ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00793/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.111574/2021-49 (PROCESSOS APENSOS - NUP: 19739.114509/2021-75; NUP: 19739.118531/2021-94; NUP: 19739.120100/2021-98; NUP: 19739.133137/2021-86; NUP: 19739.133074/2021-68 E NUP: 19739.100503/2022-00).
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE PERNAMBUCO - MGI/SPU/SPU-PE) E B B CARNEIROS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS LTDA..
ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. BEM DE USO COMUM DO POVO. PRAIA MARÍTIMA. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. BEM DE USO COMUM DO POVO. PRAIA MARÍTIMA. ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA. APURAÇÃO DO COMETIMENTO DE INFRAÇÃO(ÕES) ADMINISTRATIVA(S) CONTRA ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. OBRA/CONSTRUÇÃO OU OUTRA BENFEITORIA IRREGULAR. LAVRATURA DE AUTO DE EMBARGO E AUTO DE INFRAÇÃO. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. INDAGAÇÃO(ÕES) FORMULADA(S). ORIENTAÇÃO JURÍDICA. ESCLARECIMENTO DE DÚVIDA(S).
I. Consulta formulada. Cometimento de infração(ões) administrativa(s) contra área de domínio da União caracterizada como praia marítima, bem de uso comum do povo.
II. Fiscalização. Atividade executada pela SPU-PE para apuração de infração(ões) administrativa(s) praticada(s) contra o patrimônio imobiliário da União. Artigo 2º, caput, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
III. A entrega/restituição à União da área correspondente a 899,47 m² constitui mera liberalidade da parte interessada, não repercutindo na validade e eficácia do Auto de Embargo nº 137/2021 e do Auto de Infração nº 137/2021.
IV. Área correspondente a 253,18 m², distinta da área (252,71 m²) em relação a qual foi constatada a utilização irregular mediante a realização de construção/obra e demais benfeitorias.
V. A revogação do embargo da construção/obra e cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) somente poderá ocorrer após manifestação da SPU-PE atestando a regularidade da construção/obra e interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificadas. Artigo 6º, parágrafo 4º, inciso I, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, c/c o artigo 11, inciso I, e artigo 12, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
VI. A Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, não lhe cabendo conceder direitos em situações diversas das previstas em lei. Princípio da legalidade. Artigo 37, caput, da Constituição Federal, c/c o artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
VII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco, por intermédio do OFÍCIO SEI nº 113060/2023/MGI, de 02 de outubro de 2023, assinado eletronicamente na mesma data (SEI nº 37627996), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no Sistema AGU SAPIENS 2.0 em 02 de outubro de 2023, encaminha o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a consulta sobre questionamento(s) envolvendo cometimento de infração administrativa contra área de domínio da União materializada na praia marítima dos Carneiros, bem de uso comum do povo, situada no Município de Tamandaré, Estado de Pernambuco, CEP nº 55.578-000, conforme Relatório de Fiscalização Individual (RFI) nº 1406/2021 (SEI nº 16199621).
