEU da Cultura (objeto da Portaria em tela), o referido Parecer Técnico expõe:

 

7. O CEU da Cultura é uma edificação pública de uso cultural, de caráter comunitário, composto por espaços associados à expressão corporal, educação cidadã, arte e educação, trabalho e renda, meio ambiente, entre outras atividades interrelacionadas à cultura.
8. Com o objetivo de dialogar com a diversidade cultural e bioclimática do país, adotou-se um modelo de implantação que permita maior flexibilização do programa de necessidades e maior capacidade de adaptação às condições locais. O modelo é baseado em módulos, sendo cada módulo um conjunto de usos que serão selecionados junto à comunidade para compor a edificação.
9. O projeto de referência do CEU da Cultura será disponibilizado pelo Ministério da Cultura aos Entes selecionados, acompanhado de um manual para adaptação do projeto às necessidades locais. Caberá aos Estados e ao Distrito Federal adaptar os projetos aos terrenos disponibilizados, por meio de equipes credenciadas ou equipes próprias habilitadas pelo Ministério da Cultura.

 

O órgão técnico informa, ainda, que o CEU da Cultura integra a carteira de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento - Novo PAC (instituído pelo Decreto nº 11.632, de 11 de agosto de 2023) e espera-se que seja implementado com recursos oriundos da Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, que trata da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), cujo permissivo legal decorrerá da aprovação definitiva do Projeto de Lei - PL nº 4.172/2023 (SEI 1430045), em tramitação no Senado.

Após aprovação do PL n. 4.172/2023, a SEEC/MinC informa que o decreto que regulamenta a PNAB estabelecerá as diretrizes e critérios da destinação de recursos orçamentários oriundos da Lei nº 14.399/2022 do ano orçamentário de 2023 para a realização de obras do Novo PAC, a serem aplicados exclusivamente na construção de unidades do CEU da Cultura.

Nesse contexto, o objetivo da minuta de Portaria ora submetida à análise desta Consultoria Jurídica (SEI 1440364é dispor sobre o processo de seleção de propostas submetidas por Entes Estaduais e Distrito Federal para construção de CEUs da Cultura, tão logo exista amparo legal (ou seja, após aprovação do PL nº 4.172 de 2023 ​ e respectivo decreto regulamentador). 

Esse é o relato do essencial.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Assim, cumpre esclarecer que não compete a esta Consultoria Jurídica a análise do mérito administrativo da edição do ato normativo que se pretende aprovar, cabendo à autoridade administrativa competente sopesar a conveniência e/ou oportunidade na edição do mencionado ato. Às consultorias jurídicas compete apenas a aferição do aspecto jurídico-legal das minutas cuja análise lhe são submetidas.

Nesse sentido, a Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais - SEEC/MinC, por meio do Parecer Técnico nº 02/2023/CGDP/SEEC/GSE/GM (1429633), apresentou o histórico, a motivação e a fundamentação técnica para o ato em análise, oferecendo, assim, a análise do mérito administrativo da Portaria em tela.

 

 

II.1. QUESTÃO PRELIMINAR

 

Inicialmente, observo que, segundo informa a SEEC/MINC, existe a expectativa de que a modalidade CEU da Cultura (objeto da Portaria em análise) seja implementada com recursos oriundos da PNAB, após a aprovação definitiva do Projeto de Lei nº 4.172/2023, em tramitação no Senado.

Após a publicação da Lei em questão, o decreto regulamentador estabelecerá as diretrizes e critérios da destinação de recursos orçamentários oriundos da Lei nº 14.399/2022 do ano orçamentário de 2023 para a realização de obras do Novo PAC, a serem aplicados exclusivamente na construção de unidades do CEU da Cultura.

Ou seja: a minuta de Portaria em análise depende ainda da aprovação e sanção de uma Lei e da publicação do respectivo Decreto regulamentador, que lhe darão fundamento.

Desse modo, a presente análise se dá em tese, e sob a condição de que a Lei e o Decreto que vierem a ser aprovados sejam compatíveis com o teor do ato ministerial pretendido. Caso não haja compatibilidade, ou as referidas normas não sejam aprovadas como se espera, os autos poderão retornar a esta Consultoria Jurídica para nova análise, à luz da legislação atual.

Recomendo, assim, que a Portaria seja publicada apenas após a aprovação da Lei e do Decreto e que seu texto seja revisto à luz dos textos normativos de hierarquia superior efetivamente vigentes, mencionando-se estes no preâmbulo da norma.

