ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00807/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.101862/2022-76
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE PERNAMBUCO - SPU/PE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: Interpretação do art. 15 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015. Transferência da gestão ou da propriedade do imóvel. Divergência de entendimentos entre o Parecer 00267/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, NUP: 04902.200183/2015-43 e o Parecer 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU, NUP: 10154.111211/2020-29. Sugestão de uniformização: transferência da gestão do imóvel.
Trata-se de consulta formulada pela SPU/PE, nos termos da Nota Técnica SEI nº 37881/2023/MGI (37696568):
Assunto: Regularização Cartorial_Conjunto Habitacional Aritana
Senhor Superintendente,
Sumário Executivo
Trata-se de imóvel denominado Conjunto Habitacional Aritana, localizado na Av. Sargento Silvino Machado, n° 217, bairro da Imbiribeira, Recife-PE.
O imóvel é objeto de REURB-S instaurada pela Secretaria de Habitação - SEHAB por meio da Portaria n° 01/2020 - GAB/SEHAB e está inserido na ZEIS ARITANA.
O processo foi encaminhado ao SEINC para "análise da incorporação e desmembramento (se for o caso)".
A presente Nota técnica tem o objetivo de analisar a situação dominial do imóvel para realização de consulta jurídica à CJU.
ANÁLISE
Do imóvel
O imóvel localiza-se na na Av. Sargento Silvino Machado, n° 217, bairro da Imbiribeira, Recife-PE e é composto por 2 Blocos residenciais, denominados Bloco A e Bloco B.
O Bloco A possui área de 1.166,88m2 o Bloco B possui 647,99m2 conforme Planta Georreferenciada (22031139) e Memorial Descritivo (22031140) apresentados pelo município.
De acordo com o Despacho 22396264 o Bloco A é conceituado como terreno acrescido de marinha e o bloco B é conceituado como terreno de marinha e acrescido de marinha.
Da Situação Cartorial
Os dois Blocos que compõem o Conjunto Habitacional Aritana estão inseridos na Matrícula n° 75.932, referente a uma área de 17.122, 50 m² (37054143).
Os Blocos A e B juntos totalizam 1.814,87 m². O restante da Matrícula, com 15.307,63m², não faz parte do pedido de REURB da prefeitura.
A área da matrícula é denominada área 4, parte verde, que integra a ZEIS Aritana, integrante do Loteamento Parque Júlio César, registrado sob n° de Ordem 144 em 1962.
Verifica-se que na época do registro do Loteamento, a área foi classificada como área verde e tratava-se, portanto, de um bem de uso comum do povo.
Em que pese se tratar de terreno de marinha/acrescido de marinha, a natureza jurídica não está registrada na matrícula.
Observa-se ainda que, mesmo se tratando de área verde, a Matrícula n° 75.932 foi aberta em nome de particulares, Isabel Araújo Gomes da Costa e seu marido Otacílio Gomes da Costa, o que pode ser justificado pela legislação vigente na época do registro do loteamento (ver itens 21 a 23).
Na mesma data da abertura da matrícula foi realizada averbação AV-1-75.932 de desafetação da área 4 pelo município do Recife, nos termos do Decreto Municipal n° 18.318/99 (37584421).
Em seguida foram feitos diversos registros de CDRU pelo município a particulares, equivalentes a frações ideais do terreno.
Da dominialidade das áreas verdes de loteamentos
De acordo com o artigo 22 da Lei 6.766/79 as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo pertencem ao município, desde a data de registro do loteamento.
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
A transferência para o município também é prevista na Lei 13.240/2016, que trata dos parcelamentos localizados em terrenos de marinha.
Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União.
Quanto a esta questão, o Parecer n. 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU (37696470) esclarece que a transferência mencionada no artigo acima citado recai sobre a propriedade (domínio pleno) do imóvel, desde que o terreno seja suscetível de alienação do domínio pleno.
O Parecer esclarece ainda que o Art. 15 da Lei n.º 13.240/2015 se aplica também aos loteamentos registrados desde a Lei nº 6.766/1979.
Neste ponto cabe ressaltar que o Parecer não mencionou os loteamentos anteriores à Lei 6.766/1979, caso do imóvel analisado, que foi registrado com base no Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937.
O mencionado Decreto-Lei não transferia automaticamente os espaços públicos para o Poder Público Municipal, apenas os tornava inalienáveis. Portanto, tais espaços eram, na época, registrados em nome do loteador.
A partir de 1967, com o advento do Decreto Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, as vias e praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, passaram a integrar o domínio público do Município desde a data da inscrição do loteamento (artigo 4º do decreto 271/67).
A Lei de Registros Públicos, por sua vez, prevê, no seu parágrafo 3º do artigo 195-A, que não será exigida, para transferência de domínio, a formalização da doação de áreas públicas pelo loteador.