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/DOCUMENTO | TIPO | |||
---|---|---|---|---|
15825382 | Ordem de Fiscalização 137 | |||
16199621 | Relatório de Fiscalização Individual - RFI 1406 | |||
16342491 | Planta | |||
16371761 | Ofício 151088 | |||
19739.114509/2021-75 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
16389707 | Despacho | |||
16428057 | ||||
16443773 | Protocolo | |||
16546286 | Nota Técnica 28096 | |||
16570907 | Ofício 159397 | |||
16591236 | ||||
16592256 | Despacho | |||
17021407 | ||||
17021663 | Anexo | |||
17022014 | Despacho | |||
17022616 | ||||
19739.118531/2021-94 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
17023499 | Despacho | |||
17199180 | Memória | |||
17199203 | Anexo | |||
17199305 | Memória | |||
17199738 | Anexo | |||
17199975 | Despacho | |||
17221245 | Despacho | |||
19739.120100/2021-98 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
17276541 | Despacho | |||
17348765 | Nota Técnica 33909 | |||
17386675 | Despacho Decisório 2851 | |||
17586898 | Despacho | |||
17877285 | Despacho | |||
18017653 | Despacho | |||
18031310 | Despacho | |||
18075562 | ||||
18173153 | ||||
18173247 | Anexo | |||
18174649 | ||||
18185985 | Despacho | |||
18274228 | Nota Técnica 40738 | |||
18280836 | Despacho Decisório 3348 | |||
18281029 | Ofício 228264 | |||
18310634 | Despacho | |||
18368842 | Despacho | |||
18369904 | ||||
18452555 | Despacho | |||
18536542 | Cadastro | |||
18557457 | Ofício 239590 | |||
18559110 | Despacho | |||
18559484 | ||||
18692243 | ||||
18888398 | ||||
19739.133137/2021-86 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
18888474 | Despacho | |||
18912794 | Ofício | |||
18915284 | Ofício 254315 | |||
18915411 | Ofício | |||
18965682 | Resposta | |||
19739.133074/2021-68 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
18981803 | Despacho | |||
18992394 | ||||
18999619 | Protocolo | |||
19001658 | Ofício 257510 | |||
19001951 | Despacho | |||
19009257 | ||||
19039270 | Resposta | |||
19265176 | Anexo | |||
19307263 | Memória | |||
19307301 | Memória | |||
19307641 | Anexo | |||
19307792 | Anexo | |||
19307918 | Despacho | |||
19311828 | ||||
19355388 | Certidão | |||
19480835 | Despacho | |||
20052259 | Ordem de Fiscalização 255 | |||
20660496 | Relatório de Fiscalização Individual - RFI 3314 | |||
20752454 | Planta | |||
21012651 | Despacho | |||
21103631 | Despacho | |||
19739.100503/2022-00 | Patr. União: Atendimento ao Público | |||
21606248 | Despacho | |||
21749832 | Ofício 13316 | |||
21802944 | ||||
21802992 | Despacho | |||
21925765 | Resposta | |||
22040600 | Despacho | |||
22064483 | Despacho | |||
23121991 | Nota Técnica 9583 | |||
23706530 | Despacho | |||
23782614 | Ofício 100316 | |||
23806611 | Despacho | |||
29476924 | Despacho | |||
36983177 | Despacho | |||
37614316 | Despacho | |||
37627422 | Minuta de Ofício | |||
37627603 | Despacho | |||
37627996 | Ofício 113060 | |||
37639749 | ||||
37641463 | E-mail 113060 |
II– PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever em sua integralidade o OFÍCIO SEI Nº 113060/2023/MGI, de 02 de outubro de 2023 (SEI nº 37627996), de lavra do Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco (SPU-PE), no qual há um relato da situação fática e do(s) questionamento(s) formulado(s), verbis:
"Assunto: Devolução de área titulada em local divergente do autuado
Referência: Ao responder este Ofício, favor indicar expressamente o Processo nº 19739.111574/2021-49.
Senhor Consultor Jurídico da União,
1. Cumprimentando-o cordialmente, trata o presente de questionamento acerca da devolução de área titulada em local divergente do autuado pelo BB Carneiros Empreendimentos Turísticos Eireli (Bora Bora).
2. No dia 27 de maio de 2021, a equipe de fiscalização da SPU/PE, acompanhados por agentes da Polícia Federal, esteve no bar e restaurante Bora Bora, em Tamandaré, com o objetivo de verificar possível construção irregular em área de praia, Bem de Uso Comum do Povo, conforme Ordem de Fiscalização nº 137/2 (15825382).