 

 

II.2. DA POLÍTICA PÚBLICA VINCULADA AO PROJETO

 

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, que trata do Sistema Nacional de Cultura, estabeleceu como princípios deste, a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, e a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º, incisos I a IV).

Nesse cenário, a Lei n. 14.339/2022, que institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), baseada na parceria da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com a sociedade civil no setor da cultura, bem como no respeito à diversidade, à democratização e à universalização do acesso à cultura, estabeleceu que a União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a cada ano, em parcela única, o valor correspondente a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor desta Lei e nos 4 (quatro) anos seguintes (art. 6º).    

Conforme mencionado pelo órgão técnico, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei - PL n. 4.172/2023, que visa instituir o Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica e Profissionalizante e à Saúde. Em seu art. 18, o PL estabelece o que se segue quanto aos repasses para a cultura:

Art. 18. Durante o período de vigência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Ministério da Cultura definirá as diretrizes para a aplicação dos recursos oriundos da Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, no âmbito do Sistema Nacional de Cultura.
§ 1º As diretrizes de que trata o caput deste artigo poderão contemplar:
I - a construção, a ampliação, a reforma e a modernização de espaços culturais, inclusive daqueles criados pela administração pública de qualquer esfera ou vinculados a ela;
II - a aquisição de equipamentos e de acervos;
III - o fortalecimento da Política Nacional de Cultura Viva; e
IV - as demais políticas e programas nacionais de cultura.
§ 2º Na definição das diretrizes de que trata o caput deste artigo, o Ministério da Cultura poderá condicionar o repasse, até o limite máximo de 30% (trinta por cento) do valor total dos recursos de que trata a Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, à aplicação em políticas e programas nacionais de cultura específicos, observado o máximo de 10% (dez por cento) do valor total dos recursos de que trata a referida lei para obras vinculadas ao PAC e o mínimo de 10% (dez por cento) do valor total dos recursos de que trata a referida lei para o fortalecimento da Política Nacional de Cultura Viva, mantida a proporcionalidade de que tratam os incisos I e II do caput do art. 7º da referida lei, na forma estabelecida em ato do Ministro de Estado da Cultura.
§ 3º Na hipótese de repasse para construção de espaços culturais na forma prevista neste artigo, poderá ser exigida a celebração de convênio, de contrato de repasse ou de instrumento congênere com Estados, Distrito Federal, Municípios ou órgão gestor do consórcio público, respeitada a natureza de transferência obrigatória do recurso.
 

Segundo informa a SEEC/MinC, após a aprovação do PL nº 4.172/2023, o decreto que regulamenta a PNAB estabelecerá as diretrizes e critérios da destinação de recursos orçamentários oriundos da PNAB do ano orçamentário de 2023 para a realização de obras do Novo PAC, a serem aplicados exclusivamente na construção de unidades do CEU da Cultura (objeto da Portaria em tela). A proposta de Portaria em tela já leva em consideração o que se espera das novas normas (Lei e Decreto).

​Por outro lado, a Portaria do Ministério da Cultura nº 68, de 29 de setembro de 2023, instituiu o Programa Territórios da Cultura, que compreende um conjunto de iniciativas em parceria com prefeituras e governos estaduais, com a finalidade de implementar uma rede de espaços e equipamentos integrados de cultura em territórios periféricos, com vistas à efetivação de direitos culturais, à promoção da cidadania e ao reconhecimento e à valorização da diversidade cultural. 

Consoante art. 2º a Portaria MinC nº 68, de 2023, os objetivos do Programa Território da Cultura são:

Art. 2º São objetivos do Programa Territórios da Cultura:
I - diminuir a desigualdade de acesso à infraestrutura cultural por meio da implementação de espaços e equipamentos culturais em territórios periféricos;
II - ampliar a capilarização da oferta de espaços culturais a partir da atuação em rede e de equipamentos de dimensões variadas, fixos ou itinerantes, com recursos adequados para a formação, a produção e a fruição cultural, especialmente em locais de vulnerabilidade social;
III - dignificar populações historicamente minorizadas por meio da elaboração e utilização de projetos arquitetônicos qualificados e adequados à diversidade cultural e bioclimática do país;
IV - promover o exercício da cidadania e da pluralidade de expressões culturais por meio da gestão compartilhada dos equipamentos de infraestrutura cultural nas comunidades e territórios onde se inserir;
V - produzir e adequar espaços para estimular a capacitação, o desenvolvimento de habilidades e aptidões, visando a inserção da produção cultural local na economia da cultura; e
VI - contribuir para a ampliação do acesso às políticas culturais por meio da articulação dos espaços e equipamentos culturais a políticas culturais desenvolvidas pelo Ministério da Cultura e Entidades Vinculadas e políticas culturais locais e programas de base comunitária e de valorização da cultura popular, com a participação dos conselhos e comitês de Cultura, especialmente no âmbito da Política Nacional Cultura Viva, de que trata a Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014, e do Programa Nacional dos Comitês de Cultura.