§ 3o Não será exigido, para transferência de domínio, formalização da doação de áreas públicas pelo loteador nos casos de parcelamentos urbanos realizados na vigência do Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937.
Portanto, em resumo, podemos concluir que:
A partir de 1967 as vias e praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos integrantes de loteamentos registrados passaram a integrar o domínio público do Município.
Os loteamentos registrados antes desta data não precisam de formalização da doação para que ocorra a transferência de domínio das áreas públicas para o município.
No caso de loteamentos localizados em terrenos de marinha, a transferência do domínio para o município é plena, desde que o terreno seja suscetível de alienação do domínio pleno.
Resta esclarecer se esta suscetibilidade de alienação a que se refere o Parecer n. 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU é referente ao imóvel original, antes do registro do loteamento, ou ao imóvel resultante do loteamento registrado.
Da dominialidade do imóvel em análise
Em que pese ter sido aberta em 24/02/2000, a Matrícula n° 75.932 foi registrada em nome de Isabel Araújo Gomes da Costa e seu marido Otacílio Gomes da Costa.
Essa questão pode ser explicada, salvo melhor entendimento, pelo fato de que o Loteamento Parque Júlio César foi registrado com base no Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937, que, na época, não transferia automaticamente os espaços públicos para o Poder Público Municipal, apenas os tornava inalienáveis.
Considerando o disposto no parágrafo 3º do artigo 195-A da Lei de Registros Públicos, não seria necessário formalizar doação da área para que o município exercesse a sua dominialidade sobre a mesma, o que de fato aconteceu, visto que na mesma data foi realizada averbação AV-1-75.932 de desafetação da área 4 pelo município do Recife, nos termos do Decreto Municipal n° 18.318/99 (37584421) e em seguida foram feitos diversos registros de CDRU a particulares, equivalentes a frações ideais do terreno.
As áreas onde se localizam os imóveis beneficiados pelas CDRUs estão identificadas na planta 22031139 e não coincidem com as áreas objeto da presente demanda (Bloco A e Bloco B).
Nesse contexto, considerando a AV-1-75.932, é importante esclarecer se com a desafetação da área, que deixou de ser um bem de uso comum do povo, o imóvel continuou sendo de domínio do município (já que a transferência foi do domínio pleno) ou retornou para o domínio da União, visto se tratar de terreno de marinha/acrescido de marinha.
Da situação Cadastral
Os Blocos A e B encontram-se cadastrados no SIAPA sob RIPs 2531 0143140-05 (9623563) e 2531 0143141-88 (9623610) respectivamente, ambos disponíveis.
A área remanescente da Matrícula n° 75.932, com 15.307,63m², não possui cadastro.
Conclusão
O processo foi encaminhado ao SEINC para análise da incorporação e desmembramento (se for o caso).
Tendo em vista o exposto na presente NT, entendemos que, antes de qualquer medida de regularização cartorial, faz-se necessário esclarecer algumas dúvidas que surgiram na análise da questão dominial do imóvel.
Diante do exposto, sugiro o encaminhamento do Ofício 114795 (37697707) e da presente NT à CJU, para que responda aos seguintes questionamentos:
A "suscetibilidade de alienação" mencionada no Parecer n. 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU (37696470) é referente ao imóvel original, antes do registro do loteamento, ou ao imóvel resultante do loteamento registrado? No caso concreto do imóvel analisado, por se tratar de bem de uso comum do povo (inalienável, portanto, após o registro do loteamento) houve transferência do domínio pleno para o município ou apenas do domínio útil?
Com a desafetação da área através do Decreto 18.318 (37584421), o domínio pleno retorna para a União?
Recomendação
Encaminhar o Ofício 114795 (37697707) para a CJU.
Distribuído ao subscritor segundo as regras ordinárias da e-CJU/Patrimônio.
Tudo lido e analisado, é o relatório.
O respeitável PARECER n. 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU, reafirmado no PARECER n. 00611/2020/CJU-PE/CGU/AGU, NUP: 10154.111211/2020-29 adotou o entendimento de que o art. 15 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, transfere a PROPRIEDADE do imóvel ao Município:
Dispõe o art. 15 da Lei nº 13.240/2015, verbis:
Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União.
De início, é importante destacar que o referido artigo surgiu a partir da necessidade de esclarecer o alcance do art. 22 da Lei 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano), onde já constava expressamente o termo “domínio”, deixando claro que o referido artigo também se aplicava a União. Prevê o citado artigo 22, verbis:
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) (Grifo nosso)
Em ocasião anterior ao início da vigência da Lei nº 13.240/2015, através do PARECER Nº 0981 – 5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP: 0380.002274/83-07), a CONJUR-MP entendeu que a transferência a que se referia a Lei de Parcelamento do Solo Urbano se restringia ao domínio útil, uma vez que os terrenos de marinha ainda eram insuscetíveis de alienação do domínio pleno, o que foi mitigado pela própria Lei nº 13.240/2015, ao criar a “faixa de segurança”. Por guardar relação com a linha de raciocínio aqui desenvolvida, pedimos vênia para transcrever parte do referido Parecer:
(...)