3. Durante a realização da vistoria in loco, a equipe da Comissão de Fiscalização, confirmou as informações dispostas na Planta 16342491, elaborada com fundamento no §1º do Art. 3º da Instrução Normativa de nº 02, de 27 de Julho de 2018, publicada no DOU nº 145, em 30/07/2018, seção 1, página 145, com relação a existência de construções irregulares, muro de contenção, mesas e palhoças, em área de praia, caracterizada como Área Pública da União de Uso Comum do Povo, conforme o Art. 10 da Lei nº 7.661/1988, de domínio da União, conforme o Inciso IV do Art. 20 da CF/88, concomitante aos bens dominiais da União conceituados como Terrenos de Marinha e seus acrescidos, conforme Art. 2º do Decreto-lei nº 9.760/1946. Portanto, foi lavrado Auto de Infração nº137/2021 e Auto de Embargo nº137/2021 para uma área de abrangência de 899 m² e multa de R$ 84.703,78.
4. Em 8 de junho de 2021, o autuado apresentou defesa administrativa através do Requerimento versao_1_PE06429_2021.pdf (16355652),sendo a mesma analisada e indeferida mediante a Nota Técnica 28096/2021/ME (SEI nº 16546286).
5. Em 2 de julho de 2021, o autuado apresentou defesa administrativa em 2ª instância através do Requerimento versao_1_PE07514_2021.pdf (SEI nº 16943176) e Requerimento versao_1_PE08025_2021.pdf (SEI nº 17181387).
6. Da análise dos mesmos, o Secretário de Coordenação e Governança do Patrimônio da União - Substituto indeferiu na sua integralidade os elementos apresentados.
7. Entretanto, o autuado apresentou novos argumentos alegando que, dos 899m² autuados, 272,55m2 estariam dentro de sua área titulada e, desta forma, não haveria que se falar em infração patrimonial em decorrência de ocupação irregular de área de praia.
8. Diante disto, foi feita análise pelo Núcleo de Demarcação, mediante a Nota Técnica 40738/2021/ME (SEI nº 18274228), onde estes pontos foram rebatidos e indeferidos conforme extraímos o trecho abaixo:
Não havendo incerteza quando a ocupação irregular nos 627,965 m² restantes, esta manifestação se concentrará nos 272,55 m² que, alegadamente, não corresponderiam à área de praia.
De início cumpre esclarecer que "maceió" em hidrografia, que não encontra conceituação legal na legislação vigente, tampouco é abarcada pelos normativos de conceitos desta secretaria, é o ambiente lagunar, pouco salino, resultado da foz de um pequeno rio ou riacho que não possui força suficiente para vencer o cordão de sedimentos depositados pela ação marítima (correntes, ondas, vento, entre outros) durante a maré baixa. Podendo haver ligação entre as águas marítimas e fluviais durante a maré alta, conferindo ao ambiente a salinidade para manutenção de biomas de ambientes salobres, inclusive os de manguezais.Observa-se, portanto, que o cordão arenoso que separa o maceió das águas do mar não é incompatível com o conceito de praia determinado pela Lei nº 7.661/1988, in verbis:Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.(...)§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
Neste sentido, sendo o cordão arenoso que separa este maceió das águas do mar formato por material detrítico sedimentado pela ação marítima, e também descoberto de vegetação como se observa na Planta 16342491, como também coberto periodicamente pelas águas das preamares, não se faz sentido não admitir-se que tal trecho é também uma praia conforme disposição legal.
Outro ponto a se destacar é que o próprio defendente nos informa que a reentrância pode ser também agravada como resultado do "severo avanço do mar sobre o continente" presente no local, conforme destacado no item IV do 1º parágrafo deste despacho. Ao que, na argumentação do defendente, se parte do seu lote regular tenha sido tornado praia, conforme também se observa na Planta 16342491 ao visualizar a imagem de satélite de 2009, esta superintendência não deveria considerar praia por estar sobre lote regular e cadastrado.
Acontece que, como afirma o próprio defendente, praias são ambientes costeiros altamente dinâmicos e que sofrem alterações corriqueiramente. Desta forma, a legislação vigente não estipulou um marco temporal para o que deveria ser entendido como praia. Assim sendo, praia é aquela feição geomorfológica a qual se observa no momento os elementos destacados no § 3º do Art. 10 da Lei nº 7.661/1988. E, assim como destaca este mesmo art. 10, é um bem público de uso comum do povo, ao qual o franco acesso a elas e ao mar deve estar sempre assegurado, em qualquer direção e sentido. Destacando, ainda, que, conforme o Inciso IV do Art. 20 da CF/88, as praias marítimas também são de domínio da União.