 

O Programa Territórios da Cultura estrutura-se a partir de uma rede de infraestrutura cultural para atuação em múltiplas escalas, abrangendo as modalidades: Biblioteca-parque, MovCEU e CEU da Cultura, sendo esta última objeto da minuta de Portaria em análise.

Em um aspecto mais amplo de fomento à cultura, o Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023, estabelece que a utilização dos recursos dos mecanismos de fomento direto à cultura poderá ocorrer por transferência via convênios ou instrumentos similares, e aplicados em modalidades previstas em ato específico do Ministro de Estado da Cultura (que é justamente a hipótese em análise). Vejamos:

Art. 7º  A utilização dos recursos dos mecanismos de fomento direto poderá ocorrer por:
(...)
III - transferência via convênios, contratos de repasse ou instrumentos similares para a administração direta, autárquica e fundacional dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, observado o regulamento específico.
(...)
Art. 8º  Os recursos dos mecanismos de fomento direto poderão ser aplicados nas seguintes modalidades:
(...)
V - outras modalidades previstas em ato do Ministro de Estado da Cultura.
(...)
 

Portanto, a minuta de Portaria ora apresentada é coerente com a legislação vigente mencionada, e também com a Lei e o Decreto específicos que a fundamentam (ainda não aprovados). Assim, uma vez demonstrada a coesão do conteúdo da minuta com as novas normas de hierarquia superior devidamente aprovadas, não haverá óbices à sua assinatura pela Ministra de Estado da Cultura.

 

 

II.2. DO PROCESSO DE SELEÇÃO

 

Segundo destaca a SEEC/MinC, no Parecer Técnico nº 02/2023/CGDP/SEEC/GSE/GM, o Ministério da Cultura celebrará com os Entes Selecionados (Estados e Distrito Federal),  Termos de Compromisso referentes aos CEUs da Cultura, os quais deverão ser cadastrados no Portal Transferegov.

Nesse sentido, a Portaria em análise visa estabelecer as regras para o processo de seleção das propostas apresentadas pelos Entes interessados na implantação de CEUs da Cultura, conforme modelos e descrições que constarão do Manual de Instruções, a ser disponibilizado na plataforma TransfereGov.

Conforme mencionado pela SEEC/MinC no Parecer Técnico nº 02/2023/CGDP/SEEC/GSE/GM "os recursos do Novo PAC têm natureza de transferências obrigatórias, logo o Ente pode optar por não participar do Programa Territórios da Cultura, o que importa em destinar esses recursos para outros programas e projetos".

A natureza obrigatória da transferência em questão é mencionada no art. 18, § 3º, do Projeto de Lei nº 4.172/2023, de cuja aprovação depende a Portaria em tela. Vale notar que para transferências obrigatórias, por definição, não cabe chamamento público (processo de seleção). Nesses termos, confirmando-se o caráter obrigatório da transferência, a SEEC/MinC alega, na mencionada manifestação técnica, que as disposições da Portaria servirão para incentivar a participação dos Entes Federativos na realização das obras vinculadas ao Novo PAC.

Por outro lado, vale notar que, caso o caráter obrigatório da transferência não seja confirmado, deverão ser observadas as regras previstas no Decreto n. 11.531/2023 e na Portaria Conjunta n. 33/2023. Nesse caso, o instrumento a ser adotado deverá ser o convênio ou contrato de repasse, e não caberá falar em Termo de Compromisso, como disposto na minuta de Portaria, entre outros ajustes, que se farão necessários sobre a minuta.

No entanto, seguiremos analisando a minuta considerando a iminente aprovação do PL 4.172/2023 (nos termos apresentados) e do respectivo Decreto regulamentador.