Feito esse registro, observa-se que, com a edição da Lei nº 13.240/2015, as dúvidas quanto à aplicação do art. 22 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano aos imóveis da União caíram por terra, uma vez que a análise da primeira lei em cotejo com a segunda permite concluir pela aplicação desta última também aos imóveis da União.
No tocante ao primeiro questionamento:
“a. O artigo 15 em tela se aplica aos casos/loteamentos anteriores à Lei n.º 13.240/2015?”, entendemos que SIM. O referido artigo 15 se aplica aos loteamentos desde a edição da Lei nº 6.766/1979, que trata do Parcelamento do Solo Urbano, onde no art. 22 do citado diploma normativo já se previa a transferência do domínio dos logradouros públicos neles citados aos Municípios.
Em relação ao segundo questionamento: “b) A transferência mencionada no dispositivo recai sobre a propriedade do imóvel?”, entendemos igualmente que SIM, desde que o terreno seja suscetível de alienação do domínio pleno, pelas razões expendidas no início do presente tópico.
Em sentido oposto, o r. PARECER n. 00267/2020/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, NUP: 04902.200183/2015-43 entendeu que o art. 15 da Lei 13.240/2015 transferiu somente a GESTÃO aos Municípios. Observe-se:
De imediato, constata-se que a Lei referenciada na consulta – Lei nº Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, dispõe especificamente sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos, consoante expressa redação de seu art. 1º, caput:
(...)
Como visto, o dispositivo legal menciona claramente três formas envolvendo imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos: a administração, a alienação, e a transferência de gestão, sendo esta última a qual nos interessa, conforme narrada na consulta.
Na sequência, o parágrafo segundo do mesmo artigo afasta sua aplicação a imóveis da União que sejam administrados pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministério da Defesa ou pelos Comandos da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica ou que estejam situados na Faixa de Fronteira de que trata a Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979 , ou na faixa de segurança de que trata o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Temos aí então a primeira barreira para a transferência caso o imóvel em questão esteja enquadrado em uma das situações descritas. A certificação nos autos a este respeito torna-se então necessária.
Por sua vez, o art. 15 da já citada Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, estipula o seguinte:
Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União.
Extrai-se do artigo supra, que a transferência (de gestão) para Municípios e ao Distrito Federal de logradouros públicos localizados em terrenos de domínio da União, não se dá de forma automática. Entende-se que primeiro há de ser comprovada a especificação de “logradouro público”; E que o mesmo é integrante de parcelamento do solo para fins urbanos, aprovado ou regularizado pelo poder local e registrado no cartório de registro de imóveis, como exige a norma federal acima citada.
O r. PARECER n. 00083/2020/CJU-PE/CGU/AGU NUP: 10154.123482/2019-93, embora não enfrente diretamente o tema, menciona a transferência de gestão:
Outro ponto que deve ser analisado pela Superintendência de Patrimônio da União no Estado do Paraná é se o imóvel em questão está localizado em logradouro público, pertencente a parcelamento do solo para fins urbanos aprovado ou regularizado, e registrado em cartório de registro de imóveis, situação em que tal imóvel teria sido transferido para o Município, nos termos dos art. 15 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, in verbis:
"Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União."
Uma vez constatada ser esta a situação, não há que se falar em Autorização de Obras, posto que o imóvel teria passado para a gestão Municipal.
O d. PARECER n. 00058/2020/CJU-PR/CGU/AGU, NUP: 10154.124496/2019-24, embora mencione a legislação sob análise, não aprofunda a discussão, mas consigna que não haveria transferência de propriedade em casos de terreno de marinha/acrescidos:
Outro ponto que deve ser analisado pela Superintendência de Patrimônio da União no Estado do Paraná é se o imóvel em questão está localizado em logradouro público, pertencente a parcelamento do solo para fins urbanos aprovado ou regularizado, e registrado em cartório de registro de imóveis, situação em que tal imóvel teria sido transferido para o Município, nos termos dos art. 15 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, in verbis:
"Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União."
Considera-se que a informação do Despacho do Núcleo de Caracterização e Incorporação da SPU-PR (SEI 6141581), de que as áreas objeto do requerimento de Autorização de Obra, apresentado pelo Município de Paranaguá-PR, dentre as quais a analisada neste opinativo, "são terrenos de marinha e acrescidos, sem matrícula, e não há cadastro no sistema patrimonial", afasta a hipótese da transferência prevista no art. 15 supra citado.
De qualquer modo, tratando-se de logradouro público, recomenda-se expressa manifestação sobre a não configuração da circunstância prevista no art. 15 da Lei nº 13240/2015, posto que, caso contrário, não haveria que ser falar em autorização de obra em imóvel da da União.