Portanto, ainda que a praia tenha progradado para o interior de lote regular, sem que o proprietário deste tenha tomado as devidas medidas para proteção de seu patrimônio, uma vez tornado praia, esta não pode ser alterada, cercada, conspurcada, ou descaracterizada por ação antrópica, sobretudo sem autorização da União, ainda que sobre área titulada.
Desta forma, por todo o exposto, observando a Planta 16342491, conclui-se que o trecho em lide era praia no ano de 2009, ao passo que não poderia ter sido alterado e descaracterizado, ação que incorre em infração patrimonial.
Diante do exposto, fica comprovada e mantida a área de 899m² de ocupação irregular, conforme consta descrita no Auto de Infração 137/2021, não devendo ser atendida a solicitação do Interessado para sua redução.
Portanto, em conformidade com a Lei nº 7.661/98 que conceitua praia e afirma que toda a sua extensão é um bem de uso comum do povo. Em conjunto com o disposto no Artigo 20 da Constituição Federal de 1988 que versa sobre a mesma se tratar de um bem da União, além do Artigo 9º presente na Lei 9.636/98 sobre a vedação de inscrição de ocupação nas áreas assim conceituadas, para fins de ordenação territorial, bem como a não-priorização do interesse individual em detrimento do coletivo. De acordo com a legislação patrimonial, as características da localidade onde a ocupação irregular se encontra, trata-se de uma praia e, portanto, não é destinada a cumprir função comercial.
Tendo sido citados e revistos os trechos pertinentes ao objeto em lide nos parágrafos anteriores, é irrefutável que os passos procedimentais, emissão de documentos, bem como a análise e decisão da SPU/PE estão respaldadas pela Lei. Uma vez que a ocupação praticada pela BB CARNEIROS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EIRELI incorreu em infração administrativa nas terras da União, mais precisamente em área de uso comum do povo, conforme legislação patrimonial vigente já demonstrada. Incidindo então, a cobrança de multa mensal enquanto persistir a insubordinação à lei, isto é, até que cesse a irregularidade. Logo, as alegações feitas pelo interessado não devem prosperar conforme análise retratada. (grifos nossos)
9. No dia 8 de setembro de 2021, o autuado apresentou, através do Requerimento versao_1_PE10422_2021.pdf (SEI nº 18822393), informação do cumprimento de desocupação da área irregularmente ocupada conforme determinado no Auto de Infração nº137/2021.
10. Diante disto, foi aberta a Ordem de Fiscalização 255/2021 (SEI nº 20052259) com o objetivo de verificar se a ocupação irregular foi retirada.
11. No dia 24 de novembro de 2021, a equipe de fiscalização da SPU/PE realizou fiscalização no bar e restaurante Bora Bora, em Tamandaré, com o objetivo de verificar se a ocupação irregular foi retirada conforme informado no Requerimento versao_1_PE10422_2021.pdf (SEI nº 18822393), no processo 19739.133074/2021-68, conforme Ordem de Fiscalização nº 255/2021 (SEI nº 20052259).
12. Durante a realização da vistoria in loco, foi confirmada a retirada de grande parte das ocupações irregulares levantadas no Relatório de Fiscalização Individual - RFI 1406 (SEI nº 16199621).
13. Contudo, o trecho em amarelo da Planta Bora Bora - Levantamento in loco - 24/11/2021 (SEI nº 20752454) continua ainda ocupado, perfazendo 252,71 m².
14. Acontece que, conforme verifica-se na Planta Bora Bora - Levantamento in loco - 24/11/2021 (SEI nº 20752454) o bar e restaurante Bora Bora devolveu uma área total de 899,47m², já a área autuada foi de 899,00 m².