Dada a especificidade do programa, disciplinado em ato da Ministra de Estado (conforme permite o art. 8º, inciso V, Decreto nº 11.453, de 2023), as disposições sobre chamamento público do Decreto nº 11.453, de 2023, podem ser adequadas ao caso, nos termos do art. 9º do próprio regulamento, que estabelece:

Art. 9º  Os chamamentos públicos das políticas culturais de fomento observarão o disposto nesta Seção, exceto na hipótese de haver previsão de outro procedimento específico em regime jurídico aplicável ao instrumento escolhido pela administração pública.

 

Vale também mencionar que, ao presente caso, não necessariamente serão aplicáveis os requisitos dispostos na Portaria MinC nº 29, de 2009, eis que o presente processo seletivo é instituído pela mesma hierarquia de ato normativo (portaria), tratando sobre os requisitos necessários para um programa específico.

Não obstante, recomenda-se ao órgão consulente que avalie os requisitos estabelecidos no Decreto n. 11.453/2023 e na Portaria n. 29/2009, a fim de acolher aqueles que possam favorecer a transparência, objetividade e eficiência do procedimento de seleção, já que estes são, em linhas gerais, os objetivos das duas normas, além de constituirem-se em princípios de direito administrativo a que estão adstritos os gestores desta Pasta. Ressalto, ainda, que incumbe ao órgão gestor da seleção garantir a operacionalidade do certame.

No que toca aos critérios de seleção, por se tratar de questão de índole técnica, incumbe ao órgão técnico competente garantir que os critérios de avaliação são objetivos, transparentes e isonômicos, não cabendo manifestação deste órgão jurídico, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7, já transcrito nesta manifestação.

 

 

II.3. DA MINUTA DE PORTARIA

 

Como já dito, a Minuta de Portaria em análise (SEI 1440364) dispõe sobre o processo de seleção de propostas para a implantação de CEUs da Cultura, a serem apoiadas com recursos oriundos do Orçamento Geral da União, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - Novo PAC.

Com relação à forma do ato administrativo, de acordo com a definição encartada pelo Manual de Redação da Presidência da República, 3ª ed., Brasília: 2018, p. 147, a portaria é o "instrumento pelo qual Ministros ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização e o funcionamento de serviço, sobre questões de pessoal e outros atos de sua competência”.

Nesse mesmo sentido, explica Hely Lopes Meirelles, que Portarias são atos ordinatórios que visam a disciplinar o funcionamento da administração e a conduta funcional de seus agentes (LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, fls. 183/184).

Este é o caso dos autos, onde se busca, como afirmado, disciplinar a função administrativa, a forma de execução da política pública, criando-se um mecanismo de fomento à cultura, nos termos do Decreto nº 11.453, de 2023.

Portanto, verificada a adequabilidade do instrumento (Portaria) à finalidade que se pretende (dispor sobre o processo de seleção de propostas para a implantação de CEUs da Cultura), compete verificar (i) a competência do agente, (ii) a existência de justificativa/fundamentação do propósito pelo administrador, (iii) além do cumprimento dos requisitos de validade e do respeito ao princípio da legalidade.

Neste sentido, explica José dos Santos Carvalho Filho:

 

“Todos esses atos servem para que a Administração organize sua atividade e seus órgãos (...) Relevante é primeiramente entendê-los como instrumentos de organização da Administração. Depois, é verificar se, em cada caso, foi competente o agente que os praticou; se estão presentes os requisitos de validade; e qual é o propósito do Administrador. E, sobretudo, se observam o princípio da legalidade.”
(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, fls. 124)

 

Sobre a competência, não há dúvida de que a Ministra de Estado da Cultura é autoridade competente para disciplinar a matéria, no âmbito desta Pasta. Isto porque as Portarias têm por fundamento o poder hierárquico, podendo ser expedidas por qualquer chefe de órgãos, repartições e serviços, desde que nos limites de sua competência.

Ademais, dispõe a Constituição Federal, art. 87, inciso II, sobre a competência dos Ministros de Estado para "expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos".

No que diz respeito à competência do Ministério da Cultura, o art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e o art. 1o do Decreto nº 11.336/2023 dispõem:

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Por sua vez, o art. 8º do Decreto nº 11.453/2023, permite que a Ministra de Estado institua modalidades específicas de fomento direito, observando-se assim o art. 87, inciso IV, CRFB, que expressa que cabe ao Ministro de Estado "praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República".