O PARECER n. 00127/2020/CJU-PE/CGU/AGU, NUP: 10154.134173/2019-49, também tangencia o tema, sem necessidade de investigar se a transferência é de propriedade ou de gestão:
Pois bem. Feita essa breve consideração, entendemos que, no caso sob exame, o primeiro aspecto a ser avaliado é se parte da área ocupada está localizada em logradouro público, pertencente a parcelamento do solo para fins urbanos, aprovado ou regularizado pelo poder local e registrado no cartório de registro de imóveis. Em caso afirmativo, conforme preceitua o art. 15 da Lei nº 13.240/2015, referido logradouro teria sido transferido ao Município por força de lei.
Assim, por cautela, recomendamos que o Órgão Consulente solicite esclarecimentos ao Município em questão, a fim de se certificar se a área objeto do Convênio inclui parte de logradouro público, uma vez que, nos termos do §4º do art. 11, da Lei nº 9.636/1998, "Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente da celebração de convênio para esse fim." Logo, ocupações privativas em áreas consideradas de uso comum do povo, devem ser combatidas, pois não são passíveis de apropriação particular, situação essa que, uma vez configurada, constitui clara ofensa ao interesse público.
O PARECER n. 00848/2019/CJU-MG/CGU/AGU, NUP: 04926.000275/2019-81 também aborda o dispositivo legal, mas não analisa se a transferência seria de propriedade ou de gestão:
O art. 15 da Lei nº 13.240, de 2015 dispôs que:
Art. 15. Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União.
Referido dispositivo não foi objeto de regulamentação ulterior, e, salvo melhor juízo, por sua própria literalidade, importou sim na transferência automática aos Municípios e ao Distrito Federal dos logradouros públicos localizados em terrenos da União que tenham sido previamente “aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis.
O PARECER n. 00544/2018/CJU-RS/CGU/AGU, NUP: 04902.000296/2018-93, entende que a transferência é de gestão, com relevantes fundamentos:
MATÉRIA JÁ APRECIADA PELA CONSULTORIA DO MPOG E PELA SPU
2. No curso da pesquisa necessária à redação deste Parecer, encontramos apresentação elaborada pela própria SPU/MPOG, em conjunto com a Consultoria Jurídica daquele Ministério, referente a Audiência Pública sobre o tema “Lei 13.240/2015 e seu impacto nas políticas de gerenciamento costeiro” (disponível em http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/eventos/audiencia-publica/audiencia-publica-sobre-a-lei-no-13-240-2015-e-seu-impacto-nas-politicas-de-gerenciamento-costeiro-24-06-brasilia-df/ApresentacaoAndre.pdfcompetência), que nos parece responder aos termos da consulta, e cuja leitura recomendamos, em especial pela descrição minuciosa dos instrumentos necessários à transferência de gestão decorrente do disposto nos arts. 14 e 15 da Lei nº 13.240/15.
3. Do referido ato, vemos que o escopo da Lei foi o de “transferir aos Municípios litorâneos a gestão das praias marítimas urbanas (bens da União por força do art. 20, inciso IV, da CF), inclusive os bens de uso comum do povo com exploração econômica”. Especificamente quanto à transferência de que trata a presente consulta, conta da apresentação em comento o que se segue:
FORMALIZAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA: assinatura de termo de adesão com a União, o qual deverá ser disponibilizado no site do Ministério do Planejamento para preenchimento eletrônico.
-Apesar desta sistemática, a União não está obrigada a acatar a transferência de gestão requerida pelo Município, pois:
1.se o inciso III do § 2º deste art. 14 da Lei nº 13.240/2015 diz que a União pode retomar a gestão, a qualquer tempo, por razões de interesse público, parece claro que ela pode negar a transferência;
2.O § 3º deste art. 14, que foi vetado, previa exatamente a obrigatoriedade dessa transferência no caso de Municípios que tenham aprovado, até 31 de dezembro de 2010, plano diretor, nos termos da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Nas razões do veto, afirma-se que “a transferência da gestão de praias marítimas urbanas a Municípios litorâneos deve ser faculdade da União, já que a obrigatoriedade afastaria a necessidade de assinatura de termo de adesão, resultando na dificuldade de imposição aos Municípios de regulamentação e fiscalização da União em decorrência da transferência” (Grifamos).
4. Nesse contexto, nos parece que a especificação sobre os logradouros públicos no art. 15 da Lei em comento se vincula estritamente à regra do art. 14, dirigindo-se à mesma situação de fato, v.g., ocupação de terrenos de marinha. Logradouros públicos são espécie do gênero “bens de uso comum do povo”. Ora, se situados em parcelamento urbano autorizado na forma do Plano Diretor do Município, nos parece que o mecanismo de transferência há de ser o mesmo utilizado para os fins do art. 14, inclusive sujeito aos mesmos prazos, e à mesma sorte que eventualmente tiver a área em que localizados os imóveis servidos pelos logradouros públicos sobre os quais versa a indagação, aos quais se liga por relação de acessoriedade, sendo de se observar que no “caput” do art. 14 transferiu-se apenas a gestão, e não o domínio, pois o domínio da União sobre os referidos terrenos tem sede constitucional, não podendo ser transferido por via legislativa.