15. Entretanto, 253,18m² destes foram devolvidos em local diferente do autuado. Informamos que, provavelmente, a área devolvida em local diferente, tem a possibilidade de ser mais benéfica para a sociedade por alargar a faixa de areia em frente ao estabelecimento, tendo sido observado em campo que, foi convertido em praia 253,18 m² de área de propriedade do imóvel, que não fora caracterizada como ocupação irregular em área de praia.
16. Em 10 de dezembro de 2021 foi encaminhado despacho ao gabinete relatando o fato e solicitando posicionamento do superintendente sobre os fatos relatados, assim como questionamento à CGFIS da unidade central e à CGU/AGU quanto o posicionamento destes órgãos acerca dos acontecimentos e da devolução de área em local divergente do autuado.
17. Em 15 de dezembro de 2021, o Superintendente determinou que fosse enviada notificação ao autuado solicitando manifestação do mesmo em relação a esta divergência de área devolvida, tendo sido enviado o Ofício 13316/2022 (SEI nº 21749832) em 18 de janeiro de 2022.
18. Em 26 de janeiro de 2022 o requerente apresentou suas considerações sobre o ocorrido e solicitou:
Ante o exposto, tendo a empresa Requerente prestado os devidos esclarecimentos vem reiterar o pedido de cancelamento de qualquer efeito decorrente da autuação desde a liberação para uso comum do povo área total de 899,47m², inclusive superior à que lhe fora demandada pela SPU-PE na autuação e com disposição/ localização mais benéfica para o interesse público, conforme comprovado documentalmente e atestado pelo corpo técnico da SPU-PE em fiscalização ocorrida in loco, encerrando de modo definitivo o assunto tratado no processo administrativo em questão e evitando medidas judiciais desnecessárias por parte da Requerente.Por fim, tendo em vista que com a liberação realizada houve comprovada redução da área de 253,18m² inserida dentro da área titulada, vem requerer a alteração do cadastro do imóvel de RIP 0558.0100481-82 para subtrair dita metragem do mesmo.
19. Diante disto, resta dúvida sobre se há amparo legal para a devolução de área em local daquele devidamente autuado, sendo necessário responder o seguinte questionamento:
19.1. Há possibilidade, a luz da legislação vigente, que a SPU-PE aceite a devolução de área divergente daquela autuada?
19.2. A luz da legislação vigente, existe amparo legal para a SPU-PE considerar encerrada a infração cometida?
20. Sendo o que havia para o momento, desde já nos disponibilizamos para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.
21. Por fim, caso seja necessário responder este Ofício, favor indicar expressamente o processo SEI n° 10154.188790/2020-06 e enviar para o e-mail spupe@economia.gov.br.
Anexos:
I - Cópia do processo administrativo 19739.111574/2021-49."
Considerando o anteriormente exposto, procederei a análise da solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) relacionada ao(s) seguinte(s) questionamento(s) formulado(s):
a) Há possibilidade, a luz da legislação vigente, que a SPU-PE aceite a devolução de área divergente daquela autuada?
A atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, discriminação de áreas da União, incluindo as atividades de regularização patrimonial, caracterização, incorporação, cadastramento, controle, fiscalização - aí incluído os atos concretos, tais como lavratura de Autos de Infração, Notificações e imposição de multas por descumprimento de obrigações previstas em normas legais e infra-legais (atos normativos) - destinação de imóveis de domínio e posse da União, assim como registro e atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe aos órgãos patrimoniais no âmbito do sistema de gestão do patrimônio imobiliário da União, consiste em atribuição/competência titularizada pela SPU-PE,[2] unidade descentralizada da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão específico singular integrante da estrutura administrativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), nos termos do artigo 2º, inciso II, alínea g), do Decreto Federal nº 11.437, de 17 de março de 2023, que aprovou a Estrutura Regimental daquele Ministério, com a redação dada pelo Decreto Federal nº 11.601, de 17 de julho de 2023.