No que se refere ao propósito da administração, busca-se, segundo o órgão técnico (SEI 1440945), "incentivar a participação dos Entes Federativos na realização das obras vinculadas ao Novo PAC", estabelecendo um modelo de "edificação pública de uso cultural, de caráter comunitário, composto por espaços associados à expressão corporal, educação cidadã, arte e educação, trabalho e renda, meio ambiente, entre outras atividades interrelacionadas à cultura".

Com relação aos requisitos de validade e respeito ao princípio da legalidade, a seleção pública a ser instituída encontram base legal, como destacado nos tópicos II.1 e II.2 desta manifestação jurídica.

Quanto aos aspectos estritamente formais contidos na minuta, insta ponderar que a ela se aplicam as regras encartadas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição; no Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017, que estabelece normas e diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado; e no Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, que dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto. 

Analisando a minuta de portaria encaminhada (SEI 1440364) verifica-se que ela atende, em linhas gerais, aos requisitos jurídicos-formais constantes das referidas normas.

Não obstante, entendo pertinentes as seguintes recomendações e sugestões, a fim de aperfeiçoar a redação do ato e o procedimento como um todo:

a) No preâmbulo da Portaria deverão ser mencionados a nova Lei (derivada da aprovação do PL n. 4.172/2023) e respectivo Decreto que a regulamenta.

b) Sugere-se a confirmação, previamente à publicação da Portaria, da operacionalidade dos procedimentos que envolvem a plataforma Transferegov, visto tratar-se de programa novo.

c) O Manual de Instruções para Seleção dos CEUs da Cultura deve ser aprovado (e publicado no Transferegov) previamente à publicação da Portaria, para que os Entes interessados possam entender o funcionamento da modalidade CEUs da Cultura antes da apresentação das propostas. Vale notar, nesse sentido, que o art. 14 da minuta estabelece que o ato de inscrição implica o conhecimento e a integral concordância do proponente com as normas e com as condições estabelecidas no Manual de Instruções para Seleção dos CEUs. Portanto, a aprovação prévia é coerente com o que dispõe a própria portaria.

d) Os documentos mencionados no art. 5º, § 2º, incisos I, II e III (modelos de ofício, termo de adesão e declaração de compromisso), também devem ser aprovados previamente à publicação da Portaria, pelos mesmos motivos mencionados no item anterior.

e) Sugiro a revisão do art. 5º, § 2º, inciso IV, que trata da comprovação de propriedade ou posse do imóvel, a fim de indicar com clareza os documentos que poderão ser aceitos para essa finalidade. Para tanto, pode-se recorrer, por analogia, ao disposto no art. 26 da Portaria Conjunta n. 33/2023, que tem a mesma finalidade.

f) Ao final dos penúltimos incisos dos art. 8º e 9º, deve ser inserida a conjunção "ou" (ao invés de "e"), caso se trate de condições alternativas (não cumulativas), como parece ser o caso.

g) O modelo de Termo de Compromisso mencionado nos art. 11 e 12 deve ser juntado como Anexo à minuta, ou ao Transferegov, para fins de transparência da seleção.

 

Ressalto que não foram juntadas aos autos as minutas de Manual de Instruções, ofício de manifestação de interesse, termo de adesão, declaração de compromisso e termo de compromisso, mencionados na minuta de Portaria, motivo pelo qual não houve análise jurídica sobre estes. Sendo estes documentos com aspectos jurídicos, recomenda-se que sejam elaborados e juntados aos autos previamente à publicação da Portaria.

Observo que a data de início da vigência indicada na minuta (vigência imediata) não segue o art. 4º, do Decreto nº 10.139, de 2010. Nesse sentido, o órgão técnico justificou que "a não utilização do período de vacatio se justifica pela necessidade de abertura do processo de seleção dos Entes Federativos em 9 de outubro de 2023, em consonância com o cronograma estabelecido pela Casa Civil, no âmbito do Novo PAC".  

Por fim, recomendo que seja oportunamente juntada aos autos a comprovação de disponibilidade de recursos orçamentários, demonstrando, assim, a cobertura da despesa a ser gerada pela seleção, a fim de atender ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000).

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, e sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, opina-se pela inexistência de óbices jurídico-formais na minuta da Portaria em anexo, bem como na sua edição, desde que observadas as recomendações expostas nos itens 15, 34, 35, 50, 51 e 53 deste Parecer.

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam encaminhados à Secretaria Executiva do Ministério da Cultura, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 05 de outubro de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

Coordenadora-Geral

 

 


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