5. O instrumento nos parece ser, portanto, o mesmo termo de adesão referido no parágrafo anterior. Quanto à questão temporal, observamos que o ato depende de verificação de situação de fato que pode se dar a qualquer momento, já que o art. 15 não nos parece norma de eficácia limitada no tempo, contendo como condicionante apenas que os logradouros públicos se localizem em parcelamentos do solo feitos pelo Município, o que, na verdade, é um truísmo, vez que a Constituição atribuiu aos municípios competência privativa para esse mister, consoante seu art. 30, VIII. E nos parece igualmente truísmo a disposição do art. 15, na medida em que transfere ao Município a gestão de logradouro público, que, pelo mandamento constitucional citado, já é de sua responsabilidade, sem prejuízo do domínio resultante do mandamento constitucional sobre a titularidade dos terrenos de marinha, harmonizando-se o citado mandamento com o art. 20, VII da CF, para concluir que o domínio do terreno de marinha cabe à União, e a gestão dos logradouros públicos que sobre eles forem edificados cabe ao Município.
6. Ao terminar, fazemos uma ressalva: a participação da CJ/MPOG na Audiência Pública à qual se reporta o painel transcrito nesta peça, em conjunto com a própria SPU/MPOG, nos leva a recomendar ao órgão consulente que dirija ao seu órgão central e à CJ/MPOG consulta, evitando-se eventuais orientações divergentes, e considerado o grau de minúcia com o qual a SPU e a CJ/MPOG dedicaram à exposição da matéria. Isso, ainda que não se cuide de parecer, posto que, sem embargo da participação do órgão de assessoramento jurídico do Ministério, o documento apontado faz transparecer a existência de uma política de gestão sobre o tema no órgão central de gestão de patrimônio ao qual o consulente está hierarquicamente subordinado.
O PARECER n. 01189/2017/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, NUP: 05047.000041/2002-53, entendeu que ocorreria a transferência da propriedade:
8. Conforme levantado pela Secretaria do Patrimônio da União, o art. 15 da Lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, determina que: "Ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos,pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União."
9. Como se extrai da leitura do dispositivo normativo transcrito acima, com o advento da Lei nº 13.240/15, os logradouros públicos inseridos em área da União cujo solo foi objeto de parcelamento para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrado no cartório de registro de imóveis são automaticamente transferidos ao respectivo Município, não havendo mais necessidade de celebração de doação com fulcro no art. 31, I, da Lei n. 9.636/98. Ou seja, a transferência independe de ato volitivo da União ou do Município, decorrendo diretamente da lei (ex lege).
10. De certa forma, essa questão não é inédita nesta CONJUR. Antes mesmo do advento da Lei nº 13.240/15, enfrentamos situação semelhante envolvendo o art. 22 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cujo teor, embora não fale especificamente em imóveis da União, a ela naturalmente já se aplicava (PARECER Nº 0981 –5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU - NUP 0380.002274/83-07). Verbis:
“Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio.” (grifo do original)
11. Naquela oportunidade, entendemos que a transferência nesses casos ao Município “independe da lavratura da escritura ou registro de propriedade, ocorrendo ex lege com o registro do loteamento”. Com isso, temos por respondida a questão em tese formulada pela SPU.
(...)
14. Nesse sentido, a única conclusão possível (uma vez adotada a premissa de enquadramento no art. 15 da Lei nº 13.240/15) é a que afasta qualquer possibilidade de doação no caso em voga. Seja porque a União não é mais dona, seja porque o imóvel já é de propriedade do Município.
Vale ainda mencionar a NOTA n. 2.812/2018/PGU/AGU, NUP: 00405.002050/2016-44, que tratou de diversas divergências surgidas no âmbito da PGU, dentre as quais a interpretação do art. 15 da Lei 13.240/2015:
Além das ponderações a respeito do art. 14 da lei (referente à transferência da gestão), a PU/SC fez questionamentos quanto ao art. 15 da Lei 13.240/2015, o qual prevê que "ficam transferidos aos Municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos, pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, localizados em terrenos de domínio da União". Os principais questionamentos da procuradoria foram os seguintes:
"1. Os termos da norma 'regularizados e aprovados pelo poder local' quer dizer que está dispensada a anuência prévia da União aos parcelamentos do solo em área de sua propriedade?