Quanto à competência da SPU-PE para exercer no âmbito da gestão patrimonial atividade fiscalizatória quanto à utilização dos imóveis de domínio da União, reputo relevante citar a lição de Nilma de Castro Abe em sua primorosa obra Gestão do Patrimônio Imobiliário - Aspectos Jurídicos da destinação, delimitação, fiscalização e responsabilidade:[3]
(...)
"Capítulo 5
Dever de fiscalizar imóveis públicos
Cabe à Administração Pública o dever de zelar para que o uso dos bens seja conforme a sua afetação, impedindo desvirtuamentos e prejuízos ao uso normal, evitando também a destruição ou deterioração dos bens, atendendo ao disposto na Constituição Federal, que atribui o dever de conservação do patrimônio público a todos os entes da federação (art. 23).[4]
O dever de fiscalização é inerente à atividade de gestão de imóveis públicos, pois o órgão competente deve verificar, em primeiro lugar, se os imóveis estão afetados aos usos públicos previstos em lei. Caso não exista tal previsão, quanto ao uso, deve a Administração Pública analisar se a destinação atende às finalidades constitucionais e, principalmente, se está gerando benefícios — diretos ou indiretos — ou prejuízos à coletividade e verificar a sua adequação às características do bem, de modo a não causar a sua destruição, hipótese em que tem o dever de retirar a destinação ilegal, irregular e abusiva dos bens. (os destaques não constam do original)
(...)
No âmbito federal, a Lei nº 9.636/1998 prescreve: “Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual” (art. 11).
A mesma Lei prevê ainda: “Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente de celebração de convênio para este fim” (art. 11, §4º).
Esse dispositivo atribuiu à SPU o dever de fiscalizar a destinação adequada e a integridade física dos bens públicos, inclusive zelando pela manutenção das áreas de preservação ambiental e das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, utilizando até mesmo força policial, se necessário.
(...)
Conforme mencionado, a Lei Federal nº 9.636/1998 prevê que a Secretaria do Patrimônio da União tem o dever de fiscalizar e zelar pelo uso adequado, bem como pela integridade física dos imóveis, podendo, para tanto, embargar obras e serviços, aplicar multas e demais sanções previstas em lei, e requisitar força policial federal, auxílio de força policial estadual e cooperação de força militar federal (art. 11).
Não resta dúvida de que essas leis atribuíram à Secretaria do Patrimônio da União poderes de polícia para fiscalizar e conservar os imóveis públicos, inclusive autorizando a repressão aos comportamentos nocivos aos interesses coletivos por meio do uso de força policial para evitar os danos ao patrimônio imobiliário, caracterizando a autorização legal para o exercício da atividade de polícia administrativa, que se traduz em diversos atos administrativos dotados de executoriedade, ou seja, medidas diretas da Administração Pública concretizadas sem necessidade de prévia autorização do Poder Judiciário.
Carlos Ari Sundfeld observa que o exercício da administração ordenadora envolve o manejo das seguintes seguintes competências: impor condicionamentos, fiscalizar, reprimir por meio de sanções administrativas, executar as sanções.[5] No caso em tela, a Secretaria do Patrimônio tem poder para fiscalizar o exercício dos direitos dos administrados quanto ao uso dos imóveis públicos, especialmente os de uso comum e uso especial, que se encontram afetados à destinação pública, podendo reprimir a conduta danosa por meio de ordens para que o particular corrija a irregularidade, podendo consistir numa notificação ao particular para que remova o aterro, a construção, a obra ou os equipamentos instalados, inclusive promovendo a demolição das benfeitorias ou edificações.