2. O poder público está dispensado de observar a legislação patrimonial e ambiental (mais restritiva) federal?
3. Caso negativa a resposta anterior, qual a postura das Procuradorias da União no enfrentamento da questão, nos diversos feitos em que litiga em face dos municípios em razão de logradouros públicos 'autorizados' ou 'regularizados' por tais entes em áreas da União (terrenos de marinha e seus acrescidos, inclusive manguezais) e que sejam destinados à preservação ambiental (dunas, restingas, manguezais, matas ciliares de corpos hídricos e outras apps)?"
O Parecer nº 856/2017/DPC/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU, posterior à edição da lei, tratou apenas do art. 14 da Lei nº 13.240/2015, uma vez que examinou minuta de portaria que aprovou o modelo de termo de adesão. Apesar de ter objeto específico, os entendimentos firmados no parecer podem e devem orientar a atuação de procuradorias da União em demandas judiciais relacionadas, pois nele se faz, pelo órgão competente de consultivo, a interpretação de legislação federal.
De outro lado, o Parecer nº 981-5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU (com trecho transcrito acima) é anterior à Lei nº 13.240/2015. O parecer nº 981 não tinha esse como objeto principal, mas tratou do art. 22 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, sendo que a SPU entende que o art. 14 da Lei nº 13.240/2015 objetivou elucidar o exposto nesse artigo da Lei nº 6.766/1979.
Assim, o Parecer nº 981-5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU pode ser indicativo de parte do entendimento da CONJUR/MP a respeito do art. 15 da Lei nº 13.240/2015, mas não é manifestação elaborada para tratar desse dispositivo.
Além disso, em pesquisa no SAPIENS, a respeito do art. 15 da Lei nº 13.240/2015 foi possível encontrar as manifestações jurídicas juntadas na sequencial 44, elaboradas por CJU's e CONJUR/MP. Ocorre que tais manifestações não enfrentaram questionamentos similares aos formulados pela PU/SC. Portanto, quanto às perguntas da PU/SC, o mais adequado é que se remeta o processo à CONJUR/MP, solicitando manifestação.
Acredita-se que a solicitação de parecer à CONJUR/MP é importante e atenderia, por exemplo, ao disposto no art. 30 do Decreto-lei nº 4.657/1942 (aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas).
A propósito, observe-se, por exemplo, que uma das manifestações de CJU's juntadas na sequencial 44 entende que a transferência de domínio do art. 15 está vinculada à transferência de gestão. Assim, ao que parece, a matéria exige uma melhor explicitação pelos órgãos consultivos.
Nesse sentido, importa anotar que Lei nº 6.766/79 disciplina o parcelamento do solo urbano, e, portanto, somente pode regular a destinação de imóvel da União quando autorizado pela União, pois, logicamente, não se pode realizar loteamento ou desmembramento de imóvel da União sem que essa permita. Exatamente por isso o Parecer nº 981-5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU entendeu possível o reconhecimento, na realização de parcelamento, da transferência de domínio útil. Na hipótese tratada no parecer (um caso concreto), havia para a área da União previsão de constituição de loteamento.
Assim, se a SPU estiver correta quando assevera que o art. 15 da Lei nº 13.240/2015 tem fim elucidar o disposto na Lei do Parcelamento do Solo, não poderia ocorrer a transferência de domínio de imóvel da União para o município, no parcelamento do solo, sem a participação da União, anuindo ao ato.
No entanto, a redação do art. 15 pode levar a interpretações diversas. O parecer da CONJUR/MP juntado na sequencial 44, por exemplo, parece indicar a desnecessidade de ato de vontade da União para que a transferência de domínio se efetive.
Em face do exposto, considerando que a instauração deste processo eletrônico teve por fim orientar procuradorias da União de acordo com a interpretação legislativa que se consagrar na Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (CONJUR/MP), foram explicitados acima entendimentos, para a aplicação do art. 14 da Lei 13.240/2015, que podem ser extraídos de regulamento da SPU e de parecer da CONJUR/MP.
Quanto ao art. 15 dessa lei, considera-se prudente solicitar o pronunciamento da CONJUR/MP.
A questão foi apreciada na NOTA n. 00661/2020/WWGS/CPU/PGACPNP/PGFN/AGU, NUP: 00405.002050/2016-44:
De início, registre-se que a presente manifestação restringir-se-á às questões de competência desta Consultoria Jurídica, ou seja, no que diz respeito à legislação patrimonial da União.
A atividade de parcelamento do solo urbano é regulada, em todo o território nacional, pela Lei Nacional n. 6766/79. São estabelecidas por lei basicamente duas modalidades de parcelamento do solo, o loteamento definido como “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação e ampliação das vias existentes” (Lei 6766/79, art. 2°, §1°) e o desmembramento que consiste na “subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes” (Lei 6766/79, art. 2°, §2°).