Não atendendo o particular à notificação, diante da conduta conduta danosa, a Secretaria do Patrimônio da União deve instaurar um processo administrativo, assegurando ao administrado o exercício da ampla defesa, impondo a sanção administrativa e notificando o administrado de que a sanção será executada, salvo se a urgência da situação exigir a imediata execução administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello explica que as medidas de polícia administrativa são autoexecutórias, podendo ocorrer em três diferentes hipóteses: (i) quando a lei expressamente autoriza; (ii) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade; (iii) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia.[6] No caso da polícia administrativa em relação ao patrimônio imobiliário público, pode-se afirmar que a lei autorizou expressamente o seu exercício, inclusive apontando as medidas ou as providências que a Secretaria do Patrimônio pode adotar, não excluindo a possibilidade de este órgão adotar outras providências não enumeradas em lei, desde que compatíveis e proporcionais à necessidade e urgência de repressão ou prevenção da conduta danosa do particular ao patrimônio imobiliário público."
Com efeito, a fiscalização consiste na atividade desenvolvida pela SPU-PE para apuração de infrações administrativas praticadas contra o patrimônio imobiliário da União conforme arcabouço legal e normativo vigente, constituindo a lavratura do Auto de Embargo nº 137/2021 e do Auto de Infração nº 137/2021 consectários/desdobramentos lógicos do processo administrativo sancionador instaurado cuja tramitação deverá observar as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União previstos na INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, que estabelece as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União.
Segundo informação prestada no item 14. da Nota Técnica SEI nº 9583/2022/ME (SEI nº 23121991) elaborada pelo Núcleo de Fiscalização da SPU-PE e reiterada no item 13 do OFÍCIO SEI Nº 113060/2023/MGI, de 02 de outubro de 2023 (SEI nº 37627996), o trecho destacado em amarelo da Planta Bora Bora segundo levantamento realizado no local em 24/11/2021 (SEI nº 20752454), demonstra que a área de 252,71 m² situada na praia marítima (bem de uso comum do povo) no Município de Tamandaré-PE continua ocupada irregularmente/indevidamente.
Feito tais registros e em resposta à indagação formulada, tratando-se de construção realizada sem prévia autorização ou desacordo com aquela concedida em área de domínio da União caracterizada como praia marítima, bem de uso comum do povo, eventual entrega/restituição à União da área correspondente a 899,47 m² constitui mera liberalidade da parte interessada, não gerando qualquer obrigação à União, além de tal conduta não repercutir na validade[7][8] e eficácia[9][10] do Auto de Embargo nº 137/2021 (SEI nº 16199621) e do Auto de Infração nº 137/2021 (SEI nº 16199621) referente a(s) infração(ões) administrativa(s) praticada(s) anteriormente na área de 899,00 m² (Oitocentos e noventa e nove metros quadrados).
Ademais, conforme salientado pelo Núcleo de Fiscalização da SPU-PE na Nota Técnica SEI nº 9583/2022/ME (SEI nº 23121991) e corroborado pelo Superintendente no OFÍCIO SEI Nº 113060/2023/MGI, de 02 de outubro de 2023 (SEI nº 37627996), com fundamento em vistoria realizada no local a área de 252,71 m² continua sendo utilizada irregularmente, não tendo ocorrido a interrupção/cessação ou saneamento da(s) infração(ões) cometida(s) contra o patrimônio da União identificadas(s) anteriormente.
b) A luz da legislação vigente, existe amparo legal para a SPU-PE considerar encerrada a infração cometida?
Quanto à definição de infração administrativa e respectivas sanções o Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União preceitua o seguinte:
(...)
"Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
(...)
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções: (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação; (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015) (grifou-se)
II - aplicação de multa; (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
III - desocupação do imóvel; e (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização." (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
A INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, conceitua infração administrativa contra o patrimônio da União em seu artigo 10, incisos I a IV, elecando em seu artigo 11, incisos I a V, as sanções a serem aplicadas às infrações praticadas, dentre as quais se destaca o embargo, verbis:
(...)
"CAPÍTULO II
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES
Seção I
DAS INFRAÇÕES
Art. 10. Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que consista em:
I -violação do adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União;
II - realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo;
III - descaracterização dos bens imóveis da União sem prévia autorização; e
IV - descumprimento de cláusulas previstas nos contratos de destinação patrimonial e no termo de adesão da gestão de praias.