Um dos requisitos para o registro de loteamento ou desmembramento, é o título de propriedade ou certidão da matrícula a demonstrar autorização do titular do domínio para o parcelamento a ser realizado pelo loteador.
"Lei 6766/79
Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:
I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4o e 5o; (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)"
As áreas de propriedade da União em que não há nenhum tipo de utilização regular por parte do particular, não precisam de maiores comentários, uma vez que eventual parcelamento do solo nessas áreas seria levado a efeito pela própria União.
A questão levantada pela PU/SC sobre eventual desnecessidade de anuência da União nos parcelamentos do solo de sua propriedade, talvez diga respeito àquelas áreas que estão sendo utilizadas por particulares, cujo domínio, mesmo que não seja o pleno, pertence à União. Ante a existência de uma vasta gama de modalidades de destinação de imóveis da União para os particulares, vamos nos deter sobre aquelas que são mais frequentes e que guardam relação com a aplicação do art. 15 da Lei nº 13.240/2015.
Em resposta ao primeiro questionamento da PU/SC, entende-se que eventual parcelamento do solo em área de domínio da União, deve, necessariamente, contar com a sua anuência, sob pena de tratar-se de prática ilegal. Deve-se, contudo, adotar uma interpretação restrita do termo “domínio da União”, contido no art. 15 da Lei nº 13.240/2015, devendo considerá-lo como “domínio pleno da União”, uma vez que nos casos de aforamento, em que União detém apenas o domínio direto das áreas, não seria correto afirmar que o parcelamento do solo ocorreu em área de domínio da União.
Entende-se, portanto, que o art. 15 da Lei nº 13.240/2015 não se aplica aos imóveis da União que estão sob o regime enfitêutico, uma vez que são transferidos para o foreiro direitos reais sobre a propriedade. Atente-se, todavia, que neste caso, eventual loteamento realizado por parte do foreiro resultando em abertura de logradouros públicos, terá o efeito de transferir para o Município apenas o domínio útil sobre tais áreas. Nesse sentido, manifestação desta Consultoria Jurídica por meio do PARECER Nº 0981 – 5.12/2014/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU:
“68. No caso dos autos, tendo em vista que a área se caracteriza pela existência terrenos de marinha e acrescidos, podemos interpretar que a municipalidade não adquire o domínio pleno com o registro do loteamento, mas o domínio útil, que é o direito titularizado pela instituidora do loteamento. Ademais, vale lembrar que ainda não há delimitação da faixa de segurança mencionada no art. 49, parágrafo 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o que impede a alienação do domínio pleno dessas áreas pela União, aplicando-se o regime de aforamento. Verbis:”
Caso diverso, é aquele que diz respeito às áreas da União que estão sob o regime de ocupação. Aqui, a União continua com o domínio pleno do imóvel, transferindo a terceiro, a título precário, tão somente o direito de ocupar o imóvel, no pressuposto de que há o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante. A inscrição de ocupação é o reconhecimento de uma situação de fato e não gera direito real sobre o imóvel.
Regra geral, não é permitido ao ocupante desmembrar ou lotear o terreno que ocupa, repita-se, a título precário. Todavia, a legislação patrimonial traz algumas exceções à regra geral. O §6º do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87, permite o desmembramento ou loteamento para ocupantes que possuam o direito ao aforamento gratuito sobre o imóvel, cujas hipóteses estão elencadas nos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei 9.760/46.
Além desses casos acima citados, permite-se ainda nas situações em que a própria União, em razão do interesse público, realiza o desmembramento ou loteamento, ou quando há solicitação do próprio ocupante, comprovando a existência de benfeitoria suficiente para caracterizar, nos termos da legislação vigente, o aproveitamento efetivo e independente da parcela a ser desmembrada. Segue o dispositivo legal:
"Decreto-Lei 2.398/87
Art. 3º (....)
§ 6o É vedado o loteamento ou o desmembramento de áreas objeto de ocupação sem preferência ao aforamento, nos termos dos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, exceto quando: (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
a) realizado pela própria União, em razão do interesse público; (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
b) solicitado pelo próprio ocupante, comprovada a existência de benfeitoria suficiente para caracterizar, nos termos da legislação vigente, o aproveitamento efetivo e independente da parcela a ser desmembrada. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)"
Assim, conclui-se que a autorização de parcelamento do solo em regime de ocupação é um ato administrativo emanado após o requerimento do interessado. Após a análise do órgão patrimonial e com eventual deferimento do pleito é que parcelamento do solo pode ocorrer licitamente.
No mais, é oportuno apontar que a realização de parcelamento do solo sem prévia solicitação e sem o devido respeito ao disposto na legislação patrimonial vigente, além de demandar a aplicação do art. 10 da Lei nº 9.636/98, impossibilita o reconhecimento de existência de boa-fé do inscrito, motivo pelo qual não há que se falar em indenização por eventuais benfeitorias realizadas.