Seção II
DAS SANÇÕES
Art. 11. Sem prejuízo da responsabilidade civil e penal e da indenização prevista no art. 10, da Lei nº 9.636, de 1.998, as infrações contra o patrimônio da União são punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa nos termos da legislação patrimonial em vigor; (grifou-se)
III - desocupação do imóvel;
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização; e
V - cancelamento contratual e revogação do termo de gestão de praias."
É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.
O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”.[11] A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.
O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas.
Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissum, não lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:
(...)
"CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)
É de extrema importância apreciar o efeito do princípio da legalidade no que tange aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então, os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. A conclusão é inabalável no sentido de que havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.
Sendo certo que na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal e as leis e as normas são de ordem pública, não podendo ser descumpridos os seus preceitos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários.
Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles,[12] abaixo reproduzido:
(...)
“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)
No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:[13]
(...)
"3 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO
(...)
3.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3.4.1 Legalidade
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.
É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.
No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei". (os destaques não constam do original).
Marçal Justen Filho em sua primorosa obra Curso de Direito Administrativo[14] preleciona o seguinte sobre o princípio da legalidade e a sua aplicação na atividade administrativa:
(...)
"Capítulo 5
A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
(...)
9 A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
No relacionamento entre os particulares, prevalece a regra de que tudo aquilo que não for obrigatório nem proibido por lei é juridicamente autorizado. No tocante à atividade administrativa, reconhece-se que tudo aquilo que não for autorizado por lei é juridicamente proibido.
(...)
9.2 As posições jurídicas de direito público
Já o exercício de competências estatais e de poderes excepcionais não se funda em alguma qualidade inerente ao Estado ou a algum atributo do governante. Toda a organização estatal, a atividade administrativa em sua integralidade e a instituição de funções administrativas são produzidas pelo direito.
Logo, a ausência de disciplina jurídica tem de ser interpretada como inexistência de poder jurídico. Daí se afirmar que, nas relações de direito público, tudo o que não for autorizado por meio de lei será reputado como proibido." (os destaques não constam do original)
Segundo informação contida no item 14. da Nota Técnica SEI nº 9583/2022/ME (SEI nº 23121991) elaborada pelo Núcleo de Fiscalização da SPU-PE, corroborada no item 13 do OFÍCIO SEI Nº 113060/2023/MGI, de 02 de outubro de 2023 (SEI nº 37627996), a área com 252,71 m² continua sendo utilizada irregularmente por B B CARNEIROS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS LTDA.., sendo que a parte interessada pretende entregar/restituir à SPU-PE área correspondente a 253,18 m², distinta da área (252,71 m²) em relação a qual foi constatada a utilização irregular mediante a realização de construção/obra e demais benfeitorias, aspectos que motivaram a lavratura do Auto de Embargo nº 137/2021 (SEI nº 16199621) e do Auto de Infração nº 137/2021 (SEI nº 16199621).
Considerando as questões aduzidas anteriormente, eventual revogação do embargo da construção/obra e cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) poderá ocorrer somente após manifestação da SPU-PE atestando a regularidade da construção/obra e interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificadas, conforme preceitua o artigo 6º, parágrafo 4º, inciso I, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, c/c o artigo 11, inciso I, e artigo 12, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
Em decorrência do regramento normatizado na INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, em cotejo com o princípio da legalidade que rege/norteia a atividade administrativa e em razão do aduzido nos itens "29." e "30.", reputo não ser juridicamente viável/possível a revogação do embargo da construção/obra e a cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) contra o patrimônio da União que resultou na lavratura do Auto de Embargo nº 137/2021 (SEI nº 16199621) e do Auto de Infração nº 137/2021 (SEI nº 16199621), enquanto não houver manifestação conclusiva da SPU-PE atestando a interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificada(s).
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[15]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "16.", "17.", "30.", "31." e "32." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.
Após a aprovação do Coordenador o Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) deverá restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco (SPU-PE) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).
Vitória-ES., 16 de outubro de 2023.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739111574202149 e da chave de acesso 03b1a6c6
Notas