O art. 15 da Lei nº 13.240/2015, amolda-se perfeitamente aos casos acima onde houve loteamento com a abertura de logradouros públicos. Note-se, que sem o dispositivo em comento, haveria a necessidade de doação das áreas ocupadas por logradouros públicos para o Município, para que este pudesse pavimentar as ruas, construir as praças, instalar iluminação pública, etc.. Com a aplicação do dispositivo, estas áreas já são transferidas ex lege para o Município.
Na página do DECOR (https://agudf.sharepoint.com/sites/cgu/Lists/PARECERES%20DECOR/AllItems.aspx?web=1&CT=1697030476416&OR=OWA%2DNT&CID=8594e51d%2Dc152%2D83ed%2D83ff%2D9418a72e3e13) não foi identificada nenhuma uniformização.
Em resumo, foram detectadas no âmbito da Consultoria Geral da União pareceres com entendimentos divergentes, alguns entendendo que o art. 15 da Lei nº 13.240/2015 transfere a gestão e outros entendendo que transfere a propriedade.
Como visto acima, não há solução simples, já as interpretações são igualmente plausíveis. Mas, com a devida vênia aos que esposaram entendimento diverso, parece-nos que a Lei transferiu somente a gestão.
A Exposição de Motivos n° 124/MP-2015, que encaminhou a MEDIDA PROVISÓRIA Nº 691, de 31 de agosto de 2015 (convertida na Lei 13.240) ao Congresso Nacional, explica:
10. Ainda no âmbito dos imóveis em áreas de domínio da União, propõe-se autorizar a União a transferir aos municípios litorâneos a gestão das praias marítimas urbanas, ressalvadas as áreas consideradas essenciais para a estratégia de defesa nacional, as reservadas a órgãos ou entidades públicas federais, corpos d’água e unidades de conservação federais. Dessa forma, transfere-se aos municípios a gestão de áreas nas quais não apenas eles são os maiores interessados, mas, dada a proximidade física, os entes com maior capacidade de fiscalização.
11. Nesta mesma linha de raciocínio, propõe-se ainda, transferir aos municípios e ao Distrito Federal os logradouros públicos pertencentes a parcelamentos do solo para fins urbanos aprovados ou regularizados pelo poder local e registrados nos cartórios de registro de imóveis, quando localizados em terrenos urbanos de domínio da União.
Parece-nos que tanto a transferência do art. 14 quanto a do art. 15 tratam da gestão. A diferença é que a transferência do art. 15 é automática ("ficam transferidos"), enquanto a do art. 14 ("autorizada a transferir") depende da adesão.
E a transferência do art. 15 é automática porque o Município já aprovou tais logradouros públicos ("aprovados ou regularizados pelo poder local"), cabendo-lhe a gestão por disposição constitucional (art. 30, VII, da CF).
Assim, a norma autoriza a transferência automática da gestão dos logradouros que menciona aos Municípios, independentemente de adesão, enquanto durar a afetação.
A expressão "localizados em terrenos de domínio da União" contida na parte final do art. 15 parece ratificar esse entendimento: transfere-se a gestão dos logradouros públicos, que continuam localizados em domínio da União.
Além disso, a previsão contida no art. 22 da Lei 6.766/79 pressupõe que o empreendedor seja proprietário do imóvel (arts. 2º-A e 18 da mesma Lei). Se o loteamento não foi feito ou autorizado pela União, não se pode concluir que sua propriedade foi transferida por quem não a detinha para o Município.
Prevalecendo esse entendimento, uma vez desafetado, o imóvel retorna à gestão a União.
A "suscetibilidade de alienação" mencionada no Parecer n. 00418/2020/CJU-PE/CGU/AGU (37696470) é referente ao imóvel original, antes do registro do loteamento, ou ao imóvel resultante do loteamento registrado? No caso concreto do imóvel analisado, por se tratar de bem de uso comum do povo (inalienável, portanto, após o registro do loteamento) houve transferência do domínio pleno para o município ou apenas do domínio útil?
Prevalecendo o entendimento aqui adotado, de que o art. 15 da Lei nº 13.240/2015 transfere somente a gestão, e não a propriedade, restaria prejudicada a análise desta questão.
Com a desafetação da área através do Decreto 18.318 (37584421), o domínio pleno retorna para a União?
Desafetado o imóvel, a gestão retorna à SPU, já que a propriedade nunca deixou de ser da União.
Ante o exposto, com as devidas vênias, parece-nos que o art. 15 da Lei nº 13.240/2015 transfere somente a gestão dos imóveis que menciona aos Municípios, permanecendo o Domínio da União. Com a desafetação do bem, a gestão retorna à SPU.
Considerando a divergência de entendimentos acima exposta, submeto a questão ao crivo do Exmo. Coordenador.
Brasília, 11 de outubro de 2023.
LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739101862202276 e da chave de acesso 46f4